A Origem da Energia - Ascender da Lenda escrita por OrigamiBR


Capítulo 10
Descanso negado


Notas iniciais do capítulo

Esse também era um capítulo que estava pronto há muito tempo, mas ele passou por várias mudanças, aí ficou desse tamanho. Bem, boa leitura!



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Levantou do trono esculpido e foi caminhando até sair da entrada do Santuário, ainda meio atordoado pelas informações. Assim que os raios solares iluminaram as bordas escuras, Vergil viu cabelos cacheados antes de ser arremessado no chão com a investida que Niéle lhe deu, tamanha a preocupação.

— Oof!

— Você tá bem?! – perguntou a mulher, preocupada, se aproximando de seu rosto para segurá-lo.

— E-Estou agora... – respondeu o garoto, tentando se levantar. Olhou para frente e viu a silhueta de Kai, também lhe encarando. De repente, ela olhou para trás, e se agachou. Ele e a garota rolaram para fazer a mesma coisa.

— Temos companhia – disse ela, se esgueirando próximo à pedra da parede.

Um grupo de pessoas andava pela Escarpa. A grande maioria usava farrapos coloridos e algumas armas de haste, como lanças e alabardas. Vergil reconheceu imediatamente como os Filhos de Jovái, os cultistas que invadiram seu mundo e invocaram Monai para destruir seu bairro. O ambiente hostil parecia não os intimidar, pois andavam sem problema nenhum em meio aos jorros de cinzas e clima abafado. Tinha uma pessoa liderando o caminho. O garoto olhou estranho, mas já tinha a impressão que o havia visto. Era um homem de aparência mediana, com cabelos pretos oleosos e um jaleco branco sujo de terra e cinzas. Escondido do jeito que estava, apertou inconscientemente o braço de Kai, que estava mais próxima.

Ele sabia quem era, lembrou-se das feições. Esse homem era o mesmo que havia atacado Cole, quando passavam pela vila de Menorad, ao tentarem se aproximar do castelo de Alucard há muito tempo. Achou que tinha morrido, com o tornado gigante que circulava a vila tendo o arremessado também. Ele não fugiu ileso também: seu rosto estava deformado com cicatrizes, e por vezes que seu braço ficava exposto com os gestos, se via várias marcas de cortes mal sarados.

A tensão continuou por alguns minutos, com os garotos prendendo a respiração. De repente, uma Energia opressora, bem maior que a do local foi ficando mais presente. Ele sabia do que se tratava: já havia sentido isso antes. Vergil não pensou duas vezes e tocou de leve no chão, perto de onde estava agachado, manifestando seu conhecimento adquirido no Santuário da Aniquilação.

Nihilo: Consumo...— sussurrou o mais baixo que conseguiu as palavras recém-aprendidas. O toque provocou ondas físicas na rocha, mas bem imperceptíveis. A sensação opressora sumiu totalmente, mas apenas na área que as vibrações onduladas estavam. As duas olharam assustadas para Vergil, mas ele não prestava atenção. Estava se concentrando em absorver toda a Energia que lhes afetava, sentindo um surto de poder com o tempo que mantinha o contato. Os cultistas e o homem de jaleco não pareciam se importar ou notar, mas então se ajoelharam de repente. O garoto engoliu em seco quando viu a silhueta do Guardião parada adiante dos fanáticos, o terno cinza rente ao corpo. Eles conversavam, mas pela distância, nem mesmo Kai conseguiu ler os lábios deles. Após pouco tempo, o Guardião flutuou em pleno ar e sumiu rapidamente, como se nunca estivesse lá, mas não sem antes encarar diretamente onde os três estavam, o olhar se demorando um pouco mais no lutador e esboçando um semblante de sorriso. Assim, o alquimista e os cultistas foram saindo aos poucos da área depois de andarem por quase toda ela. Só sumiram de vez quando já estava escurecendo. Imóvel como estava, Vergil só relaxou o toque quando não viu mais nenhum deles, e escutou a voz de Kai.

— Não há mais ninguém que consigo detectar – suspirou a ninja, se sentando e respirando aliviada. O garoto parou de tatear o chão e se sentiu rígido, mal conseguindo se mover. Niéle pôs as mãos no chão e se ajoelhou, suando.

— C-Certo... – disse o garoto em meio a arquejos – Vamos sair daqui.

Sem contestar, eles se esgueiraram pelos montes e saíram da área vulcânica. Cansados e desgastados, o grupo mal organizou um acampamento para dormirem, mesmo estando cedo pela noite.

