God save the Prince escrita por Fanfictioner


Capítulo 18
Reviravoltas Reais


Notas iniciais do capítulo

Happy Birthday Lily!!
O bom filho à casa torna! Como vocês estão? Espero que bem, se cuidando e na espera de tomarem a vacina... por aqui, ainda não virei jacaré :((
Brincadeirinhas à parte, BEM VINDOS LEITORES NOVOS! Já somos muuuitos, e como eu falei no capítulo passado, nunca eu imaginei que chegaríamos a 6k de visualizações em GSTP... fico tão feliz que vocês gostem da história! *-*
Essa nota está grandinha (e o cap tbm, risos) mas é relevante, porque tem AVISOS.
Minhas aulas da faculdade retornam em dois dias, e eu estou 'levemente' atrasada com dois projetos gigantescos para serem entregues até o fim de fevereiro. Além disso, embora eu já tenha toda a fic rascunhada, sentar e escrever as cenas que vem a partir de agora exige um pouco (vocês vão logo entender o porquê hahaha), então eu estou avisando que muito provavelmente não teremos atualização até o meio de março. Brinquei com a Carter (https://fanfiction.com.br/u/64635/) que eu devo voltar por aqui só no aniversário do James hahaha. Espero que consiga antes, mas não vou me comprometer.
Uma notícia animadora é que o epílogo já está concluído - temos só mais 3 capítulos antes dele :(( -, então embora demore um pouquinho para a fic voltar, eu não sumirei do mapa em definitivo, só estarei escrevendo consideravelmente menos e tentando me adiantar para os projetos de fic dos próximos meses hahaha.
Chega de enrolar! Boa leitura!



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Quando James acordou naquela manhã, não tinha noção de todo o caos que estava prestes a começar. Como um pequeno sistema solar em estágio de formação, havia um acúmulo de tensão e energia exponencialmente crescentes nas últimas semanas, e embora James soubesse que não sairia ileso de toda aquela insanidade que estava sendo a exposição do relacionamento dele e de Lily - agora tida como pivô de um namoro que sequer existia -, ele jamais teria previsto o enorme ‘big bang’ que explodiria em sua cara dentro de minutos.

Um big bang planejado de dentro de sua casa, por sua própria avó.

Os planos para o dia eram razoavelmente simples, e consistiam em uma reunião com a curadoria do V&A para um evento de arrecadação de fundos, para o Natal, e um almoço com alguns membros da Câmara dos Lordes. Se tudo corresse bem, James conseguiria voltar para Cambridge no começo da tarde, e até participar do treino de futebol daquela quarta.

O café da manhã costumava ser servido às sete da manhã nos dias de semana, e James desceu animado, com Sirius, alguns minutos depois da hora cheia, conversando sobre o desempenho do Manchester United no campeonato inglês daquele ano. Eles não estavam esperando seu time ir tão mal.

A rainha estava à mesa, como de costume, acompanhada de Fleamont e Euphemia, e McGonagall havia se juntado a eles, sentada na cadeira que ladeava Vitória Potter, repassando a agenda e os compromissos da monarca. James tinha o péssimo hábito de comer mexendo no celular, e quando o pai reclamava, ele costumava dizer que era o mesmo que ler o jornal no café, rotina do príncipe.

Naquele dia, ele se arrependeu de não ter sequer comido algo antes de pegar o telefone, porque foi ali que seu dia explodiu.

Havia, pelo menos, duas centenas de notificações e mensagens, e ferviam os avisos do Google sobre as atualizações recentes dos jornais do mundo. Sirius parecia igualmente absorto em seu celular, de maneira que James sentiu, segundos antes de o big bang acontecer, que havia algo prestes a estourar.

James digitou seu nome no Google, sentindo o coração bater um pouco mais depressa que o normal enquanto a confusão completa afogava seu cérebro, e antes que pudesse ler as manchetes, Sirius rosnou a seu lado.

— Mas que PORRA é essa?

— Sirius. Modos à mesa… - pediu Euphemia, estranhando a conduta do sobrinho.

— Modos o caralho! Que porra foi essa? Por que fez isso? - ele se levantou, berrando lívido para a avó e batendo a mão na mesa com força.

Casamento Real: tudo sobre o noivado duplo dos príncipes herdeiros

16 gifs que representam nossas reações ao noivado dos Príncipes James e Sirius

Matrimônio em dose dupla! Duques de Cambridge e da Cornualha anunciam noivado!

O estômago de James fez o suco gástrico voltar no meio da garganta, e ele achou que fosse vomitar ali mesmo, em pleno café da manhã. Houve um riso histérico de desespero e ironia que ficou sufocado entre suas cordas vocais e seu cérebro, e tudo parecia estar colapsando. 

— POR QUE VOCÊ FEZ ISSO?! - berrou Sirius a seu lado, encarando a avó, furioso.

James podia sentir seu coração tão acelerado que era capaz de ouvir a pressão nos ouvidos. Sentia-se perturbado, o pensamento imediatamente em Lily e na vontade de ligar para desmentir tudo naquele segundo. Ele não estava noivo de Emmeline. Não estava noivo de ninguém.

— Eu não entendo porque assume que tenha partido de mim, querido. E seria uma mentira?

— É óbvio que é mentira! E você sabe disso!

— Mamãe… o que está acontecendo?- o tom de Fleamont era uma advertência. Agora também ele havia pego o celular, curioso pelo que estava acontecendo.

A rainha não pareceu se incomodar com o fato de que tinha acabado de mentir para toda sua nação - e uma boa parcela do mundo - ao anunciar um noivado que não existia, de maneira que bebeu pacientemente um gole de seu chá com leite.

— Bobagem. Eventualmente você e Marlene se casariam, e James e Emmeline precisam mostrar que em nada afeta o relacionamento deles aquela garota estar se metendo com uma pessoa comprometida. Então, seja lá quem tenha dito isso, só adiantou o que viria a ser verdade em algum momento… um casamento duplo dos dois príncipes herdeiros do trono. 

Aquela garota tem nome, e é Lily, vó. - sibilou James, sentindo a raiva sobrepor os sentimentos de confusão pela surpresa da exposição. - Você realmente expôs a gente desse jeito?! É sério?!

— Não disse que fui eu. - ela deu de ombros, com desdém. - Vocês são figuras públicas, e seus noivados teriam que ser noticiados de qualquer maneira, James… eu não entendo todo esse… esse escândalo desnecessário.

Fleamont arregalou os olhos ao ler algumas das chamadas das matérias de jornal, descrente da situação que estavam passando naquele momento, e passou a tentar intervir, embora nem Sirius nem James parecessem próximos da paciência e da diplomacia.

— Mamãe, isso pode causar um acidente diplomático enorme com o rei da Espanha! Anunciar um noivado com a Princesa Emmeline sem ter sequer havido um pedido… e a família Mckinnon... 

— Eu não estou noivo! - gritou Sirius, tirando o cabelo do rosto com uma irritação quase palpável. - Você inventou uma mentira e vendeu seus netos para a imprensa para calar uma fofoca que não gostou, você é louca?!

Vitória Potter sorriu de canto de lábios, numa expressão presunçosa de quem havia ganho uma discussão, e empurrou a cadeira para trás, levantando-se graciosamente e olhando faiscante de James para Sirius.

— Fofoca, não é, Sirius? Devo supor então que nosso ‘probleminha’ com James esteja resolvido… que a senhorita Evans já tenha entendido bem seu lugar, e que não esteja mais em qualquer tipo de contato com James. Que tudo não tenha passado de uma fofoca e de mal entendidos, não é?

Foi visível quando Sirius trancou o maxilar, cheio de raiva e incapaz de verbalizar qualquer coisa, e James apenas encarou a avó com dureza. Agora os três estavam de pé, e James precisou afrouxar a gravata no pescoço porque se sentia sufocando, e o celular vibrando desesperadamente em seu bolso não o ajudava a ficar mais calmo.

Sentia tanta raiva que achava que era capaz de quebrar uma xícara, ou berrar com a avó exatamente como Sirius e, no entanto, a percepção de que nada daquilo ajudaria o fazia sentir impotente. A ficha estava caindo: sua avó tinha entendido exatamente o tipo de planos que ele e Sirius haviam feito, e estava disposta a jogar no tabuleiro de xadrez deles.

Só que havia contratado um Grande-Mestre para representá-la.

— Não tinha esse direito, não tem! São as nossas vidas! - sibilou Sirius.

