Tales of Star Wars escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 30
Agonia (Darth Vader / Obi-Wan)


Notas iniciais do capítulo

Voltei, meus amores! E voltei com aquele que eu acho que é o conto mais pesado até agora.

Eu, até agora, não tinha escrito nada que se passasse diretamente pós-Vingança dos Sith porque eu acho que é um período muito conturbado, mas a idéia desse conto surgiu há algumas semanas. A intenção dele é mostrar como o Darth Vader e o Obi-Wan tiveram que enfrentar problemas semelhantes nesse período (claro, guardando as devidas proporções) e como os dois acabam sendo o espelho um do outro (mais uma vez, guardando as devidas proporções). E a idéia de fazer algo se passando em um período tão recente após os eventos do episódio 3 é justamente pegar os dois na fase mais aguda desse processo todo.

O capítulo será dividido em dois. Metade para falar do Darth Vader, e metade para falar do Obi-Wan. Enfim, espero que gostem!

(Aviso de Gatilho: Nesse capítulo, existem passagens muito explícitas de abuso de substâncias químicas. Se você, por algum acaso, não se sentir confortável lendo esse tipo de coisa - e, principalmente, se você for dependente químico ou estiver em tratamento para dependência química - não recomendo a leitura por enquanto).



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Era uma relação estranha entre ele e aquele traje. Por mais que o odiasse, sua existência estava intrinsecamente ligada a ele. Um não existia sem o outro, de tal forma que um se tornara o outro. Quase como um parasita e seu hospedeiro, convivendo em uma simbiose estranha na qual Darth Vader não sabia dizer qual dos dois era o parasita: ele ou o traje. No fundo, essa talvez não fosse a melhor comparação possível. O homem gostava de pensar em sua armadura como o exoesqueleto de um inseto, protegendo-o por fora, mantendo-o vivo. Mas, ao mesmo tempo, isso apenas o lembrava de seu próprio corpo, tão debilitado e mutilado que era incapaz de se manter vivo por si só.

            E isso o deixava furioso.

            Ao final de cada dia, os primeiros sinais de esgotamento começavam a se manifestar, mais uma vez mostrando-lhe o quanto era dependente de seu traje para sobreviver: se não fosse continuamente carregado, o traje falhava e ele morria. A energia armazenada nas diversas baterias externas começava a mostrar sinais de estar no fim, dificultando sua respiração. Os opioides que era continuamente injetados em seu corpo também se esgotavam, de forma que a dor começava a se manifestar. Primeiro, como um incômodo estranho e inespecífico, expandindo-se para uma dor avassaladora que dominava cada célula de seu ser que ainda era capaz de sentir alguma coisa. Uma dor tão brutal que o lembrava daquelas chamas escaldantes, consumindo a sua carne e danificando, para sempre, cada centímetro de nervos de seu corpo. Um trauma que ficara em sua  pele e em sua mente.

            Quando o dia chegava nesse momento, não havia alternativa: era a hora de se recolher. Fragilizado, muitas vezes ele cambaleava até chegar aos seus aposentos, sentindo o ar lhe faltar enquanto sua mente conseguia apenas se concentrar na dor crescente e pulsante que turvava a sua visão e obscurecia os seus pensamentos. E, com a dor, raiva. Muita raiva. Raiva de Obi-Wan, que o colocara naquele estado deplorável. Raiva de Padmé, que o traíra e o abandonara. Raiva do Imperador, que não cumprira a sua promessa de salvá-la. Raiva dos Jedi, que lhe viraram as costas quando mais precisava. Raiva de si mesmo, por não ter se permitido morrer junto com Padmé... Se assim o fosse, nada disso teria acontecido. Aquela raiva, aquela culpa... Jamais existiriam. Talvez, por todos eles, a morte não era uma punição. Era um prêmio. Porque se aquela dor era o preço por estar vivo, ele queria morrer.

            Os escravos do cult Sith estavam atentos quando Darth Vader escorregou pela porta, tropeçando para o interior de seus aposentos. De um lado, o imenso tanque bacta onde, várias vezes ao dia, banhava-se na esperança de que as feridas em sua pele se tornassem o menos incapacitantes possíveis com o passar do tempo. Do outro, uma câmara metálica escura que mais lembrava um sarcófago, o único local em que Vader era capaz de dormir sem seu traje (mas não sem o efeito de uma infinidade de hipnóticos e sedativos). Amparado pelos escravos, o lorde Sith conseguiu chegar até a câmara, deitando-se na esteira presente em seu interior enquanto seus servos despiam sua armadura e capacete. Um último instante de agonia e tudo aquilo terminaria.

