Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 29
Louis Sprouse




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Massageio minha testa. Chorar me dá dor de cabeça. Não tão forte quanto as que sofro quando viro algumas noites, mas ainda é irritante. Catherine, trajada elegantemente com um short de tecido leve e creme e uma camiseta fluida amarela senta-se novamente ao meu lado na sala de estar, o sofá gigantesco em L permitindo-me deitar em seu colo e esticar as pernas se quisesse.

—Toma — estende um comprimido e copo de água — Vai melhorar.

Engulo o pequeno círculo branco e jogo metade do líquido para dentro. Minha mãe tira o copo das minhas mãos e puxa-me para seu peito. Quase rio da ironia. Ainda ontem estava consolando Yuri da mesma forma e hoje sou eu a ser consolada.

—Lizzie.

—Oi?

—Não ter um pai te magoou muito?

Penso um pouco. Relembrando dias em que ficava sozinha por ela ter que viajar e trabalhar, de ter como diversão os filhos de moças que eram contratadas para limparem a casa, lembro-me de um segurança queixar-se por eu parecer tão infeliz e ter tanto dinheiro.

—Não sei, mãe. Digo... Acho que antes não.

—E por que agora?

Escuto o coração dela. Bate calmo.

—Também não sei.

Minha mãe apoia o queixo em minha cabeça.

—Tudo bem eu continuar vendo o Joseph?

Assinto.

—O problema é seu pai, então.

Nego.

—Talvez o problema seja eu.

Sinto suas mãos deslizando pelo meu cabelo e fecho os olhos, apoiando todas as minhas emoções nela. A sua delicadeza, a sua forma, sua força e coragem. Queria ser como ela. Queria ser uma mulher forte e também alguém que não tivesse suprimido tanto. Meu peito parece se rasgar de dor e fechar-se com violência. Não é uma boa sensação.

—Talvez — minha mãe afaga meus cabelos — Posso te dizer o que eu penso?

—Pode.

—É uma coisa que uma velha como eu percebeu depois de alguns anos de experiência. Nada nunca é culpa de uma só pessoa. Entende? Tudo acontece não só pela sua influência como a de outras pessoas.

—Efeito borboleta?

—Isso. Essa dependência sensível ás condições.

Respiro fundo e expiro. Ela está certa. A responsabilidade não é só minha. Claro, grande parte do que me tornei foram influencias externas provocadas por outras pessoas, da mesma forma como minha percepção do mundo transformou-me. É confuso, mas pensar nisso alivia a dor.

—Mãe. Acha que eu virei uma pessoa normal?

Catherine solta uma risada curta e baixa.

—E quem define o que é normal? — beija minha testa — Agora eu acho que você finalmente está vivendo de verdade.

—Por que sofro?

—Porque sente. A vida é basicamente sofrer e tentar ser feliz da sua forma. Continuar indo em frente.

Abro os olhos, tentando ver sua expressão. Diferentemente da Catherine Jones nos jornais, fria, analista e cuidadosa, encontro novamente a mãe carinhosa que foi tão vital a mim com seu apoio durante toda a minha vida.

—Obrigada, mãe.

Ela sorri, amável como é apenas comigo. E bom, agora também Joseph deve ver esse lado dela. Se isso a faz feliz, não tenho problema algum. De algum jeito, sinto que isso aprofunda ainda mais o amor que sinto por ela, essa empatia e esse entendimento de que vem sendo minha família. Ela me ama.

***

Louis vai detestar me ver de cabelo amarrado. Sempre reclama sobre o quanto isso o deixa marcado e o quanto ele é belíssimo solto e naturalmente desarrumado. A única pessoa na face da Terra que faz isso soar um elogio. Após passar um tempo com minha mãe, apesar de suas periódicas saídas para atender o telefone, fico ainda o resto do dia e mais outro aproveitando essas sensações, avaliando minhas emoções e entendendo que apesar da racionalidade, minha mãe ama tanto quanto o possível.

Saio durante a noite pretendendo jantar na casa de Louis. É sexta e apesar de ter esquecido do carregador e simplesmente abandonar tudo na capital sinto-me tranquila. Agora, preciso lidar com os acessos de energia dela e fingir surpresa quando me contar sua novidade. Seus pais me adoram, é claro. Sendo assim, não vejo problema nenhum em aparecer sem avisar devido a familiaridade e o presente retirado do meu dinheiro dos shows no ensino médio. Só espero que a garrafa do vinho favorito deles recompense meu sumiço repentino.

Bato duas vezes na porta, novamente me sentindo diferente. Havia, por alguns segundos, realmente me sentido vazia como antes, contudo, fico grata de novamente conseguir me importar e sentir tanto. Me deixa feliz. Em paz. Confiro a calça jeans elástica e os sapatos roxos. São o presente da senhora Sprouse, então achei melhor vesti-los com a camisa de botões preta e mangas até os cotovelos. Uma combinação estranha, de fato.