No dia seguinte, nos primeiros raios de sol, eles se levantaram. A proximidade com as Escarpas não deixou o descanso ser tranquilo, com exceção notável de Vergil. Vendo que Niéle e Kai estavam visivelmente cansadas, fez o que pôde para organizar o acampamento o mais rápido possível e confirmou com elas a hora de sair. Niéle estava com olheiras pesadas e parecia que desmaiaria de sono a qualquer momento. Já Kai não mostrava, mas também estava errando alguns passos, sem muita coordenação.

Aer Volare Tris...— preocupado como estava, evitou acelerar demais para não as prejudicar. As correntes ficaram um pouco instáveis, mas não havia risco de queda.

Sobrevoaram toda a extensão das Escarpas, enxergando as colunas de fumaça. Atravessaram algumas nuvens mais escuras, e mais à frente já viam a silhueta da maior elevação de Ryokun, a grande montanha e o local onde primeiro toca o sol no continente, o Pico Leautar. Havia algumas vilas perto da encosta, e considerando o estado delas, resolveu parar em uma delas. Estava no começo da tarde quando se aproximaram da entrada da vila, pois se chegassem voando, talvez os aldeões achassem estranho. Os três foram caminhando, com as duas sendo amparadas pelo garoto. Um guarda bloqueou a passagem deles com uma lança, alguns metros antes da entrada.

— Quem vem lá? – falou com uma voz impositiva.

— Somos aventureiros – anunciou Vergil, levantando uma mão em aceno.

— E o que desejam em Givictus?

— Só um lugar para passar a noite – mencionou o garoto, se aproximando – Estamos na selva há algum tempo, e precisamos descansar.

O homem olhou para os lados, checando a aparência das mulheres, e deu de ombros.

— Muito bem – confirmou o guarda – Mostrem suas identificações.

— Err... – hesitou o lutador, sem saber o que dizer.

— Vocês não tem? Então não posso deixá-los passar.

— M-Mas...

— Me desculpe, mas não posso abrir exceções.

— Tem certeza, Brian? – ouviu-se uma voz por trás da armadura, de dentro da vila – Pra mim só parecem três crianças exaustas...

Entendendo a mensagem, Niéle se jogou ainda mais fortemente por cima de Vergil, o que não era muito difícil, visto que estava esgotada. Fez um grunhido pelo esforço extra inesperado, mas o garoto ainda tentou esboçar um meio sorriso, vislumbrando o homem que havia falado: a silhueta alta com uma espada reta saindo do ombro. Vestia uma calça de tecido branca um pouco folgada, junto com uma camisa vermelha e uma jaqueta rústica de couro marrom, com remendos por toda a parte. Seus cabelos eram pretos e curtos, com um rosto moreno marcado de cicatrizes de corte. Apesar disso, o indivíduo não era grotesco, e seu olhar passava uma confiança que era de esperar de um soldado de elite. De uma forma estranha, ele não tinha Energia.

— S-Senhor Zaron, as regras...

— Eu cuido deles, Brian, pode deixar.

O soldado Brian fez uma continência apressada e voltou o olhar para a estrada à frente, enquanto o homem Zaron chamou o trio com um aceno de mão.

— Obrigado, senhor – agradeceu Vergil, gesticulando – Desculpe o inconveniente, mas precisamos mesmo de uma estalagem...

— Tranquilamente, lutador – respondeu o homem, fazendo uma mesura rápida - Não conheço vocês, mas dá pra perceber que cuidam bem uns dos outros. E isso é raro de se ver hoje em dia, com tudo em perigo por aí.

— Nós tentamos... Estamos viajando a tanto tempo que ver a civilização é uma boa pedida.

— Entendo muito bem. Sabe, já fui aventureiro um dia, mas já estou velho demais para isso. Acabei me tornando chefe da guarda daqui, e foi uma benção poder viver os dias em tranquilidade. Givictus é um pouco grande, mas é bem tranquila.

“De fato.”, observou Vergil, enquanto mirava os arredores da vila: cercada de madeira e pedra, o assentamento possuía várias casas bem espaçadas, com fazendas e pequenos canteiros de hortas e frutas. O caminho era de terra batida, com alguns buracos pela chuva e marcas de rodas das carroças. À medida que conversavam e caminhavam, eles se dirigiam à parte central, já que as casas passavam a ficar mais juntas e com áreas maiores, representando uma praça da cidade com o mercado bem próximo. Pessoas olhavam indiferentes para os garotos, já que na vila também tinham alguns aventureiros em meio aos aldeões. E eles se surpreenderam que ao lado da estalagem na qual o chefe havia lhes guiado também havia um quadro de avisos e um quiosque de entrega.

