A Origem da Energia - Ascender da Lenda escrita por OrigamiBR


Capítulo 11
Apreço celeste


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo que tive muito trabalho pra escrever, pq aborda temas que ainda passo mesmo na vida adulta. Mas no geral, está aqui!



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Em Givictus, as coisas aconteceram de maneira rápida e direta: deixaram os gêmeos com Zaron, o líder da guarda. Como os dois estavam bem feridos e machucados, não foi problema para eles manterem uma guarda um pouco menor. Com o pagamento de 4.200 Stips e mais um bônus por terem salvado a vila, os três conseguiram reparar os equipamentos, trocar as roupas e conseguir pagar a estalagem, descansando durante a noite. No dia seguinte, partiram, sem saber do destino dos inimigos, mas imaginando que não seria nada agradável. Despediram-se enquanto voavam, conquistando alguns olhares de estranheza e surpresa quando se afastaram de toda a multidão que havia os esperado para sair. Por alguns poucos minutos, eles avançaram pelos ares com velocidade, mas estava próximo já da hora do almoço.

Prontamente, depois de pousarem, Vergil já correu para fazer a comida, se utilizando do seu controle sobre a Água para lavar e misturar os ingredientes. Preferiu uma coisa leve feita com legumes para regular as funções corporais. Após lavar, enquanto cortava alguns tomates, usou seu domínio sobre o Ar para secar e transportar os itens numa tigela e servir em duas porções menores para elas. Surpreso, não notou que havia concluído o serviço quase ao mesmo tempo em que as garotas se sentaram, organizando os pormenores do acampamento.

— Se não der certo você ser lutador, Vergil... – comentou Niéle, enquanto pegava algumas verduras e comia – Você pode ser cozinheiro.

— A técnica, você tem – disse Kai, em meio a generosas garfadas – E o controle só melhora.

O garoto não disse nada, só coçou atrás da cabeça, envergonhado. Nem havia pensado direito no que estava fazendo, mas o acúmulo de experiências estava fazendo efeito: Água havia lhe dito que uma das partes mais fundamentais para um Sensitivo era a criatividade, e Ar prezava a liberdade. Mas o encontro com Tau foi o mais significativo, pois as memórias que lhe foram passadas mostravam a familiaridade com a Energia. Claro, ele conseguia acessar sua Essência de forma intuitiva, mas ali era algo mais antigo, mais fundamental. E isso acabou o ajudando.

— Ah, Vergil – começou a ninja, e o lutador foi tirado dos pensamentos – Você realmente conseguiu visitar Tau? E ele não fez nada com você?

— Sim, ele não fez nada... E foi o que tinha pensado mesmo: ele é uma vítima de todos os acontecimentos.

— Ainda é difícil de acreditar que o deus do mau não seja responsável por tudo de ruim que está acontecendo – disse Niéle, enfezada, dando bastante ênfase na palavra “mau”.

— Ele disse que está poderoso demais – respondeu o garoto com simplicidade – A raiva, a individualidade e o egoísmo o estão deixando muito forte: ele precisa que as pessoas voltem a criar e proteger para que a Energia se reequilibre.

— Como então vai acabar acontecendo isso? – questionou Niéle – Não imagino que iremos em cada um dos habitantes de Ryokun e pedir que façam o bem...

— Tem uma maneira mais fácil de conseguir isso – disse Vergil, e as duas olharam para ele em expectativa – Eu só não tenho Energia o suficiente pra fazê-lo... Antes de sair do Santuário, eu consegui absorver um pouco da Energia excedente dele, o que conseguiu segurar o balanço do Yin e Yang.

Niéle olhou assustada para ele, e Kai também não escondia a preocupação. Mas no caso da ninja era mais curiosidade do que medo.

— O treinamento com Tau foi surpreendentemente rápido, mas também ele falou que só quando conseguir contato com os outros deuses maiores que devo compreender o que “sou”. Até agora, eu sei usar muito pouco do que ele me mostrou.

— Tudo bem, Vergil – disse Kai, tranquilizadora – Eu confio que você será capaz.

