God save the Prince escrita por Fanfictioner


Capítulo 14
Paella, Príncipes, Problemas


Notas iniciais do capítulo

O bom filho à casa torna, e finalmente cá estou reassumindo os compromissos com GSTP!
Estamos a menos de 50 leitores de atingir os 4k de views, e eu simplesmente não sei dizer o quanto eu fico chocada com isso. Obrigada demais, de verdade, a todo mundo que acompanha a fic, eu sou apaixonada pelos comentários fofos de vocês!
Falando nisso, continuamos a ter muitos fantasminhas por aqui e, apesar de ser Halloween (humor&piadas), eu vou adorar interagir com vocês! Leitores novos, não se acanhem, podem comentar sem medo!
Também estou pelo twitter (@morgana_botelho), vamos amigar por lá!

Como especial de Halloween, deixei de presente uma cena final que devia aparecer só no capítulo que vem... mas vou deixar vocês sentirem o caos. Espero que se divirtam! Boa leitura!



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 - Você ia adorar Madrid! - James comentou animado na primeira chamada de vídeo que fez com Lily após chegar na Espanha.

— Ah, é? - ela riu. - Já comeu muita Paella, Alteza? 

— Paella não, mas comi peixe… pescado, é como eles chamam aqui. E uma sopa fria de tomate deliciosa! Sirius achou tudo muito apimentado.

— Nada supera um bom yorkshire pudding. - Sirius apareceu na chamada de vídeo, empurrando James para o lado. - Como vai, ruiva? Muito trabalho salvando o mundo aí?

Lily achou graça, porque apesar de eles serem as autoridades políticas, de fato era ela quem estava cheia de obrigações naquela semana. Ela, Dédalo e outras três pessoas compunham uma equipe de trabalho, e precisavam concluir o conteúdo final da pesquisa que tinham desenvolvido até ali e, no caso deles, a área de estudo tinha sido a inserção dos refugiados na comunidade.

— Um bocadinho. - sorriu. - Estamos concluindo o artigo, e eu e Dédalo ficamos responsáveis pelo plano de ação, então está sendo meio corrido para fundamentar toda a proposta… mas vai dar certo.

— Claro que vai. Você tinha que estar aqui, Marlene foi fazer compras sozinha com tia Euph…

— E você podia me deixar sozinho com a Lily um momento, não acha, Almofadinhas?

Sirius encarou James com uma expressão divertida, mesclando sarcasmo e implicância, e então atrapalhou os cabelos do irmão/primo.

— Cuidado com o vazamento de nudes na internet e, por favor, não gemam alto porque eu estou no quarto ao lado aqui no palácio, e sou uma criança inocente. E eu não vou enrolar ninguém se você se atrasar para o jantar, Pontas. - comentou antes de sair do quarto, rindo.

Lily riu, as orelhas ficando vermelhas, enquanto James coçava a nuca, constrangido.

— Ele está na seca com o Remo há mais tempo que a gente, vamos relevar, né? - James implicou de volta e Lily caiu na gargalhada. - Mas sério, está tudo bem por aí? Você precisa de alguma ajuda, alguma coisa específica?

— Está tudo bem, James… sério. Só está corrido, e estou cansada. Mas está tudo bem…

— A partir de amanhã também vai estar meio corrido para mim, e não sei como vamos nos falar. Vamos visitar fazendas, e eu devo ficar sem sinal o dia todo, quase.

Não era como se fosse novidade a agenda de um deles estar lotada, Lily já era muito bem adaptada a essa realidade de muitos compromissos constantemente, e às vezes até gostava disso, porque achava que teria enjoado muito rápido de James se fossem tão grudentos quanto Alice e Frank costumavam ser. O ponto todo era que, de alguma forma, quando aconteciam essas viagens à serviço da Coroa, Lily sempre sentia que ela e James se afastavam.

Ela certamente não tinha comido pescado no almoço, nem bebido vinho de vinícolas francesas, ou saladas trufadas. Não estava usando roupas de milhares de libras, nem conversando com ministros ou visitando paisagens estonteantes da europa, e era impossível competir com a quantidade de informações incríveis e experiências interessantes que a vida da realeza poderia oferecer. 

Mais do que isso. A ciência de que nada daquilo eram experiências de James com ela. Amava saber que ele estava feliz, se divertindo, ou mesmo aprendendo algo, mas quando pensava bem, e era honesta com seus sentimentos, era bastante ruim a espécie de ciúmes que sentia do mundo e das vivências que James tinha na palma da mão, sempre longe dela.

— Não tem problema, Jay… esse artigo é realmente importante, e estou achando que vou virar umas noites para terminá-lo. A gente tenta se falar na sexta, então… pode ser? - a expressão dele não foi das melhores. - Ocupado?

— Vai ser um baile, uma gala… sei lá, o evento chique que a gente veio para participar. Mas eu dou um jeito… mais cedo, de manhã, ou de madrugada. Você apresenta seu trabalho na sexta, não é? - ela concordou. - Vou dar um jeito de falar com você, Lil... quero saber tudo desse artigo, okay?

— Okay. - respondeu, um pouco menos empolgada do que antes.

— Alguma coisa incomodando, ruivinha? - ela negou com a cabeça. - Certeza? Então tenha um ótimo resto de dia, e arrase esse artigo. Amo você, Lil.

— Amo você, Jay. - ela jogou um beijo para ele pela câmera, desligando a ligação mais cansada do que antes.

Esfregou os olhos com frustração, entrando de volta no quarto que dividia com Héstia, que alucinava com planilhas no computador, jogando-se na cama e grunhindo um resmungo.

— Problemas? - perguntou a amiga, tirando os olhos do computador por um momento.

— Cansada. - respondeu, encarando o teto branco do quarto com tédio e chateação. - Preciso de cafeína. E álcool. Quer ir comprar energético e vodca comigo?

— Por favor! Eu não aguento mais!

