Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 44
Discussão




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O gosto na boca é ácido e seco. Corrói um caminho dentro de mim deixando o vazio perturbador e doloroso. Não consigo evitar a culpa logo em seguida, vívida e apunhalante como um chicote nervoso atingindo meu corpo.

—Samir — falo tão baixo, quase um sussurro.

—O que foi? Não gostou? Eu jurava que sua cor favorita era vermelho.

Sem saber ao certo como agir, deixo o celular de lado seguindo até Samir, tão bem vestido de terno e cabelo arrumado, a barba crescida e o cheiro de rosas vermelhas se espalhando por ele. Abraço-o forte, tal como na noite anterior. Seu peito vibra e eu vibro com ele no momento de sua risada afetuosa antes de soltar o buquê e o presente para me abraçar de volta.

—Que recepção é essa? Gostei.

Encaixo o rosto no seu pescoço desejando que as coisas não se complicassem tanto. Mas já notei o nó quando ele estava amarrado na garganta, nada posso fazer se não tentar cortá-lo o mais rápido possível.

—Eu não posso.

—Não pode o quê?

Afasto o rosto. Solto Samir lentamente desviando os olhos.

—Não posso gostar de você.

O sorriso dele some. Sinto parte do meu coração quebrar junto com ele.

—Como assim, Elise? Ontem...

—Eu sei o que eu fiz — passo a mão pelos cabelos — Foi imaturo. Eu não pensei no que isso poderia significar pra você caso não desse certo.

—Mesmo assim fez.

—Fiz!

—Por que?

Junto as sobrancelhas.

—Como assim? Eu só senti que na hora...

—Você não teria beijado tanto alguém que não gosta, Elise. Não daquele jeito.

Encolho os ombros, confusa.

—De onde tirou essa ideia?

—Tá bem, entendi. Vou fazer ficar mais claro — Samir se aproxima de novo e captura meus ombros — Você não gosta de mim ou você não quer gostar de mim?

Os olhos dele estão firmes. Confiantes. Mesmo lhe contando, ele não parece nem um pouco abalado com minhas rejeições.

—Eu... Não! Não é porque eu não quero gostar de você! Eu quero! — seguro suas mãos — Você vem cuidando de mim de tantas formas diferentes... Não sabe o quanto seria mais fácil pra mim se fosse de você que eu gostasse.

Samir bufa. Expressivo, o lábio retraído em sarcasmo, uma sobrancelha arqueada, olhos opacos.

—Pode tentar.

—Venho tentando a meses e nós dois sabemos como deu certo.

—Deu! Ontem quem me beijou foi você!

—Eu queria tentar.

—Tentar! E deu certo?

—Não deu certo.

—Como pode ter tanta certeza?

Fecho os olhos por meio segundo, respirando fundo.

—Eu só sei.

—Desde quando prevê o futuro, Elise?

—Não é uma previsão, é um fato!

—Então me explica. Por que pra mim não faz sentido.

—Se fosse você no meu lugar ia desistir tão fácil? Ia só ligar um botão e deixar de gostar de mim pra gostar de outra pessoa?

Ele faz uma careta.

—Eu iria ao menos tentar.

—Não posso tentar.

—Me diz a razão!

—E se eu tentar e não conseguir? Hum? E se eu tentar e no meio do processo, quando você já estiver tão imerso nisso tudo que vai ser difícil aceitar o fim?

—Aí o problema é meu.

—O problema não é só seu!

—De quem mais?

—Eu não quero te ver sofrendo ainda mais por minha culpa.

—Por isso tá me dispensando de vez? Quebrando meu coração agora pra não ter que fazer isso depois?

—Não seja idiota. Eu só não quero ter que fingir gostar de você.

—Como o outro cara finge contigo?

—Ele não finge.

—Sabe disso como?

—Por que ele... — olho na direção da porta do quarto.

Arrependo-me de imediato. Samir entende algo diferente. Sua expressão passa de determinado para descrente e em seguida para em tristeza. Posso sentir seu coração partido e o meu o repete. Não imaginaria que vê-lo sofrendo me causaria tanta dor.

—Ele veio até você? Era sobre isso aquela ligação?

Nego com a cabeça.

—Eu não sei o que ele quer comigo — passo a mão pela testa — Talvez só precise da minha amizade.

—Dormiu com ele?

—Só dormi. A gente nem mesmo se beijou — toco meu braço, envergonhada.

—E como eu vou acreditar nisso?

Arregalo os olhos.

—O que acha que eu sou?

—Egoísta. Mas não sei se mentirosa também se enquadra nisso.

—É claro que não! Não faria isso se imaginasse que iria...

—Também não imaginou como aquele beijo me afetaria e aqui estamos nós — Samir se afasta alguns passos encarando o buquê e o presente — Não acredito que eu ia te dar flores.

—Samir...

—Não sente nada? — ele questiona, as sobrancelhas juntas — Nada mesmo?

—Eu... Samir... Eu...

Encolho-me com sua dor. Aproximo-me devagar, estendendo a mão até pegar as suas entre as minhas puxando-o um pouco mais perto e forçando o olhar de Samir a encontrar o meu.

—Você vem sendo a melhor pessoa do mundo pra mim. Odiaria te perder. Eu não quero te perder, mas... Mas eu não consigo te ver desse jeito.

Samir se afasta. Seus movimentos são mais rápidos e brutais, como se rasgasse um pedaço de papel.

—E eu não consigo te ver de outra forma. — ele umedece os lábios — Achei que tinha deixado claro. Eu quero você, Elise. Não consigo ser seu amigo.

Abraço meu próprio corpo.

—Se consegui ser amiga do Noah por que você não?

—Por que eu não tenho um estepe pra ligar sempre que você partir meu coração.

Magoa. As palavras fogem da minha boca e não faço nada além de encarar Samir por alguns longos segundos mais semelhantes a eternidade. Um rio de “e se” passa entre nós dois e me rendo a ficar quieta, alfinetada e com os olhos ardendo.

—Se você não consegue me ver de outra forma, eu não consigo mais continuar isso — Samir cutuca o buquê com a ponta do sapato — Não me ligue. Eu não vou atender.

Como um tornado, ele se vira levando consigo parte do meu peito. Dispara pelo corredor até o elevador e se vira, fechando as portas sem erguer o olhar na minha direção uma vez sequer. Meus ombros caem e o órgão em meu peito protesta aos meus olhos ardentes uma razão para não ir atrás dele.


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