God save the Prince escrita por Fanfictioner


Capítulo 17
A batalha perdida


Notas iniciais do capítulo

Esse era para ser nosso capítulo de Natal, mas aqui estou eu, uma semana depois, e ninguém pode me julgar (mentira, podem sim haha).
Tenho alguns avisos e comentários importantes a fazer, então essa nota pode ficar meio longa, mas é bem relevante juro!
Primeiramente, eu queria agradecer infintamente por todo mundo que leu Gstp em 2020. Obrigada por cada interação, cada comentário, e, principalmente, pela paciência comigo. Nunca imaginei que a fic ia se tornar uma coisa tão grande quanto é, tanto em leitores quanto em capítulos, mas sou extremamente feliz por essa história que me guiou na insanidade da pandemia e do isolamento social.
Segundamente, avisos importantes: esse é nosso último post do ano e, provavelmente, o último até fevereiro. A fic está bem próxima do fim, e apesar de saber tudo que vai acontecer, eu ainda não tive chance nem tempo de sentar e escrever.
Temos o próximo capítulo pronto, mas como nada mais foi escrito além dele, eu vou segurar a publicação até a fic estar concluída, para não me sobrecarregar na faculdade com os prazos, quando as aulas voltarem em fevereiro (porque sim, já tenho trabalhos marcados para antes do carnaval :((( ).
Preciso muito de um descanso agora, porque o segundo semestre de 2020 foi um rolo compressor na minha saúde física e emocional, então para terminar GSTP com a mesma qualidade que eu sempre tento entregar, vou tirar esse mês de janeiro de folga, e em fevereiro voltamos à programação normal. Espero que me entendam e não me odeiem muito por isso.
Ah! Eu betei rapidinho para sair ainda esse ano, então relevem qualquer erro que eu tenha deixado passar!
Sem mais enrolações, aí está!



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Novembro era sempre um mês agitado. As provas estavam ali, a todo vapor, para que o primeiro trimestre fosse encerrado no começo do mês seguinte, as inscrições para projetos e artigos abriam vagas para o ano seguinte, e o inverno sempre dava as caras logo nas primeiras semanas do mês.

Para James, novembro era um mês de compromissos reais, porque a agenda de celebrações para os veteranos da primeira guerra era lotada até o dia onze, e sempre o obrigava a comparecer em alguma coisa: um jantar, um evento de caridade, um fundo de arrecadação, um desfile. Sempre havia algo acontecendo.

Naquele ano, ele fora avisado com exatas três semanas de antecedência, através de, nada menos que, SEIS e-mails. Sua assessoria de imprensa, a comissão de comunicação de Buckingham, os organizadores do evento, sua assessoria de imprensa outras duas vezes, e Sirius (apenas pela graça de encher sua caixa de entrada) enviaram e-mails dando detalhes da participação de James na solenidade do dia do armistício, para concluir a agenda da rememoração da guerra.

Não era nada complexo, na verdade, era surpreendentemente básica a sua função. James assistiria à missa na Abadia de Westminster, especialmente dedicada ao Domingo da Lembrança, e então participaria da caminhada pela avenida Whitehall, saindo do Parlamento e indo até o Cenotáfio. Ali a Rainha colocaria uma coroa de flores no memorial, e o Príncipe Fleamont daria um breve discurso em homenagem ao um milhão de ingleses mortos na Primeira Guerra Mundial.

O Duque de Cambridge não precisava fazer absolutamente nada, além de estar presente.

James sabia o protocolo daquilo de cor, e não era novidade alguma, para ele, como se portar no dia do armistício. A razão de todos aqueles e-mails, porém, se devia ao fato de que, pela primeira vez, James iria à solenidade do Domingo da Lembrança acompanhado. 

E Emmeline Vance precisava ser colocada a par de todo o cerimonial da Coroa Britânica para evitar vexames, e era por isso que havia todo aquele alvoroço protocolar deixando James quase irritado com tanto planejamento.

— Lady Emmeline chegará no sábado às dez, e o senhor vai almoçar em Covent Garden, com as famílias de três generais veteranos, milorde. - explicou uma das funcionárias da assessoria de imprensa.

Era quinta-feira de noite, véspera da ida de James para Londres, e ele estava impacientemente irritado com a reunião de última hora para o repasse de suas obrigações (como se os e-mails detalhados não fossem o bastante), que interrompia sua noite de filmes com Lily.

— Eu sei. - respondeu com monotonia. - E o traje é esportivo. De tarde tem o concerto no Museu Imperial de Guerr-

— de Guerra, sim. - interrompeu a mulher, sendo repreendida por sua superior. - Perdão, Alteza. Pode continuar.

— Pode falar. Museu Imperial, e aí?

— O concerto no Museu Imperial de Guerra é às catorze, e o senhor,  Lord Sirius e Lady Marlene conversam com os adolescentes após o evento, e às dezesseis inauguram a nova exposição sobre o centenário do fim da Guerra, na ala do segundo andar. - ela continuou, virando uma página do cerimonial em mãos.

James concordou com a cabeça, esfregando os olhos, cansado. Sorriu para Lily, que estava com a cabeça deitada em seu colo, mexendo no celular à espera de que a ligação com Buckingham acabasse.

— O jantar será em Buckingham, com a Princesa Emmeline, a Primeira-Ministra e outros… - ela conferiu o papel. - sete conselheiros. Além do Barão e da Baronesa de Arlington, o Conde de North-

— Tá, tá… uma cacetada de gente. Emmeline vai sentar ao meu lado?

— À sua frente, Alteza. 

— Beleza. Domingo, missa às oito, caminhadinha, Cenotáfio… confere?

A mulher não pareceu satisfeita com o fato de que James estava, claramente, acelerando a reunião e pulando quase duas páginas de seu elaborado e ricamente detalhado cerimonial protocolar Real, mas quase não transpareceu a cara feia que desejou na chamada de vídeo.

— Exato, Alteza. Gostaria de revisar o protocolo em detalhes?

— Não faz necessidade, eu recebi no e-mail e dei uma lida… duas semanas atrás. Nada mudou, né? - a mulher olhou seus documentos e negou. - Então sucesso. Era só isso, hum…

— Casey Harmon, milorde. - lembrou, educadamente.

— Isso. Era só isso, Harmon?

— Uhm… sim. E seus ternos, senhor, já foram aprovados e estarão separados com etiquetas nos seus aposentos.

