Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 49
Cicatriz




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Jason acordou com a cabeça ainda latejando e com a visão nublada.

Respirou fundo, contou mentalmente até três e se sentou na maca de uma vez só. Enquanto reunia forças para se levantar, tentava se lembrar do que tinha acontecido nas últimas horas – lembrava-se apenas de ter explodido um dos galpões onde estavam guardando substâncias ilegais.

— Droga... — gemeu baixo — Caralho, caralho, caralho... — praguejou enquanto fechava os olhos com força e abria novamente. Enxergava tudo embaçado, com vultos indistinguíveis que o deixava nervoso.

— Estou aqui, filho... aqui... — Bruce murmurou baixo e em meio ao sono. Tinha dormido sentado ao lado da maca de Jason, provavelmente segurando uma das mãos do rebelde até ele acordar – Selina estava ao lado dele, abraçada ao vigilante noturno e entregue ao mesmo sono pesado.

— Mas que porra que... — O rapaz respirou fundo, sentiu um embrulho no estomago só por imaginar que Bruce – ou Batman, já que ele não conseguia determinar a presença do capuz – estar ali com ele era mais uma alucinação — Calma, Jason. Mantenha a porra da calma — ordenou a si mesmo, deitando-se na maca novamente.

Deitar e relaxar foi uma ideia impossível de se concretizar, já que a mente dele estava transbordando de sinais de “risco iminente”. Até mesmo olhar para o teto o deixava nervoso: sentia que a qualquer momento uma estalactite gigantesca poderia se desprender e cair em cima dele; a caverna poderia entrar em colapso devido uma infiltração mal controlada e o soterrar lá embaixo...

— Calma o caralho! — declarou enquanto se levantava mais uma vez, agora saindo de cima da maca e caminhando com passos apressados para fora do laboratório.

Alfred não notou que o rapaz já havia despertado: estava ocupado servindo de suporte para Batgirl, Robin Vermelho e Asa Noturna. Haviam descoberto mais galpões pela cidade onde aqueles compostos químicos estavam sendo guardados.

Jason estava nervoso demais para procurar pelo mordomo, ele simplesmente subiu as escadas e foi se esconder na mansão. Sentia que o dinossauro poderia entrar em curto, se ativar e ataca-lo; que a moeda gigante poderia escorregar da base e ir rolando até ele; que as armas poderiam disparar sozinhas; que a carta gigantesca de baralho iria liberar Gás do Riso... Sentia que as alternativas anteriores poderiam acontecer simultaneamente também.

Entretanto, ir para a mansão não foi uma boa ideia começando pelo lustre: ele tinha medo que o grande objeto decorativo despencasse em cima dele. As imagens daquele dia chuvoso, quando chegou no que ainda chamava de “lar” o aterrorizavam: encontrou Damian debaixo de aço retorcido e cacos de cristais... o corpo dilacerado, repartido, ensanguentado, morto, com olhos congelados em medo. Damian era tão pequeno para ter morrido daquele jeito... ele não queria ter o mesmo fim!

Quando finalmente conseguiu chegar nas escadas, Todd já estava com a respiração acelerada e todos os demais sintomas de uma crise de pânico iminente. Ele rastejou pelos degraus, pois tinha medo de tropeçar e cair. Continuou rastejando até encontrar a primeira porta destrancada e conseguir entrar, se enfiar debaixo de um móvel qualquer e ficar lá, encolhido.

Estava agora no escritório, sofrendo com uma ansiedade descomunal, com medo, com vertigens que mal o deixavam abrir os olhos sem sentir enjoo... estava sofrendo sozinho, porque a mente dele só aceitava que Bruce estar perto era uma alucinação. Não o culpava, depois de tudo o que tinha feito nos últimos dias... do que tinha dito...

O abrigo improvisado que arranjou, uma pequena mesa de chá, tremia assim como o corpo dele. As peças de porcelana, delicadas, rangiam com o tremor – gemiam como criaturas pequenas agonizando.

