Prisão de Gato escrita por Ana e Sabrina


Capítulo 40
Periódico do Komainu, Shanchá (Casa de Banho)




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No exato segundo em que perdeu sua irmã mais nova de vista, Sherikan, embora tenha juntado forças para caminhar alguns passos, sentiu seus joelhos amolecerem e a pressão sanguínea cair. Já havia muito tempo desde a última vez que sentira tamanha insegurança, e o medo, esta curiosa sensação, era algo que pensava ter abandonado a muitos anos atrás junto de seu treinamento com a Marinha, contudo fora acometido por ambos os sentimentos no segundo em que viu as madeixas brancas de Izumi cruzarem o corredor da base militar e, em pouco menos de um instante, nem mesmo sua sombra continuava por lá. 

Imediatamente teve vontade de vomitar. Não poderia negar que ela havia crescido; após tantos anos sem vê-la, não tinha dúvidas de que seu poder atual não se comparava ao dela, que certamente não teve o privilégio do descanso como ele (por mais que, de sua parte, preferisse que estivesse como antes, pequena e inocente, longe do inferno que viveu durante sua tenra infância e adolescência), mesmo assim, naquela tão breve fração de momento, a mesma Izumi de antes cintilou como uma tênue chama de vela, brilhando por um breve instante até que o vento a tirasse de si mais uma vez e os separasse por mais uma eternidade. Sherikan não teve tempo de pensar antes de suas pernas começarem a caminhar.

— Izumi, espere! — gritou, o mais alto que conseguiu, e então quebrou o corredor, não se importando com o que sua tripulação poderia pensar, tampouco com o lugar onde estava. Sem pestanejar, o capitão, Hanzo, que o encarava com a feição severa e o corpo contraído, avançou a fim de pará-lo (uma vez que estavam em um local inóspito e, já com um membro desmaiado em seus ombros, não poderia se dar ao luxo de permitir que mais um dos seus fosse derrubado desta maneira), no entanto Yun, quem já não tinha mais certeza de que poderia contar, súpeto forçou uma tosse alta, fazendo-o hesitar.

— Hanzo, você teria um lenço? — o imediato questionou, com a mão sobre a boca, direcionando a si um olhar severo. 

— Não, não tenho — ele respondeu ríspido, compreendendo sua ação sem muito esforço. Parou de se mover: não deveria ir atrás.

— Tudo bem, eu posso arranjar em outro lugar. — Finalmente, Yun semicerrou seus olhos, ignorando a mandíbula travada do capitão e direcionando-se a Fang e Hide, que estavam atônitos no lugar. — Temos que partir agora. O contra-almirante arranjou um lugar para ficarmos. 

— Você diz, aquele cara? — Hide balbucia, visivelmente abalado com os acontecimentos anteriores e comprimindo os lábios: apesar de incomodado com Sherikan e o corpo desacordado de Nicholas sobre os ombros de Hanzo, seu senso de autopreservação gritava para Apricot, que mal estivera naquela sala, mas deixara para trás uma aura podre; nociva.

— O próprio, Hide — Yun soltou o ar de seus pulmões e encarou-o solene, recebendo de volta o fitar obediente de um rapaz que aguarda ordens. Hanzo e Fang não disseram nada. — Ele irá fretar nosso navio para descarregarmos alguns barris e então ficaremos à espera de seu contato. Infelizmente não podemos avançar além disso, por enquanto — finalizou. 

Desconfortável, Hide suspirou entrecortado, com um nó na garganta: não havia sido um pirata durante toda a vida para, logo no primeiro dia de viagem com o novo bando, acabar dentro de uma base da Marinha e, ainda por cima, ser feito de navio cargueiro. Estava indeciso, e portanto não conseguiu se segurar: — Sinto muito em perguntar, mas farei mesmo assim. Isto é seguro, Ka… quero dizer, Yun? — gaguejou, encarando-o com os olhos arregalados. 

Então, mais bravo que um cão de guarda, o capitão latiu de repente: — Kaze! Vamos logo! — ordenou, marchando em frente aos demais.

 Mas Yun não o seguiu e, ao invés disso, só revirou os olhos, voltando-se novamente ao rapazinho que continuava encarando. (Hanzo parou de andar no momento em que não viu ninguém o seguir; não se virou, porém mordeu a parte interna do beiço inferior ao ouvir que Kaze iniciava uma resposta).

— Eu não sei — confessou o imediato, em um suspiro pesado. — Não posso garantir a segurança de ninguém, pois isso não depende unicamente de mim e eu não sou herói para estar em todos os lugares: seria arrogante dizer que tenho certeza de que você sairá são e salvo.

Com sua fala, Hide se sobressaltou e até mesmo Fang, antes desnorteado por razões pessoais, pareceu romper sua atonia para prestar atenção no que era dito, ficando surpreso com sua eloquência e sinceridade antes tão sobrepujadas. Em contrapartida, o capitão, ainda parado no mesmo lugar, apertou as sobrancelhas, sentindo os músculos da perna se contrair de ansiedade ao mesmo passo que cada palavra era finalizada, não queria deixá-lo terminar; não queria ouvir o que ele tinha a dizer…

 — Contudo,  se quiser ir mesmo assim, eu ficarei feliz em te ajudar. Eu só peço que decida se irá me seguir por conta própria.

Por um instante, todos ficaram em silêncio, até que o garoto assentisse rapidamente para o imediato, a boca entreaberta e os olhos arregalados. Yun não disse, mas foi pego tão de surpresa por aquela expressão que sentiu vontade de rir. Abriu um sorriso pequeno. 

— Agora temos que ir adiante — Repetiu aos dois, por fim cruzando olhares com o baixo-homem aturdido que o esperava na saída com olhar reprovação. Recusou-se a dizer qualquer coisa a Hanzo e passou direto por seus braços cruzados. 

Atrás de si, Fang e Hide o seguiam e, naquele ponto, era só isso que importava.

≈≈≈

Quase dentro do galeão, Izumi deixou sair um suspiro pesado no segundo em que sentiu o tecido de seu haori a puxar para trás e, resignada, virou-se com a expressão mais profissional que seu cansaço poderia lhe permitir naquele momento, olhando para seu chefe de cabeça erguida. O que poderia vir de um puxão como aquele?, se perguntou, observando em seus imensos olhos a escuridão que somente uma tempestade continha. Teria Apricot feito novos reféns piratas ou quiçá tido a mirabolante ideia de despatriar um estado? Nada disso a surpreenderia — fizeram algumas vezes, desde que fora designada àquele cargo por conta do escândalo que se envolvera em sua antiga filiação. Águas passadas. De todos os erros que a Marinha havia cometido em sua vida, ao menos dessa vez fora poupada, uma vez que, dos homens que servira, seu atual chefe era o último por quem poderia se apaixonar. Estava, finalmente, salva dos males do coração.

— Fica esperta, Izumi — disse o marinheiro, erguendo a sobrancelha de maneira dura.

— Algum problema, senhor? — perguntou ela, temerosa pelo que poderia ouvir em retorno, mas afinal, o homem nada disse, somente indicou com seu polegar a figura nitidamente apreensiva que caminhava metros atrás de si. Sherikan. 