— Não temos tantas requisições, mas ultimamente têm acontecido coisas estranhas nas redondezas da vila – comentou Zaron – Ficamos bem perto da montanha, mas isso normalmente espanta as criaturas daqui. E não é o que tem acontecido nos últimos 2 meses.

“E é por isso que também estendo o pedido a vocês, se puderem cuidar disso assim que descansarem na hospedaria. Bem, amanhã eu venho encontrar vocês e digo mais detalhes. Bom descanso!”

E se afastou, levantando um braço e acenando de costas. Sem muito o que fazer, o lutador pediu um pagamento no dia seguinte, já que estavam sem dinheiro, e dois quartos. Ambas quiseram protestar, mas Vergil foi resoluto e ficou com o quarto individual. Não seria muito adequado eles estarem dormindo no mesmo quarto: primeiro, ele tinha vergonha, por mais tempo que haviam passado dormindo perto um dos outros nos acampamentos ao relento. Segundo, porque ele era homem e elas duas eram mulheres, e se sentia na obrigação de respeitar os espaços pessoais. E terceiro, seus pensamentos com relação à Niéle ainda estavam confusos, pois com toda a pressa para poder manter o mundo fora de colapso, não havia parado para pensar em tudo que estava sentindo, e agora que conseguiu parar, a enxurrada estava voltando a todo vapor.

Deixou as duas no hotel e saiu para observar o povoado e conseguir informações. Com o pouco de tempo restante antes de anoitecer, ele caminhou pela praça central, observando uma gama de pessoas bem distintas em sua coleta. Um poço no meio da área central estava ladeado por guardas, em sua esquerda havia uma mulher franzina levando uma grande bolsa, na frente havia um boi sendo transportado por seu dono e algumas crianças perseguindo galinhas. Fora esses camponeses, havia um grupo de pessoas que só seriam descritas como mercenários, pois estavam trajados de armaduras tanto de couro como de placas de metal, assim como uma seleção de armas brancas bem guardadas. Percorriam o mercado, vendo as várias tendas e barracas exibirem suas mercadorias, mesmo que algumas já tenham fechado.

No geral, o povoado era algo que via comumente por Ryokun, mas havia algo no ar. Como Zaron havia dito, tinha uma tensão, uma calmaria antes da tempestade. Mesmo que não tivesse a capacidade de detectar o caos como Niéle, ou a maestria investigativa de Kai, Vergil conhecia alguns sinais de comportamento e tinha sua conexão forte com a Energia. No seu interior, notou que teria que fazer algo para ajudar. E isso poderia fazer a diferença para eles. Voltou à estalagem e dormiu, quando os guardas estavam ligando os candeeiros para iluminar as ruas. Uma leve névoa permeou as trilhas demarcadas, deixando o ar de mistério mais evidente.

O dia seguinte amanheceu rápido, com os três sendo visitados durante o café da manhã pelo chefe da guarda. Atrás dele, havia uma única guarda, que estava totalmente coberta pela armadura. Só era possível defini-la como mulher pois sua armadura seguia a forma do corpo.

— Bom dia, aventureiros. Conseguiram descansar?

— Sim – comentou Vergil – Eu já estava bem, mas minhas companheiras estão bem melhor.

As duas acenaram com a cabeça. Zaron pareceu satisfeito, dando um sorriso, mas depois tomou uma postura mais séria.

— Certo, bom saber disso. Vamos aos negócios então.

“A montanha sempre foi algo que esteve presente em nossas vidas, e temos uma relação bem amigável com os habitantes do topo. De vez em quando, Brian, aquele guarda da frente, sobe e leva alguns suprimentos pro pessoal de lá. Mas ultimamente tem ficado bem perigoso subir os vários degraus da encosta da montanha: ventos inexplicáveis e monstros repentinos. Sem falar que isso tem afetado também as redondezas. Colocamos missões no quadro, mas nenhum aventureiro conseguiu descobrir o que é que está acontecendo. Algumas caravanas falaram que os gastos com proteção têm aumentado, e tememos que eles deixem de vir por aqui por causa disso. E francamente, estamos ficando preocupados.”