Mas o som não o incomodou, a mente dele estaca ocupada o fazendo reviver lembranças mais dolorosas.

As alucinações duraram até o som de um despertador ecoar pelo vazio da mansão e se sobrepor aos outros. Era um barulho incessante, rápido e extremamente alto. Depois, barulhos de passos... passos se aproximando. Talvez fosse apenas um dos efeitos colaterais da toxina, mais uma alucinação que parecia ser real.

— Senhor Pennyworth? — a voz de Damian chamou do lado de fora.

Era só uma alucinação.

Damian ainda estava desacordado – por culpa do Bruce. Se ele tivesse despertado, já teriam avisado a ele... se bem que avisaram, mas provavelmente era só um alarme falso como da outra vez.

Se o pequeno tivesse despertado realmente, Tim já teria o bombardeado com fotos e Dick já teria ligado inúmeras vezes para ele... mas ele tinha saído sem o celular para não ser incomodado enquanto lidava com as coisas do seu jeito – explodindo os armazéns de contrabando.

Não.

Não haviam justificativas.

Damian acordado era uma alucinação!

Uma dolorosa alucinação que iria sumir como as outras, cedo ou tarde!

— Senhor Pennyworth? — o pequeno chamou mais uma vez, agora dando-se a liberdade para abrir a porta e procurar pelo mordomo.

Jason puxou todo o ar que conseguiu e tentou sufocar o próprio choro. Ele tremia ainda mais com a luta interna entre a vontade de ver o pirralho e o medo de encontrar com aquela besta sanguinária como da última vez – era uma alucinação, só poderia ser ruim.

— T-Tem... Tem alguém aqui? — Damian perguntou mais baixo — Eu... — Ele se calou e pareceu pensar em algo suficientemente bom para a situação — S-se for um ladrão, as chaves da porta ficam na cozinha. Só... só não machuca ninguém, tá? Leva... Le-eva um biscoito pro Titus e um pro Ace, eles não vão morder se ganharem biscoitos, também não machuca eles! — Tentou soar corajoso, mas a voz estava tão falhada quanto suas pernas trêmulas.

— Porra, Dami! Por que você tem que ser fofo pra caralho com todo mundo!? — Jason suspirou entre um soluço e outro de choro — Se eu fosse um ladrão, já teria atirado em você! — Repreender uma alucinação... prova de quão fora de si o rebelde estava.

A criança, diferente dele, não via aquela situação toda como mais um “alerta de perigo iminente”. Pelo contrário: Damian sorriu ao reconhecer a voz do irmão, se apressando para acender as luzes e procurar por Jason. Foi fácil, afinal, a mesinha de chá mal o escondia com as pernas finas e o tampo de vidro.

— ... Jay! — o pirralho disse repleto de felicidade em rever o irmão. Impulsivo, se jogou no chão e deu um jeito de se enfiar embaixo da mesa assim como o mais velho, se abraçou a ele e ficou lá, como se nada mais importasse além daquele rebelde problemático — Senti saudades, você demorou pra voltar! — o encarou, aproveitando para passar a mão pelo rosto do irmão e limpar as lagrimas — Está triste? Brigou com o meu pai de novo?

— Não, não pirralho... — Jason suspirou e o abraçou como se fosse um urso capturando a presa — Eu só... droga! — Soluçou — Eu só senti sua falta! — Sorriu, porque ao menos em uma alucinação estava vendo seu nanico favorito novamente, acordado e bem.

— É só isso mesmo?

— Sim...

— E... por que se escondeu aqui? — Damian não queria incomodar o irmão, mas estava com a cabeça repousando no peito dele, conseguia ouvir os batimentos rápidos.

— Nem eu sei direito, Dami — O abraçou um pouco mais — Acordou... acordou há muito tempo?

— Não — Sorriu — Onde você estava? Suas roupas estão com um cheiro estranho...