Izumi mordeu o lábio em consternação. Não tinha ideia do que Apricot queria dizer com aquele pequeno gesto, mas quando sentiu o leve tapinha em suas costas e viu-o passar sua frente para dentro da embarcação, percebeu que preferiria uma ameaça mais clara para início de conversa, pois decerto seria algo mais fácil de se lidar do que daquilo. Em seguida, seu irmão, de rosto mais pálido que papel e a respiração entrecortada como quem tem pressa, chegou até si e a tomou pelos braços, abraçando-a. 

Frouxo.

— Tudo bem, Sherikan? — indagou a garota, sem apertá-lo de volta, ou sequer olhá-lo diretamente.

O espadachim, que muito lhe parecia um garoto apesar de mais velho, encarou-a com o cenho franzido, segurando-a pelos ombros: — Como eu poderia estar? — murmurou, taciturno. Izumi bufou.

— E sou eu quem deve te dizer isso? — ela contestou alto, desfazendo-se do rapaz e cruzando os braços. — Deve estar da mesma maneira que esteve nos últimos anos, eu presumo! Não faço a menor ideia!

Sherikan levou alguns segundos para conceber o que havia ouvido, encarando-a de olhos arregalados. 

— Você tem ideia de quanto tempo estou te procurando? — rebateu ele de repente, sentindo as palmas das mãos começarem a soar. A garota tinha um olhar duro como rocha e, por um segundo, teve a impressão de que seus olhos semicerrados o encaravam como merda no chão. 

Ela respirou fundo. — Eu não acredito... — murmurou, dando um passo para trás na ponte do navio e torcendo o lábio. —  Você realmente acha que fui eu quem sumiu da sua vida? Oras, se cabe a mim refrescar sua memória, então eu repito pra você sem problema algum: foi você quem escolheu fugir da minha, Sherikan! Eu estive no mesmo lugar durante todo esse tempo e posso garantir que você não voltou para me procurar. — Apontou para o peito alheio, olhando-o com as pequenas sobrancelhas apertadas e embargo em sua voz. — O que foi que aconteceu, hein? Você ficou com medo de voltar? Medo de te “acharem”? — continuou, fazendo aspas para a última palavra, os olhinhos âmbar brilhando como fogo para finalizar de peito inflado. — Pois saiba que não importa o quanto você se esconda, irmãozinho: a Marinha nunca vai deixar de olhar. E você estar aqui é a maior prova disso tudo. Já te acharam.

Um silêncio esmagador os tomou, até que uma tosse forçada quebrasse o desconforto que se formara mediante ao choque do rapaz e, acima dos dois, trouxesse consigo a figura de Apricot, antes oculto pela embarcação, naquele momento apoiado com os cotovelos sobre a amurada e olhando para baixo com um imenso sorriso infantil. 

— Chega, Izumi — pediu ele, e Sherikan viu o olhar da irmã mirar o chão à medida que seus passos se aproximavam, pois sabia que havia falado demais. 

Firme, o contra-almirante desce a ponte outra vez e coloca sua mão direita sobre o ombro oposto da garota, apertando-a de maneira carinhosa, como se fosse uma figura fraterna. Sherikan sentiu uma veia pulsar em sua testa. 

— Não se preocupe com ela, as irmãs mais novas são todas iguais — zombou Apricot, lançando uma piscadinha e se aproximando com a mão sobre uma das extremidades da própria boca para, caricatamente, confidenciar-lhe algo: — Fica só entre a gente, mas é justamente porque preciso matar a minha que estou enrolando seu capitão até o último e o mandando fazer entrega na casa do caralho, hiyu-hiyu

A esse ponto, o espadachim não tinha uma palavra para lhe dizer. As têmporas saltaram e seus olhos estavam fixos na mão do contra-almirante, que muito devagarinho fazia uma carícia no ombro de sua irmã, mas ainda assim não havia nada que viesse a sua língua e, pior que isso, tinha certeza de que não conseguiria dizer um “a” se o vocábulo não lhe faltasse.

— De qualquer forma — o marinheiro torna a falar —, se precisar de ajuda com essa aqui, eu também posso meter a faca, não tem problema! Não vai ser nem a primeira e nem a última subordinada que eu vou ter esquartejado. Já fiz até pior que isso, se quiser checar nos meus registros! Acho que tenho torturas de a-à-z só para as…

— Chega disso — Sherikan interrompeu em um murmúrio, abaixando a cabeça porque de outra forma não conseguiria suprir a vontade de desembainhar suas espadas.

— O que você disse? — Apricot ergueu uma sobrancelha, ainda sorrindo de olhos fechados, plácido. 

— Disse que che–

— Sherikan — Izumi interpelou —, se não tem mais nada para tratar aqui, volte a sua tripulação. Temos que partir em viagem. 

— Izu…

— Partiremos — ela cortou outra vez, tão firme e eloquente que de pronto o espadachim sentiu sua nuca arrepiar — em cinco minutos — completa, dando as costas ao rapaz.

Por fim, Sherikan não conseguiu impedi-la, porque assustadoramente sentiu seu corpo congelar naquele mesmo lugar: um frio agonizante subiu a espinha e o desamparo tomou seu peito ao ponto de não conseguir sequer pensar em argumentar.

Ela… estava usando haki. Havia aprendido a usar. 

Sem força alguma nas pernas, o espadachim até quis deixar-se levar, todavia não caiu ou moveu um músculo enquanto ela sumia dentro da embarcação, completamente estagnado. Não quis falar; não queria saber de nada… 

Na ponte, restara apenas ele e o contra-almirante, que, como sempre, sorria de olhos fechados e temperamento leve. 

— O que a solidão não faz, não é? — Apricot quebrou o silêncio, as mãos atadas às próprias costas e a paciência de um homem que não teme a morte em sua voz. — Quando eu a acolhi, ela só falava de você. Acho que a presença de um irmão mais velho fez tanta falta que ela se sentiu abandonada. Contudo — enfatizou —, não demorou muito para que ela esquecesse, ou melhor dizendo, que eu a fizesse esquecer. No fim das contas, só foi preciso dizer onde você estava.

O silêncio se instaurou por um longo, longo instante, ao passo que a pressão induzida em seus músculos pelo haki começou a diminuir gradativamente, até se tornar apenas uma centelha constante em seu peito e braços. Agora restava apenas o terrível mal agouro ocasionado por aquele outro homem… Concentrou-se em respirar.

— Eu esperava uma resposta depois dessa… — O marinheiro deixou escapar uma risada, senão pior, tão pútrida quanto a de Poyo, sua irmã mais nova. — Oras, vamos lá, faz sentido que você não esteja surpreso, não é? De outro modo, por que raios a maior entidade governamental deixaria uma baratinha do mar como você escapar do campo de visão? Faz sentido que saibamos de sua localização desde o princípio e que contemos a sua irmã, quem nunca abandonou o trabalho.

— De fato — cuspiu Sherikan, com asco em sua voz. — O que não faz sentido nessa afirmação, é o fato de se importarem tanto com uma “baratinha do mar”. Ou então seu interesse repentino em me atormentar, já que faz parte de uma instituição tão grande assim. Será que você não tem um trabalho mais importante para lidar?

