Covarde. 

— Continuem concentrados, pessoal! — grita o professor, caminhando pela sala e observando nosso progresso. 

Derramo mais um pouco do líquido verde no caldeirão, observando-o misturar-se à poção. 

Mimada. 

Minha mão treme ao pensamento, fazendo-me derrubar mais líquido do que o necessário. 

— Cuidado, Lily! — sussurra Ellie ao meu lado, enquanto abandono o frasco na mesa e pego por outro. — Sua poção vai dar errado se colocar mais do que a receita pede... 

Suspiro, ignorando-a, e despejo o líquido transparente do frasco seguinte no caldeirão. A receita diz para despejar todo o conteúdo, portanto assim não tenho como errar. 

Metida. 

Mordo o lábio, tentando calar a voz estúpida daquele garoto da minha mente. Olho de esguelha para o caldeirão de Ellie, vendo-a misturar seus ingredientes perfeitamente. 

Seu cabelo castanho escorre pelas costas, mais brilhante do que o meu jamais seria. Ela tem olhos azuis, mais claros até do que os de Scorpius. 

Já eu tenho olhos castanhos. Nunca liguei muito pra isso, mas agora os de Ellie estão me incomodando. 

Só a presença dela está me incomodando. 

— Continuem misturando! — grita o professor mais uma vez, suas vestes esvoaçando-se conforme ele caminha pela sala. 

— Alguma coisa está dando errado com a minha! — exclama uma garota, e consigo ouvir sua poção borbulhar violentamente lá da frente. 

Continuo concentrada em meu caldeirão, mas vejo-me novamente pensando em Scorpius. 

— Você não sabe perder — dissera ele, bravo, assim que descobriu que o lancei um feitiço no último jogo de quadribol para derrubá-lo da vassoura. 

Foi errado, eu sei, mas não consegui me controlar no momento. 

E é claro que a minha sabotagem feia acabou começando a nossa discussão do dia. 

Que terminou com ele dizendo-me aquelas coisas. 

Mimada. 

O frasco vazio escorre das minhas mãos, espatifando no chão e quebrando em mil pedacinhos. 

Todos os alunos viram-se imediatamente para mim, e até o professor para sua caminhada para ver o que aconteceu. 

Com o rosto queimando de vergonha, apanho minha varinha e abaixo-me em frente aos caquinhos. 

— Reparo — digo com a varinha apontada, sentindo os olhares dos alunos ainda cravados em mim. 

Um jato de luz sai da varinha e os pedacinhos juntam-se repentinamente, formando um frasco novinho em folha. Pego-o em minhas mãos, levantando o olhar para o professor. 

— Desculpe — murmuro, recolocando a varinha à mesa. 

 Aos poucos os alunos voltam a se virar para frente, mas eu apoio-me na mesa e abaixo a cabeça, sentindo-me profundamente estúpida.

Até quando não está presente Scorpius consegue me incomodar; seja com seu jeito ou com suas palavras. 

— O que deu em você hoje? — pergunta Ellie, parecendo preocupada. 

— Você... você está saindo com Scorpius? — indago antes que perca a coragem, virando-me para ela. 

Ellie permanece concentrada em sua tarefa, despejando o líquido azul em seu caldeirão e vendo o resultado, como se eu nem houvesse falado.

A calma dela talvez signifique alguma coisa. Ou será que está escondendo seus sentimentos? 

— Sim, acabamos nos encontrando no último passeio a Hogsmeade — responde Ellie normalmente, misturando sua poção e vendo-a tornar-se homogênea. — Não esperava que ele fosse tão legal... eu até notei, depois de alguns minutos de conversa, que as meninas não gostam dele apenas pela aparência. Scorpius é... incrível. 

Coloco o frasco vazio à mesa novamente, concentrada em Ellie e esquecendo-me do meu Caldeirão.

— Então está gostando dele? 

Ellie leva o dedo aos lábios, pedindo que eu faça silêncio.

— Se continuar falando alto assim, o professor vai acabar ouvindo! — sussurra ela com uma risada, gentil e amável como sempre. — Mas... não sei. Sinto atração por ele, é claro, mas ainda é muito cedo pra dizer que estou apaixonada. Nós vamos continuar saindo e ver no que dá.

— E... e ele está gostando de você? — eu pergunto, agora em um tom mais baixo, enquanto pego o próximo frasco que a receita pede. O líquido de dentro é de um vermelho puro, muito bonito. Concentro meu olhar nele e desenrasco a tampa enquanto aguardo a resposta dela. 

— Sinceramente, eu não sei — confessa Ellie, sem alterar seu tom de voz calmo e tranquilo. — Ele se mostrou interessado, mas como eu disse é muito cedo pra saber mais. 

Confirmo com a cabeça, agora evitando olhar para ela. 

— Mais dez minutos! — anuncia o professor, o que faz alguns alunos soltarem suspiros nervosos perto de mim. 

Derramo o líquido vermelho no caldeirão, vendo uma cor diferente tomar conta da mistura. Abro um sorriso, satisfeita por ter conseguido. 

Sempre tive facilidade com poções. 

