Renascença escrita por Nunuzes


Capítulo 2
Capítulo II




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A claridade começou a incomodar os olhos de Eloise, que lentamente recobrava a consciência. Um tecido áspero roçava sua pele e aos poucos conseguia distinguir as frases que escutava.

— Agora, se me dão licença, eu vou viver minha vida.

O estrondo que se seguiu a fez dar um pequeno pulo. Os braços que a levavam se fecharam levemente em torno de seu corpo em um gesto protetor.

— Ela está acordando.

— Eu vou levar as malas para o quarto rosa enquanto isso.

Ao abrir um pouco os olhos, se acostumando com a luz artificial, pôde ver as costas de um homem alto de cabelos escarlate subindo as escadas rapidamente. Percebeu também que estava sendo carregada no colo de alguém. Virou-se para a pessoa e encontrou um sorriso tímido olhos que lhe miravam através de uma venda de tecido.

O que estava acontecendo?

— Me... Ponha no chão, por favor.

Em silêncio, o rapaz a obedeceu. A jovem olhou rapidamente ao seu redor. Não haviam dúvidas: estava na sua mansão. Mas o que aqueles homens faziam ali? Conforme suas lembranças, mais cedo encontrara um rapaz loiro no último andar... O garoto a havia chamado, puxado seu braço, pulado para cima dela, e... Ela teria atravessado a janela. Estava ferida, sangrando. Teria desmaiado e imaginado coisas? Afinal estava ali, sem nenhum ferimento, e na presença de...

— Me chamo Raphael. Caso se sinta à vontade, eu gostaria de saber seu nome.

— O que você está fazendo aqui?

— Bom... Eu gostaria de lhe perguntar isso também... Eu moro aqui.

Mas como? A casa estava ocupada? O tabelião poderia ter se enganado, mas... Por que não viu ninguém durante o dia?

Eloise sentiu-se envergonhada por tratar com grosseria aquele rapaz que parecia inocente.

— Eu... Me desculpe. Me chamo Eloise, sou dona desta casa. Não sabia que haviam moradores, o cartório deve ter se enganado. – Diante do breve silêncio e do espanto de Raphael, Eloise lembrou que a casa estava abandonada e escondida. Típico lugar perfeito para exploradores ou mesmo drogados e assassinos. Seu sangue gelou diante de tal alternativa. – Bom, eu devo ir embora, então. Com licença.

— Senhorita, já é tarde e é perigoso sair sozinha agora. – Falou Raphael, se pondo a frente da garota que já caminhava em direção à porta principal. - Permita-me ajuda-la. Preparei um quarto para que possa passar a noite e então resolveremos estas questões amanhã, está bem?

Questões... Haviam muitas questões rodando a cabeça da jovem. Mas estava tão cansada... Talvez o desmaio de mais cedo fora por causa disso. Passou o dia preparando as coisas para a mudança. A voz gentil do rapaz e o bom estado de suas vestes a convenceu de que poderia, pelo menos, dar uma olhada no tal quarto. Viu suas malas serem levadas para cima por um homem. Iria pegar seus documentos, celular e sair ainda durante a noite.

— Tudo bem. De qualquer forma, não tenho outro lugar para ficar.

— Me acompanhe. – O sorriso gentil que não saia do rosto daquele homem a intrigava tanto quanto a faixa em seus olhos.

Subiram juntos os degraus da luxuosa escadaria, chegando rapidamente em frente de uma porta.

— Aqui está. Meu amigo deixou seus pertences aqui. Há um banheiro no final do corredor. A chave está na porta.

— Obrigada. – Com um sorriso, Raphael virou-se e deixou a moça sozinha.

Eloise ficou encantada com o quarto, mas poupou-se de palavras e admirações. Trancou a porta e começou a vasculhar sua mochila. Ficou aliviada ao ver que tudo estava ali. Se quisessem roubá-la já o teriam feito. Olhou no celular o horário: 4:22.