— Sucesso puro! - brincou James, fazendo um positivo com as mãos. - Ah, avisa o pessoal que vou levar um sapato daqui, que é mais confortável e tal. É preto, não vai dar dor de cabeça. A Minnie vai saber qual é…

— Minnie, Alteza? - perguntou confusa. - O senhor gostaria que falasse com os parques da Disn-

— Não! - James explodiu em risadas, e Lily o acompanhou, não se contendo, tapando a boca com as mãos. - Minnie… a Minerva. Mcgonagall. Você sabe quem é, não sabe Smith?

A chefe da assessoria de imprensa apareceu rapidamente na chamada de vídeo e confirmou, pedindo desculpas pela confusão da senhorita Harmon, e pouco depois a reunião foi encerrada.

Lily ainda estava rindo, se divertindo às custas dos erros de protocolo de Buckingham, e James se deu alguns segundos observando o rosto vermelho risonho da namorada.

— Achando muita graça, né, Evans? - James se inclinou sobre ela, fazendo cócegas e deixando beijos pelo rosto e pescoço de Lily.

— Quer que eu ligue para o Mickey, Alteza? - debochou ela, explodindo em gargalhadas novamente.

— As coisas que eu passo nessa minha vida, Lils… 

— Pobre príncipe oprimido… você sai que horas amanhã, mesmo? 

Os olhos verdes de Lily ainda tinham um traço de riso, mas James sabia que, no fundo, ela estava (ainda que minimamente) chateada porque eles não poderiam comemorar os seis meses de namoro juntos. Não naquele final de semana, ao menos.

— Às quatro da tarde. - ele confirmou, fazendo um carinho no cabelo de Lily. Em seguida, ele acrescentou, como se fosse trivial. - Ah! Eu fiz uma reserva para a gente, no Jamie Oliver. Para quinta de noite.

— James!

— Ruiva! Acha mesmo que eu ia deixar passar em branco esses seis meses? Tá, eu estou adiando uns dias essa comemoração… mas vai acontecer. - James deu uma piscadinha convencida, ao que Lily sorriu, indignada de uma forma boa. - E agora vamos logo dar play nesse filme, vai!

***

— Que inferno, tá lotado de gente! - resmungou Emmeline ao lado dele, com a boca trincada em um sorriso educado. 

— Agradeça que choveu e tem uns vinte por cento a menos de gente. - James retrucou no mesmo tom, com as mãos cruzadas atrás das costas.

A Rainha estava deixando uma doação generosa na abadia, e todos os demais membros da família Real esperavam por ela no átrio de entrada da igreja, conversando amenidades em tom baixo e se abrigando da garoa gelada do lado de fora.

Sirius e James combinavam entre si, com ternos azul marinho e gravatas pretas solenes, iguais aos sobretudos que usariam na caminhada até o Cenotáfio. Fleamont estava inteiramente de vestes pretas, e Euphemia o acompanhava na sobriedade. Marlene e Emmeline tinham escolhido tons próximos de verde água, e havia lenços pretos nos bolsos dos vestidos.

Tudo cerimonialmente respeitoso, educado e formal. Como a Coroa gostava, e devia ser.

— Eu estou morrendo de fome!  - confessou Marlene baixinho. - Ninguém tem uma bala de menta aí, não?

— Tenho umas de gengibre.

— Você virou o vovô agora, Almofadinhas?

Sirius mostrou o dedo do meio para James, que abafou um risinho, e logo depois todos estavam vestindo seus casacos para saírem. A multidão de pessoas que se aglomerava junto às grades de segurança  não parecia intimidada pela chuva, ou pelos três graus que fazia naquela manhã.

Ao contrário. 

Havia uma centena de cartazes com frases de “Eternos Heróis” e “A Inglaterra deve tudo ao seu Exército”, e as pessoas se espremiam na frente da Abadia para ver a família Real. O caminho até a avenida WhiteHall era barulhento, cheios de gritinhos, aplausos e muito falatório, e, depois, se tornava completamente solene, militar e quase fúnebre.

Escoteiros, em uniformes de gala, com lenços vermelho e preto em homenagem à data, ladeavam o caminho até o Cenotáfio, e todos os militares destacados para a solenidade carregavam flores vermelhas nas lapelas dos trajes.

Veteranos muito idosos vestiam vermelho, sendo levados com toda honra à frente da marcha, empurrados em cadeiras de rodas por novos militares. As pessoas em capas de chuva que assistiam o desfile faziam um silêncio respeitoso após o anúncio do início da caminhada, com toques de trompete por militares responsáveis.

Apesar de tudo, ainda era uma lembrança de perdas extremamente dolorosas. Vidas de pessoas, a destruição de boa parte do país, e uma guerra violenta como nunca tivera acontecido antes, e aquilo merecia respeito e seriedade.

Quando as entregas de flores, fotos, discursos e todas as formalidades militares foram finalizadas, os membros da família Real ficaram mais livres para cumprimentar as demais autoridades, conversar com conhecidos e prestar qualquer outra homenagem.

Emmeline foi apresentada a algumas pessoas importantes ligadas à Coroa, e James se manteve educadamente ao lado dela o tempo inteiro, segurando-a na mão. Quando os quatro jovens entraram em um dos carros oficiais, para voltarem ao Palácio de Buckingham chovia muito mais forte do que antes, e havia funcionários da Coroa carregando enormes guarda-chuvas pretos para proteger os membros da realeza.

— Eu achei que teria sido bem pior, acredita? - confessou Emmeline, sentada ao lado de Marlene, de frente para os rapazes.

— Eles foram muito generosos em escolher o Domingo da Lembrança para exibir você e o James... não costuma ter muito assédio porque tem militar demais por metro quadrado.

— Só algumas pessoas gritaram na saída da Westminster.

— Você leu a placa “James e Emme, me adotem”? - perguntou Sirius, rindo.

— Essa gente é louca! - riu James.

***

— Eu pensei em a gente recortar esse trecho aqui e usar como conclusão do texto, porque achei que ficou muito bom. O que acha, Lily?

—...

— Lily?

— O quê? - ela tirou os olhos da tela do celular, avoada. - Ai, desculpe! Desculpa mesmo, Severo. Não prestei atenção no que disse, repete, por favor. 

Ela corou e bloqueou o celular, deixando-o de lado sobre a mesa e se inclinando para observar as correções que Snape estava fazendo no texto que eles deviam produzir naquela aula e enviar ao professor. 

De fato, estavam se saindo melhores do que a maioria da turma, porque ainda restavam quase quarenta minutos de aula e já estavam fazendo a revisão final do texto.

— É… eu acho que encaixa melhor mesmo. E seria bom um parágrafo aqui, complementando essa referência de Harvey… - ela concluiu, relendo o que tinham. - Vou acrescentar.

Enquanto Severo trabalhava pelo computador, Lily editava o arquivo simultaneamente no celular, inserindo a parte que faltava, e poucos minutos depois eles haviam acabado, enviando o resultado por e-mail.

