Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 46
Remorso




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Bruce nem ao menos esperou a limusine ser estacionada adequadamente para sair dela e deixar a pasta de papéis importantes, Timothy ou qualquer outra coisa para trás. Quase colocou as portas da mansão abaixo para poder entrar – não queria perder tempo usando a maçaneta. Subiu as escadas apressado, esbanjando a boa forma que tinha conquistado com os poucos dias de descanso. Quase trombou com o mordomo pelo caminho até o quarto do filho mais novo.

— Alfred, eu preciso ver o meu filho! — se justificou antes mesmo de alguma explicação para aquele comportamento ser exigida.

— Certamente, Patrão Bruce, mas...

Aquela pequena conjunção de restrição de ideias foi um balde de água fria para o Wayne. O vigor o abandonou e deixou apenas a mesma feição de desolação que ele tinha nos últimos dias – sempre que recebia uma recusa para alguma possível melhora de Damian.

— ... “Mas”?

— Mas ele está tirando um cochilo... — O mordomo ergueu os ombros — Não ouse acordar aquela criança, não sabe com o que vai estar lidando! — disse com um tom humorado, conseguindo até mesmo a arrancar um suspiro de alivio de Bruce.

— Bruce!? — Tim o chamou do começo da escada, segurava o paletó do pai, maletas e ainda tentava equilibrar o notebook aberto na outra mão — Alfred!?

— Estou a caminho, Mestre Tim! — o mais velho respondeu igualmente bem-humorado enquanto deixava Wayne sozinho para decidir se entraria ou não no quarto do filho.

Ele entrou.

Tomou cuidado o suficiente para abrir a porta de forma delicada e silenciosa.

Conseguiu conter um murmúrio ou outro enquanto olhava aquele quarto cheio de papéis desenhados espalhados pelo chão; roupas reviradas saindo pelo armário – com Ace usando algumas como cama -; coisas derrubadas – provavelmente por Alfred, já que o pequeno gato lambia uma das patas em cima da prateleira -; TV ligada em um desenho qualquer sendo transmitido; Titus dormindo em cima da cama, com a barriga para cima, ocupando quase tanto espaço quanto os outros dois dorminhocos:

Selina estava com Damian praticamente no colo dela, com um dos braços envolta dele e o outro sendo segurado pelo menino. O pequeno Wayne parecia ter dormido no meio de uma obra prima: um desenho no antebraço da mãe como se fosse uma tatuagem.

— Bruce, o Alfred disse que...

O rapaz nem conseguiu terminar a frase antes de se calar ao ver toda aquela cena. Diferente de Bruce, que se contentava em apenas admirar, ele pegou o telefone celular no bolso e começou a tirar várias fotos.

— Tim — o pai o chamou em um tom tão sério que o fez guardar o celular no bolso novamente e fingir que não fez nada. E então continuou: — Quero que me mante todas as fotos depois.

— Sim senhor — Sorriu.

— Eu quero também... — Selina disse baixo, mantendo os olhos fechados, completando logo em seguida: — Sim, eu estou acordada.

— E como o nosso filhote está? — Bruce perguntou em um tom ameno, até mesmo carinhoso, enquanto se sentava na beirada da cama para ficar perto deles.

— Filhote? Pelo estado do quarto, acho que foi a versão “gremlin alimentado” que acordou... — Tim resmungou olhando em volta e se aproximando também.

— ... Damian está ótimo. É a mesma criança adorável de alguns dias atrás, o único problema é que... — Ela se calou assim que o pequeno se mexeu um pouco. Só ousou falar algo quando já tinha certeza absoluta que ele estava dormindo — ... É que ele não fica quieto.

— Está dizendo que foi o meu filho que fez tudo isso? — Bruce franziu o cenho, sem conseguir imaginar nem mesmo ele se levantando da cama sozinho pelos próximos dias.

— E em poucos minutos...

— ... Como? — Drake perguntou tentando entender.

— Na hora do banho ele queria escolher um pijama, depois queria desenhar, depois queria achar a bolinha do Titus, depois queria desenhar de novo — ela bocejou — Ah, tiveram as perguntas também, várias perguntas...

— Perguntas sobre o que?

— Várias coisas. Aliás, nos conhecemos em um jantar beneficente.

— ... Ele perguntou de mim? Daquele pássaro de brinquedo? — Tim encarou o chão, culpando-se por tudo o que aconteceu.

— Na verdade ele perguntou bastante sobre...

Antes que Selina conseguisse terminar, Dick entrou no quarto quase colocando a porta abaixo – e isso porque Bruce a deixou entreaberta. O rapaz estava tão afobado que chegou a escorregar em uma das folhas jogadas no chão.

— Como ele está!?

— Dick! — Bruce o tentou chamar de volta a si, mas foi completamente ignorado.

— Ele está bem!? Acordou mesmo!? — Perguntou enquanto subia na cama, expulsando Titus e tomando Damian dos braços de Selina. Ele verificou a temperatura, balançou o irmão mais novo pra lá e pra cá e ainda teve a coragem de o pegar no colo e dar alguns passos em direção da porta, justificando-se com: — Ele deveria estar sendo monitorado no laboratório!