“Droga... A essa hora só consigo falar com a polícia. Mas se foi um erro do cartório não vou ganhar muito com minha denúncia... O jeito é esperar o amanhecer ou dormir na sarjeta... Bom, não tenho escolha.”

Tamanho era o seu cansaço que somente tirou os sapatos e se enrolou nos lençóis macios. Em poucos instantes, já havia adormecido.

—--xxx---

Eloise corria ofegante por meio das árvores que pareciam se fechar sobre ela. Uma sombra negra a perseguia. Gritou por ajuda, mas a voz ficou trancada na garganta. A sombra a havia alcançado e puxado seu pulso com tanta força que sangrava. Virou-se para o perseguidor e encontrou um rosto jovem, cabelos rebeldes e claros e um par de olhos laranja que lacrimejavam.

“Me perdoe”, ele disse, antes de solta-la. A imagem do garoto se quebrou como uma grande janela e Eloise caiu no escuro. Grandes cacos de vidros perfuravam sua pele, que sangrava copiosamente.

Com um espasmo, ela enfim acordou. O coração acelerado e os lençóis suados lhe avisaram: era só um pesadelo.

Desnorteada, sem saber quanto tempo havia se passado desde o seu repouso, ela sentou na cama. Ouvia sons do lado de fora do seu quarto, o que indicara alguma presença acordada na casa. Buscou o celular para ver o horário. 18:02

“Merda! Dormi o dia inteiro?!”

Ela não sabia o que fazer. Queria aproveitar sua casa e sua independência, mas não podia, pois que haviam invasores em seu espaço. Ao mesmo tempo, não tinha vontade de encontrar alguém naquele momento. Pensou em esperar os outros irem dormir para então sair de lá, mas para aonde iria?

“Claro que no meio do mato não ia ter sinal direito... Nem ligar pra alguém eu posso.”

Eloise levantou-se rendida, buscando na mochila uma muda de roupa. Um banho longo iria lhe refrescar a mente. Com o ouvido colado na porta, esperou que o corredor ficasse em silêncio antes de sair. Foi rapidamente ao banheiro, sem ser vista. Fechou a porta e começou a se despir, percebendo que seu vestido estava rasgado em alguns pontos. Também percebeu uma coloração diferente em volta dos rasgos no tecido preto.

“Sangue... Não é possível... E se os sonhos que eu tive... Foram reais?”

Entrando na banheira ela pode reparar na sua pele. Encontrou pequenos cortes quase cicatrizados em várias partes do corpo.

Será que foi real e eu estive de coma por algum tempo? Tempo suficiente para a cicatrização. Eu preciso de respostas.”

 

—--xxx---

Raphael ouviu quando Eloise saiu do quarto e sorriu contente. Finalmente ela havia acordado.

“E espero que disposta a conversar...”

Momentos depois Eloise desceu, encontrando rapidamente com o rapaz de cabelos azuis ao pé da escada.

— Olá, Eloise. Conseguiu descansar, eu suponho?

— Oi... Sim, eu praticamente hibernei. Escuta, eu t-

— Olha só, se não é a presença mais encantadora desta casa. – Disse o moreno de branco, se aproximando e beijando a mão da moça. – Beliath, muito prazer.

— É... Eloise.

— Com licença, mas, Eloise, precisamos conversar... Em particular.

— Claro, Raphael. Na verdade, tenho muitas perguntas a te fazer. Eu te acompanho.

— Cuidado, Rapha. As gatinhas mansas também sabem arranhar.

Os dois ignoraram, pois já estavam caminhando silenciosamente a caminho do jardim.

— Beliath tem esse jeito com as mulheres... Mas não se preocupe, com o tempo ele vai te respeitar.

Com o tempo? Eloise não seria obrigada a conviver com eles. Na verdade, quantos eram?

— Raphael... Quem vocês são e desde quando moram aqui?

— Bom, somos seis, e o tempo de convivência varia... O primeiro a chegar foi o Vladimir, não sei exatamente há quanto tempo está aqui, mas são quase 20 anos. O último a vir morar conosco foi o Ivan, há um pouco menos de um ano.

