Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 47
Amarelo




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Já passava de meia noite.

Batman deveria estar pelas ruas e, contraditoriamente, Bruce estava no quarto do filho. Ele iria cumprir o papel de vigilante noturno, mas primeiro queria colocar Damian na cama – um pequeno ato que teria um grande impacto na relação dos dois, segundo Alfred.

Damian, aliás, tinha passado toda a tarde desenhando - refez os desenhos que o irmão tinha estragado e agora estava pintando eles.

— Só falta mais um... — tentou negociar utilizando aquele olhar doce e irresistível que tinha.

— Filho... — Bruce gentilmente passou a mão pelo cabelo dele — Já é tarde.

— Mas é o último!

— Damian, olhe só para você... — Segurou o rosto dele com as mãos, fazendo com que a atenção do pequeno fosse direcionada a ele — Está com os olhos vermelhos de sono.

— Não estou com sono...

— Está sim — Suspirou, o soltando — E quanto mais ficar lutando contra o sono, mais vai demorar para terminar os desenhos. É melhor ir descansar e terminar eles amanhã de manhã.

E se eu não acordar? Vai ficar faltando um...

Damian via aquela situação como algo realmente importante, não iria se perdoar se não terminasse aquela pequena tarefa que tinha imposto a si mesmo... ele precisava sentir o gostinho do dever cumprido — por mais que não entendesse a necessidade de se impor metas e tentar as cumprir a todo custo.

Já Bruce, depois de ouvir aquelas palavras, não conseguia pensar em nenhum jeito de continuar a conversa. Ele não fazia ideia do que poderia estar passando pela cabeça do filho para ele achar que não acordaria – poderia ser só uma expressão, uma pequena chantagem emocional... ou Damian estivesse realmente pensando que não acordaria no dia seguinte.

— Já passou de meia-noite, gremlin... — Tim comentou entrando no quarto com uma caneca de café na mão.

— Não sou gremlin... — o pequeno respondeu baixinho. Tinha perdoado o irmão pelos desenhos estragados, mas já estava quase sem esperanças de conseguir conquistar ao menos um pouco do carinho dele – principalmente por causa daquele apelido.

— Não ia colocar ele pra dormir? — Sem respostas, o rapaz se aproximou mais de Bruce e perguntou novamente: — Bruce, ele não deveria estar na cama?

— Ah... — Desperto dos pensamentos o pai suspirou, apertou a têmpora e respondeu finalmente: — ... está terminando um desenho.

Timothy sorriu e se aproximou do irmão, estava curioso ao ponto de deixar o café de lado. Mais cedo, quando recolheu os desenhos, alguns eram tão nítidos quanto uma fotografia em preto e branco – como os que retratavam Titus, Ace, o gato Alfred, objetos... –, mas outros eram apenas algumas manchas sem sentido, provavelmente não terminados.

Ele ignorou o caçula da casa, afinal, Damian estava focado demais para notar a proximidade dele. Tim preferiu analisar as pinturas: perfeitas, nítidas, como se fossem fotos impressas ao invés de desenhos feitos por uma criança... porém, aqueles que eram manchas sem sentido, continuaram assim: manchas sem sentido, manchas negras em folhas completamente amarelas - várias.

— Terminei! — o pequeno anunciou, sorrindo. Estava orgulhoso de si mesmo— algo que não sentia há muito tempo.

— E o que exatamente você desenhou? — Drake usou de um tom um pouco mais ríspido do que o normal. Não fez por mal, só não conseguia entender o porquê de mais uma cópia de papel amarelo com uma mancha – não fazia sentido algum.

— Desenhei isso... — Damian segurou a folha com cuidado devido à tinta fresca e mostrou para o irmão.

— Eu sei, grem... Dami. Eu sei que você desenhou isso, mas eu quero saber o que é.

— ... É uma explosão.

— Não importa o que é — Bruce interrompeu a conversa deles — Filho, é melhor ir dormir. Amanhã vocês falam sobre os desenhos...