— Há alguma caverna por perto? – perguntou Kai.

— Não que saibamos.

— Quando que esses ataques começaram? – questionou Niéle, se juntando à conversa.

— Há alguns meses, desde que o céu foi aberto pela Luz de Guará.

Vergil se assustou quando se lembrou de seu embate com Geardyne, que, segundo Niéle e Kai, tinha acontecido há quatro meses. No momento que atingiu o Segundo Nível, sua liberação de Energia foi tão poderosa que abriu um feixe de luz nos céus, e todo o local se iluminou. Não tinha certeza, mas também poderia ser sua conexão com a Luz ter acontecido de forma precoce.

— Que estranho – comentou o garoto, nervoso – Deveria ser uma coisa boa, né, mas problemas começaram dali?

— Pois é, deveria – respondeu o homem – Guará é o deus da Luz, mas algo naquilo agitou toda a Energia do continente, e tudo ficou mais tumultuado. Sinceramente, estamos ficando desesperados.

— A Energia está mesmo diferente por aqui...

— Eu não saberia dizer, mas as pessoas estão inquietas. Vocês podem perguntar nos arredores, saber onde aconteceu o primeiro ataque.

— Certamente, obrig--

— Espera um pouco, Vergil – disse Niéle, um pouco autoritária – E quanto a nossa recompensa?

— Niéle! – sibilou o garoto, mas ela já tinha falado.

— Não se preocupem: caso consigam resolver, tenho 4.200 Stips esperando por vocês – disse Zaron, como se já esperasse a pergunta.

— Sim, sim. Vamos cuidar disso rapidinho – falou a menina com um sorriso satisfeito.

O chefe da guarda se levantou e saiu caminhando, a expressão satisfeita, de quem finalmente conseguiria resolver um problema. Assim que ele saiu pela porta, Vergil deu um tapa no ombro dela, enfezado.

— Precisava daquilo?

— Vergil, você é um amorzinho, mas também muito inocente...

Incrédulo, olhou para Kai, que concordou com a maga.

— Ela tá certa, Vergil: quando se tem um trabalho desses, que conversamos com o contratante, temos que definir todos os termos, inclusive pagamento. Sei que é bom fazer o bem, mas também temos que sobreviver, e ainda estamos devendo à estalagem.

Queria questionar, mas havia lógica e razão nos argumentos da ninja. Bufou em resposta e voltou a encarar seu café da manhã, comendo desanimado. Assim que terminaram a refeição, foram em direção à praça central. De manhã, ela estava bem mais movimentada, com pessoas parando nas barracas ao ar livre para comprar comida e utensílios. Abordaram um aldeão mais velho, obtendo assim a localização, que havia sido entre o caminho da vila com Leautar, próximo da lagoa. Falaram com o guarda da entrada, Brian, avisando da investigação, e se deslocaram para lá.

Com passos cadenciados, os três chegaram sem demora. A estrada era de terra batida, com algumas árvores esparsas, a lagoa em declividade, refletindo um espelho amarelo do sol quase cegante e algumas marcas de transporte. Kai se ajoelhou e procurou por sinais mais antigos, investigando os cortes na terra rígida. Enquanto isso, Vergil e Niéle observavam os arredores, vendo se nada passava por lá que não fosse mercadores ou cidadãos da vila.

— Encontrou algo, Kai? – perguntou o garoto, depois de alguns minutos.

— Nada muito promissor, eu temo – respondeu, sem esconder a frustração – A terra foi muito mexida pelos mercadores, e as marcas não estão definidas o suficiente para poder traçar algo. Definitivamente tinha algo aqui que atacou o pessoal, porém não tenho como perseguir, o que nos prejudica. Se conseguíssemos ver algo além...

— Será que dá pra ver algo a mais pelo alto? – disse Niéle, empolgada.

— Como assim? Se voarmos? – questionou Vergil, intrigado.

— Isso! – confirmou a maga – Você pode colocar Kai no alto para ver se ela enxerga algo a mais.

— Os rastros são bem amplos mesmo... Pode dar certo.

— Muito bem então. Prepare-se...

Vergil se concentrou e reuniu a Energia. Ar começou a circular de forma visível a seu redor, denunciado pela poeira. Jogou um braço para frente e disse “Aer Volare!”. A ninja esticou o corpo, e voou alto, com o lutador apontando para ela e mantendo o controle e concentração. Ela foi conduzida por toda a área, observando toda a extensão, e depois de um tempo, gesticulou para que descesse.