O espadachim ergueu a sobrancelha e, por um instante, Apricot perdeu a fala, encarando-o dos pés à cabeça com o mesmo sorrisinho falso de antes, ainda que visivelmente pensando sobre o que iria falar ao invés de, como fazia normalmente, só falar. Sherikan esperou pacientemente sua réplica.

— Sendo sincero, foi sua irmãzinha que pediu para eu te con–

— Se esse é o caso, não fale como se fosse minha irmã. Você não é porta-voz dela — interrompeu friamente, dando as costas ao marinheiro, que tratou de fechar os olhos.  

— Opa — trauteou num pseudo-sussurro — Agora não posso mais nem falar sobre ela, irmãozão? Isto é, como minha cadelinha designada, pensei que estivesse apto para representá-la.

Sherikan sentiu a maxila trincar, respondendo entredentes: — Pelo contrário, mas prefiro que ela me xingue pessoalmente ao invés de ouvir em sua voz. — Começou a caminhar. — Fora que eu tenho mais o que fazer do que fofocar.

— Pois não — sorriu Apricot. — Embora, devo dizer, acredito que te interessaria saber que…

Como uma cobra, Apricot se aproximou do espadachim, porém antes que o tocasse, Sherikan entrou em posição de ataque, com as duas espadas empunhadas e os olhos apertados tal qual um animal.

— Se você disser mais um "a", eu corto sua língua fora.

 — Você nem deixou–

— Cala a boca e escuta aqui — interrompeu o ex-CP9 outra vez. — Você pode ser chefe do meu chefe, mas pra mim, você não significa nada. Ao contrário de você, dele e até da minha irmã, eu sou um pirata e você não pode me controlar.

Seu orgulho não permitiu que olhasse para trás, caminhou em passos duros, ainda engolindo o peso das próprias palavras. Entretanto, se a honra não lhe fosse um fardo tão árduo, Sherikan teria notado o olhar pesado que queimava sobre suas costas naquele momento: fosse ele pirata ou não, Apricot sorria como uma criança que acabara de ganhar um novo brinquedo para usar. 

≈≈≈

Após a confirmação de comando do capitão, tudo correu tão rápido que Izumi sequer teve tempo de titubear a olhar para trás: em vez disso, continuou sentada em seu quarto, olhando para o relógio que tiquetaqueava junto das ondas do mar, à espera dos ventos tempestuosos que logo mais viriam a incomodar. Apricot havia sumido dentro da embarcação já a algumas horas e não seria ela a procurá-lo onde quer que estivesse fazendo chover naquela hora. Mais do que ninguém, ela sabia o quão possesso estava com sua irmã e o que planejava para dali a alguns dias, quando chegassem à Pulvereta. 

E o tempo estava tão firme hoje mais cedo…, suspirou cansadamente, deitando sua cabeça sobre os dois braços cruzados na mesa. Seu peito estava apertado e ela não sabia exatamente o porquê — queria dormir até chegar ao seu destino, contudo tinha completa noção de que não poderia deixar sua posição de alerta quando os tempos estavam assim. Um riso triste deixou seus lábios. Seu atual emprego não lhe permitia mais do que alguns segundos de paz por dia, mas em comparação com toda sua vida, a quietude daquele quarto mofado pela água era até reconfortante. A vida inteira esteve cercada pela incerteza e pela inquietação, vivendo à margem do perigo e tendo apenas a si mesma como porto seguro… Era, afinal, uma sobrevivente de si mesma e exatamente por sua força que parecia inaceitável que seus sentimentos estivessem tão sobrecarregados após encarar um traidor como Sherikan. A irmandade deles que fosse para o caralho. Não lhe servira para absolutamente nada nos últimos anos, então por que haveria de se incomodar agora? Já não eram nada um do outro — ao menos, não mais, pois deixaram de ser irmãos no dia em que foi abandonada por conta própria e era inaceitável que Sherikan não estivesse ciente de suas próprias escolhas. 

Isso… Isso era o que Apricot lhe dizia. 

Estava tão errada em manter seu orgulho? Mesmo que fosse ele quem a ensinara?

Decerto seu capitão era um homem mau, mas Izumi gostaria de sentir-se mais próxima daquela leviandade. Isto é, enquanto Apricot sumia pela embarcação e de sua presença só restava a chuva incessante do lado de fora e breves passos corridos de marinheiros fugindo, a ela cabia um coração absolutamente inquieto, incapaz de odiar o irmão que traíra sua confiança e largara na Marinha para seguir sua vida sem ela. Izumi sentia-se fraca ao perceber o quão sentimental estava se tornando. O caminho que os levava em direção a Pulvereta guiava-os a somente um destino, Apricot estava prestes a assassinar a irmã mais nova e não poderia estar mais ansioso pelo evento, comemorando aos quatro ventos a “morte da vagabunda”, todavia sentia-se incapaz de congelar seus sentimentos: o sangue não importa e cada vida deixada para trás não era nada além de uma pequena mancha em sua história, mas… 

Izumi sabia, bem no fundo de seu peito, que o mundo era podre demais para que tentasse convertê-lo com suas próprias mãos. Injustiça era só uma palavra bonita para descrever a realidade. Não existia o oposto dela para começo de conversa. Suspirou.

— Sem sono, Izumi? 

Apesar do susto repentino, a garota conteve serenidade perante a figura de Apricot, que subitamente encostava-se na porta de seu quarto, encarando-a com a luz baixa do lampião sob a sua face. Tinha que manter-se firme diante dele, Izumi pensou consigo mesma. Por mais comum que fosse aparecer por ali em dias de, como ele mesmo chamava, abate, era necessário conter qualquer reação que pudesse de alguma forma encorajá-lo ou, na pior das hipóteses, estressá-loOs demais tripulantes não precisavam pagar por nada disso.

— O mar está um pouco revolto hoje — disse a ele. E era verdade; o mar estava revolto, mas isso não costumava incomodá-la.

— Espero que seja apenas o mar, não gostaria de ver minha doce Izumi perdida com as ondas — respondeu, com um sorriso largo e, só então, Izumi se deu conta que seu chefe exalava um cheiro forte, quase intoxicante, de ferro. 

Ele pingava. Sentiu seu estômago afundar. 

— Você… — ela resmungou baixo, arrependendo-se das palavras antes mesmo de sair quando notou em Apricot um sutil erguer de sobrancelhas. — Você não vai se limpar? — perguntou, tentando recompor-se.

— Ah… 

O sorriso aumentou. 

— Você se importa de eu me sentar aqui? — perguntou e sem esperar qualquer resposta, caminhou pelo quarto, deixando o lampião na escrivaninha e sentando-se na cama de solteiro do quarto. Izumi tentou disfarçar, mas seu pescoço quase não virou quando tentou olhar para trás. E logo a voz voltou: — Eu sempre tive certeza que você me achava um monstro, por caçar minha irmãzinha, sabe? — Ele suspirou. — Mas agora, acredito que você finalmente compreendeu meus sentimentos, pequena Izumi. 

O tom de seriedade, o rosto sem sequer uma ruga de inquietação e o leve sorriso em seu rosto a fizeram em seco; estava sem fôlego.

