Desde que cheguei a Hogwarts, minha vida se manteve perfeita. 

Amo meus pais, amo a escola e amo ser bruxa. 

Só não amo o que eu talvez descubra ser.

Ontem, após um treino ótimo de Quadribol, acabei tendo uma discussãozinha com Scorpius Malfoy, o garanhão da Sonserina. 

E ele soltou coisas sobre mim que me deixaram incomodada.

— Sua mimada! — gritara ele, enquanto eu marchava de volta ao castelo com minha vassoura sobre o ombro e fazia o máximo para ignorá-lo. — Metida! Só sabe pensar em si mesma! 

Agora, deitada de costas em minha cama, só consigo pensar que ele está errado. É claro que está. Meu pai foi um vencedor, minha mãe sempre foi gentil, tenho ótimos genes a quem puxar. 

E sou uma Potter, afinal. Filha do famoso e conhecido Harry. 

Há algo a mais com que preciso me preocupar? 

— Ele é lindo demais.... — suspira Emily, escovando seus cabelos loiros e fitando a si mesma no espelho com um ar sonhador. — Será que sairia comigo? 

— Talvez — responde Cindy, ao mesmo tempo em que contempla algo pela janela (provavelmente algum garoto) e trança seus cabelos. — David possui muitas admiradoras da casa dele. Já ouvi várias da Corvinal falarem sobre... mas quem saiba ele prefira uma Grifinória?

— Ai, espero mesmo que prefira! — Emily se vira, quase pulando de felicidade, e seus olhos encontram-se com os meus. — E você, Lily? Ouvi dizer que teve uma discussão com Scorpius ontem... 

Um sorriso malicioso espalha-se por seus lábios, ao mesmo tempo em que Cindy solta uma exclamação alta e corre até minha cama, sentando-se na beirada e me analisando com curiosidade. 

— Discussão? Com Scorpius? Por Merlim, ele é um gato! O que aconteceu? Que foi que você disse a ele? 

Sentindo-me nervosa com o interrogatório, desvio o olhar para o teto e dou de ombros, lembrando-me do treino de ontem. 

— Bom, nós estávamos jogando, Grifinória contra Sonserina — explico, o rosto queimando com o olhar delas. — E daí... bem, comecei a ficar nervosa, com medo de que nós perdêssemos, e Scorpius parecia ter melhorado no vôo com a vassoura, então... então  comecei a brigar com ele no campo. 

Emily se aproxima, ainda com a escova de cabelo nas mãos, e franze a testa para mim. Cindy fala por ela, levantando  as sobrancelhas: 

— Do nada? Vocês simplesmente começam a discutir?

— Ah... não seria a primeira vez. — Sinto vergonha, por algum motivo que não consigo identificar, e tenho medo de que elas pensem que sou do tipo que briga com qualquer um a qualquer momento. Isso só costuma acontecer com Malfoy. — Ele é irritante, e quando estamos competindo... fica ainda mais difícil de suportar. Não sei bem como começou, mas acabou com ele me chamando de mimada. 

Ainda que permaneça estável, meu tom de voz no final deixa claro que não gostei do modo como ele falou. E quem gostaria? Sendo mentira ou verdade, ninguém gosta de ouvir as pessoas dizendo coisas ruins sobre nós.

— Bom, ele não disse nada que já não saibamos — comenta Emily, voltando a se observar no espelho e alisar seus cabelos louros. 

Sento-me na cama, sentindo-me subitamente atingida. 

— Como é? Então vocês concordam com Scorpius? Acham mesmo que sou mimada?

— Olha, nós gostamos muito de você, Lily... — diz Cindy, encolhendo os ombros e fazendo uma cara de culpada. — Mas... mas você é sim um pouco mimada. 

Permaneço imóvel, encarando-as com extrema incredulidade. 

Eu, mimada? Sou filha de Harry Potter! Sou uma Potter legítima! 

Sou exatamente como meus pais. Tão boa e gentil quanto eles. 

— Bom, ok então. — Levanto-me da cama, ajeitando meu cabelo ruivo em volta dos ombros, e encaro minhas amigas, sentindo-me profundamente ofendida. — Vou procurar pela Ellie. 