— Eu estava... resolvendo. Isso! Resolvendo... — Deu uma pausa para respirar algumas vezes antes de continuar — Resolvendo algumas coisas, só isso — Novamente ele deu uma pausa, agora para omitir um soluço de choro e recobrar o fôlego — Já acabou, tudo já está terminado e vai ficar tudo bem — sussurrou mais para tentar acalmar a si mesmo do que como uma resposta — Tudo bem...

— Você se machucou? — Com um pouco de esforço, o pequeno conseguiu desprender um dos braços do abraço e encostar a ponta dos dedos em um curativo no rosto do irmão – próximo a boca, que cobria toda a bochecha.

— ... É, acho que sim — Jason sorriu um tanto forçado, prendendo as mãos de Damian novamente e tentando se acalmar com a ideia de uma possível infecção no local ou algo pior — Mais uma cicatriz como troféu — murmurou baixinho, tentando convencer a si mesmo de que aquilo passaria.

— Não se importa com cicatrizes?

— Claro que não, elas me deixam mais bonito... — Novamente ele se forçou a sorrir. Respirava rápido, em uma tentativa desesperada de manter o controle.

— ... Acha mesmo isso? — Damian o encarou com os olhos verdes repletos de curiosidade.

— Que eu sou bonitão? Claro que sim!

— Eu também acho, mas não isso... — disse com uma risada adorável no final — As cicatrizes, não acha elas feias?

— Eu... eu deveria? — Jason mordeu o lábio inferior, tentando não imaginar todas as cicatrizes que tinha no corpo se abrindo novamente – em vão, porque essa sensação angustiante já tinha tomado conta dele.

O pequeno acenou negativamente e escondeu o rosto. Ele parecia estar pensando no que dizer, mas apenas tomou coragem para mais uma pergunta:

— E o meu pai, ele não se importa com elas também?

— Bruce? Não que eu saiba, por quê? Ele... — Suspirou, fungou e então continuou: — Não, droga... ele tem várias.

— ... As vezes ele fica olhando pras minhas... — Damian respondeu sem jeito — Ele deve me achar feio...

— Você não é feio, Dami.

— O Timothy me chama de gremlin...

— Foda-se eles, eu... eu sou seu irmão preferido e estou falando: você não é feio — Sorriu, dessa vez tentou ser genuíno, mas bastou olhar para o irmãozinho para perder o resto de sanidade que ainda tinha.

— Nem com essa cicatriz na sobrancelha? — O pequeno o encarou, esperando ansioso por uma resposta. Era uma pequena cicatriz na sobrancelha esquerda, nada que chamasse a atenção e muito menos que diminuísse a beleza daqueles olhos verdes.

Porém, Jason não estava vendo isso. Ele enxergava a versão acidentada de Damian com o rosto completamente dilacerado, olhos sem vida, os músculos prendendo o que a pancada do lustre e daquele pedaço de metal haviam quebrado.

Aquilo bastou para ele começar a gritar de pânico, espernear, se entregar ao pranto e apertar Damian contra si do mesmo jeito que fez naquele dia. O pequeno, sem entender o que estava acontecendo, só se abraçou mais ao irmão enquanto perguntava:

— Jay, o que foi!?

O rebelde continuou gritando e praguejando enquanto tinha fôlego. Depois se contentou e chorar até soluçar, olhando para qualquer lugar que não fosse o rosto disforme do irmão. Olhou para o tampo de vidro daquela pequenina mesa que os servia de abrigo, com peças de chá em porcelana cara e frágil... tudo tremia, poderiam se partir a qualquer momento.

— Jay? — Damian o chamou preocupado.

Novamente o rapaz ignorou o mais novo, se rastejando para um lugar mais seguro aos dois: se recostou numa poltrona do escritório, longe de qualquer peça de decoração ou objeto potencialmente perigoso.

Mantinha Damian preso a si, completamente imobilizado naquele abraço de urso.

— Jay, está tudo bem?

— Só... — O mais velho respirou fundo, aliviando um pouco o aperto do abraço – os músculos já estavam entorpecidos — Só abraça... quietinho, tá? — pediu — Só abraça o irmão... — Soluçou, tentando interromper as lagrimas mais uma vez — Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem...