***

A sexta-feira de Lily começou tão cedo que ainda era, na verdade, quinta. O sono dela estava completamente desregulado porque estava indo dormir tarde, e acordando em horários variados conforme eram as orientações com os professores do estágio. A estrutura da ACNUR para aquele estágio/curso era fenomenal, e todos os materiais que as equipes requisitavam para desenvolverem seus trabalhos eram, quase sempre, disponibilizados.

Na madrugada de quinta para sexta a equipe de Lily - constituída dela, Dédalo, Caradoc Dearborn (estudante do mestrado em ciências políticas, em Birmingham), uma garota cujo nome Lily nunca lembrava (chamava-a pelo sobrenome do crachá) e Kingsley Shacklebolt, da Nova Zelândia - se reuniu em um dos salões abertos do complexo da ACNUR para ensaiar a apresentação dos dados do artigo que tinham escrito, e a proposta de intervenção que tinham planejado.

Dédalo providenciou energéticos e bebidas cafeinadas o suficiente para a madrugada, além de muito fast food de origem duvidosa, e apesar de todos eles estarem bastante cansados da rotina puxada daquela última semana, ninguém estava despreparado ou aparentando exaustão quando, após o café da manhã, cada um da equipe se retirou para os seus dormitórios para se prepararem para a apresentação.

O auditório estava completamente lotado, e quando Lily chegou, acompanhada da colega de quarto, Dédalo conversava com Dearborn, parecendo nervoso.

— O ministro está aí. - comentou, puxando Lily pelo braço no segundo em que a viu.

— Ministro? Que ministro? Temos uma primeira-ministra, Dédalo… está tudo bem. - ela disse em um risinho, tentando acalmar o amigo.

— Não, Lily. Alastor Moody, ministro do Interior… ele está aí. E a secretária de segurança internacional, a chefe do departamento de imigração e refúgio, e mais uma cacetada de gente do parlamento que veio assistir as apresentações. 

O estômago de Lily deu um nó tão complexo que ela duvidava que mesmo um escoteiro fosse capaz de desfazer. O café da manhã se revirou em suas entranhas, e no primeiro segundo que a informação lhe foi passada, Lily sentiu seu nível de oxigenação diminuir instantaneamente.

— Ah! Bom, é ótimo, não é? Pelo menos o governo está fazendo alguma coisa… - Dearborn a olhou como se ela fosse insana, como se sugerisse explodir o V&A. - São só pessoas, gente… não vai mudar nada. Vamos apresentar e é isso. Vou pegar uma água, só um instantinho.

De alguma coisa tinha servido todo aquele fingimento na presença da rainha, porque Lily tinha sido capaz de esboçar serenidade a despeito de todo o precipício de desespero que crescia dentro das ideias dela, indo buscar uma das garrafinhas de água dispostas sobre a mesa de entrada. 

Ao contrário de Héstia, que tagarelou até sua equipe ir se organizar no palco, Lily ficou calada como uma monja, com o olhar quase frio de tão impassível. De fato, todos os trabalhos tinham um altíssimo nível, e as áreas de estudo abordadas eram tão vastas que não havia qualquer conteúdo que não parecesse relevante ou digno da atenção de Lily.

As pernas de Lily amoleceram como geleia quando sua equipe foi chamada, e ela sentiu aquele momento catastrófico de pensar em si mesma dando um berro no microfone, ou travando, muda, incapaz de falar coisa alguma para todas aquelas pessoas na plateia. Respirando fundo algumas vezes, e pensando em tudo que experienciara naquele estágio até ali, reuniu coragem o suficiente para tomar o microfone antes dos colegas.

— Muito boa tarde a todos os presentes, colegas, professores e demais convidados. Eu me chamo Lily Evans, sou acadêmica de Legislação da Universidade de Cambridge, e junto com minha equipe, estou responsável pelo recorte de “inserção na comunidade”, do eixo temático Práticas Sociais. - iniciou, sorrindo e falando pausadamente como aprendera, as mãos tremelicando. - Nosso estudo se constitui de um artigo, e uma proposta de ação, e esperamos que seja uma apresentação proveitosa.

Quando Kingsley recebeu o microfone das mãos de Lily, ela achou que fosse se dissolver no carpete. O resto da apresentação foi incrivelmente tranquilo, e passado o susto inicial, Lily achou muito mais fácil tomar o local de atenção na apresentação, respondendo às perguntas dos colegas.

Sentia-se em uma mescla de êxtase e surpresa consigo mesma por ter concluído o estágio, e quando sentou-se ao lado de Héstia, quase deu um gritinho afetado de alívio quando a amiga comentou:

— É injusto você ser tão perfeita em tudo, sabia? 

Ela ainda teve de assistir alguns trabalhos antes da mostra acabar. Havia muitas pessoas com quem conversar, apresentações a parabenizar, e colegas de quem se despedir, e Lily se entreteu tanto nesses afazeres coloquiais que não observou quando o Ministro do Interior se aproximou.

— Senhorita Evans? - ela sentiu o corpo inteiro enrijecendo com a presença austera do ministro. - Alastor Moody, Ministro do Interior. Uma palavrinha? 

Os colegas com quem Lily falava observaram a cena com surpresa, e ela engoliu em seco, atordoada, acompanhando os dois membros do governo para um pouco mais ao lado. Moody estendeu a mão para um cumprimento, mantendo a mesma expressão nada amigável de antes, e apoiando no antebraço a bengala que usava.

— Essa é Dolores Umbridge, chefe do departamento de imigração e refúgio.

Dolores era rosa demais, e seu rosto lembrava Lily vagamente de um sapo cururu, mas a surrealidade da ocasião a impediu de sentir vontade de rir quando a voz excessivamente doce e forçada da mulher acompanhou um aperto de mão frouxo.

— Olá, querida. Primeiramente, meus parabéns pela excelente apresentação… é tão gratificante podermos ver jovens como a senhorita serem tão engajados em causas humanitárias. 

Lily não tinha ideia do objetivo da conversa, mas assentia, sorrindo amigavelmente, e respondendo com paciência e interesse todas as perguntas da chefe de departamento.