— E-Eu também! – Niéle tratou de emendar – Eu não gosto nem um pouco disso, de você ter que aprender com esse deus do mal, mas acredito em você.

O lutador sabia de onde vinha essa hesitação. Afinal, Geardyne, sua irmã, ficou embriagada com o poder que havia adquirido e se tornou aquela pessoa. Alucard foi outro que teve o destino moldado desde muito tempo, trabalhando quase com uma obsessão. Vendo tudo isso e fazendo as associações, Vergil já não tinha mais raiva do tirano, mas ao mesmo tempo, isso aumentou ainda mais sua culpa em ter acabado com a vida dele.

Balançou a cabeça para tentar esquecer isso, e comeu bem rápido. Pela distância, resolveram descansar aqui mesmo, para se preparar para a subida vertiginosa de Leautar. O caminho seria tortuoso, mas com seu treinamento do Ar, ele estava confiante que conseguiria subir sem muitos problemas.

Sua confiança se provou verdadeira, quando se dispuseram a sair (já bem mais descansados), e voaram pelo ar, atravessando os metros desde sua larga base. Mas não totalmente, pois Vergil tinha que usar cada vez mais Energia para subir. A atmosfera deveria ficar mais rarefeita a medida que se afastavam do nível do mar, mas ali as partículas estava ficando mais densas, o que não fazia sentido nenhum. Uma hora depois, Vergil estava fazendo tanto esforço que eles estavam mal levitando, subindo em centímetros por minuto. Kai notou imediatamente e o alertou para procurar algum local para pousar. Se encostaram numa fresta da montanha, suficiente para os três. O garoto ofegava pelo esforço, ainda estranhando a densidade. Fez menção de falar, mas Kai esticou o dedo em negação.

— Não se esforce, Vergil – disse Niéle, enquanto usava uma placa de gelo fina conjurada para abaná-lo – Se recupere para podermos continuar o caminho andando, ok? Essa passagem deve chegar até o cume. O Santuário fica em cima, não é, Kai?

— Sim, bem perto de onde estava o coliseu de Geardyne – falou a ninja, observando a encosta – Estranho isso...

— Ela e a mania de distorcer o espaço-tempo... – respondeu Niéle, bufando – Achava que assim podia fazer as coisas que nosso pai fazia.

Vergil não falou nada, até porque estava cansado, mas notou que a maga estava bem mais confortável em falar sobre a família. Se recostou na pedra fria e concentrou-se em controlar a respiração, fechando os olhos. Alguns poucos minutos depois, com o volume interno de oxigênio retornando ao normal, o lutador acenou com a cabeça para continuarem. Usou seu controle no Ar para bloquear as correntes repentinas, já que pela altura, a velocidade dos ventos estava bem elevada, e dessa altura eles poderiam cair e bater na montanha antes mesmo que pudesse recobrar o controle para se salvar.

— Niéle, pode controlar a temperatura? Está ficando frio e não sei se consigo controlar a Água também para isso.

— Sem problemas – respondeu, feliz.

Com um leve aceno de cajado, a maga criou um pequeno círculo de chamas ao redor dos três, que ficava indo para cima e para baixo com um comando dos dedos. Sem ventos, aos poucos eles iam esquentando. O caminho foi subindo em caracol, até chegar num ponto de dentro da montanha, numa caverna escura. A linha das nuvens já havia passado, e agora o ar parecia rarefeito. Resolveram parar por lá, já que estava ficando escuro, e podiam fazer uma fogueira para passar a noite.

O sol não demorou a aparecer quando passou o breu da madrugada. Os primeiros raios da aurora cobriam a lateral da montanha, uma exuberância radiante que revitalizava a atmosfera. Niéle e Kai estavam bem recuperadas, o que tranquilizou Vergil. Depois do combate com os gêmeos, elas não pareciam ter descansado direito, e com toda a pressa pra manter o mundo em equilíbrio, ele estava preocupado se não as estava forçando demais. Com o olhar mais tranquilizado e confiante, partiu logo depois do desjejum, a cortina de nuvens ainda não exibindo o apogeu. Usando a mesma combinação do dia seguinte, com o anel de chamas limpando a névoa e a barreira de ventos para evitar sustos, o trio marchou cuidadosamente pela trilha até chegar um largo platô, ladeado por alguns espigões. Assim que se acostumaram com a claridade, viram mais a frente as ruínas da arena de Geardyne, faltando boa parte de sua fundação.

