Prisão de Gato escrita por Ana e Sabrina


Capítulo 1
Prólogo




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Prólogo: "A Lenda"

— Você já ouviu falar? — pergunta um velho, introduzindo-se na mesa de bar sem ao menos ser chamado. Seus olhos pareciam vidrados, distantes da conversa de outrora: viera para a mesa como um espírito ambulante, abandonando tudo que fazia anteriormente apenas para vir e fazer aquela pergunta. Quem ele pensava que era?

— Ora, e quem não? — Minha garota o responde, sapeca e ingênua. — Quem não gosta de uma história de fantasmas? — termina com uma piscadela, esbaldando-se em mais um gole de cerveja preta. 

— Não são fantasmas, asseguro. — eu disse. — Vi com meus próprios olhos. 

— Que perigo, então. — o homem alerta, virando seus olhos estáticos para meu rosto, fitando tudo que havia dentro de mim. Vacilei. 

— Perigo? — Stella indaga arrepiada. — Você tem uma história, não tem? 

— Ah, se tenho… — abriu um sorriso sem dentes, olhando para mim como se quisesse me fazer notar o canino de ouro, tilintando entre o vão dos incisivos e molares superiores. Se achava que aquilo me faria confiar, apresentando-se como um dos meus, estava errado. Naquele momento, o evitava. 

— E sobre o que é? — os olhos azuis que eu tanto amava brilhavam de excitação. Eu sabia que não poderia pará-lo de contar, por mais que quisesse. 

— Uma terrível maldição. — o velho responde, seco e sério. Olhava para Stella, mas sabia que sua voz era direcionada para mim. A história era para mim. 

Começou: 

— Veja bem, fui pirata antes mesmo das crianças de hoje terem sonhos. 

 “Enquanto jovens como você, rapaz, perdiam tempo mijando na cama e gritando pelo seios da mãe — não que não ache aceitável gritar por um bom par de peitos —, eu me aventurava na Grand Line. Na época, ninguém tinha coragem de ir lá. Minha tripulação foi uma das primeiras a sair do East Blue em rumo ao desconhecido. Foram anos de glória para pobretões como eu e eles. Fizemos fortuna e visitamos ilhas que vocês, filhos desse mar isolado, nem podem imaginar. Mas o destino não dá presentes para ninguém. Se você ver algo fantástico, pagará o preço, amigo.” 

— E que preço, meu Deus! — ele exclamou, parando todos que estavam no bar para ver o que passava. Eu senti vergonha, mas Stella parecia tão entretida que, mesmo tímida como era, não deu bola. 

“Éramos fracos. Bastou o ecoar impiedoso das palavras de Roger e milhares de sujeitos foram ao mar, em busca do tesouro escondido. Alguns patéticos, sem brilho ou ambição, mas outros… Ah! Estes valiam por mil. Eram fortes como monstros, obstinados no desejo de ir até o fim como ele, seu rei, foi. Não podíamos vencê-los. Por mais que nossa luta tenha perpetuado por mais tempo que deveríamos — não podíamos jogar nossos sonhos —, ora ou outra essa faísca se esgota. Voltamos para cá com o rabo entre as pernas, para ser rei entre os insetos. A ambição por poder crescia dia após dia, e roubamos da nossa própria casa ouro e vidas. Os anos de gozo não duraram tanto dessa vez, no entanto. Certa noite, depois de saquear uma ilha ao noroeste do East Blue, dormíamos calmos com os embalos da maresia. Tudo parecia silencioso, mas pressinto que, naquele momento, já havíamos sido invadidos.”

— Meu Deus! O que você quer dizer com isso? — Stella pergunta, incrédula com a história e de olhos arregalados. Mesmo eu estava interessado. 

— Espere, eu lhe direi — o velho abre um sorriso ao notar que fisgou minha atenção. Ele sabia pelo o que eu havia passado. 

“Como ia dizendo, dormíamos como em qualquer outra noite. As ondas do mar sempre foram relaxantes para mim, que tenho sono tão pesado. Quando acordei na manhã seguinte, revigorado por todo o descanso que só dormindo nas redes do seu próprio barco você consegue alcançar, percebi que, assim como durante a noite, todo o convés estava em silêncio. Corri temeroso, com as lembranças da Grand Line medrando-se pela minha cabeça, e quando subi as escadarias do Galeão, não havia nada. Todo nosso tesouro havia sido roubado, como se nunca estivesse ali para começo de conversa. Meus companheiros, por sua vez, estavam caídos pelos cantos, alguns de garganta cortada, outros apunhalados pelas costas, mas para sempre presos numa expressão de pura confusão ou simplesmente neutralidade. Concluí, como o único sobrevivente, que fui deixado para trás porque não vi o que aconteceu. Outros relatos semelhantes surgiram mais para frente, contando histórias parecidas sobre àqueles que também sobreviveram e confirmaram minha teoria. Ninguém que os vê sobrevive para contar a história. Não sabemos quem são e vez ou outra até duvido da minha própria memória. Mas, bem no fundo, eu sei o que eu vivi. Eu sei a dor que senti. Depois do saque, restou-me apenas essa história pavorosa para contar aos pobres coitados que, assim como eu, foram marcados. Pelo o que, você pergunta? A marca do gato. Uma bandeira preta (de pirata) com um gato de tapa-olho debochado, que ri da sua desgraça na parede da sala do tesouro e nessa cicatriz que me deixaram à ferro-quente para sempre no antebraço.”

— Foi o fim do meu bando — o homem conclui a história, tirando um charuto do bolso e o acendendo. No antebraço direito, vejo um gato jocoso já cicatrizado, mas ainda aparente no couro. O velho capitão havia se tornado seu gado, assim como eu, que hoje carrego essa mesma estigma. Aperto meu punho, pensando na marca em meu próprio braço e aguardo em silêncio o dia que eles decidam voltar para me buscar. 


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Notas finais do capítulo

Para leitores interessados na parte interativa, favor acessar a história no site SPIRIT por esse link: https://bit.ly/3gNA7jK.

Obrigada por ler.



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