 — Permito que mate o garoto — Apricot finalizou, fechando os olhos e desmanchando a face em completa apatia, levantando-se e seguindo até a porta do quarto. A mulher empalideceu. Tentou falar algo, mas sua garganta se encontrava seca. Então, colocando um dos dedos sobre a boca como em um sinal de silêncio, o homem disse, em monotom:  — É nosso segredinho.

E deixou o quarto, fechando a porta ao sair. Desolada, Izumi engoliu em seco e sentiu os olhos arderem: não poderia de maneira alguma chorar tão próximo ao inimigo ou sequer deixar escapar a frustração. Proibiu qualquer irracionalidade de imediato. Sua mente, mais do que nunca, precisava ser forte, ou poderia se tornar algo semelhante àquilo. Um monstro como ele, quer dizer. Apricot era intrinsecamente mau e cada passo, cada decisão que tomava, desde o simples ato de servir uma xícara de chá ou lavar o rosto pela manhã, tudo isso parecia destinado a desgraça alheia; o bom e velho intuito de destruir tudo por onde passa. Era um homem aterrorizante. Mesmo seu narcisismo era pequeno quando comparado a sua necessidade de espalhar a infelicidade. E, mesmo assim, não era ele quem parecia o mais sujo daquela tripulação agora. 

Se aceitasse guardar seus segredos, seria pior, disse a si mesma, o ódio não lhe permitindo conter as lágrimas que, finalmente, rolavam de seu rosto devagar. O sono não veio, a ansiedade não passou e até que a tempestade estivesse em seu máximo, ela não se permitiu sair dos fundos, escondendo-se dos demais tripulantes. Mais tarde, quando um grito furioso irrompeu do andar de cima do Galeão e fora obrigada a correr para ver o navio dos Gatos-fantasmas no horizonte, mesmo assim Izumi não conseguiu dizer ou sentir nada: atingira sua própria apatia e, no momento em que a tempestade de Apricot realmente começou, ela não poderia perder mais nada.

≈≈≈

Mais cedo, durante a saída da militar, não foi necessário mais do que alguns minutos para que Hanzo mobilizasse seus subordinados (e alguns marinheiros desavisados) para ajudá-lo no abastecimento do Sol Nascente e antes do anoitecer encontravam-se em oceano, velejando em velocidade máxima em direção ao desconhecido. Isto é, ao capitão fora dito que deveriam aguardar Apricot na metade do caminho, contudo não havia a menor indicação de onde a próxima metade iria levá-los e, àquela altura da viagem, o destino não era nada além de uma incógnita que o capitão evitava como diabo foge da cruz, sobretudo quando era seu imediato a lhe indagar. 

Yun era outro que não sabia de nada, era o que ele dizia. Hanzo podia não ter ideia do que fariam a partir dali e tampouco obteve uma leitura adequada da situação quando tivera a oportunidade, mas ao menos considerava-se mais certo da cabeça do que ele na maior parte dos aspectos e, dessa forma, embora estivessem de mãos atadas naquela situação, enquanto do mirante observava o horizonte com sua luneta, desejava que bons ventos os guiasse em meio a escuridão que se dispersava da direção em que, anteriormente, o navio do contra-almirante partira. 

Estavam distantes agora: era tudo ou nada. Se fugissem, tornariam-se inimigos da Marinha e, ao permanecer de acordo com o plano, seus destinos estavam delimitados pelo bom ou mau humor do contra-almirante — algo que habitualmente não parecia estável o bastante para se contar. No fim, tinham um futuro incerto em qualquer um dos casos e ao considerar que há poucas horas quase havia perdido Nicholas por um deslize, restou ao capitão prometer a si mesmo que não arriscaria nenhum outro homem apto a segurar a espada daquele jeito, portanto precisavam aguardar.

O anoitecer engolia o céu em uma penumbra desgostosa. Alheias ao navio, as baleias brancas cantavam melancolicamente sobre a vida marítima e, cansado de tudo, o capitão guardou a luneta, descendo pelo cordame à medida que via a forma corpulenta de seu navegador se aproximar. Era mais uma sombra naquele entardecer — e não era hora para conversar. Hanzo deixou sair de seu peito um longo e cansado suspiro no segundo em que a voz de Fang preencheu seus ouvidos, e só então olhou-o de frente.

— Posso ajudá-lo? — perguntou ao homem peixe, num frio menear de cabeça.  

— Não é hora de começar a nos preocupar? — questionou Fang, firme como sempre, mas com um fiapo de complacência em sua voz, afinal também compreendia a exaustão de seu capitão.  — Ele é jovem, a ira poderia tomar conta de seu coração.

Com a afirmação, Hanzo levantou uma das sobrancelhas, demorando alguns segundos para compreender sobre quem estavam falando antes de fazer a associação óbvia a Sherikan, que mostrava-se muito mais cheio de propósito para uma revolta que o médico agora. Torceu o lábio para baixo, zangado: 

— Fang, você também é jovem — resmungou, mostrando desaprovação com os olhos e negando com a cabeça — Não encha sua cabeça de preocupações; esse é meu trabalho. 

— Se é seu trabalho, pois faça-o — interpelou o navegador, sem abaixar o tom de voz. — Talvez por eu ser jovem, eu perceba melhor do que você quando há algo errado. 

Então, a resposta que o capitão daria se embolou na própria garganta e as palavras pareceram se amontoar: se era suposto que agora todos seus subordinados sentiam-se no direito de desacatá-lo quando bem entendessem, quanto tempo precisaria aguardar de braços cruzados até que precisasse lidar com um bando de adolescentes amotinados?, se perguntou, as sobrancelhas juntas num vinco firme no meio da testa. Definitivamente não tinha idade para lidar com aquela merda toda e, por um breve instante, sentiu uma quase incontrolável vontade de sacar ali mesmo sua espada e o disciplinar como seus mestres fariam na época em que era treinado, mas afinal não o fez e, em vez disso, continuou plácido, apenas com o lábio torto e a feição brevemente atenuada.

— Falarei com Sherikan quando for apropriado, garoto — disse de maneira resoluta, fechando os olhos ao finalizar mais uma bufada.  — Agora não é o momento. 

— E quando será? — perguntou o navegador, igualmente amuado. — Quando não sobrar mais nada?

— Não — enfatizou Hanzo — é a hora. Fim de papo. 

Entendido o recado, Fang sentiu as têmporas doerem, porém aceitou a imposição e se distanciou, retornando ao interior da embarcação e dirigindo-se aos quartos. Oras, se não fosse ao tempo de Hanzo, quando haveriam de ser as coisas?, pensou consigo mesmo, e então deixou escapar um riso tão baixo quanto entristecido, daqueles que nem mesmo as baleias poderiam decifrar. Haviam tantos, tantos motivos para preocupação naquela hora, não apenas referentes à conduta estranha Sherikan e seu sumiço repentino mais cedo, contudo essas sombras não eram percebidos pelos olhos do capitão e, se de alguma forma isso chegasse ao seu entendimento, eram ignoradas tão rapidamente quanto a poeira que se dissipou no ar. 