Leautar, no topo, não era uma montanha com um único pico, mas sim vários pequenos cumes de ponta chata, partindo todos do mesmo tronco. Não era de se estranhar que ali houvesse uma construção tão grandiosa quanto a arena, e o próprio Santuário da Luz: a estrutura parecia intrínseca à rocha, se diferenciando pela cor nevada das paredes. As janelas eram altas e finas, para que o vento pudesse entrar e ser direcionado. As portas eram de madeira clara e pareciam resistentes e pesadas. O esplendor luminoso acertava a construção e a deixava mais bela e mágica. Em suas memórias, o território se assemelhava bastante a toda uma vila árabe que havia visto num canal de documentários, que era virtualmente invisível aos olhares de inimigos e já serviu de refúgio para vários mercenários e perseguidores dos reinos antigos do Oriente Médio.

— Chegamos... – disse Vergil, quando vislumbrou o cenário.

— Que lindo – comentou Niéle, maravilhada.

Até Kai, que normalmente não muda a expressão deixou escapar um suspiro de admiração. Havia algumas pessoas na área frontal, e assim que viram os três, foram correndo para conversar.

— Bem-vindos ao Santuário de Guará, o deus do sol e da luz – expressou o garoto logo à frente, de cabelos totalmente brancos e olhos negros umbrosos, simpaticamente.

— T-Tudo bem, Anders. Eles vão ficar comigo – soou uma voz feminina por trás dele. Cabelos longos e pretos oscilavam com a brisa. A mulher era alta, quase da mesma altura de Vergil e Niéle, com corpo esguio, mas atlético. Seus olhos eram totalmente brancos, com a íris e a pupila alvos. Apesar disso, não era cega, pois caminhava normalmente até chegar a eles, o vestido ligeiramente amarelo, sedoso e muito leve farfalhando logo atrás, com mangas longas e um corte na lateral das pernas para menor restrição de movimento.

— E-Espero que o caminho não tenha sido muito difícil, Equilíbrio.

— Foi um pouco ao chegar nas montanhas, mas depois foi mais tranquilo – respondeu Vergil, mas estranhou a atitude da mulher. Ela parecia uma pessoa bem tímida e reservada, e não parecia tranquila a falar com desconhecidos.

— E-Entendo... Venham: vamos entrar. O treinamento deve começar o mais rápido possível.

Caminharam até uma das portas e entraram no aposento, que era uma sala de estar parecida com a de um hotel, com decorações entalhadas na pedra, alguns sofás e uma mesa central, feita de cedro.

— Vamos, Equilíbrio. Vocês podem observar também, mas fiquem um pouco distante.

— Já sabemos – disse Niéle, olhando de soslaio para Kai, que confirmou com a cabeça – Ele quase nos acertou uma vez.

— Ei! – reclamou o garoto – Não foi por querer.

Elas o encararam, com Niéle rindo e Kai expressando um sorriso.

— Eu sei, seu bobão – indicou a maga, se aproximando dele e dando um beijo na bochecha, mas próximo demais de sua boca – Vá, nós estamos logo atrás.

Confuso e envergonhado, foi andando quando a mulher deu um pigarro leve para que fosse segui-la. Eles prosseguiram até uma outra porta, que ao atravessá-la, se deparou com uma parte da montanha logo cima de si e um pouco para a direita, um relógio solar na margem oposta do pátio interno e vários pilares e outras portas pela parede esquerda, oposta à muralha natural.

— P-Peço desculpas por ser tão direta, Equilíbrio, mas preciso que você pense no que a Luz evoca em você.

— Eu quem peço desculpas, senhorita...? – começou o garoto, mas hesitou ao não saber o nome dela.