— Mamãe… eu acho que devemos fazer uma reunião para discutir isso. Esse assunto é muito sério, você usou a comunicação de imprensa do palácio contra Sirius e James… - Fleamont os interrompeu, mas a rainha não parecia estar ouvindo.

— Estamos resolvidos com a senhorita Evans, não é James? - insistiu ela, dirigindo-se à saída da sala. - Não se preocupe, eu vou marcar uma reunião com a nossa comunicação e assessoria de imprensa e descobrir de onde veio essa mentira absurda sobre noivados... vou, até mesmo punir o mentiroso.

— O que Lily Evans tem a ver com isso tudo? Ela é a amiga dos meninos, não é? De Yorkshire? - perguntou Euphemia, perdida, embora ninguém tivesse respondido.

Como uma bola de boliche pela canaleta, Vitória Potter tinha arremessado a oferta. Ali estava, de bandeja e dançando na frente de James, a solução dos problemas: uma minimização de danos a ser feita pela assessoria de imprensa, disposta a desmentir tudo e, finalmente, tirar o nome de James e de Sirius da boca de milhares de pessoas por alguns dias.

Ele só precisava prometer à avó que havia terminado com Lily, e que iria parar de ganhar tempo em cima da velha monarca, ou fazer planos e esquemas para burlar as regras de seu namoro com Emmeline. Apenas uma resposta, e só ele, Sirius e avó saberiam do que estavam falando.

— Com licença, Majestade. Alteza, Milady… - a senhorita Harmon, da Assessoria de Imprensa Real, entrou na sala, fazendo pequenas reverências, com um celular na mão. - O The Guardian está na linha, e gostaria de uma palavra com os noivos, para preparar uma reportagem especial para amanhã…

Um segundo antes da aparição da mulher, James teria hesitado no que responder a avó. Teria cogitado dizer sim novamente, e depois pensaria em um plano para resolver como continuar a burlar a avó e namorar com Lily. Como continuar jogando dos dois lados e ganhando tempo até poder seguir seu acordo com Emmeline e terminar tudo aquilo, assumir Lily como sua namorada.

No entanto, a percepção de que sua avó havia vendido mentiras sobre ele e Sirius apenas para ganhar um jogo de poder contra James e obrigá-lo a fazer as coisas em seus termos o deixou tão possesso, que se tornou impossível aceitar a barganha sem escrúpulos da rainha.

— Não tem porra nenhuma de noivo, e ninguém vai falar com The Guardian! - Sirius berrou, tomando o celular da mão da funcionária e arremessando-o contra a chão da sala. - James não tem que falar nada sobre a Evans, isso não é o assunto.

— O assunto é a sua falta de escrúpulos! - rosnou James, irritado, chegando ao lado de Sirius. - Eu não vou mentir como você! 

Harmon estava em choque, e Euphemia adiantou-se com McGonagall para tirá-la dali e evitar maior repercussão de fofocas, embora os gritos de Sirius pudessem ser ouvidos para além das paredes e portas da sala de jantar. James supunha que logo menos também Marlene apareceria ali, desesperada e fazendo uma confusão a altura do que a estavam fazendo passar com um anúncio falso de noivado, e o circo pegaria ainda mais fogo.

Vitória Potter não parecia nada satisfeita em sua proposta ter sido descartada daquela forma, ou em estar sendo atacada pelos netos naquele tom, e houve um momento de satisfação odiosa em James ver a avó contrariada. 

— Chega! - Fleamont interviu. - Vamos fazer uma reunião agora, e mamãe, você vai desmentir esse absurdo. James não pode estar noivo de uma garota que começou a namorar há dois meses! Ninguém vai acreditar nisso!

— Você subestima a capacidade das pessoas de serem cegas e acreditarem em qualquer coisa quando se trata de rostos bonitos, Fleamont. 

Uma mistura de náusea, vergonha e raiva encheu o peito de James ao ouvir sua avó tratar daquela forma das imagens e sentimentos dele e de Sirius, e se o amigo/primo já não estivesse explodindo por ele, achava que começaria a gritar com a avó naquele instante.

— Você está mentindo para o país todo! E está usando Emmeline! O que o rei da Espanha está achando desse seu circo?! Você enlouqueceu?! - James ralhou, ajustando os óculos no rosto, pois haviam escorrido pelo nariz.

— Você está usando a gente para abafar uma fofoca na imprensa! Não tem esse direito!

— Preciso lembrá-lo de que a fofoca que estou tentando abafar partiu de vocês mesmos? - ela sibilou, olhando-o com seriedade. -  Eu sou a Rainha, Sirius, o que aparentemente você subestima. Eu sei o que andaram fazendo, mas sesurpreenderia se soubesse dos meus meios para cumprir os deveres com essa Família.

— Abuso de poder não devia ser um deles. - rosnou. - Desmente a porra da notícia! Agora! - ele puxou o celular do bolso e colocou-o contra o rosto da avó. - Tá vendo? Lene me ligando? Diz para ela como você usa as pessoas para sair por cima, sua escrota! Você é igualzinha ao meu pai!

— Sirius, por favor, calma. - pediu Fleamont, tentando conter o sobrinho e afilhado. - Vamos contornar essa situação… Marlene e você não vão ter de casar agora. Ninguém vai casar agora, vocês são novos demais para isso. E, principalmente, eu não vou deixar que você obrigue meu filho a se casar com um relacionamento de fachada, mamãe!

— Isso não é um relacionamento de fachada, não seja idiota, Fleamont! James precisa de uma mulher séria com ele, e Emmeline se presta muito bem a esse papel. É claro que foram unidos para sufocar uma ideia errada da imprensa, mas a menina com certeza poderá colocar James nos trilhos certos para um futuro Rei… e com o casam-

— Para o inferno com casamento! Eu quero que você pare de controlar as pessoas como peões!

McGonagall abriu a porta da sala com cautela e chamou por Fleamont, avisando que a sala de reuniões privativa do quarto andar já estava preparada para eles, e que o compromisso com o V&A havia sido suspenso.

— Preciso ligar para a Lily. - murmurou para Sirius enquanto subiam as escadas do terceiro ao quarto andar, a ansiedade queimando seu estômago que nem tinha chegado a receber café da manhã.

— Liga, liga… - ele parecia dividido entre a preocupação e o ódio genuíno. - Eu preciso matar alguém, preferencialmente a Vitória, e fugir com o Aluado para os Pirineus!

James quase riu, mas sentia-se tão tenso que achava que era incapaz.

***

— Eu preciso que você respire, porque talvez eu tenha algo sério para contar. - começou James pelo telefone, com a voz se forçando a ficar estável. - E quero que saiba por mi-

Tinha exatamente quarenta e sete minutos desde que ele lera a matéria no The Times (e depois, no The Guardian, The Daily Telegraph, Daily Mail), e seu celular estava pipocando de notificações do Le Monde, El País.

Seu quarto tinha virado uma espécie de bunker, e lá fora ele podia ouvir as bombas caindo, explodindo e dizimando o Palácio de Buckingham. As bombas eram os estouros irritados de Sirius, do outro lado do corredor, cortadas pelas interrupções de Fleamont, e às vezes James tinha a impressão de ouvir a avó, 

— Tarde demais. - Lily o interrompeu, e naquele segundo James soube que as coisas estavam a beira de rolar de um precipício. - Minha mãe e Petúnia já fizeram um escândalo uma hora adiantadas a você, e Mary fez a gentileza de me mostrar a matéria no jornal para eu entender o que estava acontecendo. E passou no noticiário da manhã...

— Lily, por favor, não me odeia.

A voz dele oscilava entre a raiva e a ansiedade, e James andava pelo quarto como uma gata prestes a parir, em total desespero que Lily tivesse sabido por outra forma, que não por ele, sobre aquele anúncio de noivado estúpido, mentiroso e completamente armado pela Rainha. 

— Devia ter me falado antes. 

— Eu não sabia! - ele exasperou, passando a mão nervosamente pelo cabelo. - Literalmente, eu acabei de ficar sabendo, eu juro! Assim que eu consegui, fui atrás de ligar para você. Foi a minha avó, Lily, e está todo mundo muito puto com el-

— Eu consigo entender. Também estou. - ela sibilou, o tom de voz deixando nítida a perturbação. 

— Estão vendo o que pode ser feito, a comunicação. Meu pai ia se trancar com ela no escritório, porque Sirius está completamente descompensado… - houve silêncio na linha. - Por favor, Lil, calma! Como você está?

— Bem. - ela respondeu depois de um tempo. - Não… confusa, triste, com medo, desesperada… eu só quero sumir! 

