Pimo Daco escrita por Ly Anne Black


Capítulo 1
Único




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Na foto sobre o console da lareira, Draco e Teddy dormiam tranquilos, as cabeças juntas. O cabelo de Teddy tinha o tom turquesa de quando estava confortável e seguro. Draco Malfoy sorria. Harry não se lembrava de já ter visto o arqui-inimigo de escola sorrir daquele jeito tranquilo, antes.

— Ele mudou, sabe? Depois da morte de Lucius — disse Andrômeda, ao perceber que Harry estava olhando a foto. Ela lhe entregou uma xícara de chá e o chamou para o sofá próximo. 

Harry a seguiu, os olhos ainda na foto. 

— Não sabia que ele e Teddy eram próximos. Malfoy visita com frequência?

— Pelo menos uma vez por semana. Teddy gosta muito dele. O fato de Draco ter quase o mesmo nome do seu animal preferido certamente ajuda. 

Harry bebeu o seu chá, pensativo. Se perguntara que fim teria levado Malfoy, depois da guerra. Malfoy não voltara para terminar a escola. Não aparecera em notícias nos últimos anos, nem mesmo a que anunciara a morte de Lucius por um “ataque súbito” há dois anos, enquanto cumpria prisão domiciliar por sua participação na segunda guerra bruxa.

— Ele pergunta de você, às vezes — comentou Andrômeda, casualmente. A informação surpreendeu Harry. 

— Sobre mim? Por quê

— Como assim, porquê? Vocês não foram colegas de escola? 

— Nós nos odiávamos na escola. 

— Bem, ele disse que você salvou a vida dele, na última batalha. 

Harry supunha que sim. Mas, ele tinha salvado a vida de muita gente, e com exceção dos seus amigos mais próximos e da sua família (os Weasley), ninguém perguntava muito por ele ultimamente. 

— Ele vem hoje para o jantar. Porque não fica? Ted vai adorar ter mais um pouco de você, quando acordar da soneca. 

Harry achou uma péssima ideia. Ele e Draco Malfoy jantando juntos, como se fossem parte da mesma família? Só que eles meio que eram, Harry percebeu com surpresa. Draco era sobrinho de Andrômeda, primo de segundo grau de Ted. Ted se tornara uma das pessoas mais importantes para Harry, nos anos pós-guerra. Não podia mais imaginar a sua vida sem o pestinha multi-colorido que adorava ouvir qualquer história de Harry que envolvessem dragões. 

— Então, posso colocar mais um prato na mesa? 

Os olhos de Harry correram de novo para a foto no console. Aquele sorriso improvável no rosto de um adormecido Malfoy. Harry precisava admitir, estava curioso. Além do mais, não tinha nada pronto para comer em casa. 

— Tudo bem. Mas, não fique surpresa se ele não gostar nada de você ter me convidado. 

— Bobagem. Nessa casa não tem espaço para birra. Mais chá, querido?

*** 

Ted acordou pouco depois, e como Andrômeda previra, ficou fora de si ao descobrir que Harry ainda estava lá. Eles brincaram de um dos jogos preferidos de Ted, que consistia em fazer Harry imitar cada um dos animais do seu livro de criaturas mágicas do Dr. Doninha, com o qual o garotinha era obcecado.

Harry estava fazendo “a fênix” – conjurando fogo mágico em torno de si, soltando piados muito agudos e batendo as suas “asas”, e Ted dava gritinhos para a atuação. Nenhum dos dois notou Draco instalado à porta da sala, observando o movimento. Um sorriso torto zombeteiro, muito familiar, apareceu no rosto pontudo quando Harry finalmente percebeu que tinha plateia. Harry apagou o fogo falso, mortificado. 

— PIMO DACO! — Ted gritou com estridência, voando para os braços de Draco Malfoy. 

Draco o ergueu nos braços e o apertou, dando a Harry a chance de se recompor e recuperar um pouco de dignidade. Depois do abraço, Ted se desvencilhou do primo e o pegou pela mão, puxando-o na direção de Harry. 

— Pimo Daco, pimo Daco, olha o meu dindo, o Hawy! Ele é uma fênize! 

Draco se deixou arrastar por Ted até onde Harry estava. Parecia fazer um esforço descomunal para morder um comentário sarcástico. Ao invés disso, fez uma expressão de surpresa teatral para Ted.  