— Sua cabeça estava nas nuvens hoje, eim? - perguntou Severo, caminhando com Lily para fora do prédio, enquanto ela enrolava um cachecol no pescoço.

— Ah… - enrubesceu. - Sinto muito, eu… eu geralmente não sou assim. Só estou bem empolgada, e me distraí.

— Empolgação é bom! Me conta, qual a novidade. 

Lily hesitou um pouco, porque ela não era exatamente próxima de Severo para falar de sua vida pessoal. Além disso, seria um pouco de exposição desnecessária, já que ela e James deviam ser um segredo.

Porém, que mal fazia falar que ia sair com alguém? Sem mencionar nome, não era expor, era?

— Eu meio que tenho um encontro… - confessou, mordiscando a boca para conter a animação.

— Ah, sério? - se a expressão de Snape tinha murchado um pouco e, depois, ficado bem interessada, Lily não havia notado. - Romance novo?

— Um cara com quem estou saindo há uns meses… vamos comemorar isso, na verdade. Seis meses juntos. Ele reservou uma mesa no Jamie Oliver.

Severo arregalou os olhos, surpreso, e um sorriso presunçoso e brincalhão brilhou no rosto dele.

— Seis meses?! Uau! Bastante tempo… E Jamie Oliver? Seu carinha gosta mesmo de você eim? Restaurante chique e tudo! 

— Eu estou bem feliz com ele, sim. Acho que nunca nem fui num encontro em lugar chique assim. - o riso de Lily era sonhador e animado, e Severo cerrou o punho dentro no bolso do casaco. - Desculpa a cabeça na lua, mas tava pensando nis-

— Não! Que é isso! - interrompeu Snape, com a voz levemente agitada. - Quem nunca teve um dia de cabeça na lua, não é? E o seu motivo está bem justificado, então… e a gente entregou o trabalho, de qualquer forma…

Sua dicção severamente comprometida pelo nervosismo em manter naturalidade.

— É… obrigada pela compreensão. - ela sorriu para Severo, dando um aperto suave na mão dele para agradecer e fazendo o rapaz ter um acesso por dentro. - Eu vou indo, Severo. Preciso… - indicou sua roupa com um gesto. - Sabe como é, mais apresentável.

— Sei, sei.. vai lá. Até depois, Lily. Boa noite, divirta-se.

Pontualmente às oito e meia da noite, Lily entrava no Jamie Oliver acompanhada de James. Sem mãos dadas ou qualquer coisa assim, mas juntos e em um encontro. As pessoas só não precisavam saber disso.

A entrada que James escolheu era uma salada agridoce fantástica, e a massa à carbonara estava divina de tão deliciosa. Lily escolheu o vinho, e honrando suas habilidades com copos e taças, eles precisaram pedir uma segunda garrafa para conseguirem acabar o prato principal. 

Ocasionalmente James esgueirava sua mão sobre a mesa, para alcançar a de Lily e fazia um ou outro carinho, murmurando palavras mais explícitas sobre seus sentimentos, e externando como se sentia sobre ela, em baixo tom. Claro que Lily desejava beijá-lo ardentemente, puxá-lo pela gravata de seda e se fundir nele em amassos e lascívia, mas ali não era o local ou a ocasião.

Durante a sobremesa, se provocaram encostando as pernas sob a mesa e trocando olhares pouco inocentes, acompanhados de gestos quase maliciosos com a colher cheia de mousse de chocolate.

Mas era meio de semana, Lily precisava apresentar uma defesa criminal em uma simulação cedo na manhã seguinte, e James tentava se organizar com as coisas atrasadas do final de semana. Nenhum deles podia se dar ao luxo de passar a noite em claro fazendo outras coisas.

— Sexta-feira, eu prometo. Só segure mais um pouquinho esse desejo todo, ruiva. - sussurrou James em seu ouvido quando a ajudou a colocar o casaco, na hora de irem embora, o que não ajudou muito.

Ao contrário, foi extremamente sexy, Lily sentiu um arrepio subir por suas costas, e precisou guardar alguma distância de James na caminhada de volta para casa, só por segurança. Estava absurdamente quente, e ela só conseguia pensar no banho gelado que precisava para se acalmar daquela tensão que era provocar James sem poder tocá-lo.

— Vou escolher não dar um beijo de despedida, só porque sei o que vai degringolar se eu fizer isso. - ele comentou, mordendo os lábios, quando chegaram à entrada do prédio.

— Achei sábio. - confessou Lily, algum tempo depois acrescentando. - Eu vou subir então, Jay. E tomar um banho gelado.

Ele riu.

— Bom saber que não tô sozinho nessa. - e deu uma piscadinha. - Durma bem, meu amor. E obrigado por tudo nesses meses incríveis.

— Às vezes eu odeio como você consegue ser tão perfeito, sabia?! - Lily ficou na ponta dos pés, roubou um selinho de James e murmurou “amo você”.

Antes que ele tivesse tempo de raciocinar, ela já havia entrado no prédio, e James tinha a sensação de que Lily ainda iria matá-lo com todos aqueles sentimentos e arroubos de desejo que o fazia sentir.

Sexta-feira realmente chegou logo, provavelmente porque todos estavam cheios de afazeres, e o tempo passa muito mais rápido quando sabe que as pessoas estão ocupadas. Pareceu um piscar de olhos quando a última aula de Lily acabou e ela pode ir para casa, nem mesmo fez questão de ficar para bater papo com Severo, porque só conseguia pensar que James já devia estar no apartamento, pensando em algum jantar.

Alice havia passado a semana tagarelando sobre ir passar o final de semana na casa de Frank após irem para uma balada e Mary e Benjy tinham combinado algo com amigos, o que deixava James e Lily inteiramente sozinhos com o apartamento dela.

Era quase bom demais para ser verdade. Fazia semanas que uma oportunidade dessas não acontecia!

Começaram a matar as saudades antes mesmo de comerem algo, e os planos de um jantar elaborado logo foram substituídos por um banho juntos, bem demorado e cheio de segundas (e terceiras, quartas…) intenções.

Ao jantar se sucedeu uma nova sessão de amassos que terminou muito tarde na madrugada, com os dois nus, enroscados em uma conchinha aconchegante no quarto de Lily.

— Eu sou completamente apaixonado por você, Evans… o que eu faço agora? - murmurou James, beijando o cabelo dela, quase adormecido.

— Perfeito, estamos na mesma página então. Porque eu sou mais apaixonada por você do que eu devia, sabia? - perguntou Lily sorrindo, caindo no sono antes de ouvir uma resposta.

