What if? escrita por Bianca Rogers


Capítulo 11
Always


Notas iniciais do capítulo

Prontos para o penúltimo?

Música do capitulo: https://www.youtube.com/watch?v=EL34DE70nzs

Playlist completa da história: https://open.spotify.com/playlist/7dD4sxl82HbG94FR6yzY65

Bom... boa leitura.



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Lei de Murphy 

 

Princípio criado em 1960 pelo engenheiro da Nasa Edward Murphy, que atribui significados matemáticos às circunstâncias catastróficas, destacando que se houver a probabilidade de que um evento desastroso aconteça, ele certamente vai ocorrer;

 

Termo genérico para um tipo de dito popular, comumente citado como "se algo pode dar errado, dará".



A maldita Lei de Murphy.



Era sua única explicação para o que estava acontecendo.



A cidade de Nova Iorque estava sendo atingida por uma funesta tempestade justamente hoje: o dia em que ele estava do outro lado do país precisando voltar para casa. Há horas estava preso em uma parada de emergência e seu voo havia sido cancelado, sem previsão para partida. Código laranja, ou algo do tipo.



E como se não bastasse: todas as conveniências do aeroporto estavam com escassez de carregadores celulares. “Ótimo, é o meu dia de sorte.” foi o que Kurt disse para si mesmo quando deu-se por vencido e tomou um dos assentos próximo ao portão de embarque. 



Cogitou a possibilidade de alugar um veículo e voltar para a capital dirigindo, mas os riscos de acidentar-se durante a longa e cansativa viagem o fizeram desistir. Com a chuva e a escuridão da noite, sua mente precisaria de muito mais atenção na estrada do que ele realmente era capaz de ter nesse momento. Não havia dormido nada nos últimos dois dias. A primeira noite teve a melhor das desculpas… estava com Jane; e na segunda, a adrenalina e o medo pela viagem repentina o impediram de sequer notar o cansaço que estava sentindo. Bom, tudo isso passou. 



Agora, sentia-se exausto como nunca. A dor que se instalou na raiz de sua coluna o fez grunhir em silêncio, imaginando o que não daria por um bom e velho analgésico; Um bom e velho banho quente, sua boa e velha cama confortável, e seus braços envolvendo seu corpo durante aquela tempestade.



Não pode deixar de imaginá-la vestindo uma de suas camisetas largas como fizera desde o dia em que se instalou em seu apartamento, sentando sobre o parapeito da janela com seu bloco de desenhos enquanto observava as gotas de água violentamente acertarem o chão, explodindo como pequenos fogos de artifício iluminados pela lua, que se esforçava a aparecer meio às nuvens escuras e densas que traziam consigo toda frieza típica de uma tempestade. 



Perguntava a si mesmo se ela estaria pensando nele, como estava sobre ela. Mesmo horas e horas depois, seu perfume ainda exalava de sua jaqueta e não fazia outro trabalho além de manter sua presença mais do que vivida, e se desejava poder saber se assim como ele, ela também andaria quilômetros debaixo de toda aquela água se isso significasse estar mais perto um do outro.



Isso tudo soou clichê demais em sua mente, como se estivesse idealizando uma típica cena de um livro romântico adolescente. O rapaz, molhado e exausto por correr debaixo de chuva, chegando até o apartamento da bela donzela que conquistou seu coração. Batendo em sua porta enquanto uma poça de formava sobre seus pés, apenas para ver o sorriso surpreso em seu rosto antes o tomar em seus braços em um beijo tão quente que fora capaz de secar suas roupas encharcadas.



Kurt riu para isso, se acomodando na pequena fileira de cadeiras de metal. 




Não se importaria em viver esse pequeno delírio juvenil com ela.




 

Um, dois; três quarteirões era a distância que Jane já havia percorrido desde que decidira sair para caminhar. Aquele quarto de hotel vazio estava sendo o ninho perfeito para que seus tormentos criassem vida própria. Precisava sair dali.



A tempestade não dera trégua, e mesmo com botas altas e guarda chuva, ainda podia sentir parte de suas roupas úmidas pelas gotas que a acertavam ao vento. Mas ainda assim, a sensação era melhor do que estar debaixo daquele cobertor quente sendo sufocada por seus pensamentos.



O visor de seu celular já estava embaçado pelos filetes que água que respingaram sobre a tela enquanto, parada sobre a fachada do prédio, ela encarava sua foto. Aquele sorriso torto que faziam seus olhos se tornarem tão pequeninos, que sequer sabia dizer se estavam fechados ou não.