— Bem, isso explica muita coisa. Potter — cumprimentou e estendeu a mão pálida para Harry, como se eles nunca tivessem tentado se matar no passado. 

— Malfoy — Harry apertou a mão fria de Draco, que devia ser esfolhada diariamente, de tão macia. Draco olhou Harry de cima a baixo e o sorrisinho torto voltou à sua boca fina. 

— O que é isso que você está vestindo, Potter? De pijamas a essa hora? 

Harry olhou para si mesmo, e percebeu que era a camisa oficial do seu time de futebol preferido, o Manchester City, que Malfoy estava chamando de pijamas. Ele ia responder que Draco fosse se ferrar – velhos hábitos persistiam –, mas naquele momento Andrômeda apareceu para avisá-los que o jantar estava pronto.  

* * *  

— Harry, e quanto à sua formatura? Devo esperar um convite em breve? 

Harry estivera observando discretamente a interação de Ted e Draco, por cima de suas batatas. O garotinho tentava chamar a atenção do ‘pimo’, copiando a cor do seu cabelo e dos seus olhos e imitando os seus movimentos à mesa. Draco, fingindo que não via, fazia movimentos exagerados com o seu garfo e faca para Ted reproduzir. 

Harry virou-se para Andrômeda, piscando em foco. 

— Eu não estou pensando em participar da festa. É só uma formalidade, de qualquer maneira. O distintivo de verdade é entregue semanas mais tarde.

— Pois devia, festas são importantes rituais de passagem. Além do mais, vai ser a primeira vez do Teddy em vestes formais, ele vai ficar uma graça… 

— Potter está se formando em alguma coisa? — Draco perguntou para a tia, o que irritou Harry. Ele estava bem ali! 

Auror — Harry respondeu, embora duvidasse que Malfoy não soubesse. Qualquer pessoa que não estivesse vivendo debaixo de uma pedra teria visto uma das muitas matérias que o Profeta Diária insistia em fazer, cobrindo as minúcias da carreira de Harry, contra a sua vontade. 

— Previsível — disse o loiro pouco impressionado, equilibrando um grão de ervilha na faca. Ted tentou fazer o mesmo com a sua colher e se acabou de rir quando a ervilha saiu rolando e caiu em seu colo. Harry rolou os olhos para Andrômeda. 

— Não se preocupe, Andie, se eu mudar de ideia, você e Ted serão os primeiros a saber. 

Se mudar de ideia, Potter, devia ir com esses pijamas, os tabloides vão ter um orgasmo — disse Draco, agora distraído em  fazer bonequinhos palito com as suas cenouras bebês. Ted, tentando imitá-lo, estava destruindo as suas. 

Andrômeda fez uma ligeira careta para o palavreado do sobrinho à mesa, mas manteve o tom casual de conversa: 

— E você, Draco? Como vai indo o próximo livr–

Draco levantou a cabeça tão rápido e deu a ela um olhar de advertência tão intenso que Andrômeda engasgou no meio da pergunta. 

— Vai ótimo. Obrigado por perguntar, tia. 

Harry olhou de um ao outro, curioso, mas a atenção de Andrômeda se voltou para a bagunça que Ted estava fazendo, tentando imitar as criações culinárias de Draco. 

— Já chega de brincar com a comida, vocês dois — Andrômeda ralhou. — Depois você vai embora e Ted fica querendo que eu faça teatro com os legumes, e lá se vai a minha paz pelo ralo. 

* * 

— Será que um de vocês se importaria em dar uma volta com o Ted lá fora?  Está fazendo uma noite realmente agradável, e uma caminhada sempre o ajuda a gastar energia. 

Ted, que estivera fazendo da sala um percurso de parkour, pulando de um sofá para o outro, passando por debaixo da mesa de centro, dando a volta no cabide de casacos e se pendurando em braços de cadeira, ouviu a sugestão, foi correndo até Harry e agarrou a sua perna. 

— Dindo Hawy, vamos! — Ele decidiu. Harry, sentindo o olhar rancoroso de Draco em sua nuca, pegou o afilhado nos braços. 

— É claro, pestinha. Cadê o seu casaco? 