— Bruce... — Tim suspirou, incrédulo — Seu filho acabou de falar que desenhou uma explosão e você manda ele ir dormir? — Ele encarou o irmão — Damian, de onde você tirou que uma explosão é só uma coisa amarela com uma mancha no meio?

— Do meu pesadelo... — O pequeno tentou disfarçar a nítida decepção que sentia agora. Não importava o que ele fizesse, talvez nunca fosse bom o suficiente para o irmão mais novo – e nem para o pai.

— Damian, é melhor você ir para a cama antes que...

— E como foi esse pesadelo? — Tim interrompeu Bruce. Estava curioso, agora não apenas pelos desenhos estranhos, mas porque se lembrava perfeitamente de Damian implorando para ser acordado de um pesadelo.

— Eu não me lembro bem... — Damian suspirou. Ele queria se lembrar, mas o pouco que se lembrava ele desenhou – queria reconhecer aquela mancha negra, mas não importava quantas cópias fizesse, não conseguia.

— Chega desse assunto, Damian.

— Mas eu queria...!

— Não — Bruce o interrompeu — Você vai dormir e esquecer esse pesadelo, desenhos de explosões ou qualquer coisa do tipo!

— Mas...!

Já disse que não!

— Bruce! — Tim se meteu entre os dois — Fica calmo, ele só está falando de um sonho bobo! — Olhou para o irmãozinho que, nesse ponto, já tinha os olhos marejados — Fala, Dami... o que lembra do pesadelo?

— Ti-inha muito barulho... — Ele respirou fundo tentando prender o choro antes de continuar — E eu estava em um lugar apertado, só conseguia ir pra frente... — Olhou para o pai, para o semblante de decepção que ele tinha — ... Qu-quando e-eu consegui sai-ir... — Respirou fundo de novo, agora encarando o chão — ... E olhe-ei para trás, e-estava tudo amarelo... Tinha laranja e ver-rmelho, mas era muito amare-elo... — As lagrimas já estavam escorrendo — E alguma coisa estava atrá-ás de mim, mas eu não sei o que é! — Desabou. Lembrar daquilo era assustador, além de o deixar desconfortável pelos outros dois encararem apenas como um “sonho idiota” — Eu lembro, mas eu não sei o que é! Por isso eu desenhei, porque quando eu voltar ao normal, vou poder descobrir!

— Tudo bem, Dami... — Tim disse no tom mais amável que conseguiu, abraçando o caçula e mexendo no cabelo dele — Já passou... — Ele encarou o pai, esperava que Bruce fizesse algo para acalmar o garoto, mas ele simplesmente saiu do quarto e deixou os dois sozinhos, murmurando antes de sair:

— Sinto muito.

— Fo-Foram vá-árias vezes a me-esma coisa! — Damian o encarou.

— É só um sonho bobo... — Sorriu.

O pequeno levou alguns minutos, poucos, até conseguir parar de chorar e se afastar do abraço do irmão. Ele arrastou os pés até a cama e se jogou entre os cobertores e travesseiros, se escondeu no meio deles.

— Quer que eu fique aqui mais um pouco?

— ... Não precisa — o pequeno respondeu quase em um sussurro, se esforçando para não começar a chorar mais uma vez.

— Ok... — Timothy não precisava ficar lá, mas ficou. Ele se sentou na beirada da cama, em silêncio.

Quando notou que o irmão pretendia ficar ali mais um pouco, o pequeno se aproximou dele, com movimentos lentos como os de um gato assustado. Com todo o espaço que aquela cama tinha para eles, Tim preferiu ficar apenas na beirada e Damian ficou encolhido ao lado dele.

— Quando você dormir, eu vou precisar sair — o mais velho avisou.

— T-Tudo bem... — Damian sussurrou baixo, ainda estava fungando.

E assim foi feito.

Tim ficou mexendo no cabelo do irmão até que o pequeno finalmente se rendeu ao cansaço. Depois, ao invés de continuar no quarto ou ir trabalhar em algo, o rapaz preferiu ir atrás de Bruce. O encontrou na caverna, ele estava terminando de vestir o uniforme para sair em patrulha – permanecia com o semblante de decepção.

