Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 55
Extra




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Escutar uma conversa atrás da porta é algo comum para crianças curiosas, adultos intrometidos e criaturas que possuem estas duas qualidades, como Mutano. Porém, pessoas sérias e responsáveis, como Rachel, não fazem este tipo de coisa... ou normalmente não fazem.

— Sabe, Ravena, é muito feio isto que você está fazendo... — Ele começou seu sermão, tentando dar o ar mais ajuizado possível – por dentro, estava saltitando por poder repreender a amiga mais sensata que tinha.

A amiga em questão apenas o ignorou e continuou com o olhar vidrado, escutando a conversa dentro do quarto de Estelar. Viu quando Asa Noturna chegou no fim da tarde - queria perguntar sobre Selina, mas estagnou na porta para poder ouvir o diálogo.

— Podem estar preparando uma festa surpresa pra você, ou pior: podem estar tendo uma DR! — Mutano comentou em voz baixa, se aproximando da porta.

— ... É bem pior que uma simples discussão de casal — ela sussurrou.

Desconfiado – e extremamente curioso -, o rapaz de pele verde colou o ouvido na porta grossa e tentou escutar o que estavam falando lá dentro. Reconhecia aquelas vozes, o que tornou a compreensão algo bem mais fácil:

— E por que ela age desse jeito? Não fizemos nada de errado! — Estelar parecia incomodada, preocupada, aflita... qualquer coisa, menos a alienígena serena e racional que costumava ser.

— Não fizemos nada ainda... e nem vamos fazer! — Diferente da antiga namorada, Asa Noturna estava resignado – o que não o impedia de parecer triste.

— Eu deveria conversar com ela ou com o seu pai, não é certo desistirem sem nem mesmo tentar. A Rav...!

— Não, não tem como fazer o B mudar de ideia, eu já tentei! — Ele a interrompeu — Eu já tentei convencer eles várias vezes, mas eu finalmente aceitei: não adianta!

— Como poderiam saber se adianta ou não!?

— Tem chances de funcionar e chances de não funcionar, Kori! — Agora o rapaz parecia irritado, consternado. Bastou respirar fundo para ele continuar, agora com a voz quebrada: — Eu... eu não tinha pensado na possibilidade dele piorar, mas é algo real. É melhor apensas esperar... esperar o Dami voltar ao normal ou... ou tentar... me acostumar com... com isso.

— ... Dick, ele vai ficar bem.

— E se não ficar!? — As palavras estavam cobertas de amargura — E se ele nunca mais for um Robin ou voltar se lembrar de tudo? Se eu tiver que continuar mentindo pra ele o resto da vida? E se ele só ir piorando e piorando até...

Ravena se afastou da porta.

Ela sabia perfeitamente como Dick estava se sentindo – não apenas por seus poderes empatas, todos da equipe se sentiam mal pelo que aconteceu à Damian. Ficar ali só a faria se sentir ainda mais ineficiente como uma parceira de equipe, talvez até mais do que Estelar se sentia: ela era a que melhor conseguia compreender o jeito peculiar com que Robin agia com todos, deveria ter acreditado nele.

Diferente da amiga sensata, Mutano continuou com o ouvido grudado na porta e os olhos arregalados, ouvindo cada parte que conseguia daquela conversa. Se contentava em saber do amigo enfermo pelas notícias que recebia – não achava uma boa ideia ir visitar Damian e acabar sendo atacado pelo rapaz -, porém, nunca imaginou que pudesse estar sendo enganado.

— Médicos não podem fazer nada? Se ele não quer a Ravena perto, talvez exames possam...! — Ela foi interrompida novamente com as palavras rápidas do ex-namorado:

— Depois do que aconteceu, o B não quer o guri com os pés fora de casa: está suspeitando de todos, até da Liga dos Assassinos. Isso sem contar que já tentaram de tudo um pouco: exames, remédios, tratamentos rápidos. Acho que só faltou tratamento de choque, isso se já não tentaram — O rapaz suspirou. Logo depois, barulhos baixos como um pranto abafado começou.