Ted apontou para o casaco rosa-chiclete – sua cor preferida – no cabide. Quando eles passaram por Draco, parado sob o portal da porta que dava acesso a cozinha, Ted se jogou do colo de Harry ao dele sem aviso. Draco segurou o garoto por reflexo, e por um minuto cada um tinha um pedaço de Ted, Draco o segurando pelas axilas e Harry ainda agarrado aos seus joelhos. Se divertindo com a posição pouco usual, Ted anunciou: 

— Pimo Daco vai com a gente! 

— Uh, acho melhor não, Teddy. Fica para a próxima. — Draco disse, sem olhar para Harry. 

Estava claro que ela não negava muita coisa para Ted, porque o menino formou um bico de dengo bem rápido. Harry tentou puxar Ted de volta para o seu colo, mas o garoto se agarrara ao pescoço de Draco feito carrapato. 

— Pimo Daco vai com a gente! — repetiu o garotinho. Birra era um comportamento raro para ele; a insistência deixou Harry bem impressionado. 

— Não acho que o seu padrinho goste de dividir a sua atenção comigo — Draco alfinetou, se ajeitando para segurar melhor o garoto e olhando de relance para Harry, que se aprumou, a agulhada surtindo efeito. 

— Bobagem, vamos todos dar uma volta. Andrômeda tem razão, está uma noite ótima. 

Malfoy olhou para ele por cima da cabeça loiro-platinada de Ted, como se um chifre retorcido de unicórnio tivesse brotado da sua testa. 

— Ótimo! Assim vocês podem colocar o papo em dia — disse Andrômeda da cozinha. Harry achou ter ouvido uma notinha de zombaria na voz dela. 

* * 

Eles caminharam em silêncio pela estradinha que ligava o chalé até o vilarejo próximo. O único som era Ted, de volta ao colo de Harry – na verdade em seus ombros, de macaquinho – cantarolando a música em que a dona musaranha subia pela cabana, vinha a chuva forte e a derrubava. 

Nem em mil anos passara pela cabeça de Harry que ele estaria voluntariamente caminhando numa noite fresca de verão com o filho de Remus e Tonks nos ombros, lado a lado com Draco Malfoy. Draco, as mãos fundas nos bolsos, absorvido em seus próprios pensamentos, parecia . decidido a pirraçar Harry com o seu silêncio. Era bem a cara de Malfoy – e Andrômeda ainda achava que ele tinha mudado! 

— Então, você está escrevendo um livro? — Harry sem se aguentar, quebrou o silêncio — “Memórias de um Pé-No-Saco”? Vai ser sucesso de vendas. 

Draco travou os dentes, sem morder a isca. Isso não fez Harry feliz. O Draco que ele conhecia sempre aceitava as suas provocações, era como o mundo funcionava. 

— Nunca imaginei você como um escritor, Malfoy. Nem sabia que você tinha sido alfabetizado — Harry provocou. — Cansou de viver confortavelmente da herança gorda que o seu pai deixou pra você? 

— Minha nossa, Potter, você salva a merda do mundo bruxo e vira uma porcaria de uma lenda, mas continua um idiota irreparável — Draco enfim explodiu, destilando veneno que tinha segurado pelo quê,  cinco minutos inteiros? Harry estava impressionado.  

— Pimo Daco! — Ted exclamou do topo dos ombros de Harry. — Não pode dizê ‘diota! 

— Ted tem razão, Pimo Daco — Harry sorriu, satisfeito. — Que boca mais suja você tem. 

Draco bufou, sem argumentos. Eles se aproximavam do pequeno cemitério de St. Cachpole. Ted deu um gritinho de excitação. 

— Cemitélio! Podemos, Hawy? Só um pouquinho? 

Harry o colocou no chão e o garotinho foi correndo na direção das lápides. Malfoy assistiu Harry ir atrás dele, com um olhar crítico. 

— Sério mesmo, Potter? Você faz todas as vontades desse garoto? 

—   Acho que pimo Daco tem medo de fantasmas — Harry sussurrou para Ted, alto o suficiente para Draco ouvir. Ted caiu na risada, achando graça de um medo bobo daqueles. 

Harry se sentou em um banco de ferro, de onde podia assistir Ted brincar, sem nenhuma preocupação com os corpos decaindo, os ossos se degradando, a gente morta sob os seus pés. Ele era só uma criança feliz. Harry podia assistí-lo ser feliz por horas a fio. 