Ando rápido até a porta do quarto quando ouço Cindy gritar um “espera!”, mas não fico para ouvir o que ela tem a dizer. Desço correndo as escadas do dormitório e alcanço a Sala Comunal da Grifinória. A maioria dos alunos estão relaxados pelas poltronas, aproveitando o fim de mais um dia de aula. 

Mas eu também não quero ficar aqui. 

Atravesso o quadro da mulher-gorda e passo correndo pela escadaria de pedra, marchando pelo saguão até a saída do castelo. Se eu for até o lago, ou puder sentar numa árvore e relaxar, talvez consiga esquecer das coisas chatas que falaram para mim. 

Ou ignorá-las, apagá-las da minha mente e fingir que nunca existiram. 

Estou quase lá quando sinto que trombei em alguém. 

— Ai! — digo automaticamente, afastando-me das vestes negras do aluno e levantando a cabeça. 

Ah, não.

Não, não, não. 

Os fios loiríssimos dele voam com o vento, bagunçados, e seu rosto perfeito e simétrico me encara de volta. 

Scorpius. 

Scorpius Malfoy. 

— Não olha por onde anda? — diz ele, irritado, conforme alisa suas vestes e ajeita o cabelo; atoa, pois os fios permanecem desarrumados. 

— Você também trombou em mim, caso não tenha notado — respondo calmamente, cruzando os braços sobre o peito e mostrando-o como sou uma garota educada.  

— Tanto faz, Potter. Agora saia da frente que tenho coisas importantes a fazer. 

Ele olha ao redor, parecendo ansioso, como se procurasse por algo ou alguém. 

— Tem um encontro? — vejo-me perguntando antes que pudesse controlar minha língua.

Scorpius desvia o olhar até mim, parecendo surpreso, a expressão voltando a ser séria de novo poucos segundos depois. 

— Sim, na verdade tenho — diz ele com orgulho, abrindo um sorrisinho que me faz querer chutar a cara dele. — Com uma amiga sua, inclusive. Viu a Ellie por aí?

Não acredito. Justo a Ellie? 

— Ellie? — Solto uma risada de escárnio, que parece falsa até para mim. — Acho que vou ter que conversar com minha amiga... ela deve estar bem louca pra querer sair com alguém como você. 

— Nem você acredita nisso, Lily Potter — debocha ele, colocando as mãos no bolso das vestes. — As meninas gostam de mim, pois ao contrário de algumas pessoas eu não sou esnobe e mimado...

Sentindo uma fúria e mais alguma coisa estranha subirem pelo meu corpo, aproximo-me dele e o lanço um olhar mortal.

— Diga isso de mim de novo e acabo com você — sussurro, tão próxima que posso sentir sua respiração bater em meu rosto. — Ouviu, Malfoy? Acabo com você no quadribol, nos feitiços e em qualquer outra coisa. Eu simplesmente acabo com você. 

Com o rosto sério, Scorpius não desvia o olhar de mim, mas vejo em seus olhos que o deixei irritado. 

— Acaba comigo? — murmura ele. — Por quê? Porque você é uma Potter? Porque você é melhor do que os outros, Lily? 

Cerro meus punhos, a respiração acelerada, enquanto ele continua a falar: 

— Diga, então — sussurra, o olhar fixo nos meus conforme chega mais perto. — Diga, Lily... diga que você é melhor do que os outros. Diga quem você é de verdade mas finge que não...

Sem pensar, arranco minha varinha do bolso e aponto-a para Scorpius, recuando. 

Infelizmente, isso só faz com que um olhar de triunfo apareça em seu rosto.

— Engraçado você ter ido parar na Grifinória... — ele fala, agora num tom mais calmo. — Porque além de ser mimada e metida, pelo visto você também é uma covarde.

Ele ainda sorri, de um jeito que me faz querer esfregar sua cara estúpida na grama, e some da minha frente antes que eu possa ter a chance. 

Então continuo ali, parada, fitando o nada e abaixando minha varinha. 

E tudo em que consigo pensar são nas palavras dele.