A ideia de todo aquele sofrimento estar sendo colocado sobre as costas de Lily era um peso amargo, que ardia como uma gastrite nas entranhas de James. Tudo que ela sempre pedira fora para não ser exposta, não ser julgada, para que o relacionamento deles fosse um sigilo e, de repente, em menos de um mês, tudo tinha virado de ponta cabeça, do avesso, e se virado contra ela. 

Havia tanta culpa e arrependimento pelo que a estava fazendo passar, que James mal sabia verbalizar um pedido suficientemente coerente de desculpas, sua oratória impecável de repente esmigalhada.

— Eu queria estar aí, mas acho que depois dessa coisa toda só vou poder voltar amanhã de manhã, e tenho uma prov-

— Jay… eu preciso de um momento. - ela interrompeu.

Ele não disse coisa alguma, porque foi incapaz de entender o que significava Lily estar pedindo que ele recuasse um pouco e não estivesse junto. Na medida que pudera, tentara reagir o mais rápido, ligar o mais cedo...

— Eu falo sério, James. É até melhor que você não venha hoje, eu não quero ver você.

Aquilo doeu como um soco na boca do estômago.

— Por favor, Lil.. Eu não tenho culpa…

— Eu sei! Deus, eu sei que não, Jay! - agora estava mais evidente a histeria no tom dela, e James achava que Lily estava prestes a gargalhar de desespero. - Mas eu acho que vou entrar em colapso se vir você hoje… meu Deus, foi capa de todos os jornais, uma matéria inteira sobre um noivado, Jam-

— Você leu? Porra, Lily! - ele reclamou nervoso, arrependendo-se em seguida, porque ela grunhiu algo. - Não, desculpa. Não é que você esteja errada, mas… eu não queria que tivesse lido. Mary devia ter parado você.

— Por favor, não vem hoje. Eu não quero... não posso ver você, Jay. Hoje não. Eu tenho uma resenha para fazer, e não aguento mais pensar em nada. Meu celular está explodindo de notificações, e não quero saber como você vai resolver, se vai… eu preciso ficar sozinha!

— Não vou, não vou hoje. - ele insistiu depressa. - Mas amanhã, por favor, eu preciso ver você.

Lily grunhiu algo que poderia ser um sim, como um não, e James sentiu como se uma prensa hidráulica tivesse, repentinamente, sendo colocada sobre seu peito. Lily não costumava ser a pessoa que pedia espaço, nem sumia dentro de silêncios, e ali estavam eles, naquele ponto da situação.

— Lil… me escuta, por favor. Eu não estou noivo, e não ficarei noivo de ninguém que não seja você. Juro que vou resolver tudo isso… se eu puder pedir uma coisa, uma só… fica calma.

Ela riu soluçante pela chamada, e James achou que fosse perder o controle de fato e começar a chorar. Podia visualizar a expressão frágil e perdida dela, assustada com a proporção que as coisas estavam alcançando.

— Por favor, Lil, por favor, fica calma. Eu vou chegar aí amanhã, e vamos conversar, e resolver tudo, tá bem?

— Eu vou desligar o telefone, deixar ele desligado hoje. - foi a única coisa que ela respondeu.

— Tá, tá bem… Eu amo você, Lily. Tá? Amo você.

Tudo ficou mudo, fazendo parecer que ela tinha desligado a ligação.

— Também amo. Você. 

Lily sussurrou tão baixo que James quase achou que estava ouvindo coisas, mas o ‘você’ após a pausa foi mais compreensível. Era a única coisa que restava para se apegar sobre seu relacionamento em frangalhos e, de fato, James não acharia nada injusto se Lily quisesse gritar com ele.

Mas a ideia de que ela estaria incomunicável durante todo o dia fazia parecer uma tortura o tempo que restava até que ele pudesse pegar seu carro e dirigir a cento e vinte quilômetros por hora até Cambridge. Especificamente até a porta da casa de Lily, onde a abraçaria sem soltar e só sairia sob ameaça policial, e quando tudo tivesse passado.

***

O  resto do dia foi absurdamente estressante, e não levou a lugar algum. Fleamont passou boa parte da manhã em uma reunião com a Rainha e toda a assessoria de imprensa da Família Real, tentando pensar em formas de contornar a situação, ou desmentir o anúncio de noivado. Antes das nove da manhã, Marlene chegou a Buckingham, furiosa, e se não fosse a Guarda Real ter impedido, teria invadido a reunião da Rainha para gritar com ela.

As ligações de inúmeros serviços de imprensa, familiares reais, celebridades e líderes mundiais duraram o dia inteiro, e Buckingham mais parecia uma delegacia de polícia com tantos telefones tocando ao mesmo tempo, procurando por James e Sirius para manifestar congratulações.

O almoço com os membros da Câmara dos Lordes acabou sendo suspenso para James e Sirius porque ninguém quis correr o risco de colocá-los à mesa com a avó depois dos acontecimentos da manhã. O burburinho corria solto pelo palácio e James sabia que os funcionários estavam tendo um dia agitado de especulações sobre a vida da Família Real. Ao menos alguém estava conseguindo tirar um mínimo proveito daquele caos.

James pulou o almoço e apenas tomou dois comprimidos calmantes para tentar diminuir a enorme dor de cabeça que sentia, potencializada pela raiva e pela preocupação sobre tudo que estava acontecendo, e se trancou no quarto de Sirius com ele e Marlene pelo resto da tarde, ignorando a reunião que precisaria ter com a Rainha e o pai no final do dia.

Perto das cinco da tarde um criado bateu à porta, trazendo uma entrega de vários sanduíches e batatinhas do McDonalds que haviam sido enviadas para Sirius e James. O bilhete que veio junto estava assinado como Aluado, endereçado a Sirius, e James notou o rosto dele ficando vermelho e os olhos úmidos à medida que lia o bilhetinho. 

Toda aquela situação era uma merda sem fim.

Marlene serviu uísque para eles e, juntos, comeram o que era a primeira refeição do dia: hambúrgueres do McDonalds, com batatinhas oleosas, e Jack Daniels com gelo. Nenhum deles estava no clima para muita conversa, mas enquanto comiam eles xingaram a avó de James e Sirius algumas várias vezes, e cogitaram planos de como desmentir os noivados.

Alguns minutos antes do horário que seria a reunião com a Família Real, o celular de James tocou, e ele atendeu meio desesperado, esperando que fosse Lily.

— Parece que nosso tiro saiu pela culatra, não é?

Ele hesitou alguns segundos antes de dizer algo, invariavelmente frustrado de não ser Lily na chamada.

— Eu estava pensando em ligar para você, juro… mas eu só fiquei com tanta raiva, e tão constrangido. Me desculpa, Emme… me desculpa por tudo isso. - ele pediu, atrapalhando os cabelos. Sirius e Marlene logo perceberam que se tratava de Emmeline na ligação.

— Estava esperando uma ligação Dela, né?

— Nah, a essa altura ela me odeia e eu já devo estar solteiro e nem sei. - brincou, rindo sem humor e pedindo mais uísque para Marlene, em um gesto. - Como as coisas repercutiram aí? Seu pai já está organizando exércitos para invadir a Inglaterra e me matar de uma maneira bem dolorosa? Porque eu adoraria isso, no momento.

Emmeline riu, ciente de que era o cristal refinado do humor ácido de James convertido em autodepreciativo pela situação que passavam.

— Foi um caos! Nunca recebi tantas ligações em dia, meu pai passou umas duas horas em ligação com Buckingham agora de tarde. Ele tinha certeza de que eu tinha escondido isso dele, ou coisa do tipo… às vezes eu acho que ele jura que a gente vai se apaixonar, real!

— Como você consegue estar tão calma? - perguntou, revirando os olhos.

— É que eu já tive minha cota de surtos pela semana, né, James? E tem mais ou menos meia hora que tomei um clonazepam com rivotril, porque estava muito agitada. Só quis checar se você estava okay antes de apagar… sabia que isso não podia ser coisa sua. Não depois do que já tinha rolado… das conversas de segunda. — disse ela, com uma voz suave e tranquila.

— Você é uma santa, Emme.

Sirius tomou o celular da mão de James e colocou no alto falante, porque ele e Marlene estavam curiosos pelo assunto. Ali estavam os únicos quatro que sabiam o porquê de estarem passando tudo aquilo, os únicos quatro que sabiam os planos do começo ao fim, e que tinham orquestrado todas aqueles dribles em cima da Rainha. O tiro que tinha acabado de sair pela culatra.