Nenhum feixe de luz era grande demais para incomodar sua ignorância. Quer dizer, o mundo inteiro estava contra eles; fossem os piratas ou a Marinha, ninguém realmente se importaria com aquela tripulação senão eles próprios e, dessa forma, não era somente de “bom-tom” preocupar-se com seus subordinados; era imprescindível para sua sobrevivência e, dessarte, mesmo que não houvesse o apoio dos superiores, faria o que sempre fez desde que era um pequeno peixe de aquário e cuidaria dos seus.

Em silêncio, Fang seguiu até a sala que conectava o corredor ao consultório, no entanto para sua surpresa não foi um garoto solitário que encontrou lá: aparentemente, Nicholas e Hide tiveram a mesma ideia e estavam agora junto de Sherikan conversando sobre sua situação atual. 

Sem que percebesse, o navegador deixou escapar um sorriso sincero, nem tudo estava perdido, pensou.

— Você está bem? — perguntou Nicholas ao espadachim. 

— De fato, não estou em meu melhor estado — respondeu Sherikan, soltando um longo suspiro — Mas, certamente estou melhor que você.

Em resposta, um sorriso cúmplice cresceu no rosto do novo komainu, que sentou-se no chão ao seu lado. — Não era melhor continuar descansando, Sherikan? — indaga. 

— Não estou cansado. Pelo contrário, na verdade — pontuou, deixando ainda mais claro a veia que se evidenciava em sua testa — Acho que nunca estive tão…

— Insuportavelmente frustrado? — A fala de Nicholas foi o suficiente para que o espadachim deixasse um pouco de ar sair pelas narinas, aliviando a tensão dos ombros. O colega parecia saber exatamente do que estava falando. 

Por fim, antes que Sherikan retornasse a falar, Fang decidira que era hora de adentrar o quarto e participar propriamente da conversa, afinal o que garantia que aquela não seria a última noite que poderiam compartilhar como uma tripulação

— Boa noite, garotos! Atrapalho? — questionou o homem-peixe, sorrindo pequeno e recebendo em resposta uma batidinha no chão por parte de Nicholas, chamando-o para seu lado. Não demorou para fazê-lo e, em seguida, se aquietaram por um longo segundo.

— Sabe, Sherikan, — o navegador soltou, ainda com o pequeno sorriso no rosto. — Desde o primeiro dia em nossa embarcação afirmei que poderia contar com minha lealdade. Você sabe disso, não é? — Encarou-o de soslaio. 

— Isso significa… — Sherikan não conseguira terminar a frase. 

— Até o fim, Sherikan. Enquanto piratas, seremos irmãos. 

O espadachim parou um instante, pasmo, olhando para os olhos de tubarão que, mesmo sem brilho, eram mais sinceros do que os de seu capitão agora. A quanto tempo evitavam aquela palavra e o quão leve ela parecia lhe soar agora? Piratas. No fim das contas, o que eram senão desgraçados piratas, lutando a cada dia para sobreviver? Soltou uma pequena risada.

— Certamente não parece ser de sangue — brincou, abaixando a cabeça ao pensar, mesmo que por um breve instante, em Izumi. Foi acometido por uma quase inevitável vontade de chorar, mas antes que perdesse para si mesmo, o resmungo trépido de Nicholas tomou aquela antessala.

— E que… bom, e que diferença faz isso tudo? — Nicholas disse baixinho, a voz embargada em um silêncio funesto, cheio de mágoa e ressentimento do pior tipo: culpa. — Quero dizer… — fungou. — Eu estive com os pierrôs por mais tempo que estive com minha família sanguínea e ainda assim os vendi por nada… Que diferença faz? — O garoto colocou a cabeça entre os joelhos, encolhendo-se como uma criança. — Laços sanguíneos, de amizade…  Não importa…

Não levou muito tempo para que o choro abafado pelos próprios braços fosse ouvido e, como o mais velho dali, Fang sentiu-se na responsabilidade de acolhê-lo, da mesma forma que Lilac fez consigo em seu passado. Estavam — não, eram vulneráveis. As feridas expostas do passado nunca se curariam se fossem ignoradas e jogadas para debaixo do pano, como Hanzo gostava de fazer. Decerto ele não era um adulto muito experiente, como seu capitão bem apontara, mas nada tiraria de si que amparar quem precisava era a maneira mais madura e certa de se agir, não importava para quem fosse, pirata, humano ou homem-peixe. Apertou-o pelo ombro bem forte. 

— Que se foda… — Nicholas continuou a murmurar. — Que se foda essa merda dessa tripulação e o Hanzo também… Quero que os cães vão para o inferno…

— Ficaremos bem sem ele — consolou o navegador, sem muito pensar até notar que um silêncio amargo havia se instalado no ambiente, regado pelo ar pesado e o sentimento latente de revolta. — Mesmo se estivermos sem ele, eu quero dizer… 

Apesar de tentar se corrigir, não havia dúvidas de que era tarde demais. Não se encaravam, nem sequer diziam ou respiravam, todavia uma chama baixa, mas constante de rebelião era inerente a todos que estavam naquele quarto.

— E Yun?

Súpeto, a pergunta de Hide viera em um estalo. Fang sentiu a boca secar. Desde a primeira vez que conversaram, estivera certo que o imediato tinha a aura mais obstinada de toda a Grand Line e não era surpresa que sua verdadeira vocação era a da liderança, afinal mesmo quando não estava presente, seu nome estava ali. O único que não se apresentava para aquela secreta reunião, isto é, de que forma ele poderia estar ali, quando era a sua maior função era carregar o fardo de todos os demais tripulantes e tomar apenas para si as consequências de se rebelar contra o capitão? Enquanto Yun estivesse ali, não haveria abertura para que Hanzo notasse os descontentamentos dos demais subordinados, uma vez que para o capitão, apenas ele representava um perigo iminente. Ele merecia mais do que aquela merda. Merecia mais do que a falsa autonomia que seu capitão lhe dava.

— Estaremos junto a ele, no momento certo — o navegador respondeu sem titubeio, como se as palavras já estivessem prontas a muito tempo em sua boca: não tinha nenhuma dúvida a respeito do imediato, apostaria todas as suas fichas e, talvez uma de suas barbatanas, que Yun os levaria a grandeza. 

— Eu não sei por quanto tempo irei aguentar fechar meus olhos para tamanha hipocrisia, Fang… — Sherikan afirmou, cerrando os punhos ao lado do corpo — Você sabe, mais do que ninguém, o quanto estive fiel a isto, desde o princípio, mas…

Sim, era patético — todos sabiam desde o princípio que era. Sherikan oferecera sua espada, sua honra e, como retribuição, precisava fechar os olhos para as atitudes hipócritas do capitão e permanecer sorrindo, como uma criança estúpida? Havia apenas uma missão, deveriam exterminar os Mother Justice e, ignorando qualquer perigo, se colocaram naquela caçada sem propósito uma vez que, como subordinados, ao questionarem as ordens, não receberam nada além de grosserias e sofismo barato de um capitão senil; alienado. Ninguém ia à guerra por escolha; mas, naquele bando, estavam especialmente atados. Lutaram com o inimigo às cegas e, ao fim da batalha, invés de agradecer quem lhe estendeu a mão desde o princípio, jogaram-os aos porcos, oferecendo a cabeça do maior aliado à Marinha por conta de uma migalha de informação sobre outro bando que não lhes fazia jus para começo de conversa. Oras, pouco importavam os Gatos e suas malditas escolhas a partir do momento que também se tornaram vermes ao cabeça de Pieri aos corvos sem qualquer piedade. Ela sim era uma mulher digna de respeito; fiel aos seus preceitos do início ao fim. E, no fim das contas, fossem piratas ou não, se não fossem as contribuições dos Pierrôs naquela ilha, estariam todos mortos agora — e, pior do que isso, aquele bando que tanto temiam poderia ter cumprido seus objetivos maiores. 