            Sem a armadura e o capacete, o homem flagelado agonizava e, por mais que forçasse sua musculatura para respirar, era como se o ar não entrasse. Isso oprimia o seu peito, mas a dor era tamanha que ele não tinha forças sequer para se debater. Em suma, era um alvo fácil: qualquer um daqueles escravos ao seu redor poderia aproveitar esse momento para atacá-lo. Eliminá-lo. Matá-lo! Por mais que, no fundo, ele secretamente ansiasse por isso, nenhum deles se atrevia. O descontentamento não era o suficiente para se colocarem em uma situação tão arriscada: todos eles sabiam da agonia de seu mestre e sabia que matar era uma forma de ele a aliviar. Um fino equilíbrio entre o desejo de levar e o de partir, o que escancarava ainda mais suas fraquezas e suas falhas: incapaz de acabar com o próprio sofrimento, Vader se saciava ao transferí-lo a outros.

            Poucos instantes de agonia eram necessários após a retirada completa do traje: em segundos, após ser colocado no interior da câmara metálica, uma grande máquina era acoplada no dispositivo preso ao seu feito, estimulando direta e eletricamente a sua musculatura e permitindo que ele voltasse a respirar. Quase no mesmo momento, seringas eram colocadas em diversas veias ainda existente nos restos de seus membros, permitindo que o opioide escorresse para dentro de seu corpo. Um líquido gelado que ele sentia se dissipar pelo seu sangue, extinguindo a dor e devolvendo a sanidade à sua mente (ou, pelo menos, o pouco que havia restado dela).

            A transformação era quase imediata: o ser decadente e lamuriante que adentrara a câmara em nada se assemelhava ao homem que se encontrava em seu interior apenas alguns minutos após. Era naquele pequeno espaço que, ao final do dia, Darth Vader renascia. Pouco lhe importava a respiração forçada que a máquina lhe proporcionava. O que lhe importava era o quanto a euforia retomava o seu corpo, caminhando de mãos dadas com o seu desejo de vingança enquanto ele relembrava os nomes de todos os culpados pela tragédia em que a sua vida havia se tornado. Rostos e nomes que compunham uma lista de pessoas mortas ou uma lista de pessoas a quem ele deseja matar.

            — Lorde Vader – disse um dos escravos. – Vamos desligar agora para que você possa dormir.

            — Não! – ele gritava.

            Queria mais. Quanto mais daquela droga estivesse em seu corpo, melhor. Que lhe injetassem o suficiente para substituir todo o seu sangue. Era aquela sensação de bem estar que lhe dava poder. Que lhe dava a certeza de que era capaz de se vingar. De que encontraria Obi-Wan e Yoda e esmagaria os crânios dos dois com suas próprias mãos. De que empalaria o Imperador com seu sabre de luz pelas falsas promessas que lhe haviam sido feitas. De que conseguiria justiça para si por cada segundo de dor que era obrigado a aguentar.

            Ficar sem seus analgésicos era impensável, mesmo que já estivesse completamente intoxicado por ele. Uma opção absurda e impossível de ser considerada. Já não se importava com seu pensamento lentificado, com a constipação ou com a inflamação nos locais em que as agulhas penetravam o seu corpo. A sensação de poder valia a pena diante de qualquer efeito colateral. Era o seu único prazer e ficar sem aquilo era pior do que qualquer coisa que ele ou Anakin já haviam sofrido.

            — Mas, Lorde Vader, nós já injetamos a dose máxi...

            O escravo não teve chance alguma de terminar seu protesto. Imediatamente, seu pescoço se torceu, como se atacado por uma força invisível, e ele foi arremessado no ar, chocando-se com uma violência absurda contra a parede.

