Iluminados escrita por Nuat


Capítulo 2
Capítulo I




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O garoto arquejou, sentindo mais um poderoso golpe em suas costas.

— Isso é para você aprender a não roubar minhas maçãs, ladrãozinho de merda! — o homem cuspiu as palavras. Um sorrisinho se formou no rosto de Caleb, aquele sorriso travesso que faz qualquer um checar se sua carteira ainda está no bolso. 

— As maçãs estavam uma merda então não se  preocupe comigo, senhor. Não roubo produto ruim. — provocou o moreno, e o brutamontes de cabelo loiro o olhou com ódio. Estava prestes a dar outra surra no garoto petulante quando ouviu uma voz ao seu lado.

— O bastardo está te distraindo! Tem uma porra de uma águia roubando tuas coisas! — o dono da voz, Thresh, gritou, fazendo Caleb praguejar mentalmente. Levantou do chão, mancando um pouco, e tentou sair de fininho para o beco mais próximo. Dan voava, então iria conseguir sair dali facinho. Caleb, por outro lado, não tinha tanta certeza. O brutamontes virou-se em sua direção, puxando-o pela camisa. 

— Parece que temos um Iluminado aqui, não é mesmo? Bem, garoto, não vejo uma luz no fim do túnel para você. — ele sorriu, achando sua piada muito engraçada. Caleb revirou os olhos. Aquela era a mais usada. O homem ergueu a mão em punho para dar mais um soco, dessa vez no rosto, no rapaz quando algo arranhou sua perna. Gritando de dor, o loiro olhou para o lado.

— Acho melhor mexer com alguém do seu tamanho, grandão. — a garota disse, montada em seu enorme tigre branco. O animal mostrou os dentes, sinalizando que podia fazer muito mais que um simples arranhão na perna do brutamontes. O loiro engoliu em seco. Estava extremamente surpreso com a interferência dela, já que a menina nunca se envolvia em nada. Nem sabia que ela era uma Iluminada.

— Ele estava tentando roubar minhas maçãs.

— Ora, vai me dizer que essas maçãs vêm do seu pomar, hein, Bob? Todos sabemos que você roubou do Thresh, não se faça de sonso. — ela disse, e o tal Bob arregalou os olhos, olhando para o homem que havia avisado sobre a águia. 

— Thresh, é mentira, você sabe que eu nunca… — mas Thresh o interrompeu com um soco, e por consequência soltou o rapaz em suas mãos. Caleb aproveitou a deixa para correr, ignorando a pontada em sua costela. Quem diabos era aquela garota? Não importava. Tinha que sair dali o mais rápido possível. Mancando, foi até o beco que planejava ir desde o começo e se escondeu nas sombras do local. Esperou pacientemente longos minutos até ouvir o farfalhar de asas no fundo da rua sem saída. Sorriu, aliviado, saindo de seu esconderijo. Foi até Dan, sua Luz, pegando a bolsa que ele carregava em uma das garras.

— Essa foi por pouco, Dan. — a águia riu, se abaixando um pouco para acariciar com a cabeça a bochecha de Caleb. Estava em cima de uma caçamba, o que aumentava seu um metro e meio para um e noventa. O rapaz sorriu.

— Sabe, Cal, às vezes acho que você duvida da minha capacidade. — Dan proferiu, fazendo Caleb rir. Acariciou o topo da cabeça de sua Luz, ainda sorrindo.

— Não duvido da sua capacidade, mas duvido da minha. — brincou, e foi a vez da águia rir. ficaram alguns minutos comendo maçãs e rindo, mas o som na entrada do beco fez os dois se acanharem. Caleb se pôs na frente de Dan em um gesto protetor, o que fez a águia revirar os olhos.

— Não precisa se exaltar, eu vim em paz. — ouviu a voz da garota que o salvou e relaxou involuntariamente. Ao perceber que baixou a guarda, repreendeu-se, voltando a ficar na defensiva. — É sério. — Caleb e Dan continuaram nas sombras, sem mostrar o rosto. — Eu trouxe pão. — completou a garota, e tanto o Iluminado quanto sua Luz saíram da sombra imediatamente. Era raro alguém no Baixo ter pão. Principalmente um pão tão quentinho como aquele.

— Isso sim é uma oferta de paz! — Dan exclamou enquanto Caleb dava alguns pedaços em seu bico. O rapaz olhou a moça pelo canto do olho. Ela sorria, mas seu tigre branco permaneceu em silêncio.

— Quem é tu, afinal?

— Não seja rude, Cal. — Dan repreendeu, bicando de leve seu dedo. — Qual o seu nome?