— Não, ele está perfeitamente...! — a gata tentou explicar, mas Bruce a interrompeu:

— Dick, coloque o seu irmão onde estava e o deixe dormir!

— Mas B...!

— Agora!

— Ele só está tirando uma soneca, Dick... — Tim revirou os olhos para todo o drama do irmão mais velho — Pelo jeito, é melhor deixar o gremlin dormindo.

— Não sou gremlin nada! — Damian resmungou manhoso enquanto passava uma das mãos sobre os olhos, finalmente desperto. Ele apoiou o rosto no ombro do irmão e ficou esperando alguma explicação para ter acordado com Dick o segurando.

— ... Bem, rapazes, eu adoraria ficar aqui com vocês... — Selina se levantou da cama — ... mas o Alfred pode estar precisando de ajuda. Cuidem bem do meu filhote! — Selina sorriu, deu um beijinho na testa do filho e saiu logo depois, deixando os três cavaleiros para cuidar da criança levada – e aparentemente cansada.

Tim encarava o chão, as paredes, qualquer coisa que não fosse Damian;

Bruce se contentava em observar o filho de longe, não queria exigir ele perto agora – não quando a última lembrança deles juntos que pequeno tinha, provavelmente, era do pai brigando com ele;

Dick, o mais eufórico de todos, abraçava o irmão e apertava como se fosse uma pelúcia;

— Eu fiz vários desenhos hoje! — o pequeno D disse eufórico, nem de longe queria se afastar do irmão.

— É mesmo!? — Richard perguntou risonho, se jogando na cama com Damian mais uma vez. A essa altura, Titus já tinha se juntado a Ace e deitado sobre as roupas jogadas no chão.

— É! Eu desenhei o dia todo, desenhei até no braço da minha mãe! — Damian pareceu ficar pensativo logo depois, olhando para os irmãos e para o pai. Era como se quisesse entender os três estarem com ele ao mesmo tempo, até que finalmente perguntou: — ... Aconteceu alguma coisa ruim?

Os três negaram instantaneamente, mas foi apenas Bruce quem explorou um pouco mais aquela pergunta:

— Por que acha que aconteceu algo ruim, filho?

—  Vieram todos ficar comigo ao mesmo tempo...

— Viemos porque você acordou, Dami — Dick sorriu.

— Ah... — o pequeno encarou o irmão um pouco mais sério, depois desviou o olhar. Se afastou dele e se aninhou entre os travesseiros onde estava dormindo antes.

— O que foi, pequeno D? — Grayson perguntou se aproximando o suficiente para mexer no cabelo dele, bagunçando carinhosamente – os fios já chegavam na altura do nariz, precisavam ser cortados.

— ... Desculpa por ter entrado no seu quarto? — A criança, sem coragem de encarar eles, se encolheu e escondeu o rosto antes de continuar: — Eu também entrei no seu, pai...

O pequeno continuava cabisbaixo, encarando aquela visita repentina como uma exigência de explicações pelo “mal comportamento”. Ele não fazia ideia de que uma semana já tinha se passado.

— Dami...

— Filho, você não precisa pedir desculpas... — Bruce comentou se aproximando mais dele. Fez questão de o puxar para um abraço apertado – antes que Dick o “roubasse” novamente.

Como resposta à demonstração de afeto inesperada, o pequeno se aconchegou no abraço e escondeu o rosto no pai. Ficou assim apenas alguns segundos, apenas o suficiente para se lembrar da outra pessoa que também estava lá:

— Ah, Timothy... — O pequeno encarou o irmão enquanto ainda estava protegido no abraço.

— Não precisa me pedir desculpas por nada, Damian.

— Mas se eu tivesse esperado...

— Não, Dami... — Tim o interrompeu — Se eu não tivesse deixado aquela coisa perto de você, teria ficado tudo bem. Sinto muito.

— Mas...

— Eu vou tentar tomar mais cuidado com você agora, gremlin — Tim deu um sorriso triste para o irmão e depois se afastou. Começou a recolher os desenhos jogados no chão e o que estava fora do lugar – não tinha coragem para ficar perto de Damian ainda, muito menos de olhá-lo nos olhos.

— Eu também sinto muito, guri... — Dick chamou a atenção dele para si — Se eu não tivesse saído e deixado você sozinho...

— Tudo bem! — Damian sorriu — Você teve um encontro com a sua namorada, não foi? Minha mãe me contou! — Soltou uma risadinha adorável — Eu conheço ela?

— Nem imagina o quanto — Suspirou.

— ... E por que ela não veio me ver?

— Porque você precisa descansar bastante antes de receber visitas — Bruce respondeu pelo filho mais velho — É por isso que nenhum amigo seu veio te ver ainda... — Ele abraçou o pequeno um pouco mais. Se pudesse, o colocaria longe de tudo e todos só para ter certeza de que nada de mal fosse acontecer.

— Pai...

— Não.

— Mas eu nem falei nada ainda...! — Damian o encarou surpreso.