— Ótimo trabalho, Lily! — grita o professor ao meu lado, e quase dou um pulo de susto por não vê-lo surgir. — Aos que estão com dificuldade, observem só como a Senhorita Potter completou a dela com facilidade! 

Sinto meu rosto erubescer mais ainda, sentindo-me mal pelos alunos que viram-se em minha direção com desânimo. 

— Parabéns, Lily! — sussurra Ellie quando o professor se afasta, segurando o mesmo frasco vermelho que utilizei em suas mãos. Ela tem um sorriso perfeito, deixando-me ainda mais irritada. — Você sempre foi boa nessas coisas... pode transformar isso em trabalho quando crescer, como sua avó fazia. 

Fico um pouco menos estressada por ela ter mencionado a mulher a quem meu nome foi homenageado, mas minha mente permanece concentrada demais no assunto anterior para que eu possa responder sobre isso. 

— Ellie, acho mesmo que você deveria tomar cuidado com quem sai — eu solto, colocando as mãos para trás e observando-a derramar o líquido em seu caldeirão. — Scorpius... não é uma boa companhia. 

Ela bufa, ainda sem virar-se para mim, e fico surpresa por um instante de não vê-la sendo 100% amável. 

— Deixa disso, Ellie — murmura ela. — Você nem conhece Scorpius direito, apesar de eu agradecer por estar tentando me proteger. Se for isso mesmo o que você estiver fazendo, né...

A sineta — anunciando o fim da aula —, dispara pelo castelo neste mesmíssimo instante, e muitos alunos pegam suas coisas e marcham rápido para fora da sala, enquanto outros começam a reclamar pela falta de tempo em concluir a tarefa. 

Eu, ainda processando as palavras de Ellie, enfio minha coisas de qualquer jeito na mochila e jogo-a sobre o ombro, esperando Ellie recolher suas coisas para começar o interrogatório. 

— O que quis dizer com isso? — pergunto enquanto caminhamos para fora da sala, seguindo o fluxo de alunos. — E não adianta desconversar, porque vou insistir até você resolver me contar a verdade.

Ellie suspira, jogando uma mexa brilhante de cabelo para trás, e começa, meio receosa:

— Bom... digamos que você nunca se importou muito com quem eu saía antes, Lily, então esse papo de estou-tentando te-proteger não vai rolar com Scorpius agora. Eu sei que você sempre fica alterada quando se trata dele, mas implicar até por eu sair com ele? Acho que é meio exagerado. Me faz pensar que seus motivos são outros. 

— Meu único motivo é que eu o odeio, Ellie — digo seriamente, conforme descemos a escadaria de pedra em direção ao saguão. — E por isso não te quero envolvida com ele. 

Ellie solta uma risada fria, balançando a cabeça em descrença. 

— Nem você acredita no que está dizendo, Lily Potter. Ninguém fica tão afetado assim por causa de um encontro, a não ser que a pessoa sinta alguma coisa. 

Confusa, observo um grupo de Sonserinas passarem por mim dando risadinhas, os olhares fixos em algo atrás de mim e de Ellie. 

— O que você quer dizer? — murmuro, virando-me para a minha amiga. 

Ellie parece prestes a responder quando alguém surge ao lado dela, seus cabelos louros perfeitos brilhando à luz do sol. 

Scorpius. 

— Olá, Ellie — cumprimenta ele, com um sorriso tão certinho que parece até ensaiado. — Nosso encontro de hoje ainda está de pé? 

Ele tem um pomo de ouro nas mãos, a pequena bolinha dourada que os apanhadores usam no Quadribol, e solta-a o tempo todo; esperando que o objeto voe um pouquinho para então apanhá-lo novamente.

Scorpius é o apanhador do time da Sonserina, e eu sou a da Grifinória. Mas ao contrário dele não fico exibindo-me pelos lugares com um pomo de ouro nas mãos, mostrando que posso pegá-lo sempre que ele tenta voar. 

— Claro! Depois da aula de transfiguração eu já estou liberada — responde Ellie com um sorriso, seus olhos azuis brilhando de empolgação. 

— Ótimo — diz Scorpius, deixando que o pomo de ouro voe acima da cabeça dele e o recuperando a um milímetro do objeto escapar. 

Fecho minha boca, escondendo o quando fiquei surpresa por ele ter conseguido pegar; jurava que o pomo escaparia. E jurava que eu poderia humilhá-lo pelo erro na frente de Ellie.

Scorpius se afasta de nós, andando de costas para continuar observando Ellie, e seu olhar desvia-se para mim por um instante. 

Permaneço séria, cerrando os punhos, mas um calor estranho sobe repentinamente pelo meu corpo. 

— Vamos, Lily, a sineta da próxima aula já tocou! — exclama Ellie, puxando meu braço para que eu a acompanhe. 

Scorpius permanece me fitando, e eu também não desvio o olhar. Por fim, ele solta uma risada que não entendo e se vira, andando depressa para fora do castelo. 

Deixo que Ellie me arraste, sentindo-me zonza e estranha. 

E antes que eu possa controlar, vejo-me repassando as palavras de minha amiga novamente: 

Ninguém fica tão afetado assim por causa de um encontro...

A não ser que a pessoa sinta alguma coisa.

Como eu espero que ela esteja errada.