— Estamos vindo falar com a senhorita, Srta. Evans, porque acreditamos em seu potencial. - a mulher continuou, sorrindo com afetação. - A senhorita disse que atende à Cambridge?

— Exato, exato. Sou concluinte de Legislação. - explicou, ajustando a postura de maneira inconsciente, o coração batendo tão depressa que chegava a doer.

— Gostei dessa altivez. Primeiro estágio na área? - perguntou o ministro, curto e direto. 

— Sim, senhor. Mas pesquiso o tema desde o primeiro ano de faculdade, e faço parte da liga acadêmica, onde discutimos algumas pautas relacionadas… revisamos a lei de pedido de asilo, e os decretos desde a crise de 2015, senhor. 

Ela não tinha ideia se aquela era uma das conversas em que se esperava que ela se adiantasse e falasse mais, ou ficasse quieta e só respondesse ao perguntado. Ela nem mesmo entendia de onde os dois tinham surgido, e podia sentir sua camisa de botão úmida debaixo dos braços.

Umbridge continuou sorrindo do mesmo jeito, e Lily começou a se sentir intimidada, como se a mulher fosse se transfigurar em um dos monstros de Alien, o 8º passageiro.

— Minha pasta teria satisfação em receber seu currículo quando obtiver o diploma, Evans. 

Lily sentiu o momento em que a maior parte de seu sangue esvaiu-se do rosto, deixando-a da cor exata de sua camiseta. Ela salvou a parte que restou de sua dignidade engolindo em seco e piscando duas vezes antes de ordenar seu léxico vasto em uma fala cheia de complexidade.

— Senhor?

— Você a intimidou, Alastor. - o risinho enjoativo de Umbridge foi humilhante. - Srta. Evans, imagino que saiba que os cargos do gabinete são escolhidos pelo próprio ministro… e é claro que esse é só um convite informal, e que seu currículo será avaliado antes, para assegurar seu mérito próprio pela vaga. Seria mutuamente enriquecedor, se a senhorita tiver interesse em trabalhar no Departamento de Imigração e Refúgio.

Uma proposta de emprego. Com seu currículo a ser avaliado, escrutinado, e envolvendo trabalhar diretamente ligada ao governo. Parecia um universo de fantasia.

— Eu… - ela agitou a cabeça e organizou o cabelo que caía pelo rosto. - Eu estou literalmente sem palavras. E extremamente agradecida e lisonjeada. - acrescentou depressa com receio de estar sendo rude. 

Deixou um risinho de incredulidade escapar, e, por um mísero segundo, pareceu a ela que o ministro tinha torcido os lábios em um princípio de sorriso.

— Com certeza eu tenho interesse, e pensarei com… atenção e cuidado na proposta, e será um prazer encaminhar meu currículo ao gabinete, senhor. - ela sorriu para Moody, que concordou com a cabeça, puxando a bengala do braço.

— Bem, senhorita, então é i-

Moody foi interrompido pela chegada de um funcionário da ACNUR que apareceu repentinamente, usando um terno e carregando um buquê de girassóis, margaridas brancas e crisântemos alaranjados.

— Senhorita Lily Evans? - perguntou, e Lily sentiu as orelhas queimarem de vergonha e espanto.

— Sou eu. - a voz mal saiu, rouca de embaraço ao receber a entrega. - Obrigada.

Moody e Umbridge ainda estavam a seu lado, encarando-a com curiosidade, e havia um cartão colocado em meio às flores.

“À minha legisladora preferida, e à mudança luminosa que você fará no mundo (espero que entenda a referência aos girassóis). Estou morto de orgulhoso, sei que foi incrível. Com saudades, SAR JP.”

Ela revirou os olhos e quis rir, porque, mais uma vez, James estava ali, levantando standards altos demais para um mero mortal poder eventualmente competir contra, algum dia, e Lily jamais diria que não adorava aquilo. Sentiu-se mortificada ao notar que seu sorriso bobo apaixonado estava sendo evidente ao ministro que desejava lhe empregar, e sentindo o sangue se concentrar em suas bochechas, ela retomou a atenção.

— Perdão, eu não… eu fui pega de surpresa. O senhor falava, Ministro? - Moody fez um gesto impaciente e Umbridge sorriu com alguma afetação.

— Não, querida, não se preocupe… também já estamos de saída, vamos deixá-la aproveitar a comemoração. Obrigada por sua educação, Srta. Evans.

— Eu quem agrade-

— Tchauzinho. - ela acenou, interrompendo Lily e saindo em seguida. Moody resmungou alguma despedida em um forte sotaque escocês e tocou educadamente sua cartola, remetendo Lily, estranhamente, a Churchill.

— O que. Aconteceu. Aqui? - perguntou Héstia com afetação, vindo correndo na direção de Lily no segundo em que ela ficou livre. 

— Eu ganhei flores. - respondeu, ainda catatônica. 

— Do boy? - Dédalo insistiu, chegando junto acompanhado de Dearborn, que tinha a mão em seu ombro. Lily assentiu e ele deu um gritinho afetado. - Você tem que ver o boy de Lily, ele é um Deus! Mostra, Lily!

— Esqueci o telefone no quarto. - mentiu, sabendo que Caradoc reconheceria James facilmente. - Mas é, eu ganhei flores… - fez uma pausa dramática antes de acrescentar, quase surtando de tanto sorrir. - E acho que um emprego.

— Com o ministro? - Lily assentiu, rindo. - Vai se ferrar, Evans! Você nasceu com a bunda na lua, sua sortuda de merda!

— Eu queria sua vida, Lily! - Dédalo comentou, puxando-a para um abraço carinhoso de parabenização.

***

— Eu não aguento mais caixas. - cantarolou Mary com ironia enquanto colocava outra caixa na pilha que tinham feito na sala.

O apartamento novo estava um caos completo, com os móveis da sala postos em qualquer lugar e caixas com os nomes das três meninas espalhadas pelo local todo. Os quartos possuiam, de modo padrão, uma cama de solteiro, uma escrivaninha, e um armário de duas portas para as roupas, além de muito espaço vazio, e apesar de agora Lily, Alice e Mary terem que dividir o único banheiro da casa entre as três, aquele lugar parecia muito mais agradável que o anterior.