— Encontrei: tem uma espécie de alçapão no meio da lagoa.

— Que?! – disseram os dois, sem entender.

— Eu também estranhei, mas há uma pequena ilha, escondida pela inclinação, que tem um buraco. Vi também os mesmos rastros por lá. Só não sei como o que quer que seja atravessa toda essa distância.

— Só há uma forma de descobrir... – disse o garoto, chegando na borda da lagoa. Niéle também se aproximou, e bateu o cajado no chão da margem antes que fizesse qualquer coisa. A ponta fria dele liberou uma névoa gelada, mas que voou em direção ao volume de água e rapidamente formou uma ponte de fundo bem espesso. Olhou para o lutador e sorriu, como se dissesse “Vamos?”. Levantou uma sobrancelha perante a expressão, mas caminhou logo depois de Kai. O trio se aproximou do buraco depois do caminho, constatando que não parecia ser algo feito por seres humanos, e sim algum tipo de criatura muito grande ao se movimentar. Repentinamente, a terra começou a tremer, parecendo um terremoto, e o efeito refletiu-se no lago, cuja superfície estava vibrando. O equilíbrio ficou difícil de manter, se ajoelhando, sendo jogados para trás quando o buraco explodiu, pedras e areia se espalhando pelas laterais. Assim que a poeira baixou, viram o que parecia ser montes de rocha em formato humanoide, bem maiores que eles.

— Golens?! – exclamou Vergil, recuado, mas preparado. Desviou de um soco poderoso que acertou o chão, dando uma cambalhota para trás. O espaço era pouco, e ele quase caiu na água. Não teve muito tempo para pensar, pois outro punho massivo veio em sua direção. Desviando para o lado com uma estrelinha, resolveu abrir mais espaço para sair dali. Recuou os braços.

Aer Impetus!

Um volume grande de ar partiu de seu punho fechado e atingiu a criatura, que recuou alguns centímetros para trás. Menos do que esperava, mas suficiente para o que queria, invocou duas correntes de ar paralelas à sua para transportar Niéle e Kai para longe dali, rasante pelo lago. O impulso veio em momento oportuno, pois uma grande rocha foi jogada onde a maga estava, e ocupada com o golem de pedra na sua frente, não percebeu a ofensiva.

Chegaram à borda externa do lago, de volta à trilha, mas imediatamente um caminho pedregoso se formou, surgindo por baixo da água. Do buraco onde emergiu as criaturas saíram dois homens. Estavam longe, mas distinguiu que eram idênticos entre si quando pousaram, ou pelo menos muito parecidos.

— Bem, descobrimos quem anda atacando as caravanas... – comentou Vergil, enquanto fazia água e ar circular a seu redor, depois de se recuperar do disparate.

— Cuidado: eles podem ter truques que ainda não vimos – alertou Kai, armada com sua espada incorpórea, a aura esverdeada dela caindo feito névoa.

Os dois saltaram da origem, sumindo momentaneamente pela celeridade e aterrissando quase na frente dos três. E constataram que eram realmente iguais: ambos tinham cabelos pretos, longos e muito espetados, se elevando como uma crista e saindo por trás como espinhos de um ouriço. Seus corpos eram atléticos e definidos, não muito volumosos. Estavam vestidos com uma camisa apertada e curta, que deixava o abdômen forte à mostra. A diferença entre eles vinha pela bandana e pela calça bem larga que terminava num sapato rasteiro. Um usava cor vermelha e o outro usava roxo nos acessórios. O olhar era de escárnio e divertimento.

— Olha, mano: mais heróis. – um deles falou, a voz brincalhona.

— Sim, mano – o outro continuou, com a mesma voz, com tom de admiração – Eles parecem fortes.

— Verdade, mano. Será que vamos nos divertir?

— Com certeza, mano.

Os três estavam atentos, preocupados com o que podiam fazer, mas Vergil se arriscou, a concentração no máximo.

— Quem são vocês?

Os dois pararam com a deliberação e olharam para o lutador, as expressões ligeiramente confusas. Com um movimento súbito e exagerado, o que provocou um recuo dos três quase ao mesmo tempo, os gêmeos fizeram uma reverência.

— Eu me chamo Inil – disse o de calça vermelha.

— E eu sou Kudric – declarou o outro, de calça roxa.

— E nós vamos – disseram os dois ao mesmo tempo – Nos divertir!

