Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 40
Lustre




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Damian acordou com o próprio grito de dor.

Ele se encolheu e segurou a cabeça com força, se virando de um lado para o outro na cama.

A escuridão do quarto o fez ter dúvidas se ele conseguiu abrir os olhos ou eles ainda estavam fechados devido à tamanha algia.

Um relâmpago que iluminou o quarto o fez ter certeza de que estavam abertos, porém. Também o fez ter certeza de que não foi um monstro que o atacou enquanto ele dormia ou algo do tipo, que o barulho alto e repetitivo não era a tal fera arranhando o assoalho com as garras: era apenas aquele zumbido irritante no ouvido, pior do que todas as outras vezes, o lembrando de uma vontade descabida de terminar com aquilo.

— ... Se-enhor Pen-nyworth? — chamou quase em um sussurro, se obrigando a prender os soluços do choro para conseguir falar.

Silêncio.

E com o silêncio, a criança tentou se enrolar nos cobertores e dormir mais uma vez, mas aquele zumbido só piorava tudo: o deixava com medo, medo do que ele mesmo poderia ser capaz de fazer para terminar com aquilo...

— ... Senhor Pennyworth! — ele chamou novamente, se forçando a falar mais alto.

Além do silêncio na mansão, haviam os trovões do lado de fora.

Depois de alguns minutos se contorcendo na cama, Damian acabou se obrigando a levantar e ir atrás de alguém.  Quando colocou os pés no chão, conseguia sentir como se tudo estivesse se movendo ao redor dele. Precisou de segundos até conseguir coragem e dar alguns passos – se apoiando sempre em algo.

— Senhor Pennyworth! — insistiu, dessa vez chamando o mordomo da porta. Por algum motivo ainda desconhecido por ele, ficar sozinho parecia ser o mais próximo de uma tortura.

Não havia nem sinal de Alfred.

Não havia ninguém.

A mansão estava com todas as suas luzes apagadas, salve a do quarto de Tim.

Damian se encolheu, apertando as mãos contra a cabeça e permitindo que as lagrimas escorressem. Ele já estava começando a ficar irritado com aquela dor, principalmente porque ela o fazia chorar. Ele chorava, chorava bastante e por qualquer coisa, mas aquela dor... ele sabia de algum jeito que já tinha sentido dores piores do que aquela...

— Dick...! — sussurrou para si mesmo interrompendo todos os pensamentos. Ele caminhou com seus passos lentos até o quarto do irmão mais velho — Dick? — chamou depois de bater suavemente na porta, dando-se a liberdade de abrir quando não recebeu respostas. Ele não estava lá, provavelmente havia ido em um encontro com a namorada.

A criança tentou manter a calma e caminhou até a porta ao lado, o quarto do outro irmão, e chamou:

— Jason? Jay...? — Abriu a porta, ficando decepcionado pelo irmão rebelde ainda não ter voltado.

Desesperado, Damian usou o pouco de força que ainda tinha para ir até o quarto do pai, o único com a porta entreaberta. O pequeno simplesmente se deixou cair no chão quando viu que estava vazio também – estava esgotado.

— ... Pai!?

Ele chamou, mesmo sabendo que não adiantaria em nada. Não adiantava quando ele implorava pelo pai durante os exames que aquele médico maldito o obrigava a fazer, não adiantaria agora com Bruce tão longe dele— naquelas reuniões secretas.

— ... Mãe...?

Choramingou, incerto se queria que Selina aparecesse para o abraçar ou se queria que a mãe verdadeira aparecesse para que ele finalmente soubesse quem ela era, por mais problemática que fosse.

— ... Alguém... — sussurrou — ... Qualquer um...!

Não adiantou em nada, ninguém apareceu.

Mesmo assim, aos poucos a dor foi se abrandando e, com isso, ele se sentia extremamente relaxado e aconchegado no chão frio do quarto dos pais, bastava ele fechar os olhos para dormir novamente. Mas ele não queria dormir. Não ali, não sozinho, não com a dor podendo voltar a qualquer momento no meio do sono.