24 horas. Esse era período de tempo que já estava sem qualquer notícia de Weller. 24 horas desde a última vez que se perdeu no oceano pacífico de seus olhos azuis. E agora, lá estava Jane; Do outro lado da rua, debaixo de uma chuva avassaladora, encarando a varanda apagada de seu apartamento. 



— Ele não está lá, Jane… você sabe disso. – repetia mentalmente, sequer capaz de explicar como havia chegado até ali. Ou como já estava frente a seu apartamento, batendo os dedos tremulamente sobre a madeira recém trocada.



O apartamento estava completamente vazio quando entrou utilizando um grampo de cabelo e um filete de metal que encontrou pelo chão. Se perdeu por alguns segundos observando a poça que se formava ao canto da sala onde havia largado o guarda chuva e as roupas encharcadas, até criar coragem suficiente para vagar seus olhos sobre qualquer outro ponto. 



A louça estava lavada e organizada sobre a pia do mesmo jeito que havia deixado quando saiu de seu apartamento naquela manhã. A cortina semi aberta, as revistas organizadas sobre a mesa de centro e a almofadas devidamente e enfileiradas sobre o sofá. Tudo exatamente do mesmo jeito que se lembrava, exceto pelo copo de whisky praticamente vazio esquecido sobre o balcão da cozinha, ao lado do carregador de seu celular. O líquido amarelado já havia perdido totalmente seu álcool quando ela o virou garganta abaixo, mas ainda sim, estava amargo como se lembrava. 



Estava certa, Kurt mal chegara em casa quando saiu às pressas para o Colorado. Sequer teve tempo de desfazer a arrumação que havia deixado enquanto esteve hospedada por ali.



As madeiras rangeram levemente sobre seus pés descalços enquanto caminhava corredor a dentro, notando os quadros levemente tortos sobre a parede onde havia esbarrado quando ali, naquele apartamento, ela permitiu se entregar totalmente à ele. À eles.

 

Quando chegou frente a seu quarto, as pontas de seus dedos tocaram receosos a entrada e sem que soubesse o motivo, prendeu a respiração ao empurrar a porta apenas para avistar tudo em seu devido lugar. Soltou o ar frustrada. Parte de si, embora soubesse estar se iludindo, torcia para que ele estivesse ali em meio aqueles lençóis dormindo tão pesadamente para não ouvi-la chegando. Mas novamente… 



— Ele não está aqui… 



Deu um sobressalto assustado quando a janela vibrou com o vento que dançava ao lado de fora, e um clarão invadiu seus olhos em um raio violento sobre o céu negro daquela noite. Estava arrepiada, parte pelo susto e parte pelo frio.



Aqueles lençóis cinzentos e o cobertor vinho eram extremamente convidativos à seus olhos, e seu cheiro exalando pelo ar só a deixava cada vez mais entorpecida e sonolenta. Mas precisava voltar para o hotel, Kurt poderia chegar a qualquer instante e tudo o que mais queria era tomar um banho quente e se agasalhar antes que resfriasse. 



Ou poderia ficar... Bem ali, naquele apartamento onde horas antes havia se recusado a estar ao seu lado. O que não daria para voltar atrás no que disse? Poderia estar ali em seus braços dormindo em meio àquela tempestade, ou do outro lado do país partilhando de um abraço caloroso enquanto o ouvia explicar a sensação que era segurar a filha em seus braços. 



 Isso não lhe pertence...



E ela sabia. Amargamente, sabia. Era hora de dizer adeus. À todos eles.



Recolheu suas roupas molhadas e deu uma última olhada no apartamento seus olhos, sentindo as lágrimas se formarem em seus ao relembrar de todos os momentos que já havia vivido ali. Todos os jantares com o time, os almoços, o trabalho até tarde acompanhado por diversas cervejas e petiscos… a dor de pisar naquele chão novamente meses após ir embora, a frieza como suas palavras pareciam a arremessar pela varanda quando precisaram dividir o quarto, e depois, o calor e o conforto de ter seus braços envoltos a seu corpo quando estavam, finalmente, deitados juntos entregues um ao outro.



Instintivamente, levou os dedos para dentro do casaco e agarrou o colar dourado que estava pendurado em seu pescoço. Quando a CIA devolveu seus pertences após o acordo com Nas Kamal e o FBI, aquele era o único que lhe importava. 



O colar de Taylor Shaw. O seu colar. 



Ela nunca devolveu, e mesmo com todas as circunstâncias que tinham quando o presente lhe foi entregue, ele nunca pediu de volta. 



“Belo colar, por sinal."



“Oh, ahm… obrigada, alguém especial me deu.”



Deixou que o cordão deslizasse por seus dedos até tocar o balcão da cozinha e repousar serenamente ao lado do copo agora vazio.




Era era sua despedida de Kurt.