— Me chame de Luz, por favor. Sem o “senhorita” – respondeu ela, e nesse momento, suas companheiras adentraram o pátio, ficando na encosta. Alguns discípulos também entraram no local, pelas portas da esquerda, e garoto Anders ficou bem perto dela, do seu lado direito. A expectativa era grande.

— Certo, err, Luz: eu não sei muito bem o que o elemento provoca em mim. Com Água e Ar foi mais fácil para entender, mas esse aspecto eletromagnético me foge a sensação.

— E-eu... – ela se demorou bastante para continuar a falar, mas o olhar mostrou um misto de hesitação e curiosidade irrefreável – N-Não conheço essa palavra, mas parece ter algo haver com a Luz...

“Ah, eu errei”, pensou Vergil. “Esqueci completamente que em Ryokun as pessoas não conhecem sobre a Física formal.”.

— S-Sim, tem – tratou de completar – Mas ainda assim eu não sei dizer algo que me faça sentir a Luz.

— T-Tudo bem, eu posso lhe guiar.

“Vê onde estamos? No Pico Leautar, onde primeiro o sol toca o continente. Aqui foi onde Guará, nosso deus-sol guardião fez sua morada, e aqui é por onde ele começa seu trabalho, descendo pela elevação e sendo o progenitor de todo o início da vida, pela importância que seu domínio tem. Ele também foi responsável, junto com Juru, de fazer o ciclo de dia e noite. Com um cuidando do ciclo da luz e outro cuidando do ciclo das trevas. Guará ficou responsável por iniciar a vida com seus raios solares, e por isso ele também é associado ao domínio da vida. E Juru ficou encarregado de terminar o dia, e muitas vezes representando a morte.”

— Então, Guará é o próprio sol? Pensei que Tupã era quem havia criado toda a vida...

— É normal haver essa confusão, não lhe culpo – respondeu a mulher, já parecendo bem menos hesitante – Tupã só é mais exaltado, mas ele não fez tudo sozinho: todos os deuses tiveram papéis importantes na criação e manutenção do mundo.

— Vou tentar então.

— Não tente. Só sinta...

Achou estranho a mulher lhe falar aquilo, sendo que ela mesma hesitava bastante. Mas resolveu deixar pra lá e foi acalmando a respiração. Usou aquela sensação de usar a Essência para acessar a Energia. Focou nos sentimentos que a Luz poderia invocar em si.

Mesmo que tenha tido aquelas dicas, não lhe pareceram suficiente. Deduziu que o elemento era muito mais abstrato do que pensava. Afinal, o que sabia sobre a Luz? Era só mais um trecho do espectro eletromagnético, o menor deles, que era o visível. O que dava a porta de entrada para um dos mais usados sentidos do corpo, que ia dos tons mais quentes, como vermelho, até os tons mais frios, chegando ao roxo, só mudando o comprimento de onda. E era nesse contexto, de luz visível, que estava se focando. Mas ainda assim não vinham as emoções. O que pensava era como uma ferramenta, um assunto que achara interessante nos seus anos de escola. E nada de associação com seus sentimentos.

— Não consigo – Vergil reabriu os olhos, frustrado – Os sentimentos... Parece que estão bloqueados.

— Isso é estranho. Você deve estar com algo que não consegue entender...

— Talvez... Lembro que Ar me disse que os elementos são vivos e têm vontade própria, mas não consigo ver isso com a Luz.

— Talvez você tenha que descansar...

— Mas eu ainda posso cont--

— Por favor, Equilíbrio. Eu errei – comunicou a mulher subitamente, e se curvou – Eu deveria ter dado tempo de você se acostumar, se acalmar. Mas ao invés disso, resolvi acelerar as coisas. Dispensados!

Falou com uma voz autoritária, chocando a todos ali. Os pupilos deram um pequeno pulo e foram saindo aos poucos, até ficar só a líder, o lutador, a maga e a ninja.

— Vou lhes levar a seus aposentos. Descansem, que amanhã iremos continuar. Não se pode acelerar os processos como previ.