— Não precisa me pedir desculpas.

— Mas pai...!

— Já disse que não, Damian — Bruce o interrompeu em um tom um pouco mais sério. Quando o pequeno finalmente se aquietou no abraço mais uma vez, ele continuou: — Eu é que fui um péssimo pai brigando com você por nada... eu só...

— Não sabe lidar com crianças? — Dick tentou completar.

— É autoritário? — Tim também ofereceu ajuda.

Grayson estalou um dos dedos, como se chegasse à resposta perfeita:

— É inconsequente!

— ... Eu acabo ficando nervoso por não saber agir com você, filho — Bruce preferiu ignorar os comentários anteriores — Antes era mais fácil porque eu te tratava como trato os seus irmãos. Mas era errado, você é novo demais para ser tratado como um adulto... — Apertou mais ainda o filho contra si. Se não fosse um pequeno resmungo de Damian, talvez ele continuasse apertando aquele garoto se esquecendo completamente da força que tinha... — Desculpe... Eu... não costumo abraçar muito e...

— Tudo bem, minha mãe já me amassou um monte de vezes hoje! — O pequeno sorriu, encarando o pai com os olhos verdes brilhando como nunca.

— E o que você fez hoje?

— Desenhos! — Respondeu na mesma hora — Terminei um bloco inteiro de folhas! Também brinquei com eles! — apontou para os cães exaustos, deitados no chão — Ah, também aprendi a dar cambalhotas igual a minha mãe, ela me ensinou!

— Cambalhotas...? — Bruce sorria, mas na verdade ele estava prestes a deixar o filho com os irmãos e ir exigir explicações sobre aquilo diretamente para a gatuna. Como ela ousou ensinar algo tão perigoso para uma criança!?

— É, quer ver!?

— Agora não filho... — O pai suspirou e desfez o abraço, empurrando Damian delicadamente para que ele se deitasse na cama mais uma vez — Deve estar cansado.

— Já descansei! — o pequeno sorriu e se sentou novamente — Dick, quer ir no jardim comigo?

— Er, Dami... — ele tentou desconversar — Como você usou um bloco inteiro de folhas?

— Desenhando...

— Eu sei, guri, mas são vinte folhas... Como fez vinte desenhos?

— Com carvão... — Mostrou os farelos espalhados pela cama.

— Na verdade são trinta folhas — Tim comentou enquanto colocava todos os desenhos sobre a mesa, prendendo as folhas uma contra as outras e as alinhando pelas bordas — Trinta com gramatura de 300, seja lá o que isso for.

— São folhas pra aquarela e... — O pequeno se calou quando viu o que o irmão estava fazendo — E... Eu pintar depois, mas...

— Mas o que, Dami? — Dick perguntou preocupado, estranhando a tristeza súbita do caçula.

— Agora não dá mais... — Já estava com os olhos marejados.

— Por que não, filho?

— O Tim estragou tudo colocando junto — Damian resmungou baixinho, triste.

— ... Eu só arrumei eles! — Drake tentou se defender, mas bastou separar as folhas novamente para ver os desenhos borrados e com algumas partes apagadas — Dami... eu juro que não sabia que...!

— Tudo bem! — o pequeno o interrompeu enquanto finalmente saia da cama — Não foi por querer... né? — Sorriu, claramente se esforçando para não chorar pelos desenhos perdidos.

— Filho, você pode desenhar mais depois. Agora é melhor descansar.

— É, Dami! Podemos ficar o dia inteiro desenhando e...! — Antes que Richard pudesse terminar a lista de coisas que estava disposto a fazer para manter o irmãozinho distraído, Damian o interrompeu dando uma desculpa qualquer antes de sair do quarto:

— Eu vou ir ver se o Sr. Pennyworth quer ajuda!

Por mais que ele estivesse tentando parecer bem, era óbvio o quão triste tinha ficado. Bruce suspirou e se levantou para ir atrás do filho – não queria ele descendo as escadas sozinho ainda.

Dick e Timothy mantiveram o silêncio. Um se sentia extremamente culpado e o outro estava chocado:

— Você viu, Timbo? Ele saiu correndo! Ele conseguiu correr sem nem segurar em nada!


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Notas finais do capítulo

Pobre de ti, Timothy J. Drake, consegue ser um péssimo irmão até quando tenta fazer a coisa certa! Ainda bem que o Damian agora pode correr e fugir, né?
O carvão é um material ótimo para esboço de telas e coisas que levam tinta porque ele é bem fácil de apagar (tenta pegar um pedacinho do carvão de churrasco e fazer algo numa folha de papel, ele acaba sumindo se passar o dedo). Para que ele fique fixo no papel, é preciso usar algum produto fixador (tipo laque, goma laca...).
Gramatura é o peso em gramas (g) da folha por metro quadrado (m²). Quanto maior a gramatura, mais grossinho é o papel. Dependendo do material, o mais indicado são folhas de gramatura mais alta, principalmente para o uso de técnicas molhadas (como a aquarela, que usa água para diluir os pigmentos de cor).



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