***

O celular de James tocava infernalmente alto. Estava escuro, ele estava sem óculos, e o barulho parecia uma sirene descontrolada no quarto.

— Mas que m- 

— Alô? Quê?

Lily sentou-se na cama e esticou-se para acender o abajur, torcendo a cara quando o quarto ficou em tons de amarelo. Ela coçou os olhos e então encarou James, que não tinha uma expressão boa.

Nada boa.

— Mas como assim? Não, óbvio que não. Eu estou dormind- que horas são?

O celular de Lily mostrava que faltavam alguns minutos para as cinco da manhã. Quem, por Deus, ligava para alguém nesse horário?

— Não pode ser. - James colocou o celular em modo alto-falante e abriu uma página no Google, mesmo sem óculos, digitando o próprio nome na pesquisa. - Tô abrindo, tô abrindo.

A mão tremendo foi algo que Lily notou, e então ela sentiu que havia algo errado.

— Merda! Merda, merda, merda! Ela já sabe? A Vitória já sabe? Merda! Estou indo para Londres, então… tenta só… tem como minimizar essa merda? Inferno!

Ele desligou, completamente fora de si, de nervosismo e raiva, e pulou para fora da cama, procurando sua cueca e sua calça nas pilhas de roupas no chão do quarto.

— O que foi, Jay? - perguntou Lily, preocupada. 

— Vazou uma foto, uma matéria na verdade. - ele estendeu o celular para Lily, ainda na página de pesquisa. - Faz pouco mais de uma hora, mas já tem muitas outras páginas direcionando para a matéria original.

Lily não precisou nem mesmo ler a chamada para seu estômago dar um nó que escoteiro algum poderia desfazer. A primeira foto, estampando a capa da matéria, eram ela e James, próximos, rindo um para o outro na festa de Halloween de menos de um mês antes.

Foi uma sequência arrasadoramente rápida de pensamentos, e Lily achou que explodiria.

Primeiro ela sentiu um pânico absurdo subir por suas entranhas, ao ponto de impedir que ela dissesse qualquer coisa. Depois, à medida que descia a barra de rolagem da matéria, incapaz de ler o texto, Lily pensava na ameaça clara de processo que a Rainha havia feito, e, por fim, quando surgiu uma foto dela e James juntos, no restaurante em que tinham estado, na terça, ela colapsou de desespero.

E começou a rir.

Lily começou a gargalhar, completamente ensandecida de desespero pelo que estava acontecendo.

Seu rosto estava em todo lugar da internet, exposta como a amante do Duque de Cambridge, depois de ter sido ameaçada de ser processada por falsidade ideológica pela própria Rainha da Inglaterra.

— Eu vou ser presa. Eu vou ser presa, James! Eu não tenho dinheiro para um advoga- James o meu diploma!!! - gritou, desesperada, passando a mão nervosamente pelo cabelo.

O coração dela batia tão depressa que Lily mal conseguia respirar, e sentia como se precisasse sair correndo. Tudo estava terrivelmente quente, e Lily não conseguia conter a vontade de rir, descontrolada. Parecia que as paredes do quarto iriam esmagá-la e sufocá-la.

James sentou-se ao lado de Lily, ainda sem camisa e sem óculos, e era nítida a ansiedade que também havia nos olhos dele.

— Você não vai ser presa. Por favor, Lil, calma! Respira comigo, vamos. - ele conduziu alguns exercícios de respiração com ela, até que Lily parasse de rir histericamente, segurando firmemente as mãos dela. - Respira fundo, meu bem.

— Meu Deus, como isso aconteceu? - perguntou algum tempo depois, quase entrando novamente em parafuso.

— Não pensa nisso agora. - James a acalmou, deixando um beijo na testa. - Eu preciso ir para Londres, para tentar chegar antes da minha avó ver essas notícias e explodir a London Eye.

Lily não riu da piada ruim dele, apenas o encarou com o rosto úmido e avermelhado, com marcas de um choro que ela não sentira ter derramado. Era bem nítido que, logo menos, tudo iria ruir, e só restavam algumas horinhas de sossego até que a maior parte das pessoas acordasse e visse aquela notícia.

— Prometo que vou dar um jeito, Lil… me dê só umas horinhas e vou resolver tudo. Você não vai ser presa, nem processada, nem perder seu diploma. Vai ficar tudo bem.

Ela concordou com a cabeça, sem muita confiança, e James pegou a primeira camisa que achou em sua mochila, saindo do quarto ainda se vestindo. Lily se enroscou no lençol e o acompanhou até a porta, o céu lá fora ainda terrivelmente escuro.

— Juro que volto logo. - ele beijou Lily com intensidade, como se fosse o último beijo que daria nela. - Volta a dormir, está muito cedo ainda.

— Não vou conseguir dormir.

— Faz um chá… Chama a Alice ou a Mary para cá. Não quero que você fique sozinha… tudo bem? - Lily assentiu, sabendo que não ligaria para nenhuma das amigas antes de amanhecer o dia, para não preocupar ninguém.

Uma parte de Lily queria chorar para que James ficasse e a acalmasse, porque sentia que teria uma crise de ansiedade, e, no entanto, outra parte dela achava que, se James não pisasse em Londres no minuto seguinte, haveria problemas muito maiores do que os que já existiam.

Expostos. Expostos em uma matéria de jornal.

Lily viu da janela da sala James correndo pela calçada, indo buscar o carro no estacionamento do próprio prédio, e sentiu uma agonia desesperadora por estar sozinha, lidando com todos aqueles pensamentos ansiosos.

Processada, presa, sem diploma.

Terminar com James. 

Se obrigou a fazer uma caneca generosa de chá de menta, e ficou sentada no sofá, enroscada em uma mantinha, tentando não se afogar em todas as ideias perturbadoras que iam e vinham em sua cabeça. Não achava que conseguiria ler a matéria que fora publicada, mas imaginar o que estava escrito, quanto tinha sido especulado, era uma tortura muito eficiente para os nervos de Lily.

Quando ela acordou de novo, foi novamente em um susto, porque seu celular estava vibrando em seu bolso, e o começo da luz do dia entrava pela janela da sala direto em seu rosto. A caneca de chá em sua mão virou quando Lily pulou de susto com a ligação, e derramou a sobra fria de bebida no tapete.

— Merda! - xingou-se, acordando rapidamente e levantando a caneca do chão antes de atender ao celular. - Alô?

— Como assim você está pegando o Duque de Cambridge? — Petúnia berrou, sem delicadeza.

As entranhas de Lily afundaram muito depressa com a recordação de que seu relacionamento com James tivera sido exposto há algumas poucas horas. A ideia de que sua família tinha acabado de descobrir isso através de sites de fofoca e notícias da internet também não era nada boa, e Lily chegou a cogitar desligar a chamada.