— Ambrose. Ambrose Morn. Ela é Nissa. — ela apresentou com um sorriso. Caleb quase revirou os olhos.

— Sou Caleb Bacchs. Ele é o Dan. — ele disse com aquele seu costumeiro tom rude.

— Vocês são bem inteligentes. — finalmente a tigresa disse, deitando no chão.

— Estamos observando faz um tempo. — Ambrose completou, olhando os dois comerem os pães.

— Tu é uma espécie de stalker? — Caleb perguntou sem muito interesse. Ambrose levantou uma sobrancelha.

— Não. Sou uma recrutadora. — tanto o rapaz quanto Dan a encararam com um olhar confuso. — Procuro recrutas para a Rebelião. E vocês são muito inteligentes, podem ser de alta serventia. — esclareceu, e Caleb franziu a testa. 

— Absolutamente não.

— Com certeza. — Dan disse, ao mesmo tempo que Caleb, com algo parecido com um sorriso. O rapaz o olhou com descrença.

— Óbvio que não! Tu 'tá ficando maluco? Mas que porra, eu não tenho nada a ver com esse papo de Rebelião, e nem quero. Meus próprios problemas já bastam. — Caleb teria gritado se pudesse, mas não queria atrair atenção para o beco onde estavam. Dan o encarou intensamente por alguns segundos enquanto o rapaz olhava para Ambrose e sua Luz. Seus olhos amarelos esquadrinharam cada pedaço do rosto de seu Iluminado, e, quando acabou a análise, suspirou.

— Ele não vai mudar de ideia. Desculpe, mas temos que ir. — Dan falou para Ambrose e Nissa, levantando a pata em uma saudação esquisita. Ambrose suspirou, assentindo. Murmurou um "já sabem onde me encontrar" e virou-se de costas, pedindo que sua tigresa voltasse à forma de arma. Nissa acatou o pedido, e logo estava na sua costumeira forma de adaga. A moça ouviu quando Dan agarrou os braços de Caleb com suas garras e levantou vôo. 

Quando já estavam no ar, Dan olhou de soslaio para Caleb, que parecia absorto em pensamentos.

— Não vai mudar de ideia mesmo? — perguntou, e ouviu o rapaz bufar.

— Absolutamente não. — respondeu, negando com a cabeça enquanto observava a cidade abaixo de si. — 'Tá doendo quando respiro, acho que quebrei uma costela.

— Bem feito. Avisei que era pra eu distrair.

— E fazer eu perder toda a emoção? Não, obrigado. — Caleb falou, e a risada de Dan ecoou em seus ouvidos.

*

Já tinham se passado dois dias do seu encontro com Ambrose, mas Caleb não conseguia parar de pensar na proposta. E, bem, nela também. Era uma moça muito bonita. Olhos azuis, cabelos muito pretos e pele bronzeada. Tinha um sorriso esquisito, do tipo que sugeria que ela sabia algo que ele não tinha conhecimento. Não parecia uma rebelde. De qualquer forma, não iria gastar seu tempo lutando por uma causa perdida. Era um bando de idiotas. Suspirou profundamente, desistindo da sua mais nova invenção, observando com atenção a janela do seu pequeno trailer. A cimitarra, Dan, estava em cima da mesa. Estava amanhecendo, e ele tinha passado a noite trabalhando no Ponto, um pequeno dispositivo que ficaria preso na sua têmpora. O aparelho estava pronto para o teste. Caleb colocou o Ponto na têmpora esquerda, e o sistema de aderência grudou na pele. Apertou o botão que o ativava, e logo a projeção apareceu na frente de seus olhos. Sorrindo, Caleb murmurou um comando, e as notícias do dia apareceram na sua frente. Abaixou os olhos, e a tela desceu. Tinha um sorriso triunfante em seus lábios quando leu a última notícia do Jornal de Ohmna.

"Na manhã desta sexta-feira, dia 17, a presidenta May aprovou a lei que visava a criminalização dos chamados Iluminados. A lei entrou em vigor imediatamente. May afirma que aprovou em prol do povo, que sofre com ataques da Rebelião. Frisou que a muitos dos rebeldes são Iluminados, e teme que o poder tenha subido à cabeça dos citados. Diz, também, que sua ação não afetará os Iluminados moradores da Bolha, mas que fará a inspeção nas casas dos residentes que tenham essa condição. Será imediatamente preso e julgado qualquer cidadão não residente da Bolha que apresente envolvimento, acoberte ou seja um Iluminado. Esperamos que…"

A matéria continuava na outra página, mas Caleb já tinha lido o suficiente. Sentiu um formigamento na língua e uma tontura súbita, se apoiando na parede. Apertou o botão para desligar o Ponto e jogou o dispositivo em cima da mesa.