A porta abre, a figura de cabelos escuros e desarrumados como se tivesse acabado de sair da cama está de olhos inchados, camiseta de algum desenho famoso, moletom e óculos pendurado na ponta do nariz. Repleta de sardas e ainda uma cabeça menor do que eu, Louis arregala as íris azuis para mim e fecha a porta repentinamente.

Suspiro, suas reações quase nunca são racionais.

—MÃE, PAI!

E claro, os gritos. Escuto-a discutindo descaradamente se não acabou ficando louca e se está mesmo me vendo do outro lado da porta. Abrem-na novamente, dessa vez outras duas figuras, um homem miúdo na esquerda e a mulher ruiva e tampinha na direita. Fecham a porta com violência novamente. Compreendo que realmente é uma surpresa eu simplesmente ir por conta própria até a casa deles, devido antes ser em grande parte Louis que me arrastava a todos os lugares. Ponho a mão na coluna, encarando o outro lado da rua sem saída, totalmente segura e perto de uma escolinha primária e uma creche.

—Nem fodendo!

Louis!

—Desculpe, pai.

A porta se abre pela terceira vez e continua aberta, as três pessoas dentro da pequena entrada encarando-me como se eu fosse um alienígena. Quase solto uma risada, estendendo o vinho na direção da Mrs. Sprouse. Ela aceita a garrafa, ainda assustada.

—Oi.

—Elise Brown? Elise Jones Brown?

Coço a nuca.

—Sabe que eu não uso o Jones.

Louis sorri, inteiramente banhada de felicidade e energia ao dar alguns pulinhos de animação e partir em um salto para me abraçar, quase lançando nós duas no gramado da sua casa. Envolvo meus braços ao seu redor enfiando o nariz no seu pescoço e sentindo o clássico aroma de petúnias. Continua magricela, de corpo quente e ombros largos.

—Não acredito que veio mesmo!

—Nem eu acredito ainda.

—Meu Deus, Elise! O que diabos aconteceu? Seu cabelo tá grande. Engordou um pouco, finalmente, quase parecia passar fome.... CRISTO, VOCÊ TÁ BRONZEADA?

—Calma, calma. Pelo amor de Deus, se acalma um pouco.

Louis solta uma risada, me aperta mais uma vez e solta, encarando-me de cima a baixo.

—Que sapatos terríveis.

—São presente da sua mãe. Você que escolheu eles, lembra?

—Jamais. Quer dizer, merda. Tenho um gosto peculiar.

Quase solto uma risada, notando o quão mais pálida ela parece estar e também os calos nas mãos e algumas cicatrizes pelos braços.

—Quero saber tudo o que aconteceu — pontuo erguendo a mão e tocando seu ombro.

Louis junta as sobrancelhas, confusa e expressivamente feliz pelo pedido.

—Você... Tá diferente. Me conte toda a fofoca no jantar — ela vira-se para os seus pais ainda parados na porta — A Elise pode ficar, não pode?

Sua mãe é a primeira a reagir, movendo-se em um assentir frenético e puxando o Mr. Sprouse pelo braço para saírem os dois do caminho quando entramos. Tiro os sapatos e as meias como de costume e deixo-os na entrada andando descalça pelo espaço dividido da sala de estar, jantar e cozinha, todos contendo suas paredes pintadas de azul escuro, madeira clara no chão e teto branco.

—Você nos assustou assim, Elise. — a mãe de Louis fala — Quase tenho um infarto.

—Desculpe. Fiquei sem uma forma de entrar em contato para avisar que vinha.

—Eu amo a educação dessa menina — Mr. Sprouse segura o braço da esposa — Por que a Louis não é assim?

—Já vão começar? — Louis bufa e se vira pra mim — Perdeu o celular de novo?

—Só o carregador dessa vez.

—Você deve ser a única bilionária do mundo que não compra um celular a cada dificuldade aparente.

Louis segura minha mão.

—Vamos subir pro meu quarto, mãe, você grita quando o jantar estiver pronto.

—Ah... Tá bom.

Sorrio devido a surpresa ainda não ter saído do rosto dos dois.

—Com licença — peço.

Louis me puxa escada acima e me apresso para acompanhar seu passo não querendo acabar caindo e batendo a cara em algum dos degraus. Percorro o familiar corredor estreito e branco, meus pés ainda silenciosos, contrastes com as pisadas pesadas de Louis ecoando pelo curto espaço. E a sensação de nostalgia.

Entro no furacão de rosa, roxo e azul que é o quarto de Louis, a cama de solteiro no meio do cômodo, debaixo da janela de cortina arco-íris, a porta da sacada mostrando a noite estrelada, o tapete felpudo. Os quadros estranhos de células em uma fase esquisita de divisão e reprodução, as fotos de nós duas presas em um pequeno mural. Em algumas delas ela aparece com outras pessoas, estranhos a mim, outras até mesmo a antiga YTRA está reunida. Ryder abraçando minha cintura. Deve ser a única prova existente de que ficamos juntos.

