Me lembro do quanto tentamos nos encontrar durante as férias que antecederam o terceiro ano. Albus mandava cartas pelo menos duas vezes por semana, mas meus pais ainda estavam tentando ter certeza de que estava tudo bem com essa amizade estranha que tinha se construído. Não é fácil para os adultos entenderem que amizades acontecem sem planejamento, apenas acontecem. Quando finalmente nos permitiram nos encontrar, a garota do all star azul não pode comparecer por ter ido passar os dias nos avós maternos.

Então quando ela adentrou a cabine do trem eu não estava preparado para reencontra-la, não daquela maneira. Seus olhos sorriam mais do que os lábios. E os cabelos tinham cachos por todos os lados. As meias antes curtas cheias de buraquinhos tinham virado uma meia preta que cobria a perna toda e tinha rasgos de verdade.

— Eu descobri que os trouxas possuem ótimas bandas. – Ela suspirou ansiosa. – Olhe.

Abriu a jaqueta verde e exibiu uma camiseta preta que dizia: Oasis. Ela parecia encantada. Feliz. Viva. Como no primeiro dia, quando me disse seu nome.

— O que é isso? – Perguntei tentando entender.

— O nome da banda. As músicas são ótimas. Quero te mostrar todas. – Ela mexeu na mochila e tirou um aparelho esquisito.- Foi difícil esconder isso da minha mãe, contei com a ajuda de Hugo. Meu irmão estava ansioso para começar Hogwarts, mas não tão ansioso em deixar seus artefatos trouxas. Tenho que devolver depois da seleção. Se gostar podemos pegar emprestado outras vezes.

Rose falou por quase todos os dias que tínhamos ficado sem nos comunicar. E por fim ficou em silêncio desenrolando um fio branco

Ela pagou o tal fio branco e colocou no meu ouvido esquerdo enquanto colocava a outra ponta dele no ouvido direito dela. Apertou uns botões no aparelho e a música trouxa invadiu meu cérebro e meu coração. Nós bruxos temos outras maneiras de escutar músicas, lançamos um feitiço, não precisamos de tantos artefatos. Mas ela estava tão feliz com tudo aquilo que eu também aproveitei o momento.

Ficamos a viagem toda ali. Sentados lado a lado. Dividindo os fones de ouvido, escutando músicas trouxas. Enquanto ela fechava os olhos aproveitando ao máximo o que a música lhe causava eu fiquei olhando seu tênis. Nossos pés lado a lado. Contrastando um com o outro. Eu com a calça impecável e ela com a meia toda rasgada. Sua jaqueta verde combinando com minha blusa de frio na mesma cor. Suas sardas mais marcadas. Seus cabelos fazendo cosquinhas em meu rosto.

Eram tantas informações ao mesmo tempo. Meu coração quase não conseguia se acalmar. Lembro das palavras que a música falava e lembro de sua voz repetindo-as.

— “Stand by me... Nobody knows... The way it's gonna be... Stand by me...

Eu poderia até mesmo naquele momento afirmar que eu ficaria. Eu sempre ficaria.

Esse foi nosso primeiro momento do terceiro ano, que momento. Quando nos separamos para colocar as vestes tudo pareceu tão vazio depois de tantas horas lado a lado, dividindo o espaço e as músicas. Quando voltamos a nos encontrar ela ainda tinha o brilho no olhar, e apesar das roupas terem mudado, lá estava sua marca registrada o tênis azul iluminando tudo em volta. Brincando de combinar com o meu preto de cano alto.