Ela apresentou os quartos, que ficavam perto de uma das encostas, dando a visão para Ryokun, logo após as nuvens. Os três ficaram no mesmo recinto, que era um com quatro camas de aparência simples, mas bem cuidados, de lençóis brancos e travesseiro amarelo. Vergil deitou-se e ficou pensativo, com as mãos na nuca e as pernas cruzadas. Niéle sentou na cama dele e deitou a cabeça no seu abdômen. Normalmente, ele ficaria envergonhado ou hesitante, mas não teve nenhuma reação, que foi notado por Kai.

— Ela realmente mexeu com você... – comentou a ninja, enquanto tirava as bolsas de equipamento.

— Eu não sei o que aconteceu – afirmou ele, falando sem olhar. Descruzou as pernas e as dobrou – Eu sinto que falta algo, mas não consigo descobrir o que é... A Água me ensinou que as emoções são para serem sentidas, e não guardadas, tendo paciência e seriedade nas ações. O Ar me ensinou a ser mais livre e espontâneo, e evitar preocupações que não possam ser resolvidas imediatamente. Mas e a Luz? Eu sei que tem haver com a vida e tudo mais, só que o que ela puxa de emoções... Poderes de cura? Ilusões? Lasers?!

— Acho que você está vendo pelo ângulo errado, Vergil – alertou Kai, e se apoiou num canto de sua cama – Isso são coisas que você pode fazer com a Luz, mas não o que é a Luz.

— O que quer dizer? Que eu estou mais preocupado com as possibilidades do que entender o elemento?

— É – proferiram as duas ao mesmo tempo.

Vergil estacou. O que elas disseram fazia sentido. Ele tinha paciência para passar o tempo que pudesse para aprender, mas estava esquecendo-se do fundamental, que era incorporar o elemento, e não só pensar nas emoções que causava. Ter as sensações e experiência de tudo, e o que expressava em si.

— Caramba, é verdade... Obrigado, meninas.

Kai voltou para sua cama, mas Niéle permaneceu. Preocupado com o que Luz disse sobre algo que não conseguia aceitar, ele não notou por alguns minutos até ouvir a ninja falar.

— Niéle, não vai dormir na sua cama?

— A-Ah! – exaltou-se a menina, ficando vermelha instantaneamente. Levantou rapidamente e saltou direto para sua cama, que era do lado de Kai – B-Boa noite!

Cobrindo-se instantaneamente, Vergil ficou sem entender, mas depois se sentiu envergonhado também, se escondendo nas cobertas. Kai só observou a cena e foi dormir também. A noite do lutador foi sem sonhos, nem mesmo a sala das esferas. Ao acordar, sentiu que havia descansado muito bem, como se não tivesse descansado tão bem assim desde o Santuário de Pólo. Achou esquisito, pois havia também descansado bem, mesmo perto das Escarpas. Supôs que foi apenas um placebo, pois agora estava se sentindo totalmente carregado de Energia, e também mais compreensivo sobre o elemento. Ao se levantar, não viu nenhuma das duas mulheres. Deu de ombros e saiu.

Ao chegar perto do pátio, viu Luz parada lhe esperando. O relógio solar marcava 8 horas da manhã.

— Bom dia, Equilíbrio – recebeu a mulher com um sorriso, que lhe foi retribuído – Espero que tenha tido uma boa noite de sono.

— Ah, sim. Eu estava muito cansado, mas não tinha notado. Também, ao conversar com minhas companheiras, eu consegui descobrir parte do que me afligia.

— O-Oh? – surpreendeu-se a mulher, voltando um pouco à postura tímida – Então vamos tentar logo depois do café...

Indicando com um leve aceno de mão, ela o escoltou até o refeitório. Enquanto isso, passavam por alguns corredores bem iluminados, esculpidos na rocha. Uma leve descida precedeu a abertura onde estavam Niéle e Kai, que acenaram para ele. Sentou-se próximo a elas, mas Luz também resolveu se juntar, o que os espantou.

— S-Senhora? – disse uma voz distante.

— O que a mestra está fazendo? – soou outra, mais próxima.

— Err, está tudo bem sentar conosco? – perguntou Vergil, hesitante, ao perceber o tumulto.