A criança se levantou, esgotada, arrastando os pés para conseguir voltar para o quarto. O quarto em que ele dormiu, aliás, era o antigo quarto dele – o pequeno nunca entendia o porquê de Dick sempre o levar para lá.

Ele não sabia ao certo o que fazer ali além de dormir ou desenhar, porque eram as duas únicas coisas que ele tinha permissão para fazer lá. Isso até ver o brinquedo prometido jogado próximo à cama – um pássaro pequeno e cinzento, com uma mancha laranja no peito.

— ... Parece de verdade... — sussurrou para si mesmo, pegando o pequeno animal artificial e olhando mais de perto - aquilo o fazia querer se lembrar de algo, algo importante. Depois de analisar bastante o pequeno Robin, ele pegou o controle remoto – queria provar ao irmão irritante que sabia usar aquele brinquedo.

Bastaram alguns minutos, poucos, para que Damian aprendesse a usar aquele pequeno protótipo malsucedido. Mesmo sem entender como, ele sabia usar aquele controle remoto como se fizesse isso há anos – talvez fizesse e apenas não se lembrava.

Ele estava tão entretido com o pássaro voando ao redor dele pelo quarto que nem ao menos se lembrava da dor, do quão tarde era e muito menos da tempestade do lado de fora, por mais que os raios ajudassem a iluminar o ambiente. Mas de repente, o Robin parou de obedecer aos controles e voou para fora do quarto, subindo e abaixando como se fosse um pássaro ferido.

O rapaz fez o melhor que conseguiu para tentar alcançar o brinquedo, mas ainda não conseguia dar mais de dois passos sem se apoiar em algo – a perna continuava em dormência constante, fora do controle dele assim como o pequeno pássaro. Uma vez do lado de fora do quarto, ele vasculhou o corredor e se sentiu frustrado por não encontrar nada, principalmente por saber que o protótipo só poderia estar no primeiro andar, caído e quebrado.

— ... Tim vai brigar comigo de novo... — murmurou descontente, se agarrando ao corrimão da escada para conseguir descer e agradecendo mentalmente pelo irmão não ter aberto a porta do quarto até agora.

Para a surpresa de Damian, porém, o Robin estava voando em círculos pela entrada, rodopiando, aumentando a área de voo enquanto acertava o que estivesse na frente – jarros com flores, peças de armadura e até mesmo quadros pendurados. O rapaz tentou agarrar o brinquedo desgovernado, mas não era rápido o suficiente.

— ... Meu pai vai brigar comigo... — disse quase sem voz, assistindo enquanto o pássaro quebrava mais algum item caro de decoração — ... Sr. Pennyworth também! —Ele já tinha até lagrimas nos olhos.

Desesperado, ele começou a apertar todos os botões que haviam no controle: tentou apertá-los em sequência, com mais ou menos força, até tentou chacoalhar, mas nada adiantava. A única coisa que ele conseguiu do Robin foi um barulho baixo, cronometrado, como um pequeno piado mecânico.

— ... Por favor...! — pediu entre os dentes, se aproximando o melhor que podia daquele passarinho desgovernado – que ia em direção à uma peça contemporânea, aparentemente caríssima e provavelmente dada por Selina já que destoava do resto da decoração — Não, droga! — rosnou irritado, desistindo e jogando o controle no chão.

Inesperadamente, o pássaro mudou a rota.

Damian, maravilhado por ter conseguido salvar ao menos um dos objetos, pegou o controle novamente e tentou guiar o brinquedo de volta para o quarto. O Robin obedeceu a cada um dos comandos, continuando com o piado mecânico – agora com espaços mais curtos entre um e outro.

Ainda assim, quando o pequeno animal já se aproximava do corrimão, parou de obedecer aos controles novamente. A criança o assistiu voar sem rumo cochando-se contra o teto alto da mansão, até que parou de se mover e caiu – por sorte ou azar – ficando preso no lustre.