Tinham passado a manhã toda daquela terça-feira subindo pertences pelas escadas estreitas, enquanto Frank e Peter, acompanhados de um amigo dele, ajudavam a içar móveis como sofás e cadeiras pela janela da sala com cordas grossas.

— Só mais sete caixas, e os vasos de planta, Mary… vamos conseguir. - disse Lily em um tom motivacional, amarrando os cabelos ruivos no topo da cabeça.

Apesar de já ser setembro, o sol ainda estava fazendo seu papel, tornando Cambridge uma sauna. Frank estava jogado sobre o sofá, com os cabelos empastados de suor e as bochechas vermelhas pelo esforço, enquanto Peter vinha da cozinha com um copo de água, a única coisa que havia na geladeira delas até então.

— Você consegue, May. - ele beijou a testa suada de Mary e Lily fingiu vomitar, rindo. - Eu vou me lembrar disso quando James voltar, Lily…

Ela riu sem muito humor, sentindo uma pontada meio incômoda por pensar em James. Fazia muitos dias desde que tinham se falado pela última vez. Na sexta, além do buquê de flores, James enviara fotos dele com Sirius e Marlene no evento do Rei da Espanha. Os três rindo e bebendo, uma foto séria com as famílias reais, ele ladeado por Marlene e uma outra garota, de cabelos louro-acobreados, e dele sozinho, uma selfie no espelho.

O jeito como o terno marcou as curvas certas de James fez o corpo de Lily queimar de desejo ao pensar nos dois juntos, o cabelo impossivelmente despenteado, convidativo a receber a imersão dos dedos de Lily em um cafuné, ou um puxão durante um beijo. Mas ela sequer pode confessar a ele seus pensamentos completamente impuros, ou toda a série de ideias do que fazer com James da próxima vez que se vissem.

Porque James simplesmente nunca estava disponível. No sábado ele avisou que estava cheio de saudade, e queria saber da apresentação do artigo, e esperava que ela tivesse gostado das flores e feito boa viagem até em casa, mas estaria ocupado o dia todo. No domingo ele passou o dia em um evento da Igreja Católica da Espanha, e não pode conversar, e na segunda ele mandou um áudio pedindo desculpas, e que estava viajando para uma fazenda de produtores de milho, prometendo ligar na terça-feira de noite.

— Quantos livros vocês trouxeram, afinal? - perguntou Benjy Fenwick, o amigo de Peter que todas tinham acabado de conhecer, enquanto entrava na sala com duas caixas e uma cara nítida de esforço excessivo.

Lily riu.

— Só o necessário, Benjy. - pegando uma das caixas dos braços dele. - Agora são só cinco, vamos Alice!

Benjy havia conhecido Peter no verão anterior, durante um curso na universidade, mas só haviam se aproximado naquelas férias, novamente fazendo cursos juntos. O garoto fazia comunicação social em outro campus, e era corpulento de uma maneira muito proporcional e forte, fazendo dele a ajuda perfeita para uma mudança.

O humor de Benjy logo se mostrou do tipo exato que Lily adorava, e Alice achou o jeitinho educadamente tímido dele uma graça, de maneira que Benjy foi imediatamente adotado para o grupinho de amigos.

— Vamos, quem trouxer a última caixa paga uma rodada de batata frita no Três Vassouras para todo mundo! - ele brincou, sacudindo Alice pelos ombros, fazendo Frank se levantar em um pulo.

— Opa! Não serei eu, eim? - descendo as escadas na frente de todos.

James realmente ligou naquela noite, segurando um desenho com uma carinha triste como pedido de desculpas, fazendo Lily rir da infantilidade dele. O cabelo de James estava úmido depois do banho, e durante algum tempo Lily até mesmo esqueceu que estava magoada pela ausência e distância de James, porque ele estava tão excepcionalmente atraente, descamisado. 

As curvas todas dos sorrisos dele provocando aquela vontade de refletir o gesto, o jeito como Lily podia imaginar o cheiro que James exalava naquele momento, a imagem dele no terno da semana anterior. A conversa fluiu com a naturalidade de sempre, justamente porque James sabia desarmar a chateação de Lily com humor, e eles estavam há tanto tempo na ligação que Lily precisou conectar o carregador no celular.

— Estou com saudade. - ele disse, a expressão suave e os lábios convidativos.

— Eu também. - Lily mordiscou a boca, em um gesto de nervosismo. - Com tanta saudade que estou ficando idiota, mas preciso perguntar, Jay.

— Nada que venha de você pode ser idiota, Lil. - ele riu. - Manda ver, pergunta.

— Quem é a garota da foto que você mandou? - ela sentiu o rosto arder em chamas quando se ouviu falando aquilo.

Lily detestava ciúmes, achava mesmo idiota, mas andava tendo tão pouco tempo e espaço com James, sempre em circunstâncias tão rápidas e sem intimidade, que estava sentindo insegurança pela primeira vez.

— No evento, sexta? - James deitou-se na cama de onde estava hospedado, apoiando a cabeça preguiçosamente em uma das mãos. - Princesa Emmeline, primeira filha do Rei Filipe, herdeira do trono. Vinte anos, não tenho ideia do que faça da vida, mas é uma pessoa bastante razoável, apesar de meio deslumbrada. O que mais quer saber?

— Ela parece bem bonita.

— Ah, sim. Ela é. - e no segundo exato que disse, James percebeu que fora a resposta errada a ser dita. - Espera, você está constatando algo, ou demonstrando uma insegurança? Porque eu acho que acabei de ser meio babaca aqui, né?

Lily achou graça do jeito com que James a entendia facilmente, e até mesmo se sentiu meio idiota por ser tão transparente, embora a insegurança ainda estivesse ali, alimentada pelo ciúmes de não fazer parte das vivências de James, nem estar com ele em momentos como aquele baile, para vê-lo naqueles ternos sexys. Era como se Lily não se encaixasse cem por cento.