— Petúnia, calma… não é exatament-

— Como calma? Lily! Você andou beijando um príncipe! Que merda, como é isso?!

Lily pode ouvir a voz da mãe, pedindo que Petúnia se acalmasse, e então tomando o celular.

— Lily?

— Oi, mãe. Bom dia. - ela tentou, fechando os olhos para evitar sentir tanto a repreensão que receberia da mãe.

— Eu quem o digo… o Duque de Cambridge, Lily? — perguntou a senhora Evans, quase dando a Lily uma chance de negar.

— Mãe… é complicado.

— Realmente, é muito complicado. O que passa na sua cabeça, Lily? Eu sou muito à favor que você saia, arranje namorados, beije uns meninos, meninas… sei lá. Mas um Duque?

— Eu não planej-

— Então é verdade? Você realmente está namorando o Duque de Cambridge? — insistiu ela.

— Ele assumiu um namoro com a Princesa da Espanha há menos de três meses! — Petúnia berrou ao fundo. — Lily vai é causar um acidente diplomático internacional!

Lily engoliu em seco, respirando fundo, e desejou desligar a chamada e bloquear os números de seus familiares. Seus pais eram extremamente monarquistas, e obviamente gostariam que ela demonstrasse algum interesse pela família Real, mas Lily tinha certeza de que não era aquele tipo de interesse.

Namorar um Duque devia ser algum tipo de heresia.

— Gente, por favor. Não façam as coisas serem piores. James e e-

— James?! Você chama ele pelo primeiro nome?! - escandalizou Petúnia, tomando de volta o celular.

— Somos amigos! É óbvio que chamo ele pelo primeiro nome! - reclamou de volta, irritando-se.

— Aparentemente mais do que amigos, não é? Há quanto tempo isso, Lily? Há quanto tempo vem mentindo para sua mãe? 

A ligação havia sido colocada em viva voz, porque Lily podia ouvir as duas ao mesmo tempo.

— Eu não menti. - ela se defendeu para a mãe. - Eu só não contei, porque vocês fariam esse escândalo.

— Escândalo?! Escândalo? Você beijou um Duque!

— Há quanto tempo, Lily?

— Seis meses. - respondeu, arrependendo-se no mesmo instante.

Houve um segundo de silêncio, em que as outras duas mulheres pareciam estar absorvendo o que Lily acabara de dizer.

— Era você! Era você a garota que foi fotografada com o Príncipe em Shoreditch! Você estava em Londres no verão!

“Brilhante, Petúnia! Você ainda tem um cérebro, então?” pensou, revirando os olhos, incapaz de falar.

— Seis meses, Lily?

— Você é doente, sabia? Doente por atenção! Egoísta!

— Eu sou egoísta?! - peguntou ela, confusa e com vontade de socar a irmã.

— É! Olha o circo que você causa. Meu casamento é em menos de quinze dias, e eu vou ser obrigada a ficar dando satisfação da minha irmã sem noção, que passa vergonha no país todo! Você é capa de matéria como amante de um Duque, Lily! Por que você precisa ser essa anormal?

Lily sentiu os olhos arderem, porque até ali ela não havia pensado naquilo. As pessoas que não a conheciam não veriam a Lily, a aluna dedicada que se apaixonou por um garoto legal e tinha sido exposta na mídia. Não. 

As pessoas veriam uma estudante que era amante do príncipe herdeiro, prova da promiscuidade dele, traindo a namorada nobre e espanhola. As pessoas veriam uma mulher ruim. Porque sempre a errada era a mulher, a que se ofereceu. Lily queria chorar, porque sua irmã estava sendo cruel, e porque estava sozinha naquele caos, com o peito doendo de ansiedade e a sala parecendo se fechar em torno dela.

— Mãe, é complicado. Eu nem sei o que pensar direito, isso era sigiloso. Ninguém podia saber, e tinha toda a coisa da Emmeline da Espanha… por favor, não fala nada. - pediu, sabendo que a senhora Evans não daria o sossego que pedia. 

Não indefinidamente, pelo menos.

— Que confusão você arranjou, minha filha.— foram as palavras dela, segundos depois.

Petúnia havia sido afastada do telefone, e agora só a senhora Evans estava na chamada. O tom dela era quase complacente, triste pelo que estava para acontecer com a filha, e Lily sentiu que se a situação chegara a condoer sua mãe, era porque estava suficientemente ruim.

— Me desculpa, mãe. - ela pediu, começando a chorar, o ar faltando.

— Não, meu amor. Eu estou chateada, preocupada… mas não peça desculpas. Eu queria proteger seu coraçãozinho, minha Lily.

Foi demais, e Lily precisou desligar a chamada na cara da mãe, porque estava insustentável o tanto de desespero e choro que sentia. Seu celular estava quase travando de tantas notificações simultâneas de redes sociais, e Lily precisou desligar a internet, em um esforço tremendo para conseguir se concentrar em fazê-lo, e então ligar para pedir ajuda.

— Lice? Lice, por favor, vem… vem pra casa. - ela soluçou, chorando agoniada e achando que não conseguiria se explicar. - Tô… tô em crise.

***

O resto do dia passou como um borrão, porque Lily desejava sumir do mundo, para nunca mais ser encontrada. Alice chegou menos de dez minutos após a ligação da amiga, e Mar e Benjy vieram antes da oito da manhã, levando o café e os bolinhos favoritos de Lily, de uma padaria próxima, como um agrado.

Ela agradeceu que ninguém fizesse muitas perguntas, porque era complicado até para ela mesma entender o que estava acontecendo, e a única explicação necessária foi quando Mary leu a matéria para todos eles, na sala, e Frank perguntou se tinham notícias de James.

— Deve estar resolvendo essa confusão em Londres. - disse Lily.

— Você estão mesmo juntos, não é Lily? - perguntou Benjy, ao que ela concordou com a cabeça. - Então só isso importa. James vai dar um jeito nisso.

Ninguém sabia sobre as ameaças de processo que a Rainha havia feito, e Lily preferia que as coisas continuassem assim, porque pensar naquilo no momento a deixava ansiosa demais. A conversa de meses atrás, quando James voltara da Espanha, tocava em repetido na cabeça de Lily, e ela sentia-se exausta.

Ao longo do dia, parentes ligaram, e Lily os ignorou totalmente. As mensagens em suas redes sociais eram tantas que ela mal dava conta, e seu celular estava abarrotado de notificações de todos os tipos. Apesar de ter trabalhos acumulados, Lily sentia-se exausta de nervosismo e da noite mal dormida, e desejava parar de pensar.