— Que porra tá acontecendo? — perguntou para si mesmo, esfregando o rosto com a mão. Suspirou profundamente, pegando a cimitarra e apertando o botão que fazia Dan aparecer. Quando a arma começou a vibrar, Caleb colocou-a no chão e menos de dois segundos depois a águia de um metro e meio já estava lá, olhando com cara de sono para garoto sentado à sua frente. 

— O que foi? — perguntou, os olhos amarelos brilhando conforme a luz do sol entrava pela janela do trailer.

— Somos criminosos.

— Eu sei. Sempre fomos. — Dan respondeu, confuso.

— Tu não 'tá entendendo, Dan. Se alguém pegar a gente, nós morremos. — a águia arregalou os olhos. — A May decretou que todos os Iluminados vão ser presos e julgados, e eu aposto que a sentença não é menos que morte. — completou, e Dan passou a ponta da asa esquerda na cabeça, alinhando as penas.

— Tenhamos calma. Nada vai dar certo se a gente se desesperar. 

— Nada vai dar certo de qualquer jeito, Dan! — Caleb gritou, colocando as duas mãos nos cabelos. Andou de um lado para o outro enquanto os olhos de Dan o acompanhavam. — Somos sozinhos. Como diabos a gente vai se manter sem roubar? Não podemos mais sair por aí nos expondo desse jeito, Dan.

— Podíamos entrar pra Rebelião. — Dan soltou de súbito. Caleb o olhou, incrédulo.

— Não. Absolutamente não. — profere, e a águia se irrita.

— Você é egoísta, Cal. Tem que entender que nem tudo gira ao redor do seu umbigo. — o rapaz abriu a boca para retrucar, mas Dan continuou antes que ele falasse. — Não importa se ninguém nos ajudou quando precisamos. Não somos bons com os outros porque esperamos que eles sejam bons com a gente, mas sim porque temos um coração puro. Eu te conheço, Cal. Você não é mau, só está… Machucado. Eu entendo isso. Se não quiser me ouvir, como sempre, vá em frente. Ignore tudo o que eu falo, eu vou sempre estar aqui. Não porque espero que você faça o mesmo, mas porque te amo. Queria muito que você entendesse isso. — quando Dan terminou o discurso, virou-se de costas e transformou-se novamente em uma cimitarra. Caleb encarou a arma por alguns minutos, analisando cada adorno na madeira do cabo e na lâmina. O nome de Dan estava gravado no metal em uma letra bonita demais para ser de Caleb. O rapaz suspirou, se espreguiçando enquanto sentava de volta na cadeira.

Talvez Dan tivesse razão. Ele sempre tinha, afinal. Talvez devesse mesmo entrar para a Rebelião. Mas estava tão preocupado… Tinha um medo surreal de perder Dan como perdera seu pai. Quando a Luz do Iluminado morre, nada acontece com ele. Quando o contrário acontece, porém, morrem os dois. Apesar disso, Caleb não conseguiria suportar a perda de sua águia, não só pelo fato de ele lhe ajudar nos roubos ou qualquer outra coisa. Era porque Caleb o amava. A única coisa viva no mundo que o rapaz ainda amava, e ele não podia arriscar perder aquilo. Suspirou profundamente. Se seu pai estivesse ali, saberia o que fazer. Ele sempre sabia. Caleb lembrava muito bem do rosto de seu pai, tão parecido com o seu. Os olhos de cores diferentes, o sorriso brilhante e a barba por fazer. Caleb era a cópia de seu pai, com os olhos azuis quase brancos de sua mãe. A mulher fugira assim que o teve, e seu pai nunca falou dela. Não queria saber, de qualquer forma. Após aquela tarde, quando sua casa explodiu e seu pai morreu, Caleb estava sozinho. Não, sozinho não. Tinha Dan.