            Ah, sim... Não havia opioide na galáxia que fosse tão bom quanto a sensação de tê-lo em suas mãos. De ter a vida deles dependendo de sua misericórdia ou de sua ira. Como Anakin, ele fora um escravo. Como Vader, ele continuava a ser. Um mestre diferente, mas, ainda assim, um escravo. E, com aqueles servos em suas mãos, ele se sentia, pela primeira vez na vida, do outro lado. E havia prazer naquilo. Finalmente, ele entendia o que era ter a vida de outros dependentes de sua vontade, ainda mais quando o único propósito da existência do outro era lhe servir.

            E, naquele momento, o que ele precisava era de prazer...

            Um a um, os escravos do culto Sith agonizavam, caindo ao chão com as mãos à garganta, tentando se livrar da força invisível que os sufocava ou se rastejando em direção à porta fechada daquele cômodo, já crentes de que nunca mais veriam a luz do dia. Enquanto extirpava a vida de dentro deles, Lorde Vader repousava no interior da câmara de metal. Embora seu corpo estivesse inerte, sua mente dançava em um mar de êxtase provocado pela droga e pelas mortes. Quase como se aquelas mortes o alimentassem, como se precisasse delas para se manter vivo. Mais do que o precisava dos analgésicos, mais do que precisava de seu traje.

            Pois ninguém na galáxia merecia viver. Não quando Padmé teve que morrer.

            E, então, em um instante, toda aquela sensação de prazer e poder se dissipou. Seu coração batia lentamente, mas com uma força tamanha que Vader sentia todo o seu peito e suas costas pulsarem. Os músculos lesados de seus braços e pernas fibrilavam, contraindo-se dolorosamente e, então, relaxando-se de forma desarmônica. Ele suava frio. A sensação de náusea logo se transformou em um imenso jato de vômito que escorreu pelo seu rosto. Mesmo com a máquina em seu peito, respirar parecia impossível. As contrações musculares se tornaram ainda mais rápidas. Seus olhos reviraram em suas órbitas enquanto ele convulsionava.

            Antes de perder a consciência, ele apenas pôde ouvir o som da sirene de seu monitor. Mas os escravos mortos nada podiam fazer para auxiliá-lo.

            Ao abrir os olhos, o homem mutilado viu-se imerso no interior de seu tanque bacta. Podia estar ali há horas, dias, meses ou anos. Não sabia. Mas o tubo preso à sua boca permitia eu ele respirasse enquanto o líquido que o banhava lhe trazia algum conforto. Por detrás do vidro, ele via um homem, vestindo uma túnica e um capuz pretos, olhando-o. Em seus olhos, estava gravado o mesmo ódio que ele sentira quando matara seus escravos.

O Imperador não perderia seu mais poderoso aprendiz daquela forma, com uma simples overdose. Seria necessário muito mais para que ele permitisse que Darth Vader morresse. Para que Darth Vader se livrasse dele.

            E Vader o odiava por isso.

            Os dois estavam conectados um ao outro. O destino dos dois seria o mesmo e Vader soube, naquele instante, que o Imperador jamais o deixaria morrer. Eles haviam começado aquilo juntos e terminariam juntos. Se um morresse, ou outro também morreria.

            — Você me decepciona, Lorde Vader – havia desprezo na voz do Imperador.

            Mas essa foi a única coisa que ele foi capaz de dizer: antes que pudesse continuar, Vader o olhou por detrás do tanque bacta como se pudesse ler a sua alma. No instante seguinte, o Imperador levou as mãos ao pescoço, incapaz de respirar.

            Sim, o destino dos dois estavam ligados... Então, se o Imperador morresse, talvez ele pudesse morrer também...

            Vader não o sufocava com a mesma intensidade com a qual matara seus escravos horas antes (ou seriam dias?). Ele apertava a garganta do Imperador lentamente, mas com precisão. Queria que houvesse dor. Queria que houvesse sofrimento. Queria que fosse devagar. Bem devagar... Queria que o imperador agonizasse tanto quanto ele vinha agonizando por meses, desde que fora colocado no interior daquele traje preto. Queria que o sofrimento do Imperador fosse tão real, tão vívido e tão traumático quando o dele. Se conseguisse fazer o Imperador sentir metade de toda a agonia que sentia, então já teria valido a pena.

            Mas ele ainda era fraco. Fraco demais para o homem à sua frente.

            O Imperador, logo, viu-se livre das mãos invisíveis com as quais Vader o sufocava.