Imediatamente, o chão onde eles estavam começou a tremer, com o solo se rachando e se movimentando. Kudric chegou instantaneamente na frente de Vergil e acertou um soco no rosto dele, jogando-o para trás. Niéle e Kai mal reagiram, pois do solo surgiu dois humanoides de pedra, os dois golens que estavam na ilha e estouraram o alçapão.

Ignis Eruptio!— apontando o cajado para frente, a maga disparou um feixe incandescente contra um deles, mas o calor mal esquentou a rocha. Em resposta, um punho pedregoso se moveu em sua direção, cuja violência foi bloqueada pela esfera protetora de gelo ao seu redor. Rachou perigosamente, mas resistiu.

Silens Vultus: Infirmitas Arguo!— fazendo movimentos de mão, Kai surgiu em meio à poeira e apontou a palma para um dos gêmeos. Rapidamente, o outro golem se jogou na frente de Inil, o protegendo, e seu corpo ficou com um símbolo verde próximo das articulações. Vendo aquilo e conhecendo as habilidades dela, a maga golpeou o ar com a arma, criando uma lâmina de gelo com o cajado como cabo e acertando onde estava o símbolo.

Imediatamente a articulação brilhou e a pedra fraturou, sendo destruída assim que o outro gêmeo, Kudric, acertou o mesmo local com o próprio corpo, sendo arremessado por algo. Atrás, Vergil estava voando, com água circulando a seu redor, parecendo um super-herói.

Aqua Spiralis!— um feixe de água giratório se lançou contra as criaturas quando o lutador jogou o braço para frente. A pressão fez um barulho de broca enquanto abria e dispersava a rocha, como uma perfuratriz hidráulica. Um novo paredão de pedras surgiu na frente do ponto de contato subitamente, e sua concentração vacilou pelo susto, parando o ataque. Felizmente, Niéle aproveitou o volume de água no local e passou a surfar na onda para mobilidade, desviando de dois punhos massivos que foram em sua direção.

Um dos gêmeos, de calça vermelha, se lançou ao ar com um pilar de pedra de impulsão, e junto dele estava um seixo enorme, pronto para pulverizar o lutador. Este pôs os dedos na frente do rosto e fez uma ponta de lança: ar começou a se acumular visivelmente na frente dele, obstruindo um pouco sua visão, mas formando uma área de altíssima pressão.

O rochedo voou rapidamente para esmagar o garoto, mas ele foi partido e destroçado em vários pedaços pela lâmina de força máxima na frente dele. Aproveitando as correntes divergentes, Vergil girou o braço de baixo para cima, direcionando essa potência. Inil cruzou os braços na espera pelo impacto, mas este nunca veio, pois a lâmina fora mudada para uma plataforma de vento, que lançou a ninja para cima, a deixando na posição perfeita para finalizar.

Silens Vultus: Transverbero...

Perfurando o inimigo com sua espada agourenta, Kai o atingiu bem no meio do peitoral e quebrou a lâmina incorpórea lá, recriando uma nova no lugar usando sua Energia. O gêmeo de calça vermelha foi caindo, acertando o chão com muita força e levantando poeira. Em resposta, um dos golens moveu o punho que parecia um rochedo na direção da garota e, ocupada como estava tentando se estabilizar no ar, não conseguiu desviar, recebendo a batida e sendo jogada com violência até bem próximo da vila, uns 50 metros para trás.

CHAOS INVESTITURA!— com o cajado nas costas, Niéle esticou os braços na lateral, com fogo no direito e frio no esquerdo e os juntou na frente, mirando no golem que acertou sua amiga para liberar toda sua raiva: um feixe alaranjado, com traços azuis e vermelhos, foi disparado com intensidade. Labaredas vazavam por seus lados, assim como vapor frio, enquanto o turbilhão de caos atingia tudo que fazia parte da criatura com enorme veemência. Poucos instantes foram necessários para que o golem não mantivesse sua integridade, explodindo em rochas congeladas e incandescentes fragmentadas. A maga cessou o disparo logo depois, ajoelhando pelo esforço e gasto de Energia..

O outro golem surgiu em meio à poeira para pegar a oponente indefesa, mas Vergil o interceptou com um chute poderoso, impulsionado pelo ar, derrubando-o como um meteoro e enterrando seu carpo de pedra na areia revirada. Fez um domo giratório de água assim que pousou perto da maga, com a ninja estando no seu ombro amparada. Concentrou Energia rapidamente e esticou a mão em direção as duas, enviando uma onda de poder curativo, que diminuía os impactos e cortes recebidos gradativamente. Logo depois, puxou a água do domo para trás de suas costas e a concentrou o máximo possível, a ponta do dedo brilhando em azul, enquanto apontava para a mão montanhosa da criatura, que descia para aniquilá-los feito insetos.