Quando finalmente se deixou vencer pelo cansaço e fechou os olhos para uma rápida soneca, o voo que estava programado para substituir o anterior à NY fora anunciado como cancelado, sem previsão para decolagem. Suspirou frustrado. Já estava perdendo a paciência, e precisou se lembrar de seu treinamento tático para controlar o nervosismo e manter a calma meio à situação da qual não tinha controle algum. 



Consultou o grande relógio sobre a parede. Já era tarde, até mesmo para ele que estava acostumado a passar algumas noites em claro. Algumas pessoas já haviam desistido do embarque e formavam um pequeno acampamento sobre os bancos e mesas que originalmente foram projetados para alimentação. Pelo visto, já era claro para todos que passariam mais algumas horas presos naquele aeroporto.





— A mamãe disse que colar é coisa de menina…



Uma pequena voz soou ao seu lado, ecoando sobre o vazio que estava em sua mente. Sequer havia notado a presença da garota no banco próximo ao seu.



Ela parecia exausta, como ele. Os cabelos negros estavam cobertos por uma touca cor de rosa; tinha luvas e grossos casacos a mantendo aquecida, um pequeno coelho de pelúcia sendo esmagado por seus braços e o olhar penetrante encarando o cordão que pendia de seu pescoço. Olhos tão verdes que o fizeram perder o ar por alguns instantes. Teve de piscar algumas vezes para ter certeza de que não estava alucinando de cansaço. Ela parecia tanto com Jane...



— Ah, isso aqui? Não é um colar, é o meu distintivo.  — Esforçou-se a dizer quando notou uma de suas sobrancelhas se curvarem em curiosidade, esticando o animal felpudo em sua direção a seu peito. — Viu? 



— F-B…



Sorriu, soltando a pequena abertura atrás de sua nuca para recolher o barbante metálico, colocando-o sobre as pequenas mãozinhas.




— FBI. Diretor Assistente Kurt Weller. 



— Você prende os caras maus? — seus olhos pareciam fascinados sobre as cores metálicas do brasão, observando cada detalhe do objeto recém descoberto.



— Bom, eu tento. É o meu trabalho.



— Uma vez a Tia Betty disse que se eu não me comportasse vocês vinham me buscar… Você veio me buscar?

 

Precisou rir sobre sua pergunta, negando suavemente com a cabeça. — Não. Eu estou aqui porque preciso ir para casa o mais rápido possível.



Antes que Kurt pudesse protestar, a menina já havia se apoderado de seu identificador, pendurando-o sobre o pescoço. — Pra que tanta pressa?



O objeto ficou notavelmente grande meio à seus traços infantis, mas ainda sim, extremamente adorável. Seus pequenos dedinhos tocavam as asas do Falcão americano que parecia sustentar a placa dourada, mas seus olhos estavam fixos no homem a sua frente, esperando sua resposta. Aqueles pequeninos e familiares olhos verdes.



— Porque eu deixei alguém importante para trás…



— Quem? Sua namorada?



— Não… ela não é minha namorada. – estranhamente, as palavras saíram com um gosto amargo de sua boca. Acaba de descobrir mais uma das frases das quais jamais gostaria de dizer à alguém. – Mas eu gostaria que fosse. É por isso que preciso correr de volta para casa e dizer pra ela o quanto eu a amo.



— Hm…entendi. — a garotinha não parecia satisfeita com a conversa, estreitando seu olhar para ele de uma forma tão julgatória quanto possível para uma criança de seus aparentes 8 ou 9 anos. — Você tem uma foto dela?



Pensou em negar e usar seu telefone descarregado como desculpa, mas lembrou-se do retrato que carregava no bolso de sua jaqueta desde o dia em que ela se foi. Uma fotografia  que haviam tirado poucos meses depois que se conheceram, quando sequer sabiam sua identidade. A blusa vinho de mangas longas abraçando seu corpo e seu rosto descansando sobre seu peito. Ela parecia tão pequena ali em seus braços… tão feliz.



— Esses somos eu e Jane.



— Jane… – a garotinha tomou o papel de suas mãos e sorriu, tocando os rostos impressos com a ponta do objeto ainda pendurado possessivamente sobre seu corpo. —  Ela é bonita!



— A mulher mais bonita que eu já vi.



— Se ela é tão importante e você ama, por que deixou a Jane para trás?



— Alice! 



Uma voz feminina estridente correu em sua direção antes que tivesse a oportunidade de saber uma resposta para lhe dar. Alice… de pequenos olhos verdes, cabelos negros como a noite e um coelho de pelúcia. Seu nome era Alice.



— Filha, o que já conversamos sobre falar com estranhos? 