Tenta não pirar… a gente vai dar um jeito. Manter isso uns meses, depois eu finjo uma cena em público e a gente termina, não sei… vamos inventar alguma coisa. Você precisa dar um jeito de cuidar da sua namorada agora, James. - pediu ela

— É, eu sei, vou para Cambridge amanhã. Me desculpa mesmo, Emme. A gente planejou tudo para ter liberdade, e as coisas só ficaram piores e mais controladoras para cima da gente. 

James atrapalhou os cabelos em um ato claro de nervosismo e mordiscou o lábio, refletindo a péssima situação que tinha virado a tentativa dele de burlar o jogo de barganhas da avó. Se havia uma lição, era que a Rainha nunca saía perdendo, mesmo que os jogadores fossem muito bons.

Não esquenta comigo, James, de verdade. Estou acostumada… e foi um plano bom, enquanto durou. Só que o ponto todo era proteger você e a Evans.

— Era proteger todo mundo… era para ser uma via de mão dupla. - ele corrigiu, lembrando Emmeline de que ela também era beneficiada de alguma forma com o plano deles.

Vai continuar sendo, podemos dar um jeito ainda. Mas precisa fazer sentido para vocês, James… ela deve estar muito confusa e chateada agora, e precisa fazer sentido continuar a insistir nesse plano. Ela precisa entender as coisas.

Ele não conseguiu pensar em algo para responder, porque parecia óbvio que valia a pena insistir para que ele e Lily ficassem juntos, e não tinha passado por sua cabeça que ela pudesse não estar tão certa daquilo. Foi como se Emmeline tivesse acendido uma lâmpada em sua cabeça: Lily provavelmente não estava entendendo o que estava acontecendo, e nem fazia ideia de que Emmeline não estava nem um pouco interessada em James.

— Segue o plano normalmente, Emme. - disse Marlene para o celular de James. - Vamos tentar amenizar a situação com a imprensa, e, com sorte, aliviar as coisas para todo mundo. Você vai ficar bem?

Eu estou dopada, Lene…— ela riu. - Vou ficar ótima. Me liguem, qualquer coisa. Vamos dar um jeito, certo?

James grunhiu uma despedida e logo Emmeline desligou. Havia tantas ideias ao mesmo tempo na cabeça de James que ele sentia que explodiria. Pegava-se escrutinando o plano aparentemente brilhante que ele, Marlene e Sirius tinham criado, e depois colocado Emmeline junto, se perguntando como resolver a situação incalculada de sua avó descobrir tudo.

Porque mesmo sem ela ter tocado no assunto desde o último domingo (ao menos até aquele dia de manhã, com ameaças), James sabia que a avó sabia de tudo. Sabia que ele e Lily continuavam a namorar, provavelmente sabia - ou ao menos desconfiava - que Emmeline estava envolvida na trama de mentiras, e sabia que ele estava tentando ganhar tempo para poder assumir Lily.

E mais ainda: ela sabia exatamente como jogar para que James não tivesse escolha a não ser cumprir, de fato, o acordo que tinha feito com ela de não se encontrar mais com Lily. Sem trapaças, sem dribles. Só cumprir o acordo.

— Você precisa explicar tudo para a Lily, James. - disse Marlene algum tempo depois, quando ele se levantou para pegar mais bebida. - Metade das informações não vão ser suficientes agora, porque ela precisa saber exatamente o que está acontecendo.

— Não vou expor Emmeline. Fora de cogitação. - retrucou, resoluto, virando meio copo de uísque de uma vez.

— Não precisa expor. Só conte a verdade, Pontas. Sobre as ameaças da vovó, o cargo do ministério… explique porque estamos fazendo tudo isso. Ela merece a verdade, Pontas… todo mundo merece a verdade das coisas. 

Sirius mordiscou o canto da boca, irritado, e soltou o ar com força, jogando-se na cama de um jeito cansado.

— Não seria justo com a Lily… ela se sentiria péssima. E já basta o tanto que ela está na boca das pessoas… não, não! Sem chance! Ela vai entender, eu só preciso de tempo. Preciso pensar, preciso de tempo.

Nem Sirius nem Marlene insistiram mais, mas as expressões deles deixavam claro que não concordavam com James, e achavam que Lily merecia a verdade. Depois daquilo eles ficaram em silêncio, com Sirius trocando mensagens com Remo, que buscava acalmá-lo, Marlene checando as hashtags sobre seu noivado, no Twitter, e James olhando o nada.

— Eu a odeio tanto. A Vitória. - comentou Sirius algum tempo depois. - É uma merda ser tratado como criança e ficar aqui, quieto e cheio de ódio, sem poder resolver as coisas.

Marlene olhava de um para o outro, com pena, igualmente se sentindo péssima pelo desgaste do dia, e a reunião com a Família Real nem tinha acontecido ainda. Aquele era um dia que realmente merecia álcool.

Antes da reunião James tomou um remédio para dor de cabeça, e outro calmante, e Sirius virou dois shots de uísque, irritado só em pensar em ver a avó. Marlene foi autorizada a se juntar a eles, e a conversa foi completamente inútil.

Consistiu em, basicamente, uma confissão da Rainha em ter emitido as notas de noivado à imprensa por sua conta e risco, e uma explicação da chefe de assessoria de imprensa, a Sra. Smith, sobre porquê não poderia haver uma retratação, ou voltar atrás no anúncio do noivado. Vitória tentou amenizar a situação, mas acabou apenas provocando a ira de Sirius, que voltou a gritar com a avó, agora acompanhado de Marlene, que protestava alto, e James, que apontava dedos à rainha.

— Estamos todos de cabeça muito quente, e claramente essa reunião não vai ser suficiente… porque não nos acalmamos todos e conversamos amanhã, depois de uma boa noite de sono? - sugeriu Euphemia, diplomática, evitando confrontos, embora com a maxila trincada para a sogra.

— Não tem conversa porra nenhuma! Você vai dar um jeito nessa merda que fez, e vai fazer isso logo! - Sirius retrucou, furioso com avó.

— Não é esse o tom com que se fala com sua avó, Sirius. - murmurou a rainha, impassível.

— Não é essa a postura de uma avó, também. - rosnou James. - Ninguém pediu para você fazer essa confusão, agora resolva e dane-se os problemas diplomáticos que você vai ter que resolver depois!

— Que você vai ter que resolver, meu caro. Não sou eu quem estou noiva, não sou eu quem preciso resolver nada... 

— Sua co- - Marlene começou, mas a rainha a silenciou com um gesto impaciente de quem não escutaria uma palavra sequer a mais.

— Preserve suas boas maneiras, Miss Marlene. Eu ainda não a convidei para falar, como na reunião inteira. - e sorriu com uma presunção que fez Sirius esfregar o rosto e berrar de ódio.

James levantou da mesa, irritado e cansado, completamente exausto de uma situação que não se resolvia. Tinha ido dormir como o príncipe que, supostamente, estava traindo sua namorada espanhola com uma ruiva desconhecida, e acordara sendo o novo queridinho nacional, noivo.

Tinha lido alguns comentários sobre si, e as pessoas dividiam-se em grupo de quem o detestava e duvidava de seu caráter, e de quem o achava o homem íntegro que optara por noivar-se para não continuar a ter uma amante plebeia. Como se uma coisa impedisse a outra. James sabia que não era nem o anjo nem o demônio que o pintavam, mas ninguém sabia a verdade, e era péssima a percepção de que ele só se afundava cada vez mais em mentiras para cobrir outras mentiras.

— Só resolva, vovó. Pelo amor de Deus, só resolva. Não estamos noivos, desminta o que disse. - ele pediu uma última vez, cansado.

— Você ouviu Smith, James. Eu não posso fazer isso, seria vergonhoso para a comunicação Real, e para vocês. E um bom escândalo é tudo que a oposição precisa para ganhar cadeiras na Câmara dos Lordes… você quer isso, querido?

— Já passa da hora de uma câmara mais liberal, e não seria a primeira vez que a família se mete em um escândalo, qual o problema? - provocou Sirius, faiscando.

— Então provoque você o escândalo. E esteja bem certo de onde vai se segurar depois que ele estourar. - retrucou a rainha com estupidez, fazendo Sirius revirar os olhos. - Ande, vá e me desminta, James… diga que eu enganei a todos, e vamos todos nós ao tribunal, pelo perjúrio.

— Mamãe… - advertiu Fleamont.

Vitória estava com todas as armas apontadas para James e Sirius, deixando claro que tinha se sentido apunhalada pelos planos deles, e não pretendia aliviar nem um pouco.

—Você realmente não vai desmentir, não é? - ela fitou James com seriedade, sem dizer coisa alguma. - Não vai colaborar?