Draco se sentou na outra ponta do banco, tão longe quanto pôde. Os dois ficaram em silêncio, assistindo Ted pular, correr, saltar, rir, cochichar consigo mesmo, se esconder de vista e depois surgir para eles, gargalhando. 

— Eu não escrevo — disse Draco por fim. — Sou ilustrador, desenho livros para crianças. 

Ele disse aquilo como se desafiasse Harry a debochar. Harry detectou um certo orgulho ferido na declaração, como se doesse a Draco confessar a ocupação para o seu inimigo de escola, mas doesse mais ainda admitir que estava envergonhado do fato.

Harry não se sentiu na posição de caçoar. Estava bastante impressionado. 

Você, ilustrando livros para crianças? 

— Por quê? — devolveu Draco, na defensiva. — Achou que a única carreira que eu seria capaz de seguir  era a de comensal da morte? 

— Não — Harry disse, sincero. — Só não achei que se importasse o bastante para arranjar outra.

Draco deu de ombros, olhando para Ted, que fazia acrobacias perigosas na beirada de uma lápide, tentando chamar a atenção dos seus dois adultos favoritos. 

— Ted sempre gostou dos meus desenhos. Andrômeda me incentivou a enviá-los para uma editora, e eles me ofereceram um contrato. 

— Espera aí — Harry arregalou os olhos para o loiro. — Você é o Dr. Doninha? Do livro favorito de Ted? 

Draco assentiu, reprimindo um esgar de autocomiseração. 

— O próprio. 

Eles ficaram em silêncio por um minuto inteiro. 

— Você desenha bem, Malfoy. 

— Não comece, Potter — o loiro o preveniu, achando que Harry debochava. 

Harry, na verdade, estava lutando consigo mesmo. Contava, ou não contava? Ele abriu a boca e fechou, várias vezes, até Draco dar um pinote de impaciência no banco. 

— Fale de uma vez, Potter, você está me causando uma úlcera com essa hesitação toda. 

Harry respirou fundo. Aquilo estava mesmo acontecendo?

— Certo, bem. Isso vai soar aleatório, mas… há alguns meses, eu fiz uma tatuagem. 

— É, o mundo mágico inteiro sabe disso. Saiu no jornal, se lembra? — disse Draco com sarcasmo. 

É, Harry se lembrava. Não fazia ideia de como a mídia descobrira, mas aparentemente não havia escape da escrutinação da sua intimidade, quando se era uma lenda viva.

— É. Só que eles não sabem o que eu tatuei. 

— O “grande segredo” de Harry Potter — Draco caçoou. — Como se alguém se importasse. Provavelmente algum leão estúpido em homenagem à sua casa. 

Agora Harry estava achado graça. Ah, a ironia do destino. 

— Acho que você vai se importar, na verdade. 

Harry se virou e puxou o seu suéter até o pescoço, exibindo as costas para Malfoy. Ele riu quando ouviu Malfoy fazer um som audível de engasgo incrédulo. 

— Você tatuou a minha fênix nas suas costas? 

— Não a sua, a do Dr. Doninha — Harry disse, abaixando o suéter. — Gostei do traçado. 

— Isso é… você é… criminoso! E quanto aos meus direitos intelectuais? Você não pode simplesmente… 

— Ted me ajudou a escolher. É o animal preferido dele. 

— O que tem escrito embaixo? — Draco quis saber, ultrajado. — Com que palavras você blasfemou o meu desenho, Potter? 

— Expecto Patronum — Harry disse, relaxando no banco. 

— Expecto Patronum debaixo de uma fênix? O seu patrono não era um veado? 

Harry ficou surpreso que Malfoy soubesse desse detalhe, mas não comentou. 

— São duas partes de uma mensagem, se precisa mesmo saber. A fênix simboliza recomeço. O feitiço é um lembrete para que eu foque sempre nas memórias felizes.

Draco voltou a se encostar no banco, mudo. Harry sorriu consigo mesmo. Malfoy tinha mudado. Ele ilustrava livros para crianças. Ele gostava de Ted. Qualquer um que gostasse de Ted não podia ser fundamentalmente ruim, era apenas como o mundo funcionava.  

— O animal preferido de Teddy é dragão, não fênix — disse Draco, amuado. Harry deu risada. 

— Fica para a próxima tatuagem, quem sabe? 


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Notas finais do capítulo

Aceito/vivo por comentários! ;*



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