— Não vejo por que não. Ainda fico um pouco receosa, mas estou com grandes expectativas de vocês, então gostaria de saber mais sobre sua jornada até aqui.

Os três se entreolharam, mas assentiram. Durante o café da manhã, eles foram contando sobre os desafios, o caminho, sobre toda a viagem que fizeram pelo continente de Ryokun e Arteris. A expressão de Luz, invariável e até hesitante, foi ficando mais calorosa até que houve vezes que ela riu abertamente, o que era uma bela visão: a sala ficara mais iluminada e radiante. Logo que terminaram, eles foram para o pátio. Uma pequena comitiva também foi, logo depois. Organizando-se perto dos mesmos locais de ontem, Luz ficou mais próxima do lutador.

Vergil se focou no que Luz queria dizer. O que o elemento fazia ele sentir. As sensações que provocava, e deixa-las fluir por todo seu corpo e por sua mente. A Luz, ao contrário do que estava procurando, era algo mais primordial, mais intrínseco a si. Lembrava-lhe a gratidão, humildade e gentileza. Ele se sentiu grato por estar sendo ajudado por todas essas pessoas incríveis, como Niéle, Kai, a Ordem do Equilíbrio, os mestres de cada elemento. Nunca gostava de ser duro com as pessoas, procurando sempre ser gentil e prestativo. Imaginava que assim poderia disseminar um pouco mais de bondade pelo mundo, tão preocupado consigo mesmos e esquecendo daquilo que os fazia humanos: as conexões.

Nesse momento, que se permitiu aceitar essas sensações, sentiu algo nos seus olhos, mas não conseguiu abri-los, sendo transportado para a sala das esferas, onde o orbe central foi atingido por um raio luminoso branco, que partiu de um dos globos laterais. O central foi se iluminando devagar, até que ficou impossível de se enxergar. Fechou seus olhos imaginários, mas ao tentar vislumbrar novamente, abriu os seus físicos, mas via tudo branco, e não sentia nada no toque. Só escutava, e o burburinho dos outros ficara bem forte. Imaginou que havia conseguido, pois sentia sua Energia fervilhando, ansiando por movimento. Mesmo sem sentir nada, apontou o braço para cima e abriu a mão: passou a enxergar novamente assim que um feixe de luz branco de grosso calibre voou para os céus, iluminando toda a área e seus arredores. Parecia que o sol havia reaparecido no templo, iluminando todos os corações de Ryokun e semeando a esperança de que o mundo estaria a salvo.

Ofegante, Vergil se ajoelhou e olhou para frente. Os olhares estarrecidos, surpresos seriam algo que esperaria, mas todos estavam ofuscados pela luminescência que ele provocou, exceto Luz, que o olhava diretamente e batia palmas delicadas, alegre.

— A Harmonização Espiritual foi completada... Obrigada, Vergil!

Foi a primeira vez no tempo que estava no Santuário que Luz havia lhe chamado pelo nome.

— Sabe, eu tinha medo que você fosse como o Equilíbrio anterior, e por isso não me permiti acreditar... Mas você me lembrou do quê significava ser a Mestra da Luz. Trouxe de volta a esperança que eu havia perdido, e por isso, obrigada...

Se curvou levemente em direção ao garoto, que ficou sem entender.

— Alucard nunca fez o treino da Luz? – perguntou, incrédulo.

— Não... Era o último treinamento que ele tinha que fazer. Mas depois que descobriu uma ameaça a todo o Equilíbrio, ele se negou a aprender. Dizia que era uma perda de tempo para tudo que havia para fazer.

— Ele não deve ter percebido a importância... Assim como eu não percebi: eu descobri que eu mesmo havia pensado que era fútil completar esses treinamentos. Depois de sentir a imensidão do poder que Tau está tentando segurar, eu perdi as esperanças... Só que minhas companheiras – e olhou para Niéle e Kai, que estava recobrando a visão – Elas não perderam, e me ajudaram a ver que tudo ainda tem jeito.

— Sinto que você realmente cresceu como pessoa – disse Luz – O caminho do Equilíbrio não é fácil, mas ele precisa ser determinado e de coração certo para tomar as decisões.