— Ele não é estranho, mamãe. É o Kurt, do FBI. Ele disse que precisa ir pra casa dizer pra Jane que ama ela!

 

— Quem é Jane? Onde você arrumou tudo isso?! Desculpa, minha filha tem essa mania de sair incomodando todo mundo e…



 Sem problemas, não foi incomodo algum. – O agente tratou de levantar-se e devidamente se apresentar à mãe da pequena garotinha que a pouco o deixara sem palavras. Tinha uma filha e tanto, precisava admitir.



— Mamãe ele vai pra nova iorque também, a gente não pode ajudar?



— Filha, não é assim, mal os conhecemos e…



— Eu já disse, é o Kurt! — batendo os pés de forma impaciente como se ninguém parecesse ouvi-la, a menina balançou a foto sobre o topo de sua cabeça, e estendeu o distintivo em direção ao ar. — Ele prende os caras maus e precisa voltar pra casa e dizer pra Jane o quanto ele ama ela antes que ela fique triste por ter sido deixada pra trás! Olha como ela é bonita, mamãe… a gente não pode ajudar? Por favorzinho...



Kurt teve de segurar o riso pela cena a sua frente. Era incrível o quanto essa figura completamente desconhecida o fazia se lembrar da mulher que tanto ocupava sua mente. A teimosia em um pouco mais de 1 metro de altura parecia a mesma que ele enfrentou todos os dias em campo, quando ela não concordava totalmente com suas ordens "politicamente corretas". — Está tudo bem, tenho certeza de que logo os vôos serão liberados.



— Bom, eu não teria tanta certeza assim. Pelo que ouvi as decolagens só serão liberadas no final da tarde, então até lá, o único jeito de chegar até Nova Iorque é de carro mesmo.



— Vocês vão dirigir até lá? Está um breu lá fora.



— Meu pai era caminhoneiro e eu cresci viajando o país ao seu lado, não será um problema para mim. Se quiser, pode nos acompanhar… Agente especial Kurt Weller. Seria mais seguro atravessar o estado com uma autoridade no carro. — A mulher manejou os ombros indiferente, examinando a imagem e o distintivo que havia tomado das posses da filha, convencido de sua veracidade. – Mas não temos espaço para malas.



— Por sorte, não tenho nenhuma bagagem.



— Ótimo. Sairemos em alguns minutos, só vou comprar algo para comermos no caminho.



— Nós vamos chegar lá bem rapidinho com a mamãe dirigindo, e você vai poder dizer te amo pra Jane! — a animação da garota era contagiante, arrancando um riso sonoro dos adultos ali presentes.




Sim, ele iria... e estava contando os segundos até esse momento.







Sentiu um calafrio percorrer sua espinha quando o zíper se fechou por completo. Roupas, alguns objetos de higiene pessoal, seu livro de desenhos e uma foto. Era isso. Todos os seus pertences; toda sua vida, dentro daquela mala mediana.



Quando Keaton a telefonou minutos antes informando que passaria no NYO para ajeitarem os detalhes de sua viagem, não foi capaz de lhe responder algo além de um vago "Okay". Sua mente estava em um completo passeio pela montanha russa que era sua vida, e sobre todas as possibilidades que estaria para enfrentar daqui algumas horas, quando deixasse novamente para trás tudo que era confortável e comum à seus olhos.



Sequer dormiu nesta noite. Depois que voltou se sua pequena aventura em seu apartamento, a tempestade se arrastou madrugada a fora e ainda se estendia pelo começo da manhã quando finalmente conseguiu fechar os olhos e se permitir um rápido cochilo. Rápido… algumas horas se passaram até que Jane finalmente se levantou. 



 Agora, de pé frente a janela fechada, podia notar o esforço que o sol fazia para tentar se mostrar em meio às nuvens cinzas que tomavam toda visão ao horizonte, e sentir o vento forte que se espreitava sobre as frestas do vidro e lhe mostravam o quão tenso era o clima lá fora. Se fosse um pouco mais religiosa, diria que aquele pequeno dilúvio poderia ser a forma que algum deus encontrara para lhe alertar sobre o redemoinho de emoções que traria por sua escolha.



Respirou fundo ao fechar a cortina, tentando bloquear a passagem de qualquer pensamento que a instigasse a fugir agora mesmo. Precisava criar coragem para ao menos dessa vez, dar um devido adeus àqueles que abriram seus braços e a acolheram de forma tão calorosa novamente.



Deu uma última olhada em seu reflexo no espelho. O jeans e as botas pretas se encarregavam de esquentar sua parte inferior, assim como a jaqueta de couro, cuja cor não era nada diferente das demais peças, vestia seus ombros confortavelmente. Por baixo de todas essas grossas peças de roupa, a falta que a joia fazia à seu pescoço era substituída pelo suéter que havia pegado de seu armário na noite anterior. 