— Precisa se acalmar.

— Ele nem sabe o que aconteceu, Kori! — Richard estava verdadeiramente desesperado e, ao que parecia, estava se aproximando da porta — Ele esquece ou então acha que são só pesadelos, entende o quão terrível isso é!?

— E-Eu posso imaginar, mas...

— E não podemos nem falar nada porque eles não deixam! — O rapaz acertou um soco contra a porta grossa de metal. Queria dar um final naquela conversa, colocar uma pedra em cima do assunto e fingir que estava tudo perfeitamente bem, como todos os outros estavam fazendo. Porém, a doce alienígena o impediu de sair daquele jeito:

— Eu vou pegar um pouco de água para você. Depois vamos conversar mais sobre isso... vamos achar uma solução.

Nesse momento, Mutano se tornou uma pequena mosca e fugiu dali antes de ser notado. Sem conseguir processar tudo o que tinha escutado, ele se enfiou no único lugar onde poderia pedir ajuda: no quarto de Ravena.

Primeiro entrou como uma mosca pequena; depois se tornou um esquilo para escalar a escrivaninha cheia de papéis e tentar chamar a atenção dela – não recebeu atenção, pois ela estava imersa na meditação; virou um cão e começou a latir, resultando em um olhar interrogativo da amiga; por fim, virou um elefante pequeno e barriu.

— Fala logo o que você quer ou saia do meu quarto! — Ravena exigiu com sua magia escura transparecendo pelas mãos. Estava irritada.

Mutano finalmente voltou ao normal. Estava balançando as mãos, os olhos estavam arregalados, parecia ter sido atacado por um fantasma. Resolveu sintetizar o ataque de verdades que ouvira, mas se embolou nas próprias palavras:

— Preso em casa! Tratamento de choque! Ele não sabe o que estão fazendo! Tá todo mundo mentindo pro Damian porque ele está doido de vez!

— ... Não.

— Ravena, eu escutei direito! — De fato, ele tinha escutado perfeitamente bem, mas entendeu errado: — Se o Damian continuar piorando, eles vão tentar um tratamento de choque e se não funcionar vão falar que foi só um pesadelo!

— Não fariam isso.

— Ravena... — o rapaz de pele verde choramingou — O Damian é irritante, mas é nosso amigo. Deveríamos salvar ele! — Para complementar a suplica, se transformou em um gato felpudo e tentou ser o mais adorável possível.

A bruxa desviou o olhar, ergueu as sobrancelhas e suspirou. Sua meditação seria deixada de lado para tentar colocar um pouco de juízo na cabeça oca do amigo:

— Ouviu o que o Dick disse: “Tem chances de funcionar e chances de não funcionar”. — Ela estava séria, irredutível. Se Damian piorasse, ela não queria ser o motivo – já se sentia culpada o suficiente — Além disso, Damian me pareceu bem... — Tentou soar otimista.

— Esteve com ele!? —  Mutano voltou para a forma humana e a encarou surpreso, falando mais idiotices: — Por que você esteve com ele e eu não!? Eu sou muito mais amigo dele do que você, nossos quartos são um do lado do outro!

— Eu não diria que isso faz de vocês melhores amigos... — Novamente, ela suspirou e tentou manter a serenidade. Precisava dar uma longa explicação para responder à pergunta e estava torcendo para que o de pele verde a entendesse de primeira: — Há alguns dias, Superboy invadiu a torre com uma mulher praticamente morta. Essa mulher...

— Então foi o Superboy quem invadiu aqui!? — Mutano a interrompeu, parecia desolado — Eu achei que era uma simulação! Tem ideia de quão rápido eu consegui colocar o meu uniforme!?

— Tem ideia do quão perturbador é saber que você nem sempre está vestindo algo, mesmo morando com outras pessoas?

— Você já sabia disso — Ergueu os ombros com um sorriso idiota.

