Entre Fogo e Gelo escrita por Nc Earnshaw


Capítulo 19
Encha a cara do velho de porrada




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Capítulo 18

por N.C Earnshaw

 

PAUL, MAIS UMA VEZ, ESTAVA FURIOSO. Era um sentimento comum para ele, que sempre sentiu raiva e transpirou ela por todos os poros do seu corpo. Para uma pessoa calma era difícil entender porque uma pessoa de pavio curto estourava tão rápido. Mas, quando seu corpo já se encontrava num estado perpétuo de fúria, uma palavrinha errada e BUM, já era o suficiente para acordar o monstro dentro de si. 

O cansaço que sentia pelo aumento das rondas e a vigília na casa da adoradora de sanguessugas — ou, como ele passou a chamar carinhosamente após ter um imprinting por um deles, vampiros — estava deixando-o exausto. No entanto, como o universo achava que tudo isso estava sendo fácil demais para ele, seu pai tinha saído do hospital e voltado para casa. 

Os poderes de Wendy foram um alívio para a matilha. Em especial para Paul, que se sentia culpado por quase estragar o segredo. O pai dele não lembrava de nada que aconteceu. A não ser ter bebido além da conta em um bar qualquer, e se enfiado na floresta. Entretanto, o ataque daquele dia não mudou em nada as atitudes do Sr. Lahote, pois assim que ele chegou do hospital, enfiou-se de volta no sofá velho e começou a detonar o resto das cervejas que tinha na geladeira. 

Paul tentou evitar o pai o dia inteiro, mas parecia que o subconsciente do homem estava o avisando para não atiçá-lo, porque ele não o provocou nenhuma das vezes que passou pela sala de estar. Era de fato um alívio, pois realmente não queria ser condenado por assassinato. O pai não merecia que ele sacrificasse sua vida para acabar com seu sofrimento. No entanto, isso não o impedia de estar furioso com o retorno tão breve daquele bebum à sua vida. 

— Você acredita que aquele filho da puta ainda está com os pontos? — rosnou Paul. Para descontar sua raiva, chutou um galho para longe com toda sua força, contudo, não só o pedaço de madeira foi lançado. O que Wendy achou ser quilos de terra se espalharam no ar, e a visão da vampira quase ficou turva com a quantidade de grãos de areia que entraram nos seus olhos. Ela, inclusive, conseguia distinguir os formatos diferentes de pequenos grãos que grudaram no seu globo ocular. Um tinha formato de um coração bem torto, e a garota achou fofo. 

Ele chutou um segundo galho quando demorou para obter uma resposta, mas esse não foi muito longe, pois Wendy rapidamente o agarrou no ar e encarou o lobo com uma expressão sarcástica no rosto. 

— Ei, não adianta ficar descontando sua raiva nos pobres galhos, eles não te fizeram nada demais. 

— Então o que quer que eu faça? — perguntou ele, desacreditado. Wendy prendeu o riso, observando o quão pouco seus olhos puxados se arregalaram. Aquilo com certeza era mais fofo do que o grão de areia com formato de coração. — Quer que eu vá em casa e encha a cara do velho de porrada? Da última vez não funcionou muito. 

Wendy revirou os olhos. 

— Deixa de ser tão dramático. — Ela colocou a mão direita na cintura e ergueu uma das sobrancelhas para enfatizar. — Você só precisa relaxar um pouco e pensar em uma solução. 

— Relaxar? — bufou ele, cruzando os braços. Pelo tom de sua voz, parecia que ela tinha sugerido que ele recolhesse cocô de pombo para fazer uma torta. — E como sugere que eu relaxe? Quer que eu tome vinho na banheira gigante da minha mansão? 

— Ei, sem me atacar, está bem? — rebateu Wendy, levantando as mãos como se estivesse se rendendo. Ela adorava relaxar na banheira da sua suíte. Apesar de não cheirar mal e não precisar de tanto de banho quanto os humanos, era o seu momento em meio aos sais de banho e espuma. — O que eu estou querendo dizer é que você precisa parar de surtar desse jeito e analisar a situação de uma forma mais cal-…

— Se falar essa palavra de novo… — ameaçou ele, cerrando os punhos. Todo mundo sabia que pedir calma para uma pessoa que já estava estressada, era burrice. Era mais fácil pedir que o outro surtasse logo. 