Mary se encarregou do almoço para todos eles, e Frank foi embora logo depois, para estudar. Ficaram as três meninas e Benjy assistindo filmes, na tentativa de distrair Lily e ajudá-la a pegar no sono em algum momento. No meio da tarde, houve uma entrega no apartamento, e era um belíssimo buquê de flores, endereçado à Lily.

“Espero que elas consolem um pedacinho do que era para eu estar cuidando. Fica bem, Lil. JP.” 

Durante algum tempo, Lily voltou a chorar, em crise de ansiedade, até que Mary deu à ela uma dose de medicação, sob orientação da psiquiatra de Lily, e Alice ficou com amiga no quarto dela, até que adormecesse pesado pelo efeito do remédio.

Aquele dia parecia o mais completo caos, mas, em verdade, Lily sabia que era só o começo da tempestade.

Na manhã de domingo, o pronunciamento oficial de James já estava em todos os locais possíveis e impossíveis da internet. Era uma nota formal, repudiando a invasão à sua privacidade.

— Para além disso, não discutirei as especulações sobre minha relação com a Senhorita Evans, que é uma de minhas mais caras amizades, e peço a todos que a respeitem e honrem, assim como à Lady Emmeline. Isso é tudo que deve ser discutido, obrigado. - dizia a voz de James, muito polido e bem vestido, em um vídeo que fora postado na conta de instagram do Ducado de Cambridge.

— Eles são treinados para falar assim, não é possível! - exclamou Mary, com a cabeça deitada no ombro de Benjy na hora do café da manhã. - James parece estar falando de um artigo que leu para a aula!

— James teve aula de oratória durante anos. - explicou Lily, ainda olhando em repetido a declaração oficial de apenas um minuto que James fizera.

— É… todos eles têm. Acho que Eton tem uma matéria obrigatória disso… Churchill estudou em Eton, sabiam? - perguntou Benjy, tentando distrair a conversa.

— Foi bem frio, se quer saber. Ele não falou nada, na verdade. - comentou Mary. - Não assumiu você.

— Mas não negou, também. Acho que ele só… acho que o Jay só não podia, sabe? Não é como se ele pudesse sair admitindo que tem uma amante plebeia.

— Até onde eu sei, a amante é a Emmeline. - Mary deu de ombros, arqueando as sobrancelhas para Lily. - Mas se você não se importa, quem sou eu para ficar dando pitaco no seu namoro, Lil…

— É claro que me importo!

Lily largou o celular e encarou Mary, numa mescla de chateação, insegurança e confusão.

— Me importo sim. - repetiu, sentindo o quanto estava incomodada.

— É que me incomoda que James não assuma o controle da situação e admita que esteve com você… quer dizer, qual o problema?! - pontuou ela, gesticulando levemente indignada. - Ele não pode ser, tipo, preso por namorar alguém comum.

“Mas eu posso ser presa” pensou Lily, ficando cada vez mais chateada.

— É mais complicado, May… James tem um monte de protocolos, e coisa e tal.

— Mas não é complicado só para ele. James está esquecendo que é de você que as pessoas vão ficar falando, na rua. Nas aulas. Você vai ser o foco da fofoca, simplesmente porque ele está sendo covarde de não assumir as coisas.

— Não sei se é assim… - Lily poderou, pensando que Mary tinha certa razão. 

Era como se James estivesse resolvendo apenas o lado dele da situação. Livrando seu título de problemas, e aplacando a raiva da Rainha, esquecendo-se que Lily era quem seria escrachada e ridicularizada após aquela exposição midiática.

Por outro lado, havia as ameaças de processo por falsidade ideológica, e isso Lily não poderia lidar sozinha, então não era como se as atitudes de James não estivessem ajudando-a em nada.

— Você se incomoda, Lily? - perguntou Mary. - Você se incomoda com o jeito com que James está resolvendo tudo? Porque eu ficaria muito puta de ganhar flores do Benjy para não ficar mal, e depois não ser assumida. - Benjy fez uma negativa com a cabeça, tentando brincar com o clima. - Mas não adianta eu me chatear… quem namora com James é você.

Lily pensou durante um tempo antes de responder, incerta sobre como se sentia naquele furacão que estava sendo estar na mídia.

— Um pouco. É, acho que sim.

— Então eu acho que você devia conversar com James e decidir o que vão fazer. Juntos.

***

— Eu juro que queria ter ligado antes, Lil… mas você não tem ideia de como foi aqui. - confessou James logo que ela atendeu a chamada.

— Tudo bem.

— Esse tom não parece de ‘tudo bem’… como você está, meu amor? Um pouquinho menos ansiosa?

— Acho que sim. Mary e Alice estão comigo.

— Eu queria estar aí. - ele acrescentou, com uma voz macia e atenciosa que fazia parte da apatia e ansiedade de Lily dissolverem. - Eu queria poder resolver tudo aqui logo para voltar para Cambridge e cuidar de você.

— Falando em resolver… como foi? Você não contou nada…

— Ah. - James suspirou cansado. - Foi uma merda, mas agora está menos pior. Quando eu cheguei, minha avó ainda não tinha lido nada, então fizemos uma reunião de emergência. Claro que tudo explodiu até a hora do café, mas… enfim, não quero preocupar você. Como eu disse, eu precisava de um tempinho para resolver tudo.

— Não está me preocupando… mas eu quero saber, James. É sobre mim, também. - Lily reclamou, e seu tom foi perceptível.

— Certo.

— É que já é a segunda vez que você está tomando as decisões sozinho. Sobre coisas do nosso relacionamento. - ela continuou, irritando-se.

— Bom, mas no final sou eu quem posso resolver as coisas, então…

— Continua sendo errado que você decida sozinho! Afeta a nós dois, James. - insistiu Lily, interrompendo-o. - Olha só essa confusão… eu avisei, meses atrás! Avisei que ia dar errado.

— Não está dando nada errado, Lil. Só uma pequena intercorrência inesperada. - ele riu, embora Lily não tenha achado graça na ironia.

— Você não disse que estava comigo.

— Também não disse que não estava.

— Não é exatamente falar a verdade, isso. Não é exatamente assumir.

— Lil… - ele disse, fazendo uma pausa longa para respirar fundo. - Você sabe de tudo que está em jogo, sabe que temos um plano. Achei que você tivesse pedido para que eu não expusesse você!

— Bom, eu já fui exposta! - ironizou ela, deixando transparecer a chateação que Mary a fizera perceber que sentia. - Não é como se minha cara não estivesse em sites de fofoca, rindo para você como uma idiota.

— Ei! Pare com isso, não fale assim de você.