— Que se foda — Sherikan repetiu baixinho, olhando cumplice para Nicholas, que franziu o cenho enquanto o choro lhe ardia a garganta — Eu estou a um passo de matá-lo. Um passo.

— Sherikan, nós precisamos de você conosco — Nicholas interpelou choroso. — Não faça algo tolo que vá se arrepender... 

— Você diz isso porque acabou de chegar aqui! — retrucou para o garoto, agora mais alto. 

— Se isto é argumento, Yun já teria o matado. — Fang inicia, firme. E então o espadachim sentiu sua paciência se esgotar. 

— “A condescendência é que nos faz fortes”, eu sei, eu sei! Já ouvi essa história! — Sherikan por muito, muito pouco não estava gritando. Estava descompassado — Se essa babaquice fosse verdade, Hanzo teria os dois olhos agora, que merda!

De supetão, o barulho de uma porta se abrindo ao longe calou-os de prontidão, sobretudo após os passos pesados começarem e uma luz bruxuleante irromper das frestas da madeira do teto

O suspiro de alívio foi mútuo. Graças aos deuses, estava no andar de cima. 

— Você também sabe quem foi, não sabe? — continua o espadachim, agora em um sussurro baixo. — O Yun tentou matá-lo também.

Com o silêncio aterrador, o barulho dos passos acima parecia ecoar diretamente dentro de suas cabeças e isso lhes causava a mais profunda náusea. Estavam tratando do maior tabu daquela tripulação: a relação de seu capitão com o imediato e, sem sombra de dúvidas, as paredes tinham ouvidos e o vento os julgava com um sonoro “amotinados”. 

— Você não sabe… — Nicholas sussurrou — Desconfia, mas não sabe.

— Não, não sei — confirmou Sherikan, num pesaroso assentir. Ele então se levantou do tatami. — Mas acho que…

— Eu acho que… — Hide tomou a palavra, fazendo com que todos o olhassem de pronto. — Na verdade, eu tenho certeza de que o Sr. Yun não faria isso. 

Fang suspirou, Hide ainda que fosse o último dos cães, enxergava com mais clareza que qualquer um naquela sala: como poderia Yun ter paz, se tirasse com as próprias mãos a vida daquele que um dia considerou mestre? O imediato não pregava o mesmo discurso que Hanzo, suas preocupações com a honra pareciam distantes comparadas com as que lhes foram pregadas desde a infância, logo não era a honra, tampouco o ego que impediam que finalizasse por fim abrisse os olhos do mestre para a realidade. Era a temperança. Ainda que isto o obrigasse a viver como Kaze, aguardava pacientemente o momento em que a era de Yun chegasse. 

E Hanzo também sabia que chegaria, por isso fazia questão de lhe cortar as asas todas as vezes que falava sobre sua própria revolução. Era um homem triste, de dar pena; alguém que lutava para não estar sozinho com todas as forças, mesmo que para isso precisasse prender aqueles que estavam ao seu redor, coletando pessoas vulneráveis, à margem da sociedade e que pudessem lhe questionar sem pensar. Foi o que ele fez com Sherikan, consigo e com Nicholas e Hide também. Eram todos garotos perdidos — perfeitos para manipular, ainda que não ativamente pensasse dessa forma. 

Uma sensação viscosa tomou seu palato; um asco quase palpável, físico. Era assim que Yun se sentira por todo esse tempo?, perguntou a si mesmo. 

Sentia-se infinitamente solitário.

— Falarei com Yun, assim que estivermos em terra, não há o que temer, ele estará conosco — afirmou Fang, cerrando o punho sob a madeira. 

≈≈≈

Chegaram ao destino por volta do meio-dia do dia seguinte e o tempo parecia lhes acolher, muito diferente da última ilha em que estiveram. Haviam pouquíssimas nuvens no céu e o clima era ensolarado, mas não quente o suficiente para causar qualquer incômodo e, apesar de mal terem pregado os olhos na noite anterior, a conversa que tiveram na sala de tatamis estava agora completamente escondida sob o assoalho, bem longe de onde Hanzo pudesse sequer desconfiar. Ademais, no que lhe diz respeito, o capitão estivera em seus aposentos durante a noite inteira, ruminando sobre a conversa que tivera com Apricot e quais eram suas opções a partir daquela hora. Também estava um caco quando saiu para o deque. Como todos os demais subordinados, parecia exausto e, principalmente, atormentado. 

Não teve tempo de dar bom dia antes de ser requisitado. 

— Hanzo — Sherikan chamou. 

— Hanzo? — o capitão interrompeu, com um sorriso amarelo nos dentes. — Não me chama de capitão mais? 

— Capitão Hanzo, para quem devemos entregar os barris? — mantivera o mesmo tom de voz, não parecendo se incomodar com a represália do capitão. 

Hanzo sentiu sua própria voz engatar. — E-eu… — gaguejou. — Eu preciso conferir.

E foi mais uma vez para dentro das cabine, deixando-os sozinhos em frente ao grande navio que estavam prestes a embarcar. 

O destino o qual Apricot havia os enviado não era uma ilha propriamente dita; longe disso, era na verdade uma enorme construção hexagonal em meio ao mar, que se estendia por andares e mais andares de telhados curvos, além de muitos adornos dourados. Os caracteres da entrada não eram nenhum que reconheciam, não era possível adivinhar do que se tratava aquela construção, tampouco o que fazia ali, em meio ao oceano, entretanto de nada adiantava ponderar demais, afinal de contas teriam de adentrá-la de qualquer forma, visto que o contra-almirante pedira para que o esperassem exatamente naquele lugar — não no navio, ou por perto.

— Estamos em uma… estalagem? — Nicholas arqueou uma sobrancelha para Yun, supondo por um instante que talvez ele pudesse saber mais do que os demais. Como não obteve resposta, assumiu que estava errado para começo de conversa, mas antes que voltasse ao seu lugar, a voz do imediato se fez presente: 

— É uma casa de banho. 

— E o que deveríamos fazer em uma casa de banho? — Seu rosto se contorceu em confusão.. 

— Por hora, apenas aguardar as ordens de Apricot. Mas acredito que vocês possam aproveitar, não sabemos quantos dias levaremos para vê-lo novamente de qualquer forma. 

— Não abaixem a guarda, garotos — afirmou Hanzo, soltando um discreto suspiro de cansaço — não estamos de férias. 

Apesar do pequeno susto ao vê-lo de volta ao deque, os tripulantes pareceram não se afetar com o que fora dito pelo capitão e por conseguinte apenas permaneceram distantes em uma caminhada a passos largos, rumando em direção a estalagem. Hanzo continuou parado por um instante, ao lado de Yun, que também tardou a se mover. 