— E você sabe se a mansão foi comprada, alugada?... Preciso saber para resolver essa questão no cartório.

— Bom, na verdade você não vai poder falar sobre a nossa presença aqui. Sua nova condição não permite.

— Minha nova condição como proprietária da mansão? – Questionou com um sorriso irônico que logo se desfez ao ouvir a resposta.

— Sua nova condição como cálice de um vampiro.

Ao ouvir tais absurdas palavras Eloise parou de andar e Raphael a imitou. Era uma piada? Ou então esse cara estava completamente louco. As roupas, a venda, essa história de vampiros... Precisava sair dali imediatamente e chamar a polícia sem dó.

— Essa brincadeira não tem graça. Estou falando de um assunto sério. Se vocês invadiram essa casa irão parar na cadeira!

Raphael suspirou. Menininha de gênio forte...

— Eloise, você deve ter lembrado o acidente que sofreu ontem. Você caiu da janela do último andar e estava perdendo muito sangue. Tivemos que tomar uma atitude para salvá-la.

As imagens vieram à sua cabeça. A janela, o agressor, o sangue... Os seis homens reunidos decidindo se a deixavam sangrar até a morte ou se a salvariam. Pediram para que ela escolhesse um deles e ela olhou para...

— Ai! – Exclamou Raphael, que travava uma luta contra galhos de plantas que prenderam em seus pés durante a caminhada.

“Eu escolhi o homem com uma venda...”

— Por que você usa uma venda nos olhos?

— Porque eu sou cego.

Ah, sim... Ele havia citado na noite anterior, quando Eloise tentava se esconder e os outros discutiam. Lembrou-se da figura de Beliath, que conheceu mais cedo e de outro homem de longos cabelos dourados.

— Senhorita? – Acordada de seus devaneios pela voz suave do homem, que já estava a certa distância dela. 

— Desculpe, mas – Começou a falar enquanto caminhava na direção de Raphael. – Isso não explica. Se você já não vê, então por-

Eloise parou imediatamente de falar ao olhar para o local que Raphael se dirigia. Olhou pra cima e pôde constatar o vitral quebrado, os cacos no chão, as flores amassadas e sujas de sangue...

— Salvamos sua vida através de um ritual. Você foi transformada em cálice. Você não é vampira, mas também não é completamente humana. Sei que é chocante... Mas você-

— Como você quer que eu acredite nisso? Isso não existe! Não sei como ainda dei ouvidos a você, eu vou para a delegacia agora! – e se virou pronta para correr rumo à cidade. Mas seus pés não podiam se mover.

— Você não pode... Quando tentar expor a nossa existência, ficará paralisada. É o meu poder sobre você... O poder de um vampiro sobre seu cálice... Seu que não está crente, então me deixe provar para você. – O homem estendeu a mão em frente à moça. Ela a pegou, quase sem pensar. Seu corpo pôde se movimentar novamente.

Raphael a guiou para dentro da mansão até um pequeno lavabo que havia no térreo. Colocou-a em frente ao espelho, com as mãos em seus ombros. Seu corpo não refletia nele.

— Veja. Eu estou aqui ao seu lado. Você pode me ver, mas o espelho não me reflete.

Não era possível. Essas coisas sobrenaturais não existiam! Mas o que explicava tudo aquilo? O tom sério que aquele homem lhe dirigia, a janela estilhaçada, o vestido sujo de sangue, as cicatrizes... Tantas informações confusas se enrolavam na mente de Eloise...

Raphael afastou os cabelos dela, deixando seu pescoço à mostra. As marcas da mordida... Tudo indicava a verdade.

Eloise caiu inconsciente nos braços do vampiro, que logo a pegou no colo e levou para o quarto em que ela ficará por muito tempo.


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Notas finais do capítulo

Tivemos prólogo, introdução... No próximo capítulo começa o desenvolvimento de verdade, ihul.



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