— Eu deveria?

— Então chega. Acabou essa reunião idiota, eu não vou ficar aqui nem mais um segundo. Sirius e eu vamos conversar sobre o que vamos fazer, e vocês ficarão sabendo, não é Sirius? - disse James resoluto.

Sirius encarou a avó alguns segundos, esperando algum sinal de arrependimento, mas a mulher que havia aprendido a ser rainha vendo o pai lutar contra nazistas não era o tipo de pessoa que demonstraria arrependimento por manipular a vida de seus familiares pelo Bem Maior: a dignidade da Família Real.

Quando ficou claro que Vitória não cederia, Sirius se levantou, puxou a cadeira para Marlene e juntou-se à James, pronto para sair da sala.

— Sinto muito pelas suas escolhas, Vicky. Você precisa aprender a ceder, às vezes, sabia? Bem menos desgastante… a gente avisa o que decidir fazer. Ou não, sei lá. Tô exausto de você.

Vitória ficou consternada o bastante para não ter retrucado nada, nem corrigido o comportamento de Sirius, mas não esboçou a menor emoção. Fleamont levou-se, suspirando cansado, e convidou Euphemia para se retirar com ele. Ela apertou os ombros do filho e do afilhado, e murmurou que tudo iria se acertar.

Naquela noite, sozinho em seu quarto, James quase não conseguiu pregar os olhos. Mesmo depois de três calmantes e alguns incontáveis copos de uísque, ele não conseguia parar de pensar em tudo. Era como se o mundo estivesse alerta demais, e ele não era capaz de relaxar, porque sentia-se vulnerável e ferido, por mais que tivesse tentando lutar contra esse sentimento o dia inteiro.

Perto das duas da madrugada ele não se conteve e ligou para Lily, mesmo sabendo que ela estava dormindo e ficaria chateada de ser acordada. James apenas não estava conseguindo lidar com a preocupação que sentia por ela, ou com todos aqueles pensamentos péssimos sobre tudo que tinha acontecido. A chamada não completou, e ele soube que o celular de Lily ainda estava desligado.

Mandou uma mensagem para Frank pedindo o conteúdo da prova, e se forçou a ler três páginas de um artigo sobre a ditadura Pinochet, embora não estivesse absorvendo muito. Havia pouco, porém que ele não soubesse sobre ditaduras famosas em que a Inglaterra certamente tinha enfiado um dedo, e confiou em sua capacidade de enrolar na hora de escrever.

Pensou que devia ter gritado mais com a avó, quebrado algo em protesto, ligado para um jornal e desmentido tudo, ao invés de esperar trancado no quarto, como uma criança de castigo. Então pensou no tribunal, e no julgamento por perjúrio, e em Emmeline que detestaria ser exposta daquele modo, e nos zilhões de jornalistas, e se sentiu sufocantemente impotente. A última vez que olhou o celular eram dez para as cinco da manhã, ainda não havia dormido e sua garrafa de uísque estava quase vazia.

A prova de Política da América Latina começava às dez, e ele precisava dirigir até Cambridge sóbrio.

— James Potter, você tá tão terrivelmente fodido! - murmurou para si mesmo, fechando os olhos, desejando desesperadamente cair no sono e parar de tremer pela reação dos calmantes com álcool no organismo

***

— Eu trouxe sorvete.

Essas foram as primeiras palavras de James, seguidas de um sorriso triste, no momento em que Lily abriu a porta do apartamento. Ela deu um risinho quase humorado, pegando o pote de sorvete da mão dele e deixando espaço livre para que James entrasse na sala. Mary estava sentada no sofá, comendo um pacote de biscoitos, e tomou a decisão de ignorar a presença de James ali.

— Você quer beber algo? Comer? - ela perguntou quando seguiram para a cozinha, para que ela colocasse o sorvete na geladeira. - Parece cansado.

— E você parece me odiar. - murmurou James em baixo tom.

Lily sorriu triste, abraçando-o em seguida com todo o aperto que era capaz de dar. O cheiro de James permanecia sendo uma fonte de conforto e alento, e naquele segundo era como se não houvesse qualquer problema. Momentaneamente foi como se não houvesse milhares de pessoas xingando-a em redes sociais, compartilhando fotos e vídeos seus, seguidos de comentários ácidos e maldosos sobre tudo a seu respeito.

Foi como se James não tivesse sido anunciado, há menos de quarenta e oito horas, noivo da princesa da Espanha. Como se tudo fosse exatamente como era quando começou: uma santa e imaculada paz entre um casal universitário que se conheceu entre amigos.

Só que James e Lily nunca seriam apenas aquilo.

Ela podia ser apenas uma estudante de Legislação, mas James era o Duque de Cambridge, herdeiro do trono inglês, e aquilo estava sendo jogado intensamente contra eles naquele momento. Intenso como a explosão do Vesúvio que destruíra Pompéia, e Lily vinha pensando que aquela era uma comparação muito adequada, porque ela sentia que tudo estava se acabando.

— Não odeio você. Odeio muitas coisas no momento, e eu estou com muita coisa na cabeça, muito confusa, muito assustada… mas não odeio você, Jay. - disse ela contra o peito de James.

— A gente precisa conversar. 

— Hoje não, por favor! Pelo amor de Deus, hoje não. Vamos não falar de nad-

— Por favor, Lily. - havia um tom de súplica na voz dele. - Eu preciso explicar tudo para você, preciso tirar esse peso… eu não vou colocar a cabeça no lugar se não fizer isso.

Lily respirou fundo, esfregando o rosto com cansaço, e então o encarou firme. Ela não estava nada satisfeita, James conhecia aquele olhar, e era uma expressão de resignação e cessão. Lily estava cedendo, e embora ele não se agradasse daquelas circunstâncias, era melhor que nada.

— Tudo bem. Mary vai estudar com uns amigos na sala, vamos para o meu quarto.

O quarto de Lily estava uma zona, e logo ficou claro para James que aquilo era um reflexo de como ela se sentia mentalmente. Havia pacotes de doces espalhados pelo pé da escrivaninha, e a roupa de cama estava embolada. As flores que ele havia dado a ela quando foram expostos na imprensa ainda estavam em um vaso na janela, murchas e secas, e a água dentro do vaso adquirira um tom esverdeado de musgo e lodo.

— Não repara a bagunça, eu… eu meio que não fui para as aulas ontem, e fiquei tentando me achar nos papéis aqui, e depois deixei cair água na cama, daí deixei o lençol livre para sec-

— Não precisa explicar, amor… tá tudo bem.

Estavam estranhos, e James sabia disso. Ele sentou-se na beira da cama, confirmando que a água definitivamente havia secado ali, e esperou que Lily sentasse na cadeira de rodinhas, de frente para ele. Lily esbarrou no mouse do notebook, e a tela do acendeu. O nome dela estava em uma barra de pesquisa de uma rede social, e havia cerca de dois milhões de resultados na busca rápida. 

James não conseguiu ler muito, mas pode ver xingamentos de todas as espécies nos poucos posts que viu, além de montagens maldosas, hashtags variadas sobre ela e séries de comentários sobre a validade do caráter de Lily.

— Isso é crime! - tentou avançar sobre o computador, mas Lily rapidamente minimizou a aba.

— É claro que é. E eu vou fazer o quê? Processar todo mundo? - o tom de apatia era pior que qualquer coisa.

— As pessoas não têm o direito de falar nada de voc-

— Eu sei, James. Eu estudo a lei.

Ele mordeu o lábio, constrangido, diante do comentário dela.

— Só estou dizendo que as pessoas não sabem nada da verdade, e eu não vou deixar que falem assim sobre você, Lily. Não é justo, e é cruel! Você não devia ficar lendo essas coisas.

O olhar de Lily baixou, e ela ficou um tempo calada. Quando finalmente falou, a voz estava embargada, e James se sentiu um ser humano terrível quando viu as lágrimas que se formavam nos olhos dela. A impotência de vê-la mal e saber que era, em partes, sua responsabilidade.

— É muito horrível, James! - disse ela, caindo em prantos em seguida. - Eu não quero olhar, tento não olhar, mas as pessoas são horríveis comigo! Eu não sou uma vagabunda, nem estou querendo atenç-

Lily engasgou com os soluços e lágrimas, e James adiantou-se e puxou-a para seu colo, abraçando-a e deixando que chorasse em seu peito, com a culpa dilacerando-o.

— Claro que não é, meu amor. Claro que não é.