            — Você acha que pode me derrotar? – ele questionou. – Você não sabe nada o que eu sei para tomar o meu lugar como mestre. Você não passa de um aprendiz! Você é fraco! E é covarde. Uma característica que você divide muito bem com Anakin Skywalker.

            E, dessa vez, foi Darth Vader quem sentiu dor. Mesmo com o líquido do tanque bacta impregnando cada centímetro de seu corpo, houve dor. O Imperador era mais forte do que ele podia imaginar. Sozinho, Vader jamais conseguiria derrotá-lo.

            Dentro do tanque, Vader gritava e se contorcia. Os cabos ligados ao seu corpo se desconectaram e ele percebeu que se afogava no tanque bacta. Foi nesse momento que o tanque explodiu. O líquido viscoso de seu interior se espalhou pela sala juntamente com os cacos de vidro, que feriam um Vader que desliava pelo chão até os pés do Imperador.

            Ali, ele entendeu quem era. Não era apenas um homem desmembrado e fraco diante de seu mestre. Ele era o parasita. Um verme. Uma peça no tabuleiro do grande jogador, que o olhava com desprezo e fúria. Ele não era ninguém. Sem dizer mais uma palavra sequer, o Imperador se virou, deixando Darth Vader jogado ao chão, com suas feridas abertas sangrando enquanto a ausência da aparelhagem adequada lhe devolvia a sensação de falta de ar.

            Enquanto era socorrido por outros escravos e por stormtroopers, ele finalmente percebeu que jamais se viria livre daquele ciclo de dor e vício. Anakin Skywalker o condenara aquilo e Vader o odiava por isso.

***

            Ele não fazia idéia de onde estava. Tudo o que sentia era aquela dor terrível em sua cabeça. E o mundo girando ao menor sinal de esforço de qualquer um de seus músculos. Todo o seu corpo parecia enrijecido devido a posição nada ergonômica na qual havia dormido. Em sua boca, além do gosto de sangue, havia uma sensação áspera e desconfortável e nada nem ninguém precisava lhe dizer que ele dormira do lado de fora de sua casa, deitado na areia. Tivera a sorte de não ser devorado por algum animal durante a noite...

            Lentamente, o primeiro nascer do sol daquela manhã se manifestava em Tatooine e ele sentia o calor tocar a sua pele, altamente lesada pelas baixas temperaturas do deserto noturno. Conforme os minutos se passavam e o frio era substituído pelo calor, dois odores muito fortes começaram a chegar em suas narinas e, sentindo toda a sua roupa úmida, Obi-Wan sabia que se tratava de seu próprio vômito e de sua própria urina. Sabendo que um banho quente era a primeira coisa que precisava para sair daquela situação, o Jedi começou a tatear ao seu redor, esbarrando em duas garrafas de bebidas vazias enquanto tentava encontrar um ponto que lhe desse sustentação suficiente para se levantar.

            Ficar em pé foi apenas parte de um longo processo. Incapaz de abrir os olhos (a luz do sol parecia fazer sua cabeça pulsar cada vez que tentava), o homem cambaleou quase que às cegas até o local onde acreditava estar a entrada de sua casa, tateando as parede e tendo uma dificuldade absurda para se lembrar do último dígito da sequência para destrancar a porta.

            Uma vez dentro de casa, ele tropeçou no degrau logo atrás da porta. Em sua queda, bateu o joelho e as costas com força na quina do degrau. Novamente caído, ele permaneceu deitado de barriga para cima, esperando que respirar deixasse de ser um movimento tão doloroso. No fim, ele não sabia dizer se havia ficado na mesma posição por alguns minutos ou algumas horas, mas, ainda com a cabeça pulsando de dor, ele conseguiu, novamente, levantar-se. Mas, dessa vez, havia um agravante: a fisgada em seu joelho, consequente da queda, era mais uma para sua coleção de dores e, naquele momento, o fazia mancar.

            Sentindo-se tonto com o cheiro do vômito e da urina fermentando em suas roupas, Obi-Wan se despiu e, apenas quando jogou seus trajes no chão, foi que percebeu que sua camisa continha manchas de sangue, bem sobre os locais com manchas de vômito. E as olhou indiferente por alguns instantes, diferentemente do desespero que sentira quando as vira pela primeira vez alguns meses antes, poucas semanas após fixar residência naquele planeta esquecido na periferia da galáxia. Sabia muito bem que essas manchas surgiam após as noites em que bebia mais compulsivamente e sabia que elas seriam uma companhia para o resto de sua vida. Não valia a pena continuar a teme-las.

