Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 20
Flor de Lótus




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—Que lugar é esse?

Pago o taxista e aceno em agradecimento pretendendo andar caso não consiga entrar em contato com nenhum outro. Viro-me encarando a mansão na minha frente. Não é lá uma das mais modernas devido ter sido construída lá pra 1990, contudo, sua arquitetura ainda é bonita. A casa elevada do chão exibe-se iluminada em seus três andares altíssimos, teto catedral, varanda com colunas e janelas espalhadas por todos os lados a não ser nos quartos onde cada um contém uma sacada.

—A casa de uma amiga da minha mãe — respondo. —Ei. Me dá sua mão.

Noah estende-a no ar, sem saber onde exatamente estou e devagar, sem assustá-lo, envolvo sua palma. Sem sua bengala ele deve ficar um tanto perdido, por isso me utilizo como ponto de referência esperando fazer esse trabalho direito.

—Por que viemos aqui?

—Pelo jardim dela.

Noah solta uma risada.

—Sabe que eu não vejo nada, não é?

—Cala a boca, vai.

A casa em si fica rodeada de arbustos, tal como o caminho de pedras levando até ela. Desviando-se pela bifurcação, no entanto, ao invés de subir uma leve colina e sim descer alguns metros pela rampa, pode-se dar de cara com as grades do jardim dela. Fica na lateral e costas da mansão. Tem uma fonte no centro e um pequeno lago de água doce na esquerda repleto de plantas aquáticas exóticas. Apesar de levemente desarrumado devido o espalhar de rosas, lírios, girassóis e outros que nem tenho ideia do nome, o lugar fica colorido e bonito, iluminado por postes baixos e de luz amarelada. E o cheiro é incrível.

—A gente pode estar aqui? — Noah questiona.

—A velha gosta de mim, relaxa.

—Meio difícil. Por que me trouxe aqui? Vamos roubar alguma coisa? Foi brincadeira invadir a sala do Russel, tá?

É minha vez de rir do seu nervosismo. Aperto sua mão, puxando-o devagar na direção que quero. Noah segue, os passos lentos e parcialmente arrastados. Vejo ainda estar desconfiado, então mudo de assunto.

—As pedras são ásperas, tenta não deixar os pés muito baixos se não leva topada.

—Você adoraria ver isso, aposto.

—É, eu riria bastante.

—Vai direto pro inferno, Elise.

Solto outra risada. Empurro a grade da entrada do jardim e deixo Noah passar na minha frente. Ele não solta minha mão o que faz meus olhos irem direto para o ponto onde as peles se conectam. A imagem se grava em minhas pálpebras, fixa por todos os lados. Fecho a grade atrás de mim e prossigo com passos curtos aproveitando o vento fraco para deixar o aroma invadir aos poucos Noah.

Viro, analisando sua expressão e andando. Ele fica apático por alguns momentos, sem nenhum efeito. Sorrio, a surpresa chegando ás suas feições, as narinas dilatando, o pulmão enchendo. O cheiro é inebriante, me deixou tonta na primeira vez que vim.

—Isso...

—Eu sei.

Satisfeita, puxo-o até um banquinho. Faço-o se sentar e entrego a ele o violão.

—O que está fazendo? Elise?

—Espera só um pouquinho.

Esgueiro-me ignorando a fonte em formato de sereia indo até o lago circular. Tento lembrar através da tatuagem de Noah e imagens recentemente pesquisadas no celular em minha mão, o formato da flor. Encontro até mesmo as sementes em uma construção estranha. Fazendo uma careta, inclino-me na direção delas tentando não cair na água. Puxo uma lendo que podem ser comidas se retiradas da casca.

—Espero que não seja venenoso — resmungo.

Sei que ninguém vale a pena tanto esforço, mas sinceramente, ao escutar sua história só quero que ele receba algo que lembre sua mãe. Nem imagino como seria a sensação se perdesse a minha. Não é por ser Noah que faço isso e sim... Por ser alguém com saudade de outro que se foi. Quero dizer a ele que vou ficar ao seu lado se ele precisar, sem ter de dizer essas exatas palavras. Quero comunicar um "vai ficar tudo bem, acredito em você". E quero saber mais dele no presente. Talvez... Até sejamos amigos.

Tiro a flor fechada devido a noite e volto onde Noah está. Propositalmente, faço meus passos soarem mais altos conforme me aproximo.

—Adivinha o que eu achei!

—Sua noção?

—Engraçadinho. Afasta.

Noah abre espaço ao seu lado e tiro o violão de suas mãos pousando-o ao meu lado.

—Eu só queria escutar um pouco de jazz, Brown.

—Fica quietinho. Abre as mãos.