— Por que você saiu daquele jeito? Eu tive que acalmar o gremlin sozinho... — Com a falta de respostas, ele continuou: — Não precisa ficar assim, B. É normal, qualquer criança tem pesadelos às vezes — Novamente recebendo o silêncio, ele continuou a conversa unilateral: — Você ficou decepcionado porque ele não reconheceu o Batman naquela mancha? A memória dele deve estar voltando aos poucos, logo ele vai se lembrar!

— Não estou decepcionado com ele... — a voz beirou um deserto seco e gélido — ... Estou decepcionado comigo.

— Por quê?

— Porque eu falhei com o Damian até mesmo nos sonhos dele — Ele encarou o rapaz.

— Foi só um pesadelo... — Tim suspirou — E por mais que uma mancha preta no fundo amarelo seja sinônimo de Batman, talvez tenha sido outra coisa. Ele pode estar revivendo alguma memória enquanto dorme...

— Revivendo memórias... — Batman encarou o chão em silêncio.

As memórias de Damian poderiam ser resumidas em uma luta incessante para agradar alguém. Primeiro ao avô, depois à mãe, depois ao pai.

Cada dia era apenas mais um dia de luta, apenas luta, porque ele nunca recebia reconhecimento por nada. A glória era guardada para apenas quando ele atingisse a perfeição – inalcançável -, ou para quando ele finalmente conseguisse ser o orgulho de alguém.

Por mais que tentasse, Batman, Bruce, ou apenas o pai de Damian não conseguia se lembrar de um momento que passou com o filho apenas sendo um pai. Sem pressioná-lo, sem impor regras, sem exigir algo...

Não haviam lembranças boas, descontraídas, nem mesmo dos aniversários dele...

No último, no décimo terceiro aniversário, ele estava ocupado com mais uma daquelas reuniões da Liga da Justiça. Damian comemorou o aniversário apenas com Alfred, assim como ele comemorou o dele, com a diferença de que Bruce estava vivo ainda – apenas tinha prioridades antes do filho, como sempre.

— ... Essas memórias para uma criança normal são pesadelos — murmurou — Eu fiz o meu filho viver em um pesadelo... — constatou.

— Se servir de consolo: você não fez isso sozinho, a mãe dele ajudou bastante.

— ... Ele tem medo de mim.

— Bruce, não é isso... ele adora você.

— ... Isso só torna tudo ainda mais doloroso... — Encarou Tim — ... Se ele me odiasse como o Jason, gritasse todas as coisas erradas que eu fiz... — Balançou a cabeça de um lado para o outro — ... Ele não, ele só distorce e acha que está errado.

— Cada um tem um jeito diferente de lidar com esse tipo de coisa — Por mais que tentasse amenizar a situação, Timothy sabia que aquelas palavras entravam por um ouvido e saiam pelo outro.

— Eu coloco sempre algo na frente dele, na frente de vocês... — Suspirou — Que tipo de pai faz isso? — Encarou o chão mais uma vez.

— É o Batman quem coloca as prioridades na frente, eu sei que o Bruce pensa diferente.

— O Batman também é o pai de vocês, eu sou... — Apertou a têmpora — E eu sempre erro.

— B... — o mais jovem se aproximou, segurando-o por um dos braços — Está se sentindo bem? É a pressão de novo?

— Eu sempre deixo meus filhos me esperando diante da morte e chego tarde demais! — disse entre os dentes. Sentia desprezo por si mesmo.

— Alfred! — o rapaz chamou, apoiando o vigilante que continuava a balbuciar acusações contra si mesmo — Alfred, temos um problema!


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Notas finais do capítulo

Segundo a primeira edição de Novos Titãs Renascimento, Damian precisou comemorar o aniversário de 13 anos “sozinho” porque o pai recebeu um chamado importante da Liga da Justiça. Ao que pareceu, Damian está mais do que acostumado em não ser uma prioridade para o pai...
Felizmente, Alfred ficou lá com ele e até fez um bolo de morango com baunilha, que foi elogiado pelo garoto.
O presente do avô dele, Ra’s, foi uma linda ameaça com direito à um Robin morto e tudo...



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