De uma forma ou de outra, ele estaria presente.






— E então de repente essa cara surgiu na minha frente! 



— Meu Deus, Patterson! 



— É sério, Tasha, eu não sei de onde ele saiu mas quando percebi já estávamos caídos no chão e meu guarda chuva estava voando pela rua. Foi um completo desastre, e agora estou tendo que usar esse suéter que achei no armário do Rich.



— Deixa de ser mal agradecida! Eu ainda fiz o favor de emprestar, é o meu preferido, ok? Se sujar vai lavar!



O som era inaudível do lado de fora do laboratório, mas pela vidraça em uma das paredes e a expressão alegre de seus amigos, Jane sabia que o assunto era bom.



Há minutos estava perambulando pelo escritório, guardando em sua memória uma última vez cada cantinho daquele lugar que por muitos meses atrás havia sido seu refúgio; sua casa. Dessa vez, teria a chance de se despedir adequadamente do lugar.



— Hey, Jane! Você precisa ouvir o que aconteceu com a Patterson hoje de manhã! 



Atravessou a porta os olhando curiosa, e sem que sequer tivesse a chance de protestar, Rich já estava a arrastando até a roda formada em volta do visor. Todos riram ainda mais pela cena.



— Patty-Patty, conta pra ela!



— Okay, foi assim, eu tinha acabado de abrir meu guarda chuva e estava prestes a descer as escadas da entrada do meu apartamento quando…



Estavam todos ali. Uma roda descontraída de amigos, conversando sobre uma típica manhã de chuva nova iorquina e o desastre iminente que poderia acontecer com qualquer um deles. Zapata, Reade, Patterson e o ex hacker cuja conversa no dia anterior ainda martelava em sua cabeça. Todos… reunidos uma última vez.



Sem ele.



— Jane? Você não vai rir?



— Desculpa, o quê?



— A Patterson! Ela… Ah esquece, você nem prestou atenção. Agora perdeu a graça.



— Desculpa, Rich, eu…



— Você chegou bem mais tarde que o costume, achamos que nem fosse vir, e agora está toda distraída. O que está acontecendo?



 

“... se pudesse ir embora, você não iria. Certo? Você ficaria?”



“De onde isso está vindo?”



“Eu acabei de falar com a Diretora Hirst



“Ela está demitindo o pessoal?”



“Não, ela só… estava me empurrando a pensar sobre o futuro. Quando tudo isso acabar ela disse que pode me relocar para onde eu quiser.”



“Uau. Você… merece fazer o que quiser.



“E se eu quiser isso?



“Como você saberia, se nunca fez alguma outra coisa? Não podemos ficar aqui para sempre. Reade está falando sobre ensinar, e o Weller será pai em alguns meses. E essa criança vive no Colorado, então…”



“Você acha que o Kurt irá se mudar?”



“Bom, eu iria. Me desculpa, sei que não é isso que… eu não sei o que ele vai fazer.”




— Eu estou indo embora. – ela disse, incapaz de encarar os olhos à sua frente.



Rich se calou imediatamente, e ela percebeu imediatamente o quanto discordava de sua decisão. Não o julgava, mas gostaria que considerasse que a conversa que tiveram lhe foi sim esclarecedora. Tasha e Patterson também não disseram uma palavra sequer, pareciam já esperar por aquele momento. Reade fora o único surpreso.



 Para onde… — estava prestes a protestar, mas a expressão em seu rosto se calou quando Jane negou suavemente com o olhar. —  Certo. Não pode nos dizer.



— Você tem certeza disso, Jane? Com tudo o que tem acontecido ultimamente, eu não sei se é exatamente seguro e...



 Eu não trabalho mais para o FBI, Patterson.  Não posso ficar vindo aqui todos os dias fingindo ser algo que não sou. Não há motivos para ficar aqui em Nova Iorque, exatamente onde Roman sabe que estou. É melhor desse jeito… tenho certeza de que darão um jeito de encontrá-lo sem mim e acabar com qualquer plano que ele possa estar tramando. 



— E quanto ao Weller? Ele sabe? Porque da última vez você simplesmente desapareceu e nós que tivemos de ficar aqui e lidar com o furacão que ele fez nesse escritório procurando por você! 



— Eu sei, e agradeço pelo que fizeram por ele… por nós. Mandei uma mensagem mas ele não respondeu… Kurt está ocupado demais pensando no que será a vida dele agora. Talvez seja melhor assim, sem despedidas.