O lutador acenou com a cabeça. Os outros alunos bateram as palmas logo depois da conversa, e voltaram a seus afazeres. Niéle correu e lhe abraçou, e até Kai também veio. Feliz, Vergil retribuiu o afeto de suas amigas, agradecido.

— Vamos avançar para sua Harmonização Corporal, mas antes eu lhe pergunto: como se sente?

— Agora? Agradecido por tudo que vocês têm feito pra me ajudar. Não tenho nem palavras o suficiente para retribuir tudo isso. Me sinto também esperançoso, como se pudesse resolver tudo sem problema.

— Entendo como se sente: a Luz nos dá uma paz de espírito. E o mundo precisa disso. Mas no momento, precisamos de que você fique mais acostumado com o elemento. Vamos praticar.

Luz explicou os movimentos e posturas rapidamente, acompanhando Vergil no processo. A arte marcial era extremamente parecida com a sua, o Tae Kwon Do, só que com movimentos mais perfurantes do que circulares. Tirando isso, as passadas e pulos eram exatamente iguais, e assim foi bem fácil de acompanhar. As palavras remetiam muito ao primor celeste e ao sol, o que deixavam fáceis de entender o que eram, e assim melhorar a eficiência. Dessa vez o treinamento foi mais demorado, mesmo com a familiaridade, pois como Luz disse uma vez, e Niéle fez questão de reforçar, era possível combinar os aspectos e ele tinha que conhecer essa parte.

— Você já está com o básico bem adiantado – disse Luz, cruzando os braços na frente do corpo – Já posso então falar mais sobre a Combinação.

“Combinação é simplesmente a técnica de combinar os elementos de base para formar novos. Normalmente, os Sensitivos de Combinação já fazem isso naturalmente, e raramente eles conseguem separar os aspectos. No caso do Equilíbrio, ele pode combinar as disciplinas que sabe usar.”

— Interessante... Acho que me disseram que algumas são isso, como o Caos, Fumaça e Raio.

— Exatamente... Elementos opostos são possíveis, mas bem difíceis de conseguir. Sua companheira pode dizer mais sobre isso depois – e apontou para Niéle com um aceno.

A maga confirmou, lembrando-se da dificuldade em controlar os dois aspectos de forma uniforme e junta, preferindo usá-los em separado.

— Então, como faço? – disse Vergil, fazendo um gesto com a mão e materializando uma esfera de água, e na outra tentou juntar um pouco de ar, com correntes visíveis, mas contidas também num orbe – Junto as duas assim?

— Como elas são feitas de sua mesma Energia, é possível. Mas durante o combate, não será fácil. Você tem que fazer isso internamente, combinando sua Essência antes de liberá-la. Tenha cuidado: diferente dos Sensitivos de Combinação, não é algo natural ou intrínseco ao Equilíbrio, e você pode se machucar se for impulsivo.

— Será que é possível se eu conseguir pensar dessa forma...? – questionou-se o garoto, enquanto caminhava de um lado para o outro – Vale uma tentativa...

Juntou as duas mãos na frente do corpo, como se rezasse. Fechou os olhos e respirou fundo, para ajudar na concentração. Sua Energia estava disponível, e a conduziu para as palmas. Ao invés de tentar invocar os elementos em separado, pensou em como juntar os aspectos em pensamento, nas sensações que eles podiam provocar como se estivessem juntos. Havia uma combinação que estava querendo tentar, assim que conseguiu o controle do seu aspecto da Luz.

As mãos começaram a faiscar, e a Energia que estava concentrada de forma visível começou a tomar forma. Separou-as com rapidez, e um feixe elétrico serpenteou entre elas, caminhando e estalando por todo seu corpo, relâmpagos vermelhos e brilhantes fustigando com toda a potência de sua personalidade. Dissipou os raios com um fechamento de mão, mas o sorriso não sumiu do rosto: ele finalmente estava se sentindo completo, com seu domínio agora do Raio.


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Notas finais do capítulo

Como mencionei, é algo quase nostálgico, precioso. Algo bem... Natural, por falta de um termo melhor. Até a próxima!



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