— Eu vou colocá-lo na cama antes de ir... — Alfred insistiu.

— Não confia mais em mim? — Tim sorriu para o mordomo, terminando de secar o último prato usado no jantar — Eu acho que ele está mentindo, Alfred, mas estou disposto a entrar nesse jogo também.

— Se tudo fosse simples como uma mentira... — O mais velho olhou para Damian, que estava dormindo sentado à mesa — ... Não é fácil tomar conta dele o tempo inteiro, principalmente quando ele começa com as perguntas.

— Eu já sei das regras: nada de falar sobre o combate ao crime, não deixar ele sozinho muito tempo, não deixar ele nervoso... — o rapaz ergueu os ombros — Ele vai ficar dormindo e eu no computador, o que poderia dar errado?

Pennyworth suspirou, ergueu as sobrancelhas e juntou as mãos. Estava pronto para começar a longa lista de pequenas ações que, subitamente, viravam catástrofes quando Damian estava envolvido – principalmente agora, com medo de tudo. Tim o interrompeu antes mesmo de começar:

— E você precisa descansar um pouco, Alfred... — Estava preocupado.

— ... Desde que você me avise se qualquer coisa acontecer... — finalmente, o mordomo rendeu-se — O horário dos remédios está escrito nas caixas, apenas um comprimido. Se ele apresentar qualquer tipo de reação...

— Alfred, eu sei cuidar de gremlins — Drake o interrompeu novamente. Ele pegou o irmão no colo, ou melhor, praticamente o jogou sobre o ombro como um saco de batatas — Vamos ficar bem!

— ... Tenho minhas dúvidas — o mordomo murmurou, vendo-os sair da cozinha.

Tim levou o irmão para o quarto – achava um exagero terem o colocado em um quarto novo -, o jogou na cama e julgou ter feito um ótimo trabalho – em circunstâncias normais, teria deixado Damian dormindo na cozinha ao invés de arriscar acordar ele e ser mordido, ou algo pior. Agora, ele poderia se dedicar ao estudo das simulações, coisa que queria ter feito durante o dia inteiro ao invés de dormir.

A nova rotina noturna de Timmy consistia em analisar os resultados de cada uma das simulações, interpolar os valores e tentar descobrir o ponto exato em que as linhas divergentes começam a se comportar de forma estranha e atingir umas às outras. Aquela manifestação incomum não fazia sentido, à menos que alguma coisa as refletisse em outra direção, um acontecimento em um ponto único que se radiou por todas elas e...

— Senhor Pennyeorth!? — Damian chamou do lado de fora, no corredor.

— ... Damian!? — o rapaz se levantou na mesma hora — Você deveria estar dormindo, sabia? — disse quando já abria a porta.

— Eu acordei e não tinha ninguém comigo...

— Porque já é tarde e o Alfred está descansando.

— ... E o meu pai?

— Saiu com a Selina. Dick tinha um encontro também e o Jason foi resolver algumas coisas... — O rapaz respondeu até mesmo as perguntas que ainda seriam feitas — Somos só eu e você, gremlin.

— Hun... — Ele olhou para baixo, tímido — E... Eu posso ficar com você?

— Para...?

— Só pra não ficar sozinho?

— Por quê?

— Porque eu não gosto de ficar sozinho?

— Resposta errada, gremlin. Você não quer ficar sozinho... — Tim caminhou de volta para a cama — Pode ficar, mas não pode mexer em nada — avisou, pegando o laptop e começando a analisar os resultados de novo.

Damian entrou no quarto, mas ficou parado recostado na porta. Ele olhava para tudo um tanto curiosos, principalmente porque o “irmão nerd e legal” era desleixado, principalmente com as próprias roupas: tinham várias emboladas e jogadas, assim como livros e revistas.

— Vai ficar aí em pé? — O mais velho sorriu e indicou a beirada da cama com o olhar.

O garoto ia responder algo, mas mudou de ideia e olhou para o chão. Ele observou o caminho que precisava seguir até chegar na cama, cheio de obstáculos e sem ter onde se apoiar. Respirou fundo, se armou de coragem e tentou andar – mesmo que ainda usasse a tala na perna.