— É como eu me sinto, James! Você simplesmente mentiu, de novo! Está mentindo para sua avó, que literalmente pode me processar, está usando o Parlamento... 

— Você está exagerando, porque está ansiosa. - ele comentou, com a voz deixando claro que estava ficando irritado. 

— Não estou, não! - a voz de Lily subiu uma oitava.

Nenhum deles disse coisa alguma por um tempo. Sabiam que era extremamente raro que discutissem, e, dessa vez, não era por alguma bobagem sem necessidade. Era sobre algo sério, e os dois percebiam que estavam muito perto de cruzar a tênue linha de discussão e briga, de maneira que respiraram fundo e tentaram segurar seus ímpetos, mágoas e frustrações das últimas vinte e quatro horas.

— Lil… eu não quero brigar. - começou ele.

— Eu também não.

— Escuta, eu sinto muito. De verdade. Sinto muito que tudo isso esteja acontecendo, que tenha exposto você… eu não quero que você sofra, Lil. E sei que é isso que está acontecendo agora, mas eu juro que estou tentando dar um jeito nas coisas.

— Eu sei. - ela fechou os olhos, sentindo-se extremamente cansada daquela situação.

— Você sabe que temos um plano, sabe onde queremos chegar com as coisas… como vamos lidar com tudo até que eu possa assumir nosso namoro. Não sabe?

— Sei, James. É só que é cansativo, e eu não tive muita escolha.

— E eu tive? - ele perguntou, ácido, e Lily sentiu uma bola amarga de indignação e culpa, simultâneas, sufocar no fundo da garganta.

Tantas coisas que ela gostaria de retrucar.

— Eu suponho que não.

— Sei que é difícil, Lil. É péssimo para mim também! Só estou tentando proteger você, evitar que as coisas saiam do controle. - ele respirou fundo. - Tá sendo muito estressante aqui, querida. Minha vó está fazendo um inferno da minha vida. Emmeline chega hoje de noite, e vamosi ter um zilhão de coisas na agenda amanhã, para mostrar que está tudo bem entre a gente.

Lily quis rir com a ironia. A namorada falsa (supostamente, já que aquela altura Lily já estava criando uma aversão à garota espanhola) vinha para fazer parecer que estava tudo bem no relacionamento, enquanto a verdadeira se viraria sozinha com os boatos e as fofocas no Campus.

— Ah. Legal.

— Lil… não faz assim.

— James! Eu não tenho nem o direito de ficar puta, agora?! Emmeline vindo da Espanha, sério?!

— É um namoro falso, Lily! Minha avó quem dita as regras, e se eu precisar fingir que estou adorando, eu vou fingir! Se isso vai fazer ela largar do seu pé e esquecer que a gente foi exposto como um casal na imprensa, então eu vou, sorrindo, desfilar por aí com a Emme.

— Emme?

— Por favor, Lily. - ele pediu, cansado. Lily suspirou com raiva. - Estou fazendo tudo isso pela gente, por você. Você sabe que eu amo você, Lil. - Lily foi incapaz de falar mais algo. - Gostou das flores?

— São lindas.

— Fui eu quem escolhi. Cada uma. Pensando em você.

Lily estava disposta a chorar de ansiedade em silêncio, mas seu nariz entupiu e ela fungou.

— Eu me odeio por fazer você chorar. Juro que vou dar um jeito, meu amor. Juro. Você confia em mim?

Ela murmurou que sim, e por mais algum tempo eles ficaram em ligação, falando amenidades e tentando trazer alguma normalidade para aquele namoro que tinha sido arremessado contra a realidade da diferença de vidas que eles viviam. 

***

Ao meio dia de segunda-feira, Lily já havia recebido ao menos uma centena de olhares nada discretos, comentários que as pessoas julgavam serem em baixo tom, e sido parada algumas vezes para responder se ela, realmente, “A Evans”.

Estava sendo um inferno.

Suas redes sociais estavam abarrotadas de solicitações, marcações em fotos e em comentários, e seu nome tinha virado uma hashtag ‘trending topic’ no sábado, que não havia parado, ainda, de receber uma centena de posts por dia, ao menos. Seus familiares tinham desistido de fazer contato e, por mensagem, a Sra. Evans dissera que tinha satisfeito a curiosidade dos parentes com uma história sobre um mal entendido.

Depois da vigésima pergunta do dia, Lily já estava de saco cheio, completamente cansada de ficar dando satisfações, e com vontade de ser muito estúpida com cada um que tentasse uma nova gracinha.

— Estou tão perto de gastar o meu réu primário! - ela confessou para Alice e Mary na hora do almoço, enquanto desembrulhava seu sanduíche.

— Você está se saindo super bem, Lily. - motivou Alice. - Super paciente e educada.

— Eu mandaria cuidarem da própria vida.

— Estou nesse mood, Mary. Estou nesse mood. - resmungou, comendo de cara fechada.

Nas aulas, ninguém tocava no assunto, mas Lily podia sentir os olhares queimando em sua nuca, o desconforto de estar sendo observada e julgada, com todos ali especulando se ela, de fato, havia beijado (ou até feito coisas a mais) com James.

Parte de Lily queria gritar que sim, que James era dela, era gostoso, beijava bem e era ótimo na cama. Que o Palácio de Buckingham era lindo, e que ela adorava ser mimada por um príncipe que cozinhava divinamente bem. E outra parte dela queria apenas se tornar invisível, ou muda, ou mandar todos se explodirem.

— E aí, Evans! Cinco minutos de fama, eim? - provocou um desconhecido do segundo ano de Legislação, reunido na frente da biblioteca com um grupinho de amigos, quando Lily passou.

Ela ignorou.

— Imagina eu com essa sorte! Nem precisava ser O James Potter, sabe… eu me contentava com um ‘condezinho’ qualquer. - comentou uma garota no corredor, fazendo as amigas rirem.

Ela ignorou, sentindo asco.

— Parece que um funcionário do Palácio sabia! E disse que eles são um trisal! - fofocavam três alunos na saída do refeitório, quando Lily foi buscar um café. Eles se calaram, constrangidos, ao vê-la, mas a secaram com olhares curiosos.

— Será que eles dormiam na mesma cama? - uma perguntou, achando que Lily não ouviria.

— Quer perguntar para mim? - ela interrompeu, arqueando a sobrancelha. A garota enrubesceu e logo saiu com os amigos.

Lily ignorou outra vez.

As coisas estavam insuportáveis de tanta especulação e malícia das fofocas. Os olhares curiosos, repreensores, julgadores, irônicos, estavam em todos os lugares, o tempo inteiro. Além de irritada, agora Lily já se sentia acuada. Era absurdamente desagradável a situação e, no entanto, ninguém parecia ligar de ficar falando sobre ela abertamente, como se não fosse um ser humano presente.