            Já começando a recuperar algum juízo, ele achou melhor se sentar na banheira após liga-la. Não queria correr o risco de escorregar no piso liso e molhado: com tantas dores no corpo, não sabia se conseguiria se levantar (isso, é claro, se a Força não o abençoasse com uma queda que o fizesse bater a cabeça na lateral da banheira e, assim, acabasse de uma vez com todo aquele sofrimento). Sentindo a boca seca, ele a abriu abaixo do chuveiro, tentando engolir o máximo que conseguia sem se mexer. Uma queimação que o fez se contorcer de dor tomou conta de seu peito quando ele deglutiu o líquido e ele sabia que as culpadas eram as lesões que o álcool lhe proporcionara na noite anterior.

            Deitado na banheira enquanto a água caia sobre seu corpo, Obi-Wan permaneceu na mesma posição, incapaz de se mover, por alguns minutos (ou seriam horas?) apenas contemplando as dores em seu corpo, a pulsação em sua cabeça e as horríveis cólicas que sentia. Naquele estado deplorável, cada movimento era uma tortura e, ao mesmo tempo em que se culpava por ter chegado naquela situação, ele se perdoava: sabia muito bem que era daquela forma que terminaria na manhã seguinte sempre que começava a beber, mas, ao mesmo tempo, sabia que era a única forma de evitá-los.

            Mas já não mais... O efeito do álcool começava a se dissipar e, concomitantemente, o peso da realidade voltava a se manifestar. De algum lugar não muito longe, ele conseguia sentir o cheiro de carne humana sendo queimada e podia ouvir os gritos de uma mulher dando à luz enquanto morria. Ele dizia para si mesmo que tudo se tratava apenas de alucinações causadas pelo estresse. Mas era tudo tão real... tão vivo... que ele não conseguia se convencer daquilo.

            Cambaleando, ele voltou à sala e se vestiu com roupas limpas antes de abrir uma gaveta e ao lado de sua cama e, de seu interior, retirar um frasco de metal. Há três meses que não conseguia dormir sem o auxílio de remédios pesados que obtinha no mercado negro em Tatooine. Há três meses ele tinha alucinações enquanto estava sóbrio. Há três meses ele aceitava os efeitos colaterais do excesso de bebida para não precisar reviver a imolação de Anakin ou a morte de Padmé enquanto ainda estava acordado.

            Sabia que, em breve, os níveis de álcool em seu sangue estariam baixos os suficientes para que as alucinações deixassem de ser apenas olfativa ou auditiva e se tornassem visuais. E, por Deus, aquela era a pior parte... Era como se estivesse novamente em Mustafar... em Polis Massa... ou no Templo Jedi, vendo o holograma de Anakin assassinar Iniciados, um após o outros, sem poder fazer nada para impedir.

            Confiante de que aquilo o faria dormir, ele resolveu tomar dois comprimidos de uma vez. Não, melhor três. Quatro. Cinco, na verdade... Por que não seis? Sabia que aquilo o derrubaria pelo resto do dia e do próximo e que, com certeza, sentiria os efeitos colaterais do excesso das medicações. Mas era um preço que ele julgava justo pagar por uma noite de sono bem dormida. Talvez a primeira desde que se mudara para aquele planeta maldito e perdido no fim do universo. Com os comprimidos no estômago, ele se deitou, voltando o rosto contra a parede e recolhendo as pernas para próximo de seu tórax.

            Onde havia chegado? Como deixara as coisas saírem do controle àquele ponto? Por que não morrer de uma vez?

            — Porque uma missão a cumprir você ainda tem, mestre Kenobi.

            Aquela voz... Não... Seria... ele? Não... Ele nunca havia aparecido em suas alucinações naqueles três meses. Devia estar delirando, mais uma vez. Não era real. Não poderia ser real...

            —Para a Força você se fechou, Obi-Wan – disse a voz do mestre Yoda, mais uma vez. – Jamais vai conseguir cumprir com seu dever dessa forma.

            — Chega!