Aqua Depulso!— o jato que se seguiu não tinha muito volume, mas tinha bastante força, com ar retirado para aumento de pressão e forçado num espaço pequeno para cavitar foi mais do que o suficiente para destroçar todo o braço do monstro, e logo depois o peitoral, desfazendo-a em uma pilha de estilhaços rochosos no feixe que parecia um laser. Com um movimento de braço e controle da Energia, o lutador dispersou a poeira que tomava conta, respirando fundo.

Inil estava caído no chão, em meio às pedras, e Kudric estava simplesmente de pé, com os braços elevados, como se ele estivesse controlando as criaturas depois do impacto que recebeu do garoto. Surpreendo os três, Inil se levantou, e com uma naturalidade anormal retirou a navalha que o perfurava. O sangue caía pelo aço, e seu ferimento ainda estava aberto, mas ele não parecia nem um pouco afetado por isso. Estalou o pescoço e olhou indignado para o irmão, que aos poucos desfazia a pose de controle.

— Vamos, mano. Eles destruíram os golens.

— Ah, porcaria, mano. Vamos ter que pegar mais deles depois.

— Sim, mano. Mas tá divertido.

— Pois é, mano. Conto contigo pra a gente terminar.

— Será que vocês não tem consciência alguma? – disse Vergil, irritado – Toda essa destruição e morte, para que?!

Os dois se entreolharam e, mirando o lutador, deram uma gargalhada. Se apoiando um no outro para se manterem em pé, eles viraram para ele mais uma vez e falaram, mas com um olhar sádico e sem piedade.

— Ora, herói, isso é uma oportunidade – disse Inil, e abriu os braços.

— Uma oportunidade para ganhar dinheiro e a gente viver como quer – continuou Kudric, enquanto levava a mão no rosto, cobrindo-o parcialmente.

— O mundo tá acabando e os sinais são óbvios. A Luz de Guará foi só um presságio...

— As criaturas tão doidas, e só basta um empurrãozinho pra elas fazerem o que a gente quer.

— E com isso a gente rouba dos fracotes e vive da melhor forma!

Rangeu os dentes pela afirmação, a raiva crescendo dentro de si, mas resolveu respirar fundo: não iria conseguir controlar nada se perdesse a calma. Aprendera sua lição com Geardyne. Niéle levantou, tendo se recuperado um pouco e fez uma pose de luta, preparada para o corpo-a-corpo, mesmo que precária. Kai saía de trás do lutador como uma sombra, de faca sacada e atenta aos movimentos dos dois. Machucada e de roupas rasgadas, ela parecia um predador de orgulho ferido. Esses inimigos não eram nem um pouco convencionais, e a distração custaria caro.

Qi: Vapor...— a manifestação da Água estava no corpo do lutador, com suas extremidades sendo envolvidas em vapor extremamente quente. Rápido como uma correnteza, Vergil se aproximou e o punho se ergueu, acertando Kudric bem no abdômen, e fazendo ele se curvar frente ao impacto, que parecia bem maior do que o esperado. Aproveitando a posição, pegou a cabeça dele e aplicou uma joelhada, chutando o corpo para longe logo em seguida.

Inil estava estarrecido, mas fez uma pose e rochas se grudaram em seu corpo, protegendo contra a estaca de gelo e as facas piramidais que foram em sua direção, resultantes da maga e da ninja. Ao mesmo tempo, com um barulho de ar rasgando, chamas emergiram do local onde Kudric estava, e ele se impulsionou para cima, voando pela pura pressão do fogo lhe mantendo no ar.

Ignis Iaculat!— com uma jogada de mão, o gêmeo disparou uma labareda. A flama voou rapidamente e espiralou no contato com o rapaz. Poucos instantes depois, em meio ao turbilhão fumegante, um domo de água girou e surgira, bloqueando a manifestação e apagando o ataque ardente. Juntando o resto da água, Vergil formou inúmeras estacas de gelo pequenas e as enviou na direção dos dois.