— Não torna menos inconveniente — Ela revirou os olhos e retomou, tentando ao menos manter a educação: — Essa mulher está envolvida com Damian, Richard... e com a outra vida deles também. Eu não consegui entender muita coisa, estava tudo sombrio e embaralhado, mas eu vi ela se despedindo dele. Ele parecia...

— Ela se despediu dele, tipo assim: sabendo que ia morrer?

— Não, não desse jeito. Parecia só... — Ela buscou as palavras — Que era uma mãe se despedindo do filho? Não sei ao certo, mas pareceu isso... ela gosta dele.

— Você salvou a vida daquela doida varrida da Liga dos Assassinos!? Você sabe que ela é uma assassina, né!? Tipo, o Damian também era desse lugar e ele é perigoso! — O rapaz tentava buscar uma boa forma de embasar todo o nervosismo, mas Ravena a interrompeu em tempo de evitar mais enganos:

— Não essa, era outra mulher.

— Ravena... — Mutano balançou a cabeça de um lado ao outro, estalando a língua no céu da boca — Todos sabemos que a mãe do Damian é a filha do Rah’s, aquele cara doido que parece uma múmia de barbicha, que mandou a prima doida do Damian vir matar ele.

— Não era ela! — Reafirmou entre os dentes — O nome dessa era Selina.

— ... Quantas mães o Damian tem? — Ele encarou a amiga.

— Talvez seja a madrasta dele...

— Tá querendo dizer que o Batman tem uma namorada? O Batman? ... Tipo, o Batman? Sério? — Mutano chegou a soltar uma risadinha — Ele é o Batman, ele só tem tempo pra fazer as coisas sombrias dele de justiça e combater o crime, ele não tem tempo de pegar umas gatinhas por aí.

— Você sabe que todos tem uma vida normal às vezes, não sabe?

— Nem pensar! — novamente, o rapaz soltou suas risadas — E eu aposto a minha cueca edição especial de Dirt Rally que o Batman é o Batman 24/7. Só não aposto que ele dorme em um caixão tipo um vampiro porque ele não dorme...

— ... Informações desnecessárias, Garfield — Rachel murmurou entre os dentes.

— O quê? Que eu acho que o Batman na verdade é um vampiro ou coisa assim? Faz sentido, olha: o Damian deve ter sido transformado em um com uns... 10 anos. Talvez até menos! Explica a sede por sangue, gostar de escuro e se recuperar de ossos quebrados tão rápido... — Pelo incrível que parecesse, o rapaz afirmava os dados com seriedade – como se cresse naquilo de verdade.

— ... Não. — Pela terceira vez, Ravena suspirou — Já terminou? Eu quero voltar para a minha meditação agora.

— Meditação!? Nem pensar, vamos ir salvar o Damian! — Aproveitando da “hospitalidade” da amiga de time, Mutano se sentou em cima da escrivaninha dela – amassando os papéis e livros que empurrou para o canto — Pensa bem: essa tal de Selina foi atacada e ela era próxima do Damian, podem estar querendo atacar outras pessoas também!

Ravena não disse absolutamente nada, estava ocupada controlando a vontade súbita de esganar o amigo impertinente. Porém, serviu como um “continue” aos olhos do rapaz de pele verde:

— Estão fingindo que o Damian ainda está mal, o culpado deve ter acreditado nisso e agora está terminando o serviço! Precisamos ajudar ele antes que aconteça mais alguma coisa!

— ... Já chega.

— Ravena, tem chances dele piorar, mas tem grandes chances de você conseguir salvar ele!

— Eu disse que já chega.

— Podemos ser os próximos da lista! Ou a Estelar, o Asa Noturna... o mundo!

A garota se manteve em silêncio.

Encarava um ponto qualquer, analisando meticulosamente todas as bobagens que havia escutado. Queria ser tão confiante quanto Mutano, mas se estavam descartando a ajuda dela, era por um bom motivo... não por apenas resignação, não poderia ser só isso.

— Ravena, o Damian... — Tentou mais uma vez — Lembra quando ele veio pedir ajuda porque tinha algo ruim acontecendo, mas que só poderia falar com quem estivesse disposto a acreditar nele? Lembra?