— Só quero que isso tudo pare. Que parem de exibir meu rosto, que parem de fazer mímicas da minha cara na rua, que parem de apontar dedos, de me seguir para me xingar no insta-

Ela soluçou copiosamente, incapaz de continuar a falar, e levou algum tempo chorando. Mary apareceu em seguida, batendo na porta, assustada com o choro alto de Lily.

— Pode entrar, Mary. - James respondeu, e a garota entrou, com uma expressão pouco amigável para ele.

— Eu acho que você devia ir, James. Lily não está bem para conversar agora.

— Preciso explicar as coisas, Mary. Minha cabeça está fora do lug-

— Sua cabeça?! Sua cabeça, James Potter?! Para a puta que o pariu com a sua cabeça! Eu queria guilhotinar a sua cabeça! Olha o estado da Lily, olha o que você fez com ela! Noivou com uma princesa de merda para agradar aqueles bastardos do parlamento e olha o que você fez com a minha amiga!

Mary gritou furiosa, explodindo de raiva e avançando contra James, estapeando-o onde podia. Lily soluçou que parassem, levantando-se do colo dele ainda chorando.

— Eu não fiz nada! -  James exasperou nervoso, segurando as mãos de Mary no ar, longe dele. - Não estou noivo de ninguém, e não faria uma coisa dessas com a Lily nem pressionado! Meu Deus, é isso que vocês acham?

— Para com essa cara de coitado! Por que você ainda não desmentiu, eim? Se você não faria, por que não desmentiu?

James respirou fundo, puxando os cabelos da cabeça e esfregando os olhos, enquanto Lily o encarava, as pupilas dilatadas e vermelhas, além das bochechas úmidas. Nem ele sabia direito porque não havia desmentido aquilo tudo.

— Não é tão simples, Mary. Não posso simplesmente desmentir a Rainha na imprensa nacional! É minha avó, mas ainda é a Rainha da Inglaterra, e se eu desmenti-la posso ser julgado por perjúrio e difamação. E eu sou o herdeiro da porra de um trono! Existem protocolos de imprensa!

Mary pareceu amolecer alguns instantes, embora continuasse a respirar rápido, claramente irritada. Sem ter mais o que insistir e acusar, no entanto, ela abriu o armário de Lily a procura de uma toalha de rosto e a estendeu à amiga, para que limpasse o choro.

— Obrigada, Mary. - Lily murmurou, ainda com a voz instável. - Está tudo bem aqui, e a gente precisa conversar. Pode deixar a gente só, por favor?

— Tá. Mas vou deixar a porta encostada, e se alguém levantar a voz, eu venho aqui…  - ela respondeu, olhando com raiva para James.

Ele revirou os olhos quando Mary saiu, simultaneamente grato por Lily ter amizades tão leais, e exausto pelo que acabara de acontecer. Parecia que fazia dois dias desde que ele saíra de Londres para Cambridge, naquela manhã. Achava que poderia acabar com uma garrafa inteira de uísque apenas pelo estresse.

— Juro que estou pensando em algo para resolver tudo, Lily. Estou mesmo, minha cabeça não parou um segundo desde que li aquela merda de matéria.

— Eu imagino, Jay. - disse ela, encarando-o como uma criança assustada.

— Minha avó odeia perder. E eu sei que ela fez isso só porque percebeu que estive tentando ganhar tempo em cima dela, eu sei. Meu pai está furioso, e eu nem consegui falar com Sirius desde ontem de noite, na reunião que tivemos, mas sei que deve estar péssimo também… estou tentando de todos os lados que posso, Lil… com certeza tem uma brecha. - dise ele pesaroso, sentindo-se frustrado e impotente.

— O que me deixa pior, Jay, é saber que eu avisei. 

Lily afastou-se em direção à escrivaninha, disposta a sentar-se novamente na cadeira de rodinhas, falando em um tom presunçoso e de confrontação.

— Como…?

— Eu avisei para não fazer isso, James. Não mentir para sua avó, não tentar ganhar tempo. Eu avisei que teriam fotos nossas, e avisei que não queria me meter nisso. E agora estamos aqui, com tudo isso. - ela gesticulou um movimento amplo, indicando a tela do computador com o queixo.

Por um momento, James franziu as sobrancelhas, confuso e meio perturbado. Então piscou algumas vezes e encarou Lily com dúvida.

— Lil… eu fiz isso por você, pela gente. Esse era o único jeito de… de a gente continuar junto. Eu não tinha a intenção de qualquer outra consequência que não fosse estar com você.

Óbvio que sei, e sei que eu falei para não fazer. Que avisei que ia dar errado. - ela insistiu, os olhos expressivamente abertos apesar de avermelhados do choro recente. - Você sempre faz as coisas do seu jeito, James. Sempre arrisca o pescoço com coisas que tem chance de dar errado...

— Acha que isso que está acontecendo agora é mais errado, então? É pior do que não estarmos juntos? Porque, Lily, eu estive tentando ganhar tempo pela gente, para que pudéssemos dar certo! 

— E deu tão errado quanto se não tivéssemos feito nada! A gente sabia que não tinha o que fazer, James. E teria poupado tanto, tanto desgast-

— Então eu não deveria ter tentado? - perguntou James, levantando a voz um pouco, ao que Lily o olhou com advertência. - Eu devia ter desistido da gente? Porque parece que você já está fazendo isso...

— O que está adiantando, James? Eu nunca desistiria de nós, mas é uma luta injusta! Eu não posso competir com a merda da Coroa! Não posso competir com a realeza, e o seu dinheiro, e as obrigações de príncipe… porque é o que você é, caramba! - ela exasperou passando a mão nervosamente pelo cabelo. - Ganhamos dois meses, mas e aí? E agora? Porque para todo mundo, eu sou a outra, a amante nojenta e vadia que está atrapalhando o futuro brilhante do príncipe!

— Eu vou resolver! Você não é a outra, e eu vou resolver isso! - insistiu ele.

Ele tentou se esticar para segurar as mãos de Lily entre as suas, desejando aquele contato como um alcóolatra desejava álcool, mas ela levantou-se da cadeira, ficando nervosa.

— Do mesmo jeito que resolveu antes? James, não está funcionando, e não vai funcionar!

— Então não vale a pena? Para você, não vale a pena fazer um esforço para resolver as coisas?

— Qual esforço?! O de ficar quieta e ser xingada por desconhecidos? De ser chamada de vagabunda, de alpinista social? De interesseira? Acho que eu não posso fazer esse esforço, James! - ralhou, irritada, fazendo James apertar o ponto entre os olhos e o nariz, frustrado.

— Por favor, Lily! - pediu ele, falando contido. - Eu estou tentando, e não é minha culpa! Eu não posso desmentir minha avó sem causar milhões de outros problemas, eu estou sozinho, entenda! Não só eu vou ser julgado de perjúrio, como vou humilhar Emmelin-

— Com Emmeline você se preocupa com as humilhações? - ela ironizou, levantando uma sobrancelha. James achou que fosse ferver.

— Eu me preocupo com você, Lily! Porra! Estou aqui, agora, não estou? - ele rosnou. - Eu fiquei maluco ontem, pensando em você sozinha aqui, em como eu não podia fazer nada! Não é hora de fazer joguinho de ciúmes por uma pessoa que sequer tem interesse em mim!

Ela concluiu que não conseguiria encarar James naquele momento e virou-se para a escrivaninha, empilhando alguns papéis enquanto respirava e tentava manter a calma, porque sentia que estava à beira de explodir, tanto em lágrimas quanto de raiva.

— Eu queria que você tivesse me ouvido uma vez, e entendido quando eu falei que não era para insistir. Teria doído muito menos a gente ter dado um passo atrás, terminado, antes, James… eu sei, sempre soube, meu lugar nessa equação. Mas olha aonde as coisas chegaram?! - falou baixo, sentindo o nó na garganta arder. - E você continua me pedindo tempo, dizendo que vai resolver as coisas… 

— O que quer que eu faça, Lily?! Que eu monte uma coletiva de imprensa e desminta minha avó? Que eu exponha você mais ainda? Eu não posso estalar o dedo e resolver tudo que quero, quando quero!

Os olhos de Lily se encheram de lágrimas outra vez, e ela decidiu que diria o pensava encarando-o de frente, porque se seu coração seria partido, era melhor que fosse decentemente. 

— Então aceite! Você sempre tem que fazer as coisas do seu jeito, James, mas não vai dar certo agora. Olha aonde o seu jeito colocou a gente! - ela disse em um tom mais alto, chorando. - Você está noivo de uma garota que nem namora e não pode sequer desmentir!