Ela suportou mais uma série dessas observações e cochichos nada discretos até a hora de ir para casa, embora no dia seguinte nada fosse acontecer diferente. Lily se perguntava quando as pessoas cansariam daquilo, quando haveria uma nova e maior fofoca que as fariam esquecer daquela nojeira midiática.

Severo não apareceu para a aula de Crise dos Modelos Econômicos Contemporâneos, e sem sua companhia habitual para discutir os textos, Lily desistiu de assistir ao debate ao final de meia hora. Sem ter lido o estudo de caso da semana, ela não entendia coisa alguma das argumentações, e sua cabeça estava cheia das coisas péssimas que tinha ouvido falarem (ou escreverem, e publicarem com milhares de hashtags) a seu respeito naquele dia. 

Sendo honesta consigo mesma, Lily queria socar algo (ou alguém), dar uns gritos e depois chorar demoradamente. Mas nem isso ela conseguiu. Parecia que o botão do choro havia sido desativado temporariamente, porque apesar de estar terrivelmente ansiosa, devorando doces a todo vapor, extremamente magoada, e no limite de estresse com aquilo tudo, Lily não conseguia sair da apatia.

Ela estava desesperadamente com vontade de chorar, mas era como se a angústia e a frustração a impedissem. Como se seus olhos não tivessem água. Era como aqueles gritos que ficam presos, sufocados nas cordas vocais, sem sair.

— Olha só, se não é A Evans! - comentou um rapaz razoavelmente forte, de cabelos escuros que andava com outro no corredor do departamento de Economia.

— Olha só, se não é outro idiota que não me conhece e vai encher meu saco! - retrucou revirando os olhos, ignorando-os e continuando a ir embora.

— O que tem de gostosa, tem de mal educada, não é Avery. - riu-se o rapaz, cutucando o amigo.

— Por isso que Potter pega no sigilo. Imagina essa língua afiada falando com a Rainha. - continuou o tal Avery, que tinha o rosto macilento e anguloso.

Ela ignorou outra vez, sentindo o sangue esquentar. O primeiro rapaz gargalhou.

— Não me daria uma chance não, boneca? Ou só escolhe pelo título?

— Ouvi dizer que só de Conde para cima, Mulciber. - provocou Avery.

— E eu ouvi dizer que vão à merda, vocês dois! - ela virou-se para gritar com eles, furiosa. - Porra, me deixem em paz! Assediadores!

A uma quadra de casa, quando a raiva tinha diminuído, Lily agradeceu que os rapazes não tivessem tido outra reação além de rir, porque ela estava sozinha e poderia ter sido pior. À irritação seguiu outro pico de cansaço e apatia, trazendo de volta a angústia e o choro preso.

James ligou naquela noite, contou que Emmeline fora embora pela manhã, e que tudo estava melhor, ao menos a imprensa já parecia ter largado o assunto de mão. A assessoria de imprensa de James avaliava com saldo positivo a reação popular às aparições dele e de Emmeline, e até mesmo a Rainha parecia mais calma.

Ele confessou que ela o havia colocado contra a parede, insistido e sido incisiva, mas que depois da vinda de Emmeline, parecera relaxar e deixar Lily de lado. James continuava a tratar tudo, com a avó, como um grande mal entendido da mídia, sem, no entanto, negar estar com Lily.

No fundo, Lily sentia que aquilo era um problema. Sentia que a Rainha devia saber que James estava blefando, e era disso que tinha medo. Sabia que James não estava sendo cem por cento honesto com tudo que estava contando, e que devia haver mais confusões por debaixo dos panos.

Mas Lily também estava muito ansiosa, frustrada e exausta para ter energia de insistir e perguntar mais alguma coisa. 

— Eu devo voltar para Cambridge amanhã de tarde. Vou resolver uns últimos compromissos aqui pela manhã e depois pego estrada… podemos jantar juntos, conversar. Que acha?

— Parece até de mentira, depois dos últimos dias. - ela confessou, sem a intenção de ser engraçada, mas acabou rindo de seu próprio drama.

Não que fosse sem razão.

— A poeira maior está baixando, Lil… podemos relaxar agora. - ele a acalentou.

— Temos muita coisa pra conversar, James…

— Eu sei. E vamos fazer isso, com calma. Tudo bem? - ela assentiu. - Boa noite, meu amor. Tenha bons sonhos, tenta descansar… as coisas estão passando, e vai ficar tudo bem.

Lily conseguia sentir James mascarando que também estava ansioso, frustrado e, provavelmente, exausto.

— Boa noite, Jay. Amo você.

— Eu amo você. - ela quase pode ouvir a piscadinha que ele deu, e visualizou-o atrapalhando os cabelos e ajustando os óculos no nariz.

Ela estava desgastada, e, ao mesmo tempo, se doendo pelo tanto que amava James e temia perdê-lo. Ignorou todas as coisas maldosas que sabia que encontraria se acessasse suas redes sociais, porque sabia que surtaria outra vez, como estava sendo em todas as noites até ali, e novamente não conseguiria cuidar de sua vida acadêmica, àquela altura consideravelmente bagunçada.

Havia muitos trabalhos atrasados, assim como leituras e anotações. Seu caso criminal não estava nem na metade de ser estudado para a discussão da semana que vem, e havia resenhas e artigos se acumulando. Seu quarto estava caótico, tudo tinha sido postergado, e, naquela noite, por mais uma vez, Lily não teve energia para organizar coisa alguma. Apenas se deitou, com uma barrinha de proteína e um copo d’água na mesa de cabeceira, e ficou esperando passar a espiral de pensamentos rápidos e viciosos, aguardando o sono que ela sentia que precisava.

Às vezes, namorar James Potter - e todo o pacote de coisas que vinham junto com isso -  era exaustivo, e se Lily fosse sincera consigo mesma, desde setembro piorara drasticamente. Se ela não o amasse tanto, achava que, pelo bem de sua saúde mental, desistiria.

Mas não gostava de pensar naquilo, embora esses pensamentos rondassem sua cabeça com frequência ultimamente, principalmente em dias ansiosos como aqueles. Ela só queria uma noite de sono e sossego. 

Quarta-feira precisava amanhecer um dia tranquilo ou ela achava que surtaria.


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Notas finais do capítulo

Eu avisei que o caos estava vindo.
Feliz Ano Novo, que 2021 seja um ano mais leve e de muita saúde para todo mundo. Se cuidem, e não aglomerem! Espero vocês nos comentários, beijoooos ❤❤

Ah! Quem quiser bater papo, estou pelo twitter, e meu novo @ é @prongsstan ❤



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