Aquilo parecia ter sido dito mais para si própria do que aos amigos. Já estava sendo doloroso demais vir até aqui e de despedir de todos os verdadeiros amigos que havia feito em sua vida. Imaginava o quão árduo seria se ele estivesse ali, com aqueles olhos avermelhados e os dentes cerrados, incapaz de lhe dizer uma única palavra sequer. 



— Bom… só nos resta aceitar então. Você parece decidida.



 E estou. – fez seu melhor para mentir, mas sabia que a falha em sua voz havia lhe entregado. Estava se esforçando para acreditar em suas próprias palavras.



— Será que rola pelo menos uma bebedeira antes de você ir? Aliás, quando você vai mesmo?



— Amanhã de manhã… 



— Então ainda temos algumas horas. E considerando que o chefe não está… — Todos riram ao entende o que a morena insinuava. 



Reade, que geralmente era o mais compromissado com o trabalho, fora o primeiro a estender as mãos para baixo do visor e pegar os copos, guardados apenas para momentos difíceis e ocasiões especiais. 



Para Jane, o dia estava sendo uma mistura de ambos.





14 horas e 37 minutos.



Esse foi o tempo total que o pequeno trailer demorou para fazer o trajeto de Indiana à Nova Iorque. Longas 14 horas.



Alice não dormiu um segundo sequer, falando e cantando em seus ouvidos o caminho inteiro, parando apenas quando a chuva se chocava tão violentamente contra a lataria do veículo que causavam sustos na pequena garotinha, que trocava a voz animada e empolgante pelo choro sofrido e assustado, partindo o coração de Kurt. Não pode evitar pensar nas duas mulheres de sua vida. 



Imaginava-se frente ao volante, com Jane ao seu lado e a pequena Bethany chorando no banco de trás, assustada com a chuva. Ela projetando seu corpo para a parte de trás do veículo e tomando a pequena em seus braços, cantando alguma música qualquer e a ninando suavemente, fazendo com que não apenas a filha, mas ele também se acalmasse com a cantoria. 



Como gostaria de poder fazer o mesmo com a pequena Alice, mas entendia os limites que precisavam se manter naquela situação. Ele era um estranho tendo a sorte de encontrar uma carona para casa.



Mas acima disso… ele era um agente do FBI, e também era um pai. E com isso, não deixaria de fazer seu papel de protetor. Trocou de lugar com a mulher, tomando a frente do veículo e os conduzindo em segurança de volta para casa. Não era o melhor motorista do mundo, e certamente estava dirigindo muito mais devagar do que a filha do caminhoneiro, mas 15 longas horas depois o sol finalmente estacionava frente ao seu apartamento. Finalmente.



— Obrigada por nos trazer em segurança. Alice estava assustada demais, e nem imagino como seria dirigir naquela chuva tentando acalma-la.



Curiosamente, bastou que Kurt assumisse o volante para que pequenina se acalmasse, dormindo nos braços da mãe, que aproveitou para descansar também. Weller não fazia ideia da história que carregavam em suas bagagens, mas ficou feliz em poder presenciar uma cena tão pura quanto aquela. 



— É o meu trabalho, fico feliz em poder protegê-las. E bom, eternamente grato também pela carona. 



— Sabe… Josh, o pai da Alice. Ele era igual a você, não só na aparência. Fazia de tudo para me proteger e com certeza também atravessaria o país no meio de uma tempestade para estar comigo. 



— O que aconteceu?



— Eu fiquei com medo. Medo de não ser boa o suficiente para ele e bom, o deixei sozinho aqui. Isso foi há anos atrás, e ainda me arrependo amargamente. 



— Ele não sabe sobre a menina?



— Não… mas irá. É por isso que estamos aqui. Ele me amou mais do que tudo nesse mundo, e tudo o que eu conseguia pensar era em tentar ser a pessoa que ele merecia. Quando na verdade, tudo o que eu tinha de fazer era ser eu mesma, a pessoa que ele queria.



Kurt não soube o que lhe responder, e sabia que de certa forma, não era preciso. Aquilo não era uma conversa, era um conselho. Um conselho do universo para parar de deixar que o medo o impedisse de ser o homem que Jane queria que ele fosse.



O impedisse de ser seu Kurt Weller.



— Mas enfim, talvez seja por isso que a minha filha se aproximou de você, ou talvez apenas coincidência do destino. 



— Espero que consiga o que quer aqui. Com o pai dela.



— Obrigada. Agora, saia já do meu trailer e vá atrás dessa tal de Jane, Diretor Assistente.



Ele riu em concordância, descendo do veículo. A chuva havia dado uma trégua agora, mas as poças formadas sobre o chão o avisavam sobre o quão violenta a noite também havia sido por ali.