— Tá legal! — anunciou ela, jogando a cabeça para trás como se estivesse exausta. — Nossa, Paul, em todos os meus 83 anos nunca conheci alguém tão cabeça dura quanto você. 

— O prazer é todo meu. — O lobo fingiu tirar um chapéu imaginário da cabeça. — E pare de falar que tem 83 anos, é esquisito.

Wendy não resistiu, e se permitiu rir baixinho da careta que ele fazia. 

— Acha esquisito uma mulher de 83 anos ser assim tão gostosa? — indagou ela, dando uma voltinha para se mostrar melhor. 

Por alguns segundos, o lobo a fitou abobalhado, admirando seu traseiro. Ou como a blusa se colava e mostrava o formato dos seus seios cobertos pelo sutiã. Ou como seus olhos brilhavam de um jeito sensual na tentativa de provocá-lo. Ou como sua pele parecia especialmente delicada naquele dia em contraste com o branco da sua blusa. Ou como…

Wendy começou a gargalhar ao perceber seu olhar, sua autoestima sendo amaciada naquela tarde ao perceber como a linguagem corporal do lobo mostrava seu descontrole. 

O quileute grunhiu ao ouvir sua risada zombeteira, e passou batendo seu ombro no dela. 

— Ah, Paul! Você é tão fácil de tirar do sério — revelou Wendy ainda risonha, seguindo-o. 

Ele lançou um olhar sujo — o que fez a vampira colocar um semblante sério no rosto. 

— Andei pensando sobre a situação do seu pai — anunciou ela, compenetrada. Paul não soube o que dizer ao perceber que tinham voltado ao tópico que o tinha deixado tão irritado. As brincadeiras entre os dois e o modo sexy que ela tinha agido, haviam afastado da sua mente o problema que tinha nome, endereço e ele chamava de pai. — Não quer saber o que pensei? 

— Manda — pediu ele, relutante. Mas, ao ver Wendy quase agindo como se tivesse a resposta para acabar com a fome no mundo, resolveu ceder. Não podia ser algo tão ruim, ou que ele não tivesse pensado antes. 

— Eu acho que você deveria dar um jeito de se livrar do seu pai, sabe. Eu vejo que te faz sofrer ter que conviver com ele. 

Paul a encarou surpreso. O quileute admitia, já tinha pensado em se livrar do pai de várias formas, mas nunca, em seus vinte anos de vida, imaginaria alguém propondo que ele o matasse como se estivesse falando sobre o tempo. 

— Está insinuando que eu deveria matar o velho? — inquiriu ele, assustado. No fundo, ele torcia que estivesse escutando errado. Aquilo era uma loucura total. 

— O quê? Não! Claro que não — gritou Wendy, indignada. — Estou falando em interná-lo em uma daquelas clínicas de reabilitação. 

Ele quase suspirou aliviado que ela não estivesse o incentivando a cometer um assassinato. E levou um minuto ou dois para processar suas palavras. Mandar Daniel para uma clínica de reabilitação fazia muito mais sentido do que assassiná-lo. 

— Eu já cheguei a pensar nisso quando era mais novo — admitiu ele, com um olhar triste no rosto. — Mas perdi as esperanças de que ele se tornaria um homem melhor. Nem sei se um dia existiu algo de bom naquele cara. 

Wendy segurou sua mão e apertou de leve. Até ali era o máximo de contato que eles tinham, mas toda vez que a mão quente de Paul tocava a sua, ela sentia seu corpo derreter. Seu estômago parecia flutuar e ela ficava se sentindo nas nuvens. Se Emmett um dia descobrisse que podia ler mentes, e lesse a dela quando estivesse pensando em Paul, estaria completamente ferrada.

— Você lembra de como ele era antes de… Você sabe, sua mãe ir embora? — Ela não conseguiu segurar sua curiosidade. Queria saber mais sobre o passado do lobo, e desejava ser a pessoa que o conhecia profundamente. No entanto, fez a pergunta com o máximo de cautela possível. 

Ele deu de ombros. 

— Eu nem lembro direito do rosto dela, te falei isso antes. — O lobo soou amargurado. — Mas não devia ser muito diferente… As pessoas comentam, sabe. Dizem que ela foi embora porque não aguentava mais ser espancada por aquele merda. Eu só não entendo porque ela me deixou para trás sabendo o que ele faria comigo. Quando ele ficava muito bêbado e partia para cima de mim, ele sempre me culpava por ela ter ido embora. 