— Kaze… 

— Culpe a si mesmo. — E partiu, sem dizer nenhuma palavra a mais. 

O amargor que tomou a boca do capitão foi tão intenso que não pôde fazer nada, senão remoer-se em silêncio. O reflexo de si próprio, a liderança que nunca esteve em suas veias… todas essas características que faltavam em si mesmo pareciam voltar para assombrá-lo à medida que a figura esguia de seu imediato, agora de cabelos curtos e postura mais alta que nunca, desaparecia para dentro da construção junto dos demais companheiros de viagem. Foi tomado pela completa insignificância — mas não em um sentido ruim e sim inevitável da palavra. Tornou-se insignificante. Isto é, ainda que lutasse bravamente para se manter firme ao chão e guiar com sabedoria os garotos de sua tripulação, sempre fora claro para si que em dado momento suas falhas estariam mais em evidência do que qualquer feito que pudesse realizar e dito isso, não poderia ser mais grato pela situação em que se encontrava, uma vez que sua cabeça permanecia em seu local e, sob meias respostas ou não, todos permaneciam ali, fiéis a suas propostas e aguardando calmamente os frutos de suas ordens. 

Hanzo não se importava muito com o momento que iriam lhe trocar. Eram todos bons garotos, em especial Kaze, quem mais lhe trazia dor de cabeça de maneira geral; estavam todos apenas perdidos, é claro, a mercê e desesperados por uma luz que os guiasse em meio a escuridão, todavia saberiam se encontrar, quando a hora chegasse, e era exatamente por isso que o capitão permaneceria de pé no agora, segurando-se até que o momento de sua aposentadoria chegasse e, com ela, pudesse empurrar todos as luzes que precisavam — um caminho sem mais sombras: ao lado da Marinha, ao lado de Apricot, não haveria mais nenhuma pedra em seus caminho como ele próprio um dia foi, impedindo-os de caminhar. 

Quando esse dia chegasse… Estariam seguros e fariam fama, finalmente. Estariam livres. 

Finalmente, em meio aos próprios pensamentos, ao adentrar a antessala da estalagem Hanzo foi acometido por um pequeno susto, ocasionado por uma voz que, por um breve instante, fê-lo congelar: 

— Opa! Agora que todos chegaram, não iremos atrasar a entrada dos colegas viajantes nem por um minuto.

Tratava-se de um garoto pequeno, talvez pouco maior que Hide, embora este já não tivesse a mesma feição juvenil que o outro e vestia-se com trajes que não saberia descrever, mas que com certeza não agradaria o gosto d’uma criança como o subordinado. Lembrava um roupão em um tom vinho chamativo e estava amarrado com uma corda rebuscada na cintura cheia de desenhos em dourado —  parecia bem caro; luxuoso ao extremo mesmo, não obstante o que mais chamava atenção naquilo tudo era que, contradizendo a forma de se vestir, o ambiente em que estava e seu rosto simpático, o tom de voz do atendente remetia ao mais puro tédio, como se estivesse pronto para dormir a qualquer instante e mesmo a mais interessante das conversas dos cinco mares não seria o suficiente para entretê-lo. Em resumo, o rapazinho era estranho em demasia. 

— Me chamo Christopher, mas podem me chamar de Chris se preferirem — afirmou, sorrindo pequeno e fazendo uma sutil reverência aos clientes. — Sou tipo um gerente, então estarei aqui para o que precisarem, certo? Só não abusem da minha boa vontade ou eu cobrarei gorjeta — riu consigo mesmo da própria gracinha. — É brincadeira, eu vou cobrar gorjeta de qualquer forma. — Deu uma piscadela.

Então, por um longo momento, os cinco visitantes continuaram parados, encarando-o de cima a baixo e, em especial, sem conseguir deixar de reparar no quanto seu rosto lhe era familiar. Não que fosse difícil confundi-lo por aí; cabelos castanhos um tanto encaracolados e olhos da mesma cor, marcas de acne e sardas espalhadas pela pele não eram exatamente características únicas, contudo…

— Com licença, mas você poderia nos explicar onde estamos? Apenas seguimos as coordenadas até aqui — disse Sherikan, quebrando o silêncio.

— Estão em Shanchá — respondeu o garoto de prontidão. —  Um lugar em meio ao oceano onde navegantes cansados e hóspedes curiosos podem descansar. Somos uma casa de banho — e riu, divertindo-se à custa das expressões ambíguas que se formaram à sua frente. Somente Yun não parecia dar muita bola; estava mais interessado na decoração requintada e exótica do local.

— Cara… O que houve com a sua sombra? — Hide se atreveu a perguntar, bem baixo e escondendo-se atrás de Fang ao dizer, já esperando o olhar feio que receberia por parte do imediato. Em contrapartida, fazendo-se de desentendido, o gerente apenas sorriu debochado.

— Com minha sombra? Puff, Não tem nada de errado com minha sombra! Ela só não me aguentou e foi embora, simples assim — explicou, levantando os ombros com indiferença. 

No que lhe concerne, Chris sinceramente esperava que os rapazes rissem de sua piada, mas ao notar que as expressões de incredulidade e choque continuavam pairando cada um daqueles rostos, ele deixou seu riso murchar, percebendo de prontidão que nenhum deles sabia do que se tratava aquele lugar. Eram convidados de honra visitas desavisadas, constatou, e por um instante desejou não ter preparado do bom e do melhor, pois eles sequer notariam a diferença se fossem servidos pelas novatas ou com o chá dos funcionários. Bom, agora não adianta chorar pelo leite derramado

— Estou brincando de novo — sorriu simpático aos convidados. — Posso guiá-los para o quarto? — perguntou.

 Mas foi só terminar de falar que o mesmo garoto tornou a falar, ainda aflito: 

— E como isso aconteceu? — perguntou Hide, pálido como papel. — Até onde eu sei, as sombras não fogem por conta… ou fogem?

— Hide, cala a boca… — resmungou Yun, dando outra sutil encarada. 

— Não se preocupe, não é uma pergunta que me incomoda — anuncia Chris. (E de fato não parecia consternado; um pouco desconfiado, sim, mas não incomodado).  — Sombras não saem por aí para passear ou fogem de você sem que algo interfira, mas não é algo que convidados de honra precisem se preocupar.

O garoto até ia começar um “Os ‘não-de-honra’ precisam?”, mas não teve tempo porque, pressentindo o que se aproximava, Yun fez questão de cortar o mal pela raiz e pisou forte em seu pé, fazendo-o ficar quieto. — De qualquer forma… — O imediato inicia. — Estamos aqui para fazer uma–

— Estamos aqui para fazer uma entrega — interpela Hanzo, percebendo que precisava fazer seu papel como capitão. Yun sente uma veia de sua cabeça pulsar, mas se cala.

— Ora, eu sei que estão — Chris responde, voltando ao sorriso habitual. — Meu chefe disse que viriam. Estão descarregando seu navio agora. Me sigam, por favor. 