Damian obedeceu e abraçou o irmão o mais forte que conseguia. Entretanto, ele não conteve a curiosidade pueril que sentia:

— Você teve um pesadelo? — perguntou baixinho.

Jason suspirou consideravelmente mais calmo e colocou uma das mãos sobre o cabelo do irmão mais novo, tentando comprovar para si mesmo que Damian estava bem. Depois de alguns segundos de uma caricia desajeitada, ele finalmente conseguiu responder:

— Isso... Isso, pirralho — Apoiou o queixo no topo da cabeça dele — É só um pesadelo, vai ficar tudo bem...

— Eu também tenho pesadelos ruins... — Damian sussurrou — Mas é só acordar que fica tudo bem. Estamos acordados agora, Jay...

— Cala a boca, você é só a porra de uma alucinação! — murmurou, tentando convencer a si mesmo.

Desculpa... — o pequeno disse baixinho, contentando-se em apenas abraçar o irmão pelos ombros e ficar ali com ele, ouvindo os batimentos cardíacos rápidos e descompassados.

Jason continuou do mesmo jeito: com o queixo apoiado na cabeça de Damian, o abraçando e sendo abraçado de volta. O choro se manteve, consideravelmente mais brando do que antes – talvez o efeito daquela droga modificada estivesse, finalmente, se dissipando.

Ele só ficou nervoso novamente quando ouviu passos do lado de fora. Duas figuras entraram pela porta, que estava apenas encostada:

— Se eu não tivesse tomado aquele calmante, isso não teria acontecido... — Bruce resmungou olhando em volta, mas bastou encontrar os filhos a salvo para deixar um sorriso escapar.

— Se não tivesse tomado aquele calmante, Patrão Bruce, isso teria acontecido enquanto planejássemos o seu funeral — Alfred retrucou um pouco mais venenoso do que de costume – estava mal-humorado por ter atrasado o horário do remédio de Damian.

Jason arfou assustado ao reconhecer Bruce, mas o que capturou sua atenção não foi o cabelo desgrenhado ou a parte de baixo do uniforme de Batman – a clássica “cueca por cima da calça” -, mas sim os vários curativos que cobriam quase completamente o tórax dele. Curativos com manchas avermelhadas brotando.

— ... P-Pai!? — o rebelde o chamou em um fio de voz.


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Notas finais do capítulo

O Gás do Medo, assim como o Gás do Riso, é um composto químico extremamente perigoso e com reações variáveis e extremamente perigosas.
Foi criada pelo professor e doutor Paul Ferdinand Jonathan Crane, Espantalho, que era um grande psiquiatra e psicólogo, chegando até mesmo a liderar o Asilo Arkham antes de perder o pouco de sanidade que ainda tinha. Conduziu vários experimentos usando cobaias humanas, começando quando ainda era um professor na Universidade de Gotham.
Crane sofreu muito quando era criança, foi nessa época que ele ganhou um medo incontrolável por corvos (daí o Espantalho, algo que dá medo ao próprio medo). Quando mais velho, querendo se tornar mais forte, impôs a si mesmo que nunca mais sentiria medo e, para tal, começou seus estudos voltados para uma toxina que “ajudaria” as pessoas a superarem seus medos.
Tal toxina começou mais branda, como uma “poção do medo”, sendo permitida até mesmo em festas no campus da universidade. Depois, ele começou a aprimorá-la e, finalmente, chegou ao Gás do Medo com a ajuda de Ra’s al Ghul (que disponibilizou uma flor rara como matéria-prima).
Atualmente há várias versões do Gás do Medo. O efeito varia, mas sempre é de medo intenso, às vezes irracional, que pode levar a morte (por ataque cardíaco ou efeitos danosos no cérebro). Batman já desenvolveu vários antídotos para neutralizar as toxinas, superar o medo também anula alguns dos sintomas.
Nota da nota: o Espantalho usa uma máscara para se tornar imune ao gás. Quem pegou, pegou, quem não pegou, não pega mais! XD



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