— É bobeira, eu disse. - desconversou, afundando-se na cama nova, a única coisa que chegara a conseguir arrumar no quarto novo, além da limpeza.

— Se incomoda você, não é bobeira.

Houve um momento de silêncio antes de James continuar.

— Sabe que eu nunca faria qualquer coisa com você, né? Que eu não trairia sua confiança… merda, é exatamente isso que alguém que acabou de trair a confiança do outro diria. - ela percebeu o tom jocoso e riu, principalmente porque o olhar de James para ela era apaixonado demais para essa dúvida se manter.

— Eu sei… é só… bem, não é nada. Eu só estou com ciúmes porque ela pode ter sua companhia, e eu não. E porque ela é bonita, e princesa… 

— Espera aí! Eu ouvi direito? Lily, a antimonarquista, a versão feminina de Robespierre, - Lily deu uma gargalhada alta. -  a maior hater da rainha da Inglaterra, além de ser uma hipócrita sedutora de príncipes herdeiros, agora também inveja princesas?

Lily estava muito ocupada rindo para responder, e James tomou seu tempo para observá-la feliz, espontânea, sentindo fisicamente a ausência dela. 

— Vai se foder!

— Com você? A qualquer hora… sinto falta disso, inclusive. - ele brincou, fazendo Lily corar. Depois de uma pausa, ele acrescentou. - Só mais uns diazinhos e eu estarei de volta. Vamos sair daqui na quinta de noite, e Cambridge recebe minha ilustre figura na sexta de tarde.

— E eu recebo sua ilustre pessoa, meus ilustres beijos, e um ilustre reencontro para matar as saudades quando, mesmo? - ela debochou, sorrindo com malícia.

James mordeu o lábio, mexido pelo nada inocente convite de Lily, e a encarou intensamente em um flerte descarado e de alto teor sexual, de maneira que precisou limpar a garganta antes de falar.

— As coisas que você faz passar pela minha cabeça, Evans… - ela riu, fingindo inocência. - Vou pedir um passe livre para o Pete, e deixar o Frank saber que você não estará em casa… organizando direitinho, todo mundo janta romântico e transa tranquilo.

Lily soltou outra gargalhada alta, e James agradeceu que isso desviasse sua atenção da energia concentrada em sua virilha naquele momento.

— Você é impossível, Potter!

— Eu me esforço. - piscou, trocando o braço de apoio na cama.

— Estou muito cansada, e amanhã vai ser um dia longo. - Lily comentou, olhando a bagunça de caixas em seu quarto. - Talvez eu devesse ir…

— Talvez.

— Talvez. - ela repetiu, encarando James com um sorriso que sabia que era bobo. - Nos falamos amanhã?

— Mesma hora, mesmo batcanal… - ele sorriu. - Boa noite, amor.

— Amo você, Jay.  

***

Cinco de setembro era um dia historicamente marcante, embora Lily estivesse longe de estar pensando naquilo quando acordou. 

Alguns cincos de setembro famosos que ela conhecia envolviam:

A proclamação dos Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, por Olympe de Gouge, na França, em 1791;

O começo do Reinado do Terror, em 1793, durante a Revolução Francesa;

O início da primeira batalha do Marne, na Primeira Guerra;

A criação da Benelux, o tratado econômico entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo, em 1944;

O nascimento de Freddie Mercury, em 1946.

Também tinha sido o dia da morte da última esposa de Henrique VIII, e do filósofo Augusto Comte, mas Lily achava esses fatos irrelevantes. O que não seria nada irrelevante era o que viria a acontecer naquele mesmo dia, fazendo a lista de Lily ser acrescida de um item pessoal de extrema relevância.

O fuso horário de Madrid era uma hora avançado em relação ao de Cambridge, de maneira que já havia mensagens de “bom dia” de James quando ela acordou, pouco depois da oito da manhã, além de uma selfie dele com Sirius, fazendo caretas.

A manhã foi absolutamente proveitosa, e após um café da manhã muito bom que Frank comprara para todos na padaria a três ruas dali. Eles trabalharam em conjunto e atacaram a cozinha, colocando utensílios nos armários e mantimentos em potes, além de instalarem uma prateleira e organizarem o armário de produtos de limpeza. Mary se encarregou de lavar o único banheiro da casa e Lily se voluntariou para fazer as compras de mercado para o almoço.

No começo da tarde estavam os quatro jogados na desordem que ainda era a sala, criando coragem para montarem a estante para livros e televisão, para que finalmente pudessem organizar tudo. Lily dava alguma atenção a seu celular e suas redes sociais, esquecidas desde a noite anterior.

Sirius tinha acabado de enviar uma foto de sua mão em um gesto obsceno para as costas de James, que andava a sua frente no que parecia um corredor suntuoso do palácio do Rei da Espanha, legendada como “Tony Stark e Steve Rogers à caminho da sala do Nick Fury para uma reunião”

“E quem é quem?” ela respondeu, acrescentando risinhos.

“É claro que eu sou o Rogers, com a bunda durinha. O Pontas pode ficar com o ego e os óculos do Stark. E a vó é o Fury.” Lily deu uma boa gargalhada.

“Reunião com a rainha não me parece muito animador.”

“Não deve ser nada… mas ela gosta de atormentar. A gente deixa porque ela é velha.” 

Lily achava que alguns emojis eram uma resposta suficiente, e mesmo que Sirius continuasse online, ela decidiu que já havia procrastinado demais para continuar no celular.

— Anda, Alice, vamos montar esse armário. - ela resmungou, cutucando Alice com o pé e fazendo Mary rir.

— Vai começando… já estou indo.

Sem se abalar, Lily forçou Mary a ajudá-la a desempacotar a estante nova que haviam comprado, e enquanto Frank separava todas as chaves específicas para a missão de montagem, Lily lia o manual para conferir tudo.