Por fim, cessado as perguntas, os cães foram direcionados pela construção por alguns andares até chegarem até o hall preparado ao convidados, onde uma porção de mulheres de trajes de seda bem cortada os aguardava com roupões limpos em mãos e largos sorrisos vermelho carmesim estampados na face, desejando individualmente a eles uma boa estadia no local. À frente delas, havia uma mesa rasteira farta de comidas quentes e, como se não bastasse, as almofadas haviam sido postas no exato número em que estavam agora, para cinco pessoas. Os olhares foram de maneira instintiva ao chão lustrado. A hospitalidade daquele lugar era quase irreal e o cheiro de comida, chá e incenso os invadia de maneira inebriante. Sobretudo ao capitão, os agrados não eram relevantes, uma vez que escolhera viver com o mínimo possível e, ainda que fosse controversa, esse estilo de vida jamais o incomodara, entretanto não havia escolhas naquela situação: fossem aquelas as mordomias que receberam por estar sob as asas do contra-almirante ou apenas uma norma de etiqueta habitual daquele lugar, deveria continuar firme, de pescoço erguido e, acima de tudo, não deveria recusar o que quer que Apricot havia deixado preparado. Suspirou pesado. Era difícil saber como reagir a tamanha recepção em primeira instância. 

— Fiquem à vontade e, se precisarem, gritem pela minha sombra! — afirmou o anfitrião com um sorriso zombeteiro ao notar tanto desconforto e, em seguida, ele fez uma pequena reverência às mulheres, outra aos convidados, até que finalmente os deixou por conta própria na sala das cortesãs. Nicholas, o maior afetado com a aparência do funcionário, não tirou os olhos dele até que sua sombra desaparecesse das divisórias de papel, quando só então seus ombros relaxaram. 

Voltou-se aos demais. Sem saber como se portar, Hide e Sherikan esperaram que Yun tomasse o primeiro passo para imitá-lo, mas afinal foi Fang quem se moveu, reverenciando as cortesãs polidamente e sentando-se em uma das almofadas. As mulheres não pareceram incomodadas; longe disso, não demorou para que duas delas se aproximassem, sentando-se sobre os joelhos e, respectivamente, servindo-lhe chá e caldo na louça rebuscada. O navegador não recusou: foi o sinal para que todos os outros se juntassem à mesa e, não muito tempo depois, estivessem todos devidamente acomodados e servidos. Comeram em silêncio e, depois de um longo intervalo apenas ao som de pratos, a comida e chá foi retirada, deixando-os sozinhos para que pudessem trocar-se e aproveitar a estadia no local. 

Nenhum deles saiu do lugar e assim permaneceram por longo tempo, sequer entreolhando-se, até que Yun fosse até o segundo segmento do quarto para se trocar. Depois disso, foi Fang quem seguiu em direção à sacada do quarto sem dizer uma palavra e, no fim, restaram Sherikan, Hide, Nicholas e Hanzo na mesa. 

— Por quanto tempo ficaremos aqui? — perguntou Sherikan, quebrando o silêncio. Ele estava sentado de pernas cruzadas, mas uma delas não parava de tremer em inquietação e seus olhos e sobrancelhas estavam bem apertados. 

— Até que o contra-almirante… — Hanzo começou, mas o espadachim não permitiu que finalizasse. 

— Até que Apricot venha nos contatar, ok. Eu já sei — Levantou-se, indo em direção a uma das janelas. 

Com a resposta seca, o capitão abaixou a cabeça, curvando os lábios para baixo: não tinha o que dizer, e mesmo que tivesse, sabia que nenhum deles queria ouvi-lo. Suspirou frustrado. O sorriso confiante que precisava dar-lhes não estava por perto.

— Se preferirem, troquem-se e vão atrás do que fazer pela estalagem — advertiu, olhando de soslaio para Hide e Nicholas, ambos cabisbaixos. — Não sou interessante o bastante ao ponto de me assistirem meditar. — 

O riso melancólico e fraco não foi o bastante para convencê-los de ficar. Partiram, e então o relógio pareceu andar para trás. 

≈≈≈

A luz pálida da Lua iluminou o quarto e Hanzo, ao acordar, percebeu que não havia mais ninguém à sua volta e o único sinal de sua tripulação era um breve bilhete sobre a mesa. Foi preciso alguns instantes para que as palavras fizessem sentido em sua cabeça.

“Fomos chamados pelo gerente para conhecer as câmaras de banho e o dono da hospedaria. Esperamos que o Senhor acordasse, mas tínhamos horário até que o jantar começasse a ser preparado. 

As cortesãs deixaram uma muda de roupa limpa e comida em cima da sua cama, na antessala. 

— Nicholas”

Sem demora, levantou-se da mesa, as pernas falhando por passar tanto tempo parado em uma mesma posição e pôs-se a caminhar. Não havia ninguém no segundo segmento do quarto, onde as camas ficavam, tampouco na varanda, mas ele não falhou em notar, apesar da contra-luz do luar, a silhueta de mais um navio além do seu preso ao porto. Apertou os olhos para enxergar melhor. Em vão. Estava alto demais no prédio e sem a luneta ou uma boa iluminação, não conseguia reconhecer nada além do contorno das velas brancas balançando presas a uma gávea envergada e um cesto vazio: todo o resto estava tomado pela escuridão da noite. Desinteressado, ele retorna ao quarto, passando reto pela muda de roupas e partindo em busca dos tripulantes, no entanto não foi preciso ir muito longe para que, por acaso, esbarrasse com Kaze próximo da saída do andar, que o reconheceu de olhos arregalados, recuando um passo. 

— Kaze — cumprimentou Hanzo com um aceno de cabeça. O imediato sentiu suas costas suarem frio. Titubeou em correr, mas antes que pudesse reagir, sua mão foi amparada por trás pelo homem. — Isso é sangue? — pergunta a ele, aumentando o tom de voz. 

— Nã-não! — gagueja Yun, soltando-se e escondendo a mão sob o robe, muito nervoso. Passado o susto, ele respira fundo. — Quero dizer, sim, é, mas não se preocupe — Endireitou a postura. — Eu me machuquei na banheira. Eu estava subindo ao quarto para fazer um curativo.

O capitão franziu a sobrancelha, analisando-o de cima a baixo: Kaze estava pálido, com a testa suada e os olhos petrificados, contudo ainda assim essa não era sua característica mais marcante, pois as roupas oferecidas pela hospedagem estavam cobertas de sangue fresco, bem mais do que um machucado superficial poderia causar. A pulga atrás de sua orelha parecia gritar. Encararam-se pelo que pareceu uma eternidade.

— Cuide-se, então. Vou procurar os outros — assentiu o capitão friamente, dando um leve tapa nas costas do imediato, que continuou paralisado no meio do corredor, observando-o se distanciar. Hanzo seguiu pelo corredor com calma, tomou o elevador e somente quando a porta se fechou que, por uma fração de segundo, Yun deixou seus ombros relaxarem. 

 Entretanto, aquela calmaria durou muito pouco, pois não tinha tempo a perder. Apressado, ele correu para o quarto e tomou, de seus pertences pessoais, a bolsa de primeiros socorros, em seguida partindo para o quarto paralelo ao que estavam hospedados. Abriu a porta com força. Os Gatos estavam em frangalhos.


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