Timothy observou o irmãozinho dar os primeiros passos sozinho, se atrapalhar logo no terceiro e ir direto para o chão. Ele, diferente dos outros, não foi correndo ver como o pequeno estava... deixou Damian se levantar com as próprias mãos, decidir para qual lado tentaria ir e fazer tudo mais uma vez. Sozinho. Independente como sempre foi.

Da porta até a cama, eram apenas dez passos e, nesse pequeno trajeto, Damian caiu quatro vezes, o que dá uma média de um tombo à cada dois passos e meio, ou seja... patético. Foi assim que o irmão mais velho julgou a criança caída no chão, encolhida, que desistiu de levantar quando já estava ao lado do objetivo.

— Dami, está tudo bem? — ele perguntou quando já estava próximo do irmão, tirando um ou outro pedaço de papel ou farelo que se prendeu nele — Só se levantar e dar mais um passo...

— Tá... — o pequeno sussurrou, se apoiando nas mãos mais uma vez. Ele tentou, mas não tinha fôlego, não tinha forças para se erguer do chão; a perna estava doendo. — ... Não consigo... — disse quase sem voz, se encolhendo mais uma vez — Desculpa...

— Não é culpa sua, você só está fraco demais — Tim o reconfortou, o ajudando a levantar — Se machucou? Você caiu bem de cara na terceira tentativa...

— Estou bem — Ele sorriu, realmente tentando parecer bem, mas estava com os olhos cheios de lágrimas – lágrimas estas que não foram notadas pelo irmão.

Depois disso Timothy voltou para a rotina de trabalho: ele analisava os resultados, interpolava, analisava mais uma vez... já Damian, ele estava apenas deitado ao lado do irmão encarando o teto em silêncio, não queria atrapalhar. Assim ficaram por horas, até que o mais velho finalmente disse algo:

— Vou ir buscar café... — avisou, já se levantando da cama.

— Me leva junto! — Damian implorou, se sentando praticamente na mesma hora — E-Eu não gosto de ficar sozinho, por favor...!

— Tá, tá... — Tim suspirou — Er... Você está sem sono, né?

— ... Sim — Damian olhou para baixo — Desculpa?

— Tudo bem, gremlin, eu também estou sem sono — Sorriu — Quer ficar na cozinha um pouco? Comer alguma coisa?

— Sem fome... — Ergueu os ombros, mas logo depois encarou o irmão com os olhos verdes brilhando por um simples pedido: — posso ficar desenhando?

— Pode... — Tim foi até ele, o ajudando a se levantar — Mas só até eu terminar o meu café...

E assim os dois se realocaram na mesa da cozinha: Timothy continuava analisando seus números no notebook e Damian desenhava alguns dos objetos que tinha por perto. Mantiveram o silêncio absoluto, já que não queriam atrapalhar um ao outro, e assim permaneceram até que o mais velho fez um comentário aleatório:

— Preciso de mais café... — disse baixo, olhando para a grande caneca que agora já estava vazia.

— ... Quer que eu faça? Eu vi o Senhor Pennyworth fazendo várias vezes — o mais novo se levantou com cuidado, se apoiando na mesa. Queria ser prestativo.

Tim ponderou sobre suas suspeitas de ser tudo uma armação. Pensou se realmente poderia confiar naquela proposta e se uma caneca de café poderia ter alguma segunda-intenção escondida – como uma troca de favores. No fim, apenas deu um sorriso falso e concordou:

— Só não se esforce muito.

Entrou naquele mesmo jogo que Damian: o jogo do faz de conta. Por mais bom ator que o pequeno fosse, tantas quedas foram um exagero. Ele queria saber até onde aquela brincadeirinha iria, até quando aquela aparência frágil conseguiria ser mantida...

Enquanto observava o gremlin preparar o café, esperando qualquer deslize que fosse para poder ter alguma “prova concreta” contra toda aquela encenação, Drake continuou trabalhando os resultados das simulações. Ele conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo e muito bem, mas bastou o celular tocar para a concentração dele ser reduzida à apenas a curta conversa:

— B? Precisa de ajuda? Eu posso ir até a... — A voz que antes tinha preocupação e ansiedade, se tornou mais indiferente: — ... ah. Ele está ótimo, está tudo bem. Sim... Não, ele estava cansado demais para ficar... — O rapaz suspirou — Já disse que o gremlin está ótimo... Absoluta, B. Até... — E desligou.