— ... Ninguém deu ouvidos.

— Claro que não, porque ele é um doido paranoico! E estávamos brigados com ele! E, e... É ele quem costuma colocar todo mundo em perigo... — Aos poucos, o rapaz foi perdendo a empolgação e abaixou o olhar — ... E daí ele sumiu.

— E quando voltou, estava... — Rachel apenas balançou a cabeça de um lado ao outro, tentando apagar a lembrança.

— ... Ainda dá tempo de salvar ele dessa vez — Mutano murmurou finalmente saindo de cima da escrivaninha e arrastando os pés para fora do quarto. O olhar estava voltado para o chão – se sentia culpado.

Por menor que fosse a possibilidade de ajudar Damian, era uma chance valiosa de redenção para os dois.

Ravena, como se já não estivesse incomodada o suficiente por tantos sentimentos pesados que estava sentindo, ainda precisava lidar com o vislumbre de sentido que a teoria de Garfield possuía: seja lá quem fez aquele atentado, conhecia Damian suficientemente bem para saber o melhor momento de atacar; poderia ser qualquer um, pois todos tinham motivos para não gostar dele; pessoas próximas também estavam sendo atacadas, independente se eram ou não heróis, o que só tornava acusar um culpado algo ainda mais perigoso.

Ela sentiu um arrepio na espinha.

— ... Precisa ser quando Batman estiver fora — Ravena disse baixo quando Mutano estava prestes a fechar a porta.

Ela já estava começando a se arrepender do que fariam.


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Notas finais do capítulo

O que é uma pele naturalmente bronzeada pelo sol da manhã se comparada à pele verde de Garfield “Gar” Mark Logan, vulgo: Mutano?
Resumindo a história dele, que é bem mais longa que a parte superficial que conhecemos nos desenhos animados:
Ainda criança, Garfield estava junto aos pais, geneticistas, em uma viagem científica na floresta de Lamumba quando foi mordido por um macaco verde que o transmitiu a doença Sakutia – ele foi salvo, mas adquiriu a pele verde e o poder de se transformar em outros animais. Os pais de Mutano morreram em um acidente anos depois.
Motivado pelo desejo de fazer parte da Patrulha do Destino (equipe de heróis que ele admirava), invadiu a sede e conseguiu impressionar os participantes com suas habilidades enquanto tentava fugir e. depois, os ajudou a lutar contra um dinossauro. Foi adotado pelos membros e permaneceu lá por alguns anos, até que toda a equipe estivesse morta (sacrifício, combate, há variações também).
A partir daqui a história de Gar começa a ter variações. Algumas vezes ele se junta aos Titãs do Oeste e, só após a equipe ser desfeita, ele é convidado por Ravena para fazer parte dos Titãs. Outras, ele abandona a Patrulha do Destino e se junta aos Titãs para salvar Estelar dos Gordanianos. A mais recente, em Renascimento, ele estava sem um rumo na vida depois que os Novos Titãs foram desfeitos e foi sequestrado polo Robin (Damian) enquanto dava uma festa numa casa abandonada.
A parte realmente interessante na história de Mutano é que ele já teve inúmeras perdas na vida: os pais biológicos; os pais adotivos; as equipes às quais pertenceu. Porém, ele disfarça todo o conflito interno e a tristeza com suas piadas idiotas e o constante bom humor. São raros os momentos em que ele fica triste – normalmente, nesses momentos, ele se torna extremamente vulnerável. Porém, como acontece com muitos personagens, quase nunca esta parte dele é, de fato, aproveitada. Há sim aparições dessa fraqueza, como no capítulo 18 de Jovens Titãs (Renascimento), mas depois tudo é esquecido como se o jeito brincalhão dele conseguisse esconder de todos os problemas internos que ele tem.
Acredito que fariam um ótimo trabalho abordando isso usando a Ravena, sem necessariamente usar romance entre os dois (mas se tiver romance, ótimo! Adoro desse casal).



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