O celular dela vibrou sobre uma caixa, e instintivamente Lily olhou. Um áudio de Sirius. Sirius não costumava mandar áudios para ela, ao menos não fora do grupo de mensagens, e isso foi esquisito o bastante para fazê-la largar o manual e ir conferir o conteúdo da mensagem.

Na primeira vez que executou o áudio de quinze segundos, Lily não ouviu nada, porque o volume estava baixo demais. Ela subiu o som para o máximo e percebeu que a gravação era, na verdade, muito abafada e ruim de compreender, como se houvesse algo cobrindo o microfone. Então colocou no ouvido, com o volume no máximo, e seu coração bateu forte demais quando ela reconheceu a voz.

“Então eu pergunto, James. Quanto tempo você achou que eu levaria para me lembrar que Richard Evans não tem filhas? Que não há nenhuma Lady Lily Evans em Yorkshire?”

Era um áudio poluído, rasgado e chiado, mas Lily sabia o que estava ouvindo. E era a rainha confrontando James pela verdade. Um riso histérico se formou no fundo de sua garganta, e Lily ficou estática, sentindo a adrenalina ser injetada em seu corpo, as falanges de seus dedos esquentando, o celular ainda pregado na orelha.

— Ela sabe. A rainha sabe sobre mim e James. - comentou com a voz algumas oitavas mais alta, sentindo o coração batendo depressa demais. - Merda. Merda! Merdamerdamerdamerda.

Frank arqueou as sobrancelhas, confuso, e Mary e Alice arregalaram os olhos, incertas do que deveriam fazer numa situação como aquela. Alice se adiantou e tomou o celular da mão de Lily, que parecia em estado de choque. 

— Está tudo bem, tudo okay. Por que você não senta, Lily? - a voz suave como quem falava com uma criança. - Tenho certeza de qu-

— Por que Sirius me mandaria isso? Essa conversa está acontecendo agora, não é? Ele disse que tinha uma reu- - ela perguntou de forma retórica, subitamente tirada de seu estupor e pegando o celular de volta, andando pelo meio das caixas. - Por que ele faria isso? Ele está com James...

A conversa com Sirius ainda aberta, embora sem qualquer outra nova mensagem. Lily mandou algumas mensagens com a fonte em caixa alta, embolando as letras das palavras e escrevendo Jmaes ao invés de James, e “o aue esra acontenecdo” ao invés de “o que está acontecendo”. Embora Sirius tivesse visualizado, não dizia coisa alguma, então ela tentou ligar para ele, mas no segundo toque Sirius recusou a chamada, continuou online alguns segundos e então saiu do aplicativo.

— Merda, merda, merda! — ela espumou, amarrando os cabelos sem tirar os olhos do celular. James não estava online, e Lily sentia que seria pior ainda se tentasse falar com ele naquele momento. 

— Lily, calma. Vamos esperar James falar com você, não deve ser nada demais… - tentou Mary. - Não é como se tivesse sido jogado num jornal ou coisa do tipo. A rainha sabe, okay. E daí? Ela não pode proibir James de namorar ninguém. - Alice a olhou com uma expressão repreensiva e Frank tinha as sobrancelhas altas, num aviso de que aquilo não deveria ter sido mencionado. - Ou pode? Ela pode proibir James de namorar você, Lily?

— Eu não sei! Eu não sei, acho que na teoria não, mas na prática… meu Deus, Sirius, me atende!

Essa era uma das circunstâncias em que só restava esperar pacientemente o desenrolar das coisas, e Lily era ansiosa demais para isso. Parecia que seu coração tinha despencado para algum lugar no fundo de seu intestino, e a ideia de que a rainha sabia das mentiras deles fazia o almoço ser um bolo enjoativo em seu estômago.

Alice a fez sentar no sofá e beber uma água, e as pernas de Lily sacudiam de um jeito ritmado, batendo os pés no chão. Frank colocou músicas do Fleetwood Mac no celular para aliviar o clima péssimo de tensão

Foi quando o celular tocou.

— Alô? Alô, Sirius? - disse ela, atendendo a chamada no primeiro toque, em desespero.

— Sou eu, Lily. Marlene. Preciso que se acalme.

— Lene! Oi, oi… tá. Tá tudo bem? Porque Sirius me mando-

— Eu sei que ele mandou um áudio, e foi um acidente. Ele disse que segurou o celular com a tela desbloqueada e nem viu que estava gravando aquele áudio. Primeiro, preciso que apague aquilo

Marlene estava meio fria e prática demais, e parecia a Marlene do primeiro dia em Chelmsford. Executando um papel.

— Len-

— Eu estou falando sério, Lily. Aquilo é vazamento de dados sigilosos da Coroa. Apaga o áudio. 

Lily colocou a chamada no viva a voz e foi avisando a Marlene o passo a passo que fazia para apagar o arquivo.

— Certo. Agora vamos a parte que importa…— ela respirou fundo.— Não surte. Não ainda. Sim, o que você ouviu é sério, a rainha sabe de vocês dois, e não, ela não está feliz. Mas calma.

Era como mandar alguém ficar calmo enquanto nadava ao lado de tubarões. O coração de Lily ribombava tão acelerado no peito, e a sala estava tão quente, que ela sentia vertigens, e acabou sentando. Havia uma bizarra e nervosa vontade de rir, gargalhar, de tão desesperada que estava, mas ela se conteve, mordiscando a boca.

— Ficar calma como, Lene?

— Eu sei, eu sei… sei que é uma merda, e que você deve estar hiperventilando, surtando, sei lá. Mas calma! Eles ainda estão em reunião na sala do conselho, então vamos tentar não pensar demais… Vitória deve dar algumas condições, ou obrigar James a manter um sigilo, não sei… mas sei que ele vai dar um jeit- você está me ouvindo, Lily?

Lily tinha ficado muda na linha, mas em seu apartamento estava rindo, gargalhando em silêncio, ao ponto de sair água de seus olhos. Lily estava em um completo e desesperado colapso de nervos.

— Lily, Lily, me escuta! Você tá aí?

— Uhum. - ela gemeu baixinho, tentando conter a histeria.