Louis puxa-me até seu tapete felpudo e me ordena que sente no mesmo. Obedeço e vejo-a estender sua mão na minha direção.

—Ainda tá com o celular, não tá?

Assinto. Entrego-o na sua mão retirado do bolso traseiro da caça. Louis analisa a entrada do aparelho e o coloca para carregar na tomada ao lado de sua cama. Volta e senta-se na minha frente cruzando as pernas em uma posição estranha de meditação.

—Desde quando tem tanta elasticidade?

—Desde quando você atende aos meus pedidos? Elise! Não acredito que veio mesmo!

Sorrio, a animação dela sempre contagia qualquer um que esteja próximo.

—Que tal começarmos por você? — sugiro — Vim até aqui pra saber a tal novidade.

Louis pressiona os lábios, quase explodindo. Vira-se em um pulo e corre até o seu closet sumindo por alguns instantes. Não tinha noção do quanto sentia falta dela. Desvio o olhar para minhas mãos e em seguida para o celular. Vinha de certa forma o evitando. Receio que Noah esteja bravo por simplesmente sumir sem deixar rastros ou chance de contato mesmo tendo combinado com ele de termos aula de...

Espera. Ele não é o único. Bato na testa lembrando-me do encontro com Samir e passando a desejar que Louis não tivesse um carregador compatível. Esperava poder adiar o evento o máximo possível, porém agora tenho um certo senso de dever em ao menos justificar a razão de não poder ir.

Louis volta antes que eu me levante e me entrega o envelope branco preso entre os dedos. Mesmo suspeitando saber do que se trata, ainda é surpreendente ver o teste clínico de gravidez e o resultado positivo no final. Tento sorrir, mas continuo preocupada. Desde o momento da entrada no ônibus só pensava como diabos Louis iria lidar com uma criança e como Yuri deveria estar se sentindo. Respiro fundo e olho a garota na minha frente.

—Seus pais já sabem?

Ela assente freneticamente.

—Ficaram animados de saber que vão virar avós.

Suspiro e ergo as sobrancelhas precisando analisar a situação. Como posso fazer certas perguntas sem acabar ofendendo ela? Torna-se cada vez mais difícil interagir conforme situações complicadas como essa aparecem na minha frente.

—Tá bem, Louis — inclino-me na direção dela — O que pretende fazer?

—Eu vou trabalhar na loja dos meus pais nos fins de semana e durante a semana já consegui um emprego na Rose’s. Vou economizar o máximo possível até conseguir o suficiente pra comprar um espaço só meu e dela — sua mão toca a barriga lisa — Vai ser um pouquinho problemático no começo, mas vai dar certo.

Suspiro, colocando o rosto entre as mãos.

—Você é otimista demais. Como aconteceu? Achei que você e a Yuri...

—Ah — a voz dela soa constrangida e ergo o rosto para vê-la — A Yuri é meio... Ela é muito legal e tudo mais, só que mulheres não é muito a minha praia, sabe?

—Então não deveria ter ficado com ela na formatura.

Louis faz bico.

—Eu queria experimentar.

—Tem noção de como essa sua “experiência” pode magoar outras pessoas?

Vejo-a juntar as sobrancelhas, desconfiada. Louis faz uma careta sentando-se e puxando o envelope de volta para as suas mãos.

—Desde quando você se importa com isso? Achei que não ligasse pra nada.

De novo. São quase as mesmas palavras usadas pela minha mãe. Eu era tão insensível assim?

—Não importa — fujo — Louis, como... Quando? E com quem?

—Elise.

Louis segura meu rosto forçando-me a olhá-la nos olhos.

—Eu vou ficar bem. Não precisa se preocupar tanto, tá bem? Eu queria essa criança. O pai... Bom, vai ser ausente, por assim dizer. Eu nem lembro o nome dele.

—Deus do céu.

—Qual é, você namorou por anos um cara de quem nem gostava e quer falar alguma coisa?

Desvio o olhar.

—É diferente. Não tinha uma criança no meio.

—Sua preocupação é irritante.

Ponho a mão na dela, voltando a encará-la de frente, um nó se formando na minha garganta. Como não vou me preocupar? Dói pensar na possibilidade dela acabar se arrependendo por suas decisões e descontar na criança. E se Louis decidir coloca-la na adoção? E se irritar-se e desistir dessa repentina ideia de ser mãe? E se acabar se sobrecarregando?

—Se precisar de ajuda, seja com a frauda, despesa, um marido... Me chama, tá bem?

Louis afasta-se, estranhando.

—Você tá bem, Elise?

—Por que?

Ela senta-se em cima dos tornozelos e afasta uma mecha rebelde do meu cabelo da frente do rosto.

—Parece tão... Emotiva.

Umedeço os lábios, sabendo ser minha vez de contar alguma coisa. Engulo o seco.

—Eu... Encontrei o Noah.


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