Paul não gostava de falar como se sentia. Entretanto, sempre que estava próximo a Wendy acabava contando mais do que deveria. Ele desabafava coisas que não tinha coragem sequer de pensar na presença de outras pessoas. Depois de ter posto o preconceito dela ser vampira um pouco de lado, as coisas ficaram mais fáceis. 

— Você me contando tudo isso até parece melhor não ter tido pais — manifestou-se ela, dando um sorrisinho triste. — Você não merece ter que conviver com esse homem, Paul. 

— Ele não pode mais me machucar. — O tom de sua voz era decidido, contudo, Wendy podia enxergar a incerteza brilhando no fundo dos seus olhos. A vampira sabia que não era fácil conviver com um pai violento. E era mais difícil, libertar-se das feridas que a violência doméstica trazia para a vida das vítimas. 

— Ele pode. Pode te machucar aqui — afirmou Wendy, apontando para o peito esquerdo do garoto. Onde ficava seu coração. — Assim como a ausência da sua mãe. 

Paul encarou fixamente o dedo dela por algum tempo. 

— Wendy — chamou ele, segurando o dedo e o abaixando. Ela o fitou surpresa; era raro que ele a chamasse pelo nome. — As atitudes deles não me magoam mais. Eu fico irritado… Furioso até, mas eles não me ferem mais dessa forma. Não depois que eu descobri o real significado de ter uma família. E Deus me ajude se um daqueles idiotas souberem disso, mas a matilha é a minha família agora, eu não sinto necessidade de entender os motivos do meu pai ser como é, ou o porquê da minha mãe ter ido embora. 

— Então você não sente vontade de ir atrás dela? 

Paul fez uma careta, negando. 

— Quando eu era criança, sim. Mas agora, só espero que ela continue sumida e meu pai ganhe o mesmo destino. 

Wendy suspirou, pensativa. 

— Mais um motivo para você mandá-lo para uma clínica de reabilitação — proferiu ela, fingindo animação. — Vai levar anos até que ele esteja completamente recuperado, mas assim que ele sair, podemos arranjar um lugar bem longe daqui, para que ele siga sua vida e pare de importunar a sua. 

— Tentador — confessou o Lahote, sorrindo de canto. Por alguns segundos realmente considerando a proposta. — Mas essas coisas são muito caras. 

— Eu posso…

— Não quero seu dinheiro — cortou ele. Era muito orgulhoso para aceitar ajuda, muito menos dinheiro dos outros. 

— Não estou te oferecendo meu dinheiro — rebateu ela, irritada. 

Paul arqueou a sobrancelha como se perguntasse: “Então o que droga você está fazendo?”. 

— Minha família faz doações anuais para orfanatos e centros de reabilitação — contou a Cullen. — Tem um bem legal no Texas. Esse é especificamente para soldados que não se recuperaram da guerra e se viciaram na bebida, mas podemos conseguir uma exceção para o seu pai. Vai ser tudo de graça, eu prometo, não vai sair um tostão do nosso bolso. 

— A não ser uma doação anual gorda — desdenhou ele. Pensar em ter seu pai longe de si, era tentador, mas saber que estaria devendo um favor daqueles para uma trupe de vampiros o fez dar para trás. Wendy abriu a boca para protestar, entretanto, ele não deu oportunidade para que o fizesse. — Vou pensar na sua proposta. 

— Vai mesmo? — indagou ela, aliviada. Sempre ficava feliz em usar aquele monte de dinheiro criando teias de aranha na sua conta. No entanto, tinha falado a verdade para Paul, sua família doava anualmente para várias clínicas, mesmo que anonimamente. 

— Pode adicionar outra coisa à sua lista de “vou pensar sobre isso depois”?

Ele assentiu à contragosto ao perceber a expectativa que tomava conta do rosto dela. 

— Diz. 

— Eu ficaria muito contente se você fosse a minha festa de formatura depois de amanhã — revelou ela alegremente. — Às oito, na minha casa.

Paul bufou alto. 

“Nem fodendo que iria para uma festa cheia de sanguessugas”, pensou ele. Mesmo que, no fundo, estivesse tentado a ir. 

 


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