— James vai dar um jeito, está bem? Não é o fim do mundo, vamos dar um jeito e resolver tud- Ah, Sirius acabou de mandar mensagem! A reunião acabou. Ele e James vão sentar na sala do conselho para conversar alguma coisa, e quando acabarem James vai ligar para você. Está tudo bem, viu? James vai ligar para você.

— Uhum.

Era como se ela não estivesse ali. Sua cabeça dava voltas e voltas, e mergulhava na voz abafada e rasgada da rainha naquele áudio que Sirius enviara, e em James tendo que mentir para a Coroa, e na possibilidade extremamente real de eles terminarem.

Marlene pacientemente guiou algumas sessões de respiração profunda pela chamada, fazendo Lily sair do estado de histeria para apenas uma crise nervosa branda. Durante algum tempo elas se falaram pela ligação e Marlene conseguiu convencer Lily a se concentrar em outras coisas até que James ligasse, e que tudo seria resolvido. Quando ela desligou, Lily viu que Mary e Frank já tinham acabado de montar a estante da sala.

— Ficou bem legal. - ela comentou com a voz suave, sentindo-se cansada.

Alice veio até ela e a abraçou, deitando a cabeça no ombro de Lily e afagando o cabelo ruivo da amiga.

— Eu fiz pudim de pão e calda de chocolate. Podemos comer agora. - ela sugeriu, com um sorriso sutil.

— Não é melhor guardar as gordices para depois que James terminar comigo?

Mary arremessou uma almofada recém desencaixotada na cabeça de Lily.

— Ele não vai terminar com você, animal! Vamos colocar um pouco de açúcar e felicidade nessa sua cara de morta e depois arrumar os livros na estante, anda! - disse Mary, puxando uma Lily, que ria leve, pela mão para fora do sofá, enquanto Frank tirava as caixas de cima das cadeiras da mesa de jantar.

Pelas três horas seguintes eles se ocuparam com a deliciosa forma de pudim que Alice tinha feito, e com decorar a estante da sala, que era muito maior do que as três tinham imaginado ao comprar. Quando os livros haviam ganhado seus devidos lugares, assim como os porta-retratos, e as suculentas de plástico de Mary, e quando Alice passou um aspirador no carpete e colocou o tapete de pelinhos na sala, o apartamento realmente parecia um lugar aconchegante.

Peter apareceu no fim da tarde, acompanhado de Benjy Fenwick, com cervejas e petiscos, para o que chamou de “inauguração da televisão da sala das meninas”, disposto a assistir o jogo do Arsenal contra o Manchester City com a namorada e o amigo. Alice e Frank saíram para comer no Três Vassouras, e Lily decidiu que era uma hora satisfatória para um banho relaxante e que a impedisse do ímpeto de ligar para James.

Acabou não sendo necessário, porque quando Lily saiu do chuveiro, de roupão e com o cabelo enrolado em uma toalha no topo da cabeça, o número de James estava chamando em seu celular. Ela não sabia precisar o que parecia pior, se era a iminência do término de seu namoro, isso acontecer por celular, ou ela estar enrolada em toalhas para levar um pé na bunda do Duque de Cambridge.

Mas ela atendeu mesmo assim, porque ainda estava se recuperando da crise histérica daquela tarde e estava carente. Foi Sirius quem apareceu primeiro na chamada.

— Ruiva, nada no mundo vai chegar a ser as desculpas que eu te devo! Me perdoa, de verdade, eu fui um desatento de merda em mandar aquele áudio sem querer… eu sinto muito, de verdade! - ele pediu, com uma expressão realmente arrependida. - Pedi para a Lene reparar os danos, mas juro que vou pagar chocolate quando voltar para Londres.

Lily riu, porque se alguém poderia fazê-la rir num momento como aquele seria Sirius e sua mania de fazer graça com coisas sérias.

— Não foi nada demais, Sirius. Eu só quis me jogar do segundo andar, mas nada sério. - ela devolveu no mesmo tom, fazendo ele parecer mais aliviado e rir um pouco. - Sério, obrigada por pedir à Lene para me socorrer. Foi bem… oportuno.

Sirius deu uma piscadinha e se desculpou mais uma vez, dizendo que, ao menos, ele tinha ajudado a resolver as coisas. Depois Lily ouviu a porta do quarto de James bater e ele voltou as atenções para a câmera.

— Numa escala de um a dez, quanto você me detesta nesse momento? - James brincou, com a expressão meio cansada. - Quanto me odeia por ter trazido você para a cova dos leões?

Lily sorriu, incapaz de achar muita graça, porque, em termos, era verdade. James tinha insistido em fazer as coisas daquele jeito, em levar Lily para dentro do palácio, e isso certamente tinha relação com as consequências daquele dia.

— Depende. Você vai terminar comigo pessoalmente ou por telefone? - ela não tinha se dado conta que estava com vontade de chorar até dizer aquilo e sentir os olhos encherem de água e o nariz arder.

— Lil… não. Não vou terminar com você, meu amor. Meu Deus, não! Por favor, querida, não chora… ei, eu estou aqui. Estou aqui com você, está bem? Estamos juntos nessa.

Algum tempo depois Lily parou de chorar, e conseguiu se acalmar para finalmente prestar atenção no que James tinha para contar.

— O que aconteceu depois do áudio? Que ela disse que sabia que eu não era filha do não-sei-quem de Yorkshire?

James respirou fundo e se jogou na cama, fazendo a imagem da chamada embaçar e sacudir, e depois atrapalhou os cabelos.

— Ela falou bastante coisa. Estava irritada, não gosta que escondam coisas dela e é uma mulher de idade… eu não julgo. Não muito, pelo menos. Ela falou coisas, eu falei coisas, ela falou outras coisa-

— Não está exatamente explicando muito. - ela comentou rindo sem muito humor, sabendo que James estava escondendo algo.

— Não… - ele riu. - Mas não foi nada demais, Lil… não vale a pena o estresse. Ela não aceita que a gente esteja juntos, acha que não vai ser bom, a primeira-ministra é conservadora e seria mal visto e tal. Mas eu não ligo muito.