—Se for sacanear um cego eu te denuncio.

—Ah, vai logo!

Noah obedece, uma careta no rosto. Pouso a flor em suas palmas empenhando-me em tirar as sementes de dentro da vagem enquanto ele tenta identificar o que acabei de lhe entregar.

—A ricaça vai ficar tranquila com você pegando as coisas dela?

—Vai, vai. E aí, já sabe o que é?

—Claro que não, acha que os cegos tem um super tato?

—Idiota. É uma flor de lótus.

A expressão de Noah congela. Por meio segundo penso ter feito uma besteira das grandes. Deixo a planta cair no meu colo e estendo as mãos na sua direção, certo receio de ter acabado de mexer na ferida dele. Então não terei ajudado a lembrar de algo bom e sim piorado uma dor. Fecho os olhos, xingando-me por ser tão insensível.

—Elise.

—... Sim?

O rosto dele muda. Algo entre gratidão e afeto ao tocar as pétalas da flor esbranquiçada em afeto. Quase solto um suspiro de alívio por não fazer bobagem.

—Você é estranha, mas obrigado.

Dou de ombros e volto a me concentrar em tirar a semente da vagem. Ao conseguir, tiro a pequena camada protetora e fico apenas com uma bolinha.

—Ei. Pega.

Entrego a semente na mão dele.

—O que é isso?

—Prova.

—Não tá me dando pedra, tá?

—Quão babaca acha que eu sou?

—Não sei direito.

Noah enfia a bolinha na boca. Ergue as sobrancelhas, em surpresa sem deixar de tocar a flor com a outra mão.

—Tem gosto de castanha.

—Sério?

Abro outra e mastigo.

—Parece amêndoa.

—Não é tudo a mesma coisa?

—Vamos fingir que sim.

Noah sorri.

—Me dá mais.

Tiro as que consigo e lhe dou uma parte orientando-o a tirar da casca. Ele me fala que contei errado e comi mais que ele, exigindo justiça. Entramos em uma discussão idiota sobre quem tem mais direito ás sementes e do nada, após algum argumento, nós dois ficamos em silencio. Olho para cima. As estrelas ficam mais visíveis nesse ponto da cidade devido não ter sido tão urbanizada ainda.

—Elise.

—O quê?

—Eu nunca vi uma flor de lótus de verdade.

Direciono meus olhos para ele. Fica muito bonito na luz baixa e mesmo tendo falado com certa nostalgia na voz, não parece triste.

—Aposto que nunca tinha comido também.

—Isso era lótus?

—A semente.

—E onde conseguiu?

—A velha tem um lago só dela. É quase uma piscina de tão artificial. — analiso mais o seu rosto, sem conseguir decifrá-lo — Tá tudo bem?

A pergunta parece surpreender Noah. O impulso de afagar o seu rosto é cada vez mais real. Vejo minha mão estendendo-se na direção do seu rosto, vagarosa. Chego a poucos centímetros dele, sinto o calor emanando de seu corpo. E retraio minha mão.

—Tá — Noah ergue um meio sorriso — Só... Obrigado. A velha iria adorar você.

—A ricaça?

—Minha mãe.

Passo os olhos para a sereia na fonte, sentada na pedra e cuspindo água. Tento não ficar muito vermelha, mesmo sabendo não ter ninguém além dele aqui no jardim.

—Acredita em vida após a morte?

Junto as sobrancelhas.

—Não muito. Se eu pensar muito sobre vou acabar me preocupando — jogo a vagem do lótus atrás de um arbusto de rosas e me inclino sobre as que estão atrás de nós. — Prefiro me concentrar no agora. Dá menos ansiedade só seguir em frente, sabendo que uma hora tudo acaba.

—Não quer encontrar os entes queridos do outro lado?

—Humm...

Puxo uma rosa vermelha e praguejo quando corto o dedo tendo que aguentar a pontada no polegar e no cotovelo agora. Vamos acabar tendo que parar em alguma farmácia para comprar curativos.

—A vida eterna mais me parece uma punição do que um paraíso.

—Existir é sofrer, então?

—Algo assim. — chupo o sangue do dedo e tiro as chaves do bolso para arrancar os espinhos da rosa — Se vai ter outra vida depois dessa, faz parecer que essa não vale a pena ser vivida. E você?

Noah apoia os cotovelos nos joelhos, envolvendo delicadamente a flor de lótus nas mãos.

—Não sei dizer. Quero acreditar por causa da minha mãe. Ouvir a voz dela de novo, quem sabe.

—É tudo bem incerto.

—Parece mais pra sem sentido.

—Questão de ponto de vista, Noah.

Ele sorri novamente. Sinto o cheiro forte da rosa amarela e entrego a ele.


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