— ... Por favor... — ele sussurrou tentando fazer o pássaro se movimentar, sem sucesso — ... Por favor, saí daí...! — A única coisa que o Robin fazia era soltar seus piados, fracos e seguidos, como se fosse um pássaro morrendo — ... Me desculpa... — pediu passando uma das mãos no rosto, tentando limpar as lágrimas. Estava cansado, frustrado, e agora se sentia culpado por ter perdido o brinquedo daquele jeito.

Um raio forte iluminou tudo e deixou completamente exposta a destruição causada na decoração, além do pequeno Robin preso entre os cristais do lustre. O trovão que veio logo depois, estrondoso, abafou os últimos pios do brinquedo.

Damian se aproximou alguns passos, lentos, se obrigando a manter o equilíbrio. Ele nem ao menos olhou para o chão, estava vidrado naquele pássaro e no quanto ele queria se lembrar de algo importante relacionado ao animal.

... O Robin morreu — constatou quase sem voz.

Foi a única coisa que a criança conseguiu falar antes de se deixar cair no chão, se contorcendo de dor enquanto segurava a cabeça mais uma vez. Se mais cedo ele não queria chorar porque já havia sentido dores piores, agora ele queria gritar até não ter mais fôlego, já que aquela com certeza era a pior dor que já sentiu na vida: lasciva, aguda, como pontadas de um picador de gelo na cabeça.

Por mais que tentasse chamar por ajuda, a voz simplesmente não saia.

Sentia como se a cabeça fosse explodir a qualquer momento.

Todavia, não foi a cabeça dele que explodiu e sim o pássaro com o problema de superaquecimento – depois dos avisos, piados, terem sido negligenciados. Os cristais despencaram primeiro, lançando pequenos cacos como em uma chuva, e depois a corrente do lustre começou a ceder – fragilizada pela explosão.

Damian nem tinha ideia do que estava acontecendo, ele não conseguia ouvir nada além de rangido ensurdecedor ecoando dentro dele. Quando finalmente conseguiu abrir os olhos, sentindo pedrinhas caírem no rosto, viu o grande lustre descendo em sua direção.

Tudo estava nítido graças a um raio. A trovoada próxima abafou o som do aço se chocando contra o chão, assim como o grito de desespero de Damian.

Ninguém ouviu a pobre criança implorando por ajuda ou pela morte— o que viesse primeiro para libertá-lo do ferro contorcido e pesado que o prendia.

Ninguém saberia que Robin morreu e que agora Damian estava morrendo também.

Ninguém assistiria ele em seus últimos momentos, já desenganado com o próprio fim, cumprindo o desejo nocivo que vinha à mente dele sempre que aquela dor insuportável no ouvido surgia:

Damian pegou uma das peças de metal, a única que conseguiu alcançar e que – por sorte ou azar – estava solta; ele ergueu aquele pedaço frio e pesado, observando o potencial; ele usou aquilo para acertar a própria cabeça com a força que ainda tinha, enquanto conseguia se mover.

Ele queria quebrar o próprio crânio e enfiar os dedos lá dentro, só para arrancar aquele monstro que ficava o arranhando e o machucando, nem que tivesse que morrer para isso – pois morreria em paz.

E assim, algumas tentativas depois, tudo ficou no mais absoluto silêncio.

Um silêncio visceral.


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Notas finais do capítulo

A decoração da Mansão Wayne, assim como a arquitetura dela em si, sempre tem toques da Era Medieval, como armaduras lustrosas e até o lustre antigo. As histórias do Batman e todo o universo dele quase sempre tem algum toque desse período, incluindo por alguns títulos:
Bruce Wayne é o Príncipe de Gotham;
Batman é o Cavaleiro das Trevas;
Os Robins são inspirados em Robin Hood (século XII é próximo, né);
Coringa é o Príncipe Palhaço do Crime ou Bobo da Corte do Genocídio;
E por aí vai... são vários heróis e vilões que tem alguma ligação, seria impossível listar todos aqui.
Nota da Nota: a fanfic continua!



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