— Não posso arriscar tudo… — murmurou, enterrando o rosto nas mãos. Estava decidido: não iria se juntar à Rebelião porra nenhuma. Levantou da cadeira, pegando o Ponto e a cimitarra, e abriu a porta do trailer. O sol bateu em seu rosto, obrigando-o a colocar a mão para bloquear a luz que o cegava. Sua "casa" ficava junto com o resto dos trailers, nos limites da cidade. Era grande, a Metrópole. Ficava no centro de Ohmna, e era, como todas as cidades, circular. No meio tinha a Bolha, onde a elite – Caleb costumava dizer que tinham dinheiro para enfiar até na bunda – vivia. Ao redor da Bolha ficava o Médio. Era onde a parte do exército de Ohmna que tinha na cidade ficava. A condição de Legionário era hereditária, então se alguém do Baixo se casasse com um, além de tornar-se um Legionário também, era obrigado a dar os filhos ao centro de treinamento. Encantador. Enfim, ao redor do Médio, ficava o Baixo. Era no Baixo que o resto da população morava em condições extremamente ridículas. Tinham alguns que tinham uma vida melhor, como os comerciantes e os professores, mas ainda era uma situação deplorável. Porém, apesar de tudo, era no Baixo que ficavam os melhores inventores. Aqueles que faziam cirurgias de implantação de próteses cibernéticas, criavam armas e toda essa merda. Normalmente eles abriam lojas e tinham uma vida razoável. O sonho de Caleb era ser um inventor, como seu pai um dia foi.

Acordando de seus devaneios, Caleb se viu na rua principal que passava por todo o Baixo. Olhou ao redor, logo podendo ver as consequências do pronunciamento no Jornal de Ohmna. Alguns Legionários estavam batendo em um garoto de mais ou menos 12 anos enquanto um macaco pequeno estava se debatendo no colo de um deles. Supondo que aquele fosse a Luz do rapaz, Caleb segurou o impulso de ajudá-lo. Não era problema dele. Inconscientemente esfregou os dedos na cimitarra em seu cinto. Cenas como aquela se repetiram muitas vezes, até com Iluminados adultos, mas principalmente com os mais jovens que ainda não conseguiam ficar na deles. Um garoto, deveria ter 14 anos, se pôs na frente de um idoso que estava sendo preso. Caleb conhecia o senhor, ele sempre roubava algumas coisas de sua loja. O garoto apertou o punho de sua espada e ela se transformou em um lobo imenso, que rosnou para os Legionários. Depois de alguns minutos de dificuldade, conseguiram colocar uma focinheira na Luz e levaram tanto o garoto quanto o velho. Era por isso que Caleb não ajudava: nunca dava certo. Ignorou tudo, continuando sua caminhada. Não sabia ao certo o que estava fazendo, mas tinha certeza que precisava de comida. E era disso que ele estava atrás quando ouviu alguém gritando.

— É aquele ali! Foi ele que me roubou, e é um Iluminado! A Luz dele é uma águia! — quando olhou para trás viu Bob, o brutamontes loiro de dois dias atrás. Arregalou os olhos e voltou a olhar para frente, andando mais rápido e de cabeça baixa.  Não adiantou.

— Parado aí, você! — um Legionário agarrou seu ombro e Caleb não viu outra opção: chutou o homem no meio das pernas e saiu correndo por entre as pessoas. Três guardas correram atrás dele, empurrando as pessoas enquanto Caleb se esgueirava entre elas. Estava passando na frente de um beco quando sentiu alguém lhe puxando para dentro dele. Tentou gritar, colocando a mão na cimitarra em seu cinto, mas uma mão tapou sua boca.

— Cala a boca, Bacchs. — era uma garota. Ambrose. Se desvencilhou dela, praguejando em voz alta. Os guardas tinham passado. Fez menção de sair do beco, mas um tigre branco entrou em seu caminho, rosnando.

— Você vai ficar e nos ouvir, garoto. — disse Nissa, fazendo o garoto engolir em seco.

— Certo, certo. — deu de ombros. Não estava realmente calmo, mas não ia dar esse gostinho à garota e sua tigresa.

— Você sabe por que estavam te seguindo? — perguntou Ambrose levantando uma sobrancelha. Por meio segundo, Caleb ponderou se iria ou não falar. Mas decidiu fingir que não sabia de nada. Quem sabe, assim, ela não parasse de encher o saco. Negou com a cabeça. — Então olha aqui, espertinho. — puxou para cima a manga da camisa, mostrando um relógio. Não, era um Hologris, um dispositivo que parecia um relógio, mas na verdade era um aparelho de reprodução. Ela apertou o botão na lateral do Hologris e o painel holográfico surgiu, mostrando a entrevista que a presidenta May estava dando. Ela falava da lei que aprovou mais cedo, e um blá blá blá danado. Mas o que chamou a atenção de Caleb não foi May, mas sim o homem que estava ao seu lado. Ele era familiar e segurava uma bandeja com um copo de água. Sua expressão era distante.

Foi então que arregalou os olhos e sentiu que começava a hiperventilar. Apoiou-se na parede atrás de si, colocando a mão na testa. Caleb conhecia aquele homem. Ele era seu pai.

 


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