— Era o meu pai? — Damian perguntou enquanto colocava a caneca próxima do irmão — ... Ele perguntou sobre mim?

— Sim.

— Ele... — O pequeno fez uma pausa enquanto se ajeitava na cadeira novamente — ... Ele não quis falar comigo?

— Eu disse que você já estava dormindo.

— ... É, já está tarde... — Damian escondeu o rosto atrás do bloco de desenhos, voltando a desenhar — Obrigado, Tim.

O mais velho murmurou algo baixo o suficiente para não ser entendido. Aproximou a caneca da boca, com o café ainda liberando a fumaça, e provou.

Estava ótimo.

Não tem muito segredo em se preparar um café em capsulas, mas esperava que Damian fizesse algo de errado propositalmente, coisa que ele não fez, porém.

Os dois voltaram ao mesmo silêncio de antes: Tim estava ocupado demais com suas análises e Damian desenhava. Se mantiveram assim por bastante tempo, até o café da caneca terminar mais uma vez e obrigar Tim a murmurar seus lamentos consigo mesmo:

— Ótimo, sem café e agora você ainda decide travar... — Estava irritado, tentando apertar algumas sequencias de teclas para resolver o problema, mas nada que realmente adiantasse.

— Eu faço mais! — Damian disse animado para ajudar o irmão mais uma vez.

— Tá, tá... Faz o que quiser, só fica quieto, gremlin — Tim murmurou, ranzinza. Ele não estava agindo assim por mal, só estava nervoso e tentando ao menos salvar o trabalho que tinha feito naquela madrugada.

— Desculpa — O pequeno sussurrou e pegou a caneca do irmão com cuidado, com medo de o atrapalhar e deixa-lo ainda mais irritado.

Como uma brincadeira de mal gosto do universo, o celular de Timmy começou a tocar. Ele não queria falar com ninguém, mas julgou que a insistência de Jason em ser atendido poderia ser importante:

— O que aconteceu, Jay? — perguntou tentando controlar a irritação, mas bastou algumas palavras do outro rapaz para ele ficar ainda mais irritado — Eu não me importo se você está vindo ou não, não precisava avisar! Você nunca liga pra avisar algo assim, o que deu em você!? ...Quê!? É claro que ele está bem, eu não acredito que ligou só pra isso! — Drake apertou a têmpora, tentando se controlar de novo.

— É o Jason? — Damian perguntou baixinho, esperançoso que pudesse falar com o irmão mais velho.

— Fica quieto — Tim respondeu ao pequeno, voltando a atenção apenas para o telefone — Não, não falei com você! ... Não sei se já notou, mas ele não é um bebê! ... Não, Jason, eu não estou tratando ele mal! Eu sei como cuidar do mentiroso perfeitamente bem!

— ... Mentiroso? — O pequeno perguntou quase sem voz, com os olhos marejados.

Timothy nem ao menos olhou para ele, continuou discutindo com Jason pelo telefone enquanto tentava fazer o notebook funcionar de novo. O rapaz não conseguia acreditar que, depois de tantas horas interpolando valores – já eram quase cinco da manhã -, perderia o progresso assim, tão fácil...

— Ah, Jason...! É claro que você acredita nele, ele virou o seu protegido! — Suspirou — É ótimo que você esteja chegando, eu tenho mais o que fazer do que servir de babá!  — Desligou.

Aquela discussão poderia ter terminado de um jeito tão diferente se o mau-humor do jovem Drake não tivesse participado... Jason só queria saber do irmãozinho, o indefeso e inocente irmãozinho. Chegava a ser uma ofensa o quão fácil aquele gremlin conseguiu enganar todos, na visão de Tim.

O rapaz apoiou a testa na beirada da mesa e cobriu a cabeça com os braços, tentando pensar no que poderia fazer agora além de esperar. Esperaria até que o computador voltasse a dar respostas, esperaria Jason chegar para continuar aquela discussão, esperaria Damian acabar de fazer o café para despachá-lo para o quarto – logo Bruce chegaria e acharia ruim a criança da casa ainda estar sem dormir...