— Sua avó, a rainha da Inglaterra,está dizendo que você não pode namorar comigo e você não liga muito?

James riu, virando-se de lado na cama e encarando Lily pela chamada. Posto daquele modo realmente parecia esdrúxulo, de maneira que ele suspirou em silêncio, observando Lily.

— Queria que você estivesse deitada aqui do lado, conversando qualquer coisa idiota. Me fala algo idiota, Lil.

— Você! James, sério, não é hora de fazer gracinha! Me conta o que aconteceu. - ela pediu, meio chateada com a leveza forçada dele.

— Eu vou contar. Vou mesmo. Mas não vou ser babaca de fazer isso por ligação, deixar você preocupad-

— Eu já estou preocupada, James. - ele suspirou alto, arrumando os óculos tortos no nariz.

— Certo… vamos lá. Minha avó me deu algumas opções, Sirius e eu sentamos e avaliamos elas, achamos umas brechas, escolhemos o que vai dar mais certo e ser melhor, e vamos burlar a vovó e ganhar tempo para eu poder assumir você.

— James Potter! - a voz dela poderia ter ensurdecido um cachorro de tão aguda que saiu.

— Lily, eu juro, está tudo bem! - ele disse calmo, sorrindo suave. - Eu vou dar um jeito em tudo, resolver tudo, e vamos ficar bem. 

— Não vai ser outro plano idiota seu e de Sirius, para fazer as coisas do seu jeito e depois colocar todo mundo na merda, vai, James?

— Vai ser um plano não idiota, meu e de Sirius, para fazer as coisas darem certo e sem dar merda para ninguém. - ele corrigiu com humor, fazendo Lily soltar os cabelos da toalha com alguma preocupação. - Não vou desistir de você fácil assim, Evans.

Lily não admitiria, mas era facilmente convencida quando seu sobrenome saía de maneira tão suave da boca de James, numa mescla ideal de carinho e provocação, que no tom certo também era sexy. Céus, ela estava tão estupidamente apaixonada naquele garoto que se via repetidamente ignorando todas as placas de perigo e sinais de aviso.

— Eu não sei se eu odeio você por ser tão… você! Ou se eu me odeio por amar você demais para não odiar. 

— Um ótimo espírito de Kat Stratford. Combina com você, sabia? - e Lily riu à referência ao seu filme de romance favorito dos anos 90. - Só mais uma coisinha sobre esse assunto, e prometo que vamos falar sobre seu dia. 

— O quê?

— Amanhã deve sair nos jornais, e não quero que se assuste. Não é real, não vai ser, e só a minha avó e as pessoas vão acreditar que é, e foi parte da escolha menos pior para o plano não idiota meu e do Sirius.

— Fala logo, James… porque acho que agora eu vou odiar você.

Ele riu tenso, e atrapalhou os cabelos antes de falar, pausada e calmamente, para não haver confusão.

— Eu vou assumir para a imprensa um namoro com a Princesa Emmeline. Falso! - advertiu outra vez. - Mas vou assumir um namoro com ela.

***

Os olhos dele estavam ardendo já, depois de tantas horas gastas na frente do computador e, sendo franco, ele estava muito frustrado por estar sendo mais difícil do que inicialmente havia pensado que seria.

Fazia alguns dias que Snape estava naquela missão de revirar e revirar os registros do sistema acadêmico da Universidade de Cambridge. Ele começou com a ideia de olhar campus a campus, mas depois concluiu que era uma metodologia ruim porque levaria tempo demais e seria um esforço inútil. 

Então ele resolveu seguir pela ordem alfabética, em que o sistema exibia as fotos de matrícula dos alunos ao lado do nome, do registro e do curso ao qual a pessoa era vinculada, além do campus. Os dois primeiros dias ele gastou nas letras A e B, e se não precisasse do dinheiro extra daquele cargo ele tinha certeza de que já teria largado aquilo de mão.

Não lhe importava com quem James Potter estava transando, nem se era da realeza ou não. Snape era indiferente à Família Real, embora detestasse aquela alimentação narcisista de ego que era a vida de muitos ingleses em tratar os membros da Casa Real Mountbatten-Potter como celebridades.

Quando Snape teve a ideia de filtrar apenas as estudantes do sexo feminino, sua busca reduziu em um terço, e ele conseguiu percorrer da letra C a letra G em um dia, embora tenha tido uma enxaqueca forte por excesso de tempo na tela. Sua última semana de férias tinha que valer a pena, porque se a garota do príncipe não fosse de Cambridge, ou se Snape não a encontrasse, ele não sabia como faria para pagar tudo que devia à universidade pelas taxas do último ano.

Assim, quando passava das dez da noite naquela quarta feira, e ele estava prestes a largar a letra L no meio do caminho de vistoria, apareceu como uma ilusão doce na tela do computador.

Uma foto de uma garota sensivelmente ruiva, de expressão neutra na foto de matrícula, acadêmica de Legislação do King’s College, prestes a cursar o último ano. Snape copiou o número de matrícula com excessiva empolgação, sabendo que não dormiria tão cedo agora que tinha algo substancial no que trabalhar.

Não tinha outra opção, ele tinha certeza mesmo antes de o sistema abrir as informações curriculares da garota. Aquela era a namorada secreta do príncipe. O passe para o dinheiro a mais que pagaria as contas de Snape e faria ele não depender da pensão alimentícia de seu pai ridiculamente abusivo, nem comer a comida nojenta da pensão em péssimo estado que ele podia pagar em Cambridge.

O passe para uma dignidade estudantil era ruivo, estudava legislação, namorava um príncipe e se chamava Lily Marie Evans. E estaria na coluna de fofoca d’O Profeta Diário ainda naquela semana, e, logo, em várias capas de jornal.

 


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Notas finais do capítulo

É claro que eu não traria momentos felizes no aniversário de morte de Jily, vamos todos sofrer porque é isso que stans da marauders era nasceu para fazer :|
Vejo vocês nos comentários ❤❤