O celular de James tocou sobre a cama, e ele pensou em ignorar, mas o identificador mostrava o nome de Dorcas, de maneira que ele pediu que Lily esperasse.

— Dorcas, não é um bom momento. Eu estou numa disc- conversa com a Lily.

— Liga a TV na BBC.  — o tom dela era nervoso.

Lily arqueou as sobrancelhas ao ouvir a amiga, porque o volume do celular estava alto.

— Dorcas, e-

— Liga agora, James! É sério! E não desliga a ligação.

Eles saíram em direção à sala, e Mary achou que tivessem terminado a conversa, mas quando viu a expressão confusa de James e a pressa de Lily para ligar a televisão no canal quatro, soube que algo não estava bem.

Naquele horário deveria estar passando um documentário de vida animal, que era atualizado com novos episódios toda quinta-feira, mas o que havia era uma bancada de coletiva de imprensa. Havia uma quantidade razoável de jornalistas de várias emissoras, embora a transmissão oficial e completa estivesse por conta da BBC. 

O púlpito improvisado estava, aparentemente, na praça em frente ao palácio de Buckingham, e os portões gradeados do entorno estavam fechados, de maneira que havia uma multidão de curiosos empoleirados nas grades. Até então não havia ninguém, mas um grupo de staff do palácio estava enfileirado perto da entrada, todos aparentemente incertos do que iria acontecer, embora cumprindo suas funções.

— O que tá haven-. Espera, é o Sirius?!

Sirius caminhava tranquilamente até o púlpito, de terno e gravata azul marinho, com um semblante sério e neutro. Os cabelos estavam alinhados e presos em um coque educado, e, àquela altura, James não tinha a menor ideia do que poderia estar acontecendo.

— É, é ele. Marlene disse que ele ligou para ela ir para lá, mas explicou nada, e ela não conseguiu chegar a tempo de entrar no Palácio...

— Alguém tem alguma ideia do que ele vai fazer? Porque parece que ninguém está entendendo nada! - James reclamou, encarando a televisão.

— Boa noite a todos. - Sirius começou, com um sorriso amigável e respeitoso. - Agradeço à presença dos veículos de imprensa que puderam estar aqui, em especial à BBC, que organizou essa coletiva em parceria com minha equipe de comunicação. Quero cumprimentar todos os britânicos que nos assistem, e firmar o compromisso de ser breve em minhas palavras.

Juntos, James, Lily e Mary assistiam compenetrados à coletiva de Sirius, com Dorcas na chamada de áudio.

— Até agora tudo bem.

— Até agora ele não falou coisa alguma, Dorcas, calma.

— Deixo aqui registrado que essa coletiva não estará aberta a perguntas, e todas as declarações aqui feitas serão as únicas sobre o assunto, de maneira que peço encarecidamente o respeito e a compreensão da imprensa sobre esta fala. Essa é, única e exclusivamente, uma declaração minha, o Duque da Cornualha, partida de uma decisão pessoal.

— Ele está sendo prolixo, James. O que ele vai falar? - exasperou Dorcas

— Ontem foi veiculado em variadas formas de imprensa e comunicação, nacionais e internacionais, o noivado conjunto meu com Miss Marlene, e do Duque de Cambridge com Sua Alteza Real, a Princesa Emmeline, de Madrid. Hoje eu comunico que essa foi uma decisão precipitada. Não é verdade que estou noivo de Miss Marlene Mckinnon, e nem estarei no futuro. 

A boca de Lily caiu, e James chamou um palavrão.

Sirius fez uma pausa, e foi possível ouvir todos os inúmeros flashes de câmera serem disparados contra ele. Havia alguns anos de prática e calejamento com a imprensa para que ele conseguisse se conter diante daquela overdose de luz. Apertando o púlpito com as mãos e olhando para baixo, ele ficou em silêncio alguns segundos, parecendo respirar fundo, e então continuou.

 - Nos últimos quatro anos todos puderam acompanhar o relacionamento entre mim e a senhorita Mckinnon, amiga próxima desde a infância e por quem tenho grande respeito, admiração e afeto. A natureza dos eventos recentes, no entanto, me levou à reflexão de que não é justo comigo, com ela, nem com qualquer pessoa, o sigilo que tem sido feito há razoável tempo.

— James? Ele vai…? - Dorcas parecia a beira do desespero.

— Meu relacionamento com a senhorita Mckinnon sempre foi estritamente amistoso e fraternal, e uma escolha conjunta e deliberada para preservar minha sexualidade. - houve outra pausa, inúmeras exclamações e então ele continuou. - Sou parte da comunidade LGBTQIA+, homossexual, e assumo minha identidade orgulhosamente.

Era difícil precisar quem tinha a maior expressão de choque. Mary parecia à beira da insanidade, Lily tinha as mãos torcidas em nervosismo, e James estava estático, a expressão rígida e aturdida.

— Trazer isso a público foi uma decisão conjunta com meu companheiro e grande apoiador nesses últimos anos, Sir Remus John Lupin, de Northamptonshire. A senhorita Mckinnon esteve ciente de tudo desde o começo e voluntariamente nos apoiou. Não vou me desculpar por qualquer inconveniente que possa ter sido provocado por essa decisão, porque somente eu e aqueles que me acompanharam de perto nos últimos quatro anos podemos falar do sofrimento pessoal que passei, lutando para não expor a Família Real, a quem sempre prezei, honrei, e continuarei a fazer independentemente de sexualidade.

— James… James, meu santo Deus!

— Shiu! - ele pediu, atrapalhando os cabelos e puxando-os. - Almofadinhas… que merda!

A coletiva seguia, apesar das pausas para respirar que Sirius fazia.

— Estamos no século vinte e um, e ninguém deve se sentir receoso de ser quem é. E é por isso que estou, publicamente, rompendo meu noivado e relacionamento amoroso social com a senhorita Mckinnon, em respeito à minha sexualidade, ao meu parceiro, e à toda a comunidade LGBT. Toda forma de amor é válida. Continuo sendo seu Duque da Cornualha, com o mesmo compromisso, e sei que posso contar com o apoio, o respeito e a tolerância de todos que hoje me assistem. Estamos todos bem, não daremos entrevistas, pedimos privacidade, e isso é tudo que será declarado sobre esse assunto. Aos que, como eu, identificam-se com sexualidades não heteronormativas, eu vejo você, eu sou vocês. Obrigado por me ouvirem, fiquem bem, e Deus salve a Rainha.

Tão subitamente quanto aparecera para se pronunciar, Sirius terminou. Desceu do púlpito e, com ajuda dos guardas reais, desviou de câmeras e jornalistas, voltando para dentro do Palácio. A câmera da BBC capturou o momento em que, dentro dos limites da entrada do palácio, Sirius encontrou a figura esguia e de cabelos claros que era Remus Lupin, e lado a lado seguiram para dentro do edifício.

— Marlene não tinha ideia do que ele ia falar, James. E ela está lá, no meio daqueles abutres! James, Sirius vai ser engolido vivo! Olha a merda que isso vai virar! Sua avó vai mat-

— Dorcas! Calma! Vovó está em Kensington, mas certeza que vai voltar agorinha… calma! Eu estou entrando no carro agora, já eu tô aí. - e desligou a chamada.

James estava perturbado, anestesiado, nervoso, e extremamente cansado. Fazia tantas horas que ele não dormia que mesmo seus óculos já pareciam incapazes de deixar o mundo cem por cento desembaçado. Ele atrapalhou os cabelos, num gesto de mania para conter a ansiedade, e apertou o rosto enquanto soltava uma respiração pesada, indo pegar a chave do carro sobre a mesa de jantar.

— Você não está falando sério, está? Não vai para Londres agora, vai? - perguntou Lily com uma mescla de preocupação e irritação. 

— É claro que eu vou. O que Sirius acabou de fazer é, é… - ele soltou um ar que não sabia que prendia. - Príncipes não são gays, Lily. E se são, não falam que são… sabe a merda que isso vai ser?

Lily adiantou-se em direção a ele, encarando-o com firmeza. Os olhos verdes dela pareciam faiscar de frustração, e ainda estavam úmidos e inchados, e todo o resto do rosto de Lily denotava como ela havia chorado naquele começo de noite.

— A gente não terminou de conversar, James.

— Eu não vou deixar Sirius sozinho agora, Lily. Ele é meu irmão, é minha obrigação estar lá. Você não tem ideia do caos que vai ser. Porque vai ser.

— Você tem ideia do caos que eu estou?! - ela pediu exasperada, segurando a mão dele e sentindo os olhos arderem de choro outra vez. - Vamos terminar esse assunto, por favor.