            Aos berros, Obi-Wan se virou, arremessando o travesseiro na direção de onde achava que vinha a voz. Mas não havia ninguém ali, e o travesseiro cruzou a sala e derrubou os objetos sobre uma pequena cômoda.

            — Precisar de você o jovem Skywalker irá, Obi-Wan – tornou a dizer Yoda. – E apenas o mestre Kenobi poderá ser útil. O bêbado que você se tornou, não.

            Por alguns segundos, Obi-Wan permaneceu em silêncio, procurando pelo antigo mestre. Mas estava sozinho no quarto. Não havia mais ninguém ali com ele. No fundo, ele preferia estar louco. Seria muito mais simples. Mais fácil. Menos doloroso acreditar que tudo não se passava de uma alucinação. Inclusive os eventos dos últimos três meses. Que Anakin e os Jedi não passavam de uma narrativa que sua mente perturbada havia criado. Mas, apesar disso, ele também sabia qual era a verdade.

            — Mestre? – ele chamou por Yoda.

            — Não deixe a dor te vencer, Obi-Wan. Um longo caminho a percorrer você tem. Uma missão a cumprir você tem. Toda essa bebida e essas medicações, para a Força elas te cegam.

            O medo no coração de Obi-Wan foi quase imediatamente substituído pela vergonha.

            — Eu não sou forte o bastante, mestre – ele assumiu, cabeça baixa. – Nunca fui. E não acho que vou conseguir ser. Eu quero morrer, mestre.

            — Você irá – Yoda rebateu imediatamente. – No momento certo. Até lá, do jovem Skywalker cuidar você deve. E, para isso, retornar pra a Força você precisa.

            — Como, mestre? Como? Eu não tenho mais paz. Eu só me sinto culpado todos os dias, eu perdi as esperanças, eu não sei mais o que fazer!

            Por alguns segundos, houve silêncio. Um silêncio o qual Obi-Wan acreditou, inicialmente, como sendo o seu cérebro retornando à lucidez por algum momento e interrompendo suas alucinações. Mas, então, a voz do mestre Yoda retornou, ainda mais perto dele, como se estivesse sentado na cama ao seu lado.

            — O treinamento do qual te falei, você deve receber – ele disse. – Treiná-lo novamente, o mestre Qui-Gon muito deseja. Mas contato com ele você não terá enquanto fechado para a Força você estiver.

            — Mas o que eu devo fazer, mestre? – disse Obi-Wan, quase suplicando por uma resposta clara. – Eu não sei por onde começar!

            — Medo leva a raiva, raiva leva ao ódio e ódio leva ao sofrimento – rebateu Yoda. – E, no momento, você sofre porque se odeia, Obi-Wan. Começar meditando sobre isso, você deve.

            E, então, houve silêncio.

            — Mestre? Mestre?

            Mas, mais uma vez, ele estava sozinho em sua velha casa perdida no meio do deserto de Tatooine.

            E, mais uma vez, ele voltava a sentir o cheiro do corpo flamejante de Anakin e a ouvir os gritos de Padmé.


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Notas finais do capítulo

Nada no mundo me convence que o Obi-Wan não desenvolvei algum grau de Transtorno de Estresse Pós-Traumático depois do episódio três. E, como uma grande parte desses casos vem associado a etilismo, achei que seria interessante trazer isso aqui, e, junto com isso, mostrar o quanto tudo o que aconteceu deve ter fechado o Obi-Wan para a Força, mesmo que apenas momentaneamente. Ao mesmo tempo, eu sou meio contra a idéia de que o Darth Vader na verdade faz parte de Transtorno Dissociativo de Personalidade, mas entendo quem pensa assim (até porque existem uns argumentos muito bons, e é uma teoria que tem base científica também). No caso do Darth Vader, eu só acho que ele acabou se tornando uma pessoa muito dependente de medicações pra dor. As lesões que ele teve deve ter causados danos permanentes em alguns nervos e, por Deus, ele deve ter sentido dores absurdas pelo resto da vida. Por isso resolvi trazer aqui um Darth Vader dependente de opióides, porque realmente acho que seja algo possível de ter acontecido.

Bem, enfim, espero que tenham gostado do conto.

Comentem, meus amores! E peçam por prompts, caso tenham algum!

Beijinhos!



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