Kudric simplesmente intensificou as chamas a seu redor e Inil cobriu o rosto exposto com o braço, bloqueando a ofensiva sem problemas. Só que foi exatamente o que Vergil queria fazer: de trás, Niéle apontou o cajado para cima, e várias bolas de fogo voaram, caindo pouco tempo depois numa tempestade incandescente. O gêmeo de calça roxa deu uma risadinha zombeteira, mas caiu logo depois. Atrás dele estava Kai, as mãos envolvidas numa fumaça verde, sem armas na mão. A mesma fumaça estava emergindo das costas de Kudric.

— MANO!!! – gritou Inil, e em um acesso de raiva, sua Energia deu um pico. Com uma enorme ventania, o Primeiro Nível emergiu de seu corpo ao mesmo tempo em que praticamente voou no pescoço de Kai, o punho envolto em pedras avermelhadas. A mão fumacenta e rígida desceu, mas só encontrou uma névoa esverdeada quando acertou o chão com ímpeto e fissurou a areia.

O golpe desequilibrou os garotos, e até Kai, que havia fugido usando o clone etéreo, tropeçou e caiu. O rosto do gêmeo de calça vermelha estava deformado pela fúria, e somado com a Energia poderosa a seu redor, mal se prepararam para o que veio.

Maximus Potentia: Ostes Efflo!!!— todo o local tremia. O golpe que havia sido usado para atordoar os garotos não se comparava a isso. O chão, as pedras, toda a área que fazia parte das cercanias de Givictus e proximidades de Leautar estava vibrando e tremendo. Pássaros voaram assustados; mercenários que estavam nas adjacências tombaram frente ao poder que era exibido, sem saber de onde vinha. Parcelas do chão desabavam e se elevavam com o constante movimento. Locais aleatórios começaram a explodir, lançando pedras e detritos para cima e obstruindo a visão.

Em resposta, Vergil, enquanto era jogado para cima e para baixo, acessou o aspecto de Ar por sua Essência e se elevou para os céus. Sentiu a Energia de suas amigas e apontou os braços para cima, para tirá-las daquela confusão também. Perplexo e desorientado, ele tentou absorver a nova situação.

— Temos que parar esse maluco senão ele vai destruir toda a vila! – gritou o garoto, enquanto tentava se fazer ouvido naquela cacofonia.

— Eu não consigo me aproximar com todo esse terremoto! – confessou Kai – Minha Pons Charta não conseguiria ficar estável para usar.

— Eu posso parar com meu gelo! – expressou Niéle, olhando determinada – Só não sei por quanto tempo: não tô com muita Energia.

— Alguns segundos devem dar. Vamos!

Soltou o controle do Ar sobre a maga quando ela estava próxima ao chão. A garota desceu com os punhos apontados para o solo. Imediatamente, estacas de gelo emergiram de cada fresta e buraco, volumes de Energia sendo forçados entre as fraturas e contendo o tremor. Niéle prendera a respiração, concentrada em manter o gelo coeso e firme. Pelo menos sabia que não estava sozinha nisso, pois enxergou Kai correndo do seu lado, e viu as plataformas que havia criado logo depois vibrando visivelmente, mas conseguindo saltar entre elas até se aproximar do inimigo e golpear de cima com sua espada. Inil levantou o braço e defletiu a perfuração, o membro revestido de pedras extremamente duras, cuja resiliência foi o bastante para bloquear a ofensiva da fantasma. Com a guarda aberta, a ninja foi alvo de um outro punho, dessa vez revestido de rochas incandescentes.

O ataque nunca conectou, pois Vergil surgira atrás do gêmeo e o agarrou usando o Ar, isolando-o com uma prisão de vento, e executou uma parábola com o corpo dele que o arremessou contra o solo congelado. O terremoto parou imediatamente quando Inil exalou o ar que fugiu dos pulmões pelo impacto, e Niéle desmaiou assim que não precisou mais segurar. O gêmeo estava desacordado, evidenciado pela respiração lenta e olhos totalmente brancos pelo choque. O lutador o arrastou para junto do outro gêmeo enquanto Kai ia amparar a amiga. Tentou carregar os dois, um em cada braço, mas era lento e ineficiente pois eram maiores que ele; então, com movimentos amplos, ele exerceu um controle rudimentar com o Ar, e foi os transportando para a vila. Niéle acordou pouco depois, e assim que os três visaram a área, devastada pela luta, ficaram determinados em fazer os criminosos pagarem.


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Notas finais do capítulo

Pretendo melhorar o ritmo de postagem pra poder descrever o final de jornada de maneira satisfatória. Então, até o próximo!



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