— Kurt, espera! 



A voz infantil gritou antes que adentrasse a fachada do prédio, o fazendo dar meia volta, pensando ter deixado algum documento cair de seu bolso. Mas tudo que encontrou foi sua pequena mão para fora da janela, balançando ao vento o pequeno urso de pelúcia que carregou consigo a viagem inteira. Não havia notado que a menina estava acordada quando deixou o volante.



— O que houve, Alice?



— Isso é pra você! – Ela lhe abriu um sorriso banguela e deixou que o brinquedo caísse em suas mãos, voltando a ajeitar o cinto de volta ao corpo. “Segurança em primeiro lugar”, ele respirou mentalmente o que havia lhe dito no início da viagem.



— Você tem certeza?



— Tenho. É pra você lembrar da gente te trazendo de volta pra Jane. 



A buzina soou e o trailer se afastou de seus olhos antes mesmo que pudesse lhe agradecer. Kurt sorriu, apertando o pequeno coelho em suas mãos ouvindo um sonoro e ritmado “I love you" soar pelos pequenos furinhos que vazavam do paletó felpudo do bichano. 




Certamente, ele jamais se esqueceria.






— Tudo pronto para amanhã?



A luz vermelha contornando o botão do elevador piscava à seus olhos quando, após horas de risos, copos de whisky e diversas lágrimas, Jane finalmente se preparou para deixar o prédio. Era isso, sua última vez encarando a irritante oscilação entre as cores que indicavam o andar daquele cubículo metálico.



Como combinado, Keaton apareceu no começo da noite para os últimos ajustes. Passaporte, documentos, locação e passagens. Todos novos e prontos para uso. Só precisavam de sua assinatura.



— Não é como se tivesse muito o que arrumar. A maioria das minhas coisas se queimou no incêndio…



— Jane, eu vou perguntar uma última vez, como alguém que já passou por toda essa história uma vez e sabe o furacão que virá pela frente: você tem realmente certeza de que é isso que quer? Porque se mudar de ideia, tenho certeza que o FBI achará um jeito de te incluir nas atividades novamente. 



Era a terceira vez que ouvia aquela mesma pergunta naquela noite. "Você tem certeza?"



Não. Ela não tinha certeza. Mas sabia que era o certo a se fazer.



Sua presença não passava de uma distração, e com uma caçada ou não por sua cabeça, estar ali colocava todos em um perigo desnecessário enquanto Roman estivesse solto pelo mundo.



Ainda não sabiam seus planos, se é que realmente havia um. Não conseguiram conectar seu irmão ao homem que havia conhecido durante sua pequena estadia na Califórnia, e agora, se questionava se tudo aquilo havia realmente acontecido, ou não passava de uma mera consequência do passado. Talvez estivessem perdendo tempo em uma investigação falida, talvez tudo fosse uma mera questão de interpretação errada… Talvez fosse isso.



Mas o que quer que fosse, ela não estaria ali para descobrir. Em algumas horas, estaria dentro do helicóptero particular da CIA, prestar a se tornar uma nova mulher em um outro país. Prestes a se tornar uma francesa.



— Nos vemos amanhã. — Foi tudo que sou e dizer, deixando que as portas se fechassem entre ele.






“Faremos uma pequena despedida à Jane no laboratório hoje. Então, se você já estiver em casa e quiser aparecer, será muito bem vindo.”



Sequer teve tempo de medir seus pensamentos quando atravessou a porta de seu apartamento. Alguém esteve ali, ele poderia dizer.

 

As pegadas sobre o chão estava praticamente apagadas, mas ainda sim havia resquícios de água no canto da porta, como se algo molhado tivesse descansado por ali. Não foi preciso muito esforço para saber quem era seu invasor inesperado.



Jane. 



O copo de whisky estava vazio sobre o balcão, e o cordão dourado brilhou à seus olhos quando acendeu a luz da cozinha. O colar de Emma Shaw.

 

— Ela estava aqui...

 

Parecia que aquela tempestade nunca havia acabado, e o vento que entrara pela vidraça recém aberta fora o suficiente para que confirmasse sua suposição. Chovia lá fora.



A barrinha vermelha piscou algumas vezes sobre o visor escuro de seu celular, até que finalmente o aparelho resolveu lhe dar um sinal de vida. Imediatamente, as mensagens e ligações esquecidas por sua partida começaram a chegar.



“Eu estou indo embora amanhã. Não sei se estará aqui, mas… eu só queria dizer adeus. E obrigada, Kurt… sentirei sua falta.”