James fechou os olhos e inclinou o pescoço para trás, estressado. Em apenas uma única semana o mundo tinha capotado inteiramente e virado do avesso em seguida, era como se ele estivesse pendurado de cabeça para baixo, na ponta de um precipício, com uma corda puída. Era a terceira bomba de imprensa que era largada sobre ele e toda sua realidade, e James se perguntava quando poderia ter uma noite de sono decente novamente. 

A ideia de Sirius estar sendo atacado verbalmente, criticado, talvez até punido, em Buckingham, no entanto, era péssima o suficiente para suplantar qualquer intenção de James ir para seu apartamento para dormir. Não sabia sequer o que sentir, porque era como se estivesse meio anestesiado, mas sabia que não deixaria Sirius sozinho.

— Não posso. - disse segundos depois, encarando Lily. - Não posso fazer isso agora, não posso conversar qualquer coisa sobre a gente agora. Sirius está sozinho, e eu não posso escolher entre você e ele, Lily.

— Você já está escolhendo! Eu não queria conversar sobre tudo isso, sobre a gente, hoje… mas você insistiu! Sempre do seu jeito, sempre segundo as suas vontade e, como sempre, eu sabia que ia dar merda! Agora fique e termine essa conversa, James Potter! - ela ralhou irritada, soltando a mão dele.

— Terminar o quê, Lily? Você terminar comigo? Porque estou dizendo que vou resolver tudo, pedindo tempo e você fala que não adianta! Sirius acabou de se assumir para o país todo, e eu não tenho tempo para perder com discussão idiota, se não percebeu. O mundo não gira em torno de você, nem de nós dois! 

Ele se arrependeu do que disse no segundo exato em que terminou de falar, de maneira que mordeu a boca e fechou os olhos, arrependido e furioso na mesma medida. Ele cruzara a tênue linha de respeito que ainda restava para sustentar o namoro dele com Lily. Foi como ver um brinco descer pelo ralo da pia. O desespero imediato, seguido da sensação de que não havia o que fazer.

Definitivamente, naquele momento James desejava dar um berro de frustração, quebrar alguma coisa, sumir do universo. Em sua cabeça, ele podia visualizar claramente a expressão que Lily teria. A mágoa refletida nos olhos, o caminho úmido que as lágrimas estavam fazendo pelas bochechas, a maxila trincada em irritação…

Não queria ver Lily sofrendo, mas também não sentia que as desculpas sairiam com facilidade. Achava, inclusive, que mesmo que fosse capaz de verbalizá-las, não estaria sendo honesto, porque realmente estava chateado com ela naquele momento. Sua cabeça estava quente demais, funcionando rápido demais, anestesiada e drogada de calmantes demais para ser maduro e fazer as pazes, e por mais que detestasse admitir estar errado, Lily tinha tido razão: ele não devia ter vindo, nem insistido e pressionado o assunto.

Mas tinha feito, as coisas tinham acontecido e escalonado até ali, e agora não era, nem de longe, o momento de resolverem tudo. A conversa que precisava acontecer tinha que ser longa e calma, e nenhum deles estava próximo de tranquilo, nem havia tempo. James só conseguia pensar que precisava pegar estrada e socorrer Sirius, e que tinha pisado irremediavelmente na bola com os sentimentos de Lily.

— Lily… - começou, de olhos fechados, deixando uma respiração pesada sair.

— Vai embora.

— Eu preciso mesmo ajudar o Sirius agora, por favor, entenda.

— Vai embora, Potter.

O uso do sobrenome foi percebido claramente por James, e doeu saber que não era uma piada ou provocação amigável. Lily estava muito, muito irritada.

— Estou indo. - ele levantou as mãos em rendição, finalmente ousando olhar para ela.

Lily não era o tipo de garota que se descontrolava, então não foi surpresa para James que ela estivesse impassível. O choro descia livre, mas ela estava simplesmente tão brava que estava no mais absoluto silêncio.

— Aviso quando chegar em Londres, e vou dando notícias quando puder. Não desliga o celular, por favor, Lil.

Ela respirou fundo antes de falar, e a voz saiu completamente embargada de choro.

— Não precisa se dar esse trabalho. O mundo não gira ao meu redor, e nem ao redor da gente. Não mais.

— Lily…

— Faz um favor para nós dois, James, e vai embora. Você já estragou tudo, já me humilhou, me expôs para ser xingada até no inferno… por favor, chega! Vai ajudar o Sirius, diga que eu sinto muito pelo que possa acontecer, que estou feliz por ele e pelo Remo, que presto todo o apoio… mas, por favor, pelo amor que você diz que tem por mim, vai embora! - ela pediu, chorando em silêncio, claramente se controlando para não gritar.

Mary assistia a discussão em pé, entre os sofás da sala, se perguntando se devia intervir. O coração de James parecia estar se partindo fisicamente em pedaços dolorosos, porque estava mais do que claro o que Lily estava dizendo: era um término.

— Quando eu voltar, quando as coisas estiverem mais calmas… quando passar isso tudo, vamos conversar direito, Lil. Sei que posso resolver as coisas. Eu amo você, não vamos deixar as coisas terminarem desse jeit-

— VAI EMBORA! - Lily berrou, soluçando de tanto chorar e avançando contra James. - Sai da minha casa, vai embora! É tudo culpa sua! Você fez as coisas do seu jeito, como sempre, e olha a merda que deu, Potter! Eu não sou um brinquedo, não sou fonte de fofoca da realeza, eu sou uma pessoa

Ela o encarou profundamente por uma última vez, chorando de uma forma descontrolada, enquanto James mordia a boca completamente perdido e sem saber o que fazer, esperando algo que também não sabia o que era, no corredor.

— Teria doído tão menos ter terminado comigo dois meses atrás. - ela comentou, chorando. - Eu não estaria tão magoada, tão humilhada, e nem com tanta raiva de você. VAI!

Doeu como uma brasa na pele ouvir aquilo, porque tudo que James tinha feito até ali fora unicamente por Lily, para protegê-la, por amá-la e querer tê-la junto. E tudo tinha dado errado.

— Vai, James. Anda. - Mary insistiu, consideravelmente mais controlada do que antes.

James não esperou outro ataque de qualquer uma das duas, e foi embora, descendo as escadas de dois em dois degraus enquanto sentia o coração ribombando dentro do peito com tanta força que achou que teria um ataque cardíaco. Achava que estava flutuando fora de seu corpo, tal era o estado de torpor e vazio e, momentaneamente, ele até esqueceu do que estava à sua espera em Londres. O celular tocou enquanto destrancava o carro.

— Consegui um uber para o Palácio, você já pegou a estrada?

— Fazendo isso agora, Doe. - respondeu no automático, colocando o cinto de segurança.

— Você tá bem? Sua voz tá estranha.

— Tô. Tranquilo. - engoliu em seco. - Chego já aí.

— Vem logo.

Ele ligou uma playlist de rock assim que entrou na estrada que descia para Londres, sentindo o peito num paradoxo entre comprimido e vazio que era tão ruim quanto a incerteza de seus sentimentos. Depois do primeiro quilômetro a ficha caiu.

Sirius tinha acabado de se assumir gay diante do país todo, e aquilo tinha consequências tão absurdas que James era incapaz de calcular naquele momento. Sua cabeça parecia afogada de tudo: muitas horas em claro, muitos comprimidos calmantes, muito uísque, a segunda viagem longa de carro em menos de vinte e quatro horas... E Lily Evans tinha acabado de terminar com ele, odiando-o.

— Se você chorar, você vai bater o carro e morrer, seu imbecil. E Sirius já tem problemas demais sem precisar ir em um velório. Não chore, James. Não chore! - murmurou se repreendendo quando os olhos arderam.

O velocímetro do carro subiu proporcionalmente à vontade de James de chorar, e quarenta minutos exatos depois da ligação de Dorcas (porque ele não queria pensar em ter saído do apartamento de Lily, ou em Lily)  ele passava pelos portões dos fundos do Palácio de Buckingham. Cento e cinco quilômetros em quarenta minutos. Ele sequer queria pensar na velocidade que atingira, ou nas multas que pegaria.

— Chegar vivo é um começo, chegar vivo é um começo. - ele murmurou enquanto estacionava.

Mas por dentro, naquele lugar fundo que costumavam ficar seus sentimentos, fazia quarenta minutos exatos que James estava morto.


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Notas finais do capítulo

Quem viu essa chegando?
Estou lá pelo twitter para a gente amigar (@prongsstan) e espero vocês nos comentários! Beijoooos ❤❤❤



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