O texto apareceu em sua barra de notificação e o acertou em cheio sobre o peito. Foram necessárias apenas algumas horas longe para que ela fizesse exatamente o que ele esperava quando tudo se resolvesse: Jane iria embora novamente.



E aquele colar frio em suas mãos era a sua despedida.



Tentou telefonar para o seu número, duas, três vezes, mas todas caíram direto na caixa postal. Não queria conversa.



Resolveu apelar para Patterson, sabendo que o celular da amiga ficava em seu bolso a todo momento. Ela teria de ajudá-lo. 



— Weller! — Se não fosse o nervosismo que se formara nos milhares de toques sucedentes até a ligação se completar, Kurt teria questionado o tom embriagado em sua voz. — Você sumiu, o que aconteceu? Está tudo bem? Você já está de volta?



— Meu celular descarregou, acabei de chegar em nova Iorque. A Jane…



— Ela está indo embora. Amanhã.



— Onde ela está?



— Acabou de sair daqui, o voo dela é pela manhã então deve ter ido para o hotel. Kurt...



Não esperou para que completasse a frase. Arrancou o cabo conector da tomada e agarrou as chaves em sua mão. 



Eles teriam uma conversa.




Quando Jane chegou no hotel, calafrio percorreu sua espinha. 

 

Checou seu celular, as sacolas em suas mãos, e a rua novamente. Tudo parecia normal para uma noite de sexta feira. Agradeceu o motorista e desceu do veículo, adentrando ao prédio.



Algumas pessoas esperando por seus carros e outras enxugavam os guarda chuvas ensopados enquanto a faxineira em vão tentava impedir que o chão permanecesse escorregadio. Tudo muito normal para um clima chuvoso... Então por que seus instintos gritavam dentro de si?



Recebeu o boa noite do recepcionista com um breve aceno de olhar, seguindo para o elevador que estava parado no 23° andar. O seu andar.



Checou seu celular. 0 novas mensagens. 



Instintivamente levou a mão à roupa, procurando por sua arma. ”Droga.” As vezes esquecia que já não era mais do FBI, e que sua pistola fora confiscada por Weller assim que chegou em NYC.




“É só um sentimento ruim. Você passou por muita coisa e está paranóica. É só um sentimento ruim.”




Ela repetia mentalmente quando o badalar das portas se abrindo libertassem sua passagem, mas antes que pudesse virar por completo o corredor, seu corpo enrijeceu no lugar e por pouco não tropeçou nos próprios pés. 



Tinha alguém ali. Alguém estava parado em sua porta. Um homem. 



Pensando o mais rápido que podia, retornou alguns passos para que a luz sensorial não acendesse em sua frente. Ele não parecia notar sua presença, e isso lhe dava uma vantagem.



“Uma agulha no palheiro se ele estiver armado.”



Espiando novamente, tentou avistar melhor sua situação. Ele estava ali, e se mantinha imóvel. “Imóvel?”



Novamente seus instintos gritavam. Seu corpo em pé parecia apoiado sobre a parede e pelo que notava pela luz fraca da iluminação de emergência, parecia ter algo em seus braços. Uma caixa talvez? Era difícil dizer. Mas sim, estava imóvel.



Nem mesmo consegui ver seu rosto. Engoliu seco pelas possibilidades que passaram em sua mente, mas resolveu arriscar. Acendeu a tela de seu celular e deixou o número de emergência pronto para discagem. Havia um homem desconhecido parado em frente a sua porta.



“Não parece só um pensamento ruim.”



Cautelosamente e assustada, tentava se manter calma arriscando se aproximar. Seus passos eram curtos enquanto fazia a curva no corredor e a luz se acendeu.



Não havia mais ninguém ali. Nenhum sinal dos outros hóspedes. Apenas o homem estático, parado de costas para ela.



O casaco grosso estava envolto sobre seu corpo, deixando apenas a gola de sua camisa azul para fora. Um jeans e as botas escuras típicas de inverno completavam seu visual, com o pequeno destaque para a caixa de cerveja da Pensilvânia presa sobre suas mãos. O reconheceu imediatamente.



— Kurt?



Avistou o filete dourado se pendurar sobre seus dedos quando ele se virou. Seu olhar tão apartado e doloroso quanto havia sido capaz de imaginar em sua mente quando imaginou que seria se tivesse aquele momento. Agora ali, bem em sua frente, estava o furacão que havia tentado evitar durante todas essas horas de distância e constante luta contra seus próprios instintos.



Ali, estava o homem que havia evitado arduamente. O único ser capaz de desmoronar todos os seus muros e fazer-la se questionar sobre todas e quaisquer escolhas que já tivesse feito em sua vida.





— Podemos conversar?

 


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Notas finais do capítulo

Nos vemos no último :)



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