— Já disse que fez um bom trabalho, filho... — Bruce murmurou pela terceira vez entre uma golada de café e outra.

Ele e Dick estavam sentados à grande mesa de jantar, posta com a melhor variedade que o mordomo da família Wayne conseguiu reunir depois de quase uma semana fora: frutas cristalizadas, café, leite, torradas de pães velhos e qualquer outra coisa que tenha sobrevivido à ausência de Alfred.

— E também disse que eu preciso parar de ser tão impulsivo! — o filho mais velho apoiou a cabeça sobre uma das mãos — B, eu não sou impulsivo: eu iria investigar e, se não achasse nada, pediria para o Tim localizar eles dois de algum jeito.

— Não iria... — o mais velho suspirou e abaixou o jornal — Dick, você iria se desesperar.

— Eu não me desespero por nada! — Ele ergueu as mãos como se fosse uma acusação severa, logo depois se acalmou e ergueu as sobrancelhas — ... Desespero?

Bruce preferiu terminar de tomar o café em silêncio, dando atenção apenas ao jornal. A verdade é que ninguém ali estava agindo como costumava: ele estava desatendo; Dick estava temeroso com tudo; Tim estava péssimo; Selina estava bem mais “doméstica”... Jason estava atribuindo responsabilidades a si mesmo...

— Devo presumir que aquela criança brincando sozinha lá fora é Damian? Ele me parece muito bem-disposto, para quem ainda não tomou café-da-manhã... — Alfred disse como quem não quer nada, levando uma bandeja em uma das mãos. Nela, havia uma taça de sobremesa com uma espécie de mingau.

Richard olhou pela janela na mesma hora. Lá, sentado na grama e arremessando uma bolinha vermelha, estava a criança da casa. Damian parecia estar se divertindo com o animal de estimação, o que não descartava que ele precisava de cuidados mais específicos, principalmente depois do que passou nos últimos dias.

— Deixou ele sozinho do lado de fora!? — Dick se levantou — Ele pode cair! Ou se machucar! Ou ter uma crise! Ou...!

— Dick, sente-se! — o pai praticamente mandou em tom sério. Foi obedecido com um pouco de relutância, mas obedecido — Damian não está sozinho, está brincando com o Titus. Consigo ver os dois da janela perfeitamente...

— Não sabia que Batman também tinha visão de Raio-X — o mordomo murmurou.

Novamente, Bruce continuou dando atenção apenas para o jornal e para a xícara de café quente e extraforte. Afinal, é difícil tomar conta de uma criança e ler as notícias do dia ao mesmo tempo.

Richard e Alfred olharam pela janela. Damian agora estava jogado na grama tentando lidar com o “carinho bruto” de Titus. O cachorro abanava o rabo, pulava e faltava pouco pisotear o dono com aquela explosão de boas-vindas. Quando finalmente se acalmou, o garoto jogou a bola para ele ir buscar de novo.

— Bruce, aquela criança estirada na grama é o Damain? — Dessa vez foi Selina quem perguntou, puxando uma das cadeiras ao lado dele para se sentar— Deixou ele lá fora sozinho?

— Ele já tem treze anos, ele está com o cachorro e eu consigo ver ele pela janela! Mais alguém vai tentar me chamar de “pai irresponsável” ou será que dessa vez eu consigo terminar de tomar o meu café em paz? — resmungou. Já estava com um péssimo humor.

— Ele comeu alguma coisa antes de ir brincar lá fora, Sr. Pai do ano!? — a gata quase rosnou, se jogando sentada na cadeira e disposta a se comportar da mesma maneira rabugenta que o namorado.

— Não, mas foi porque ele não quis!

— Do mesmo jeito que você não descansa porque não quer! — ela retrucou.

— Bruce, ele não pode ficar sem comer só porque ele não quer comer... — Dick disse em um tom ameno, tentando apaziguar tudo — E ele pode ter treze anos, mas não é como se ele realmente tivesse tudo isso... e mesmo se tivesse, ele não é o Damian “pequeno adulto” de antes.

— E o que querem que eu faça? Force ele a comer? Já forcei ele a fazer coisas demais! — Bruce deixou o jornal de lado — Ele só queria ficar brincando lá fora e eu só queria tomar o meu café em paz!

— Eu posso ficar com ele e... — Antes que Grayson conseguisse completar, Bruce o interrompeu:

— Ninguém vai ir ficar com o Damian! Eu estou vendo ele perfeitamente daqui: ele está feliz fazendo sei-lá-o-que naquele jardim! O que custa deixarem o meu filho brincar!? O que custa me deixarem ler o jornal!?

Explodiu.

Não foi por causa de Damian, das notícias no jornal ou qualquer coisa do tipo, mas sim por causa do estresse acumulado que finalmente estava encontrando um meio para ser extravasado.

Ele estava tão enraivecido e desatento que só se deu conta que Jason também estava se juntando a eles quando o rapaz murmurou uma de suas gracinhas enquanto acabava de comer uma torrada:

— Esse jornal aí, da semana passada, não custa nada. Mas se quiser o de hoje, é apenas cinco dólares — Sorriu.

Bruce dobrou o jornal e depois o colocou em cima da mesa – durante o processo ele resmungava algumas coisas, das quais só se podia entender “dai-me paciência”. Selina e Dick se entreolharam em uma tentativa de manter a seriedade, quando claramente estavam quase gargalhando daquilo. Alfred pigarreou e estendeu a bandeja para Jayson, uma desculpa qualquer para tirá-lo dali antes que o Patrão Wayne enfartasse de vez.

— É para fazer o Damian comer essa coisa? — o rebelde perguntou, enfiando mais uma torrada na boca — Deixaram ele brincar sem comer antes?

— Ele estava sem fome! — Dick respondeu o mais rápido que conseguiu, queria evitar estressar mais ainda o pai.

— Se fosse para comer isso, eu também ficaria sem fome... — ele murmurou pegando a taça — ... sem ofensas, Alfred, mas parece ser horrível — Mexeu a colher de um lado para outro, olhando para o mingau como se fosse algum tipo de gororoba passada.

— É o melhor para ele — o mordomo justificou.

Todd apenas ergueu os ombros e foi para o jardim com aquilo.

Damian ainda estava brincando com Titus, arremessando a bolinha para ele pegar. Só notou que o irmão estava perto Quando Jason se sentou ao lado dele e bagunçou os cabelos espetados – que a esta altura, já estava coberto de grama e terra assim como o resto.

— Acho que o B vai infartar quando ver você desse jeito.. — o mais velho sorriu.

— Mas ele deixou eu brincar no jardim... — o pequeno olhou para si mesmo — Não era para eu me sujar?

— Não é isso. É que você não costuma se comportar assim...

— Eu estou me comportando mal? — Os olhos verdes de Damian chegaram a ficar marejados só de imaginar que estava fazendo algo errado.

— Não, você se comporta bem até demais! — Jay deixou uma risada abafada escapar — É que antes você não se comportava tão bem e nem como uma criança, sabe? Dessas que ainda ficam brincando... Quantos anos mesmo você tem?

— Treze? — perguntou confuso, já não tinha tanta certeza.

— Mas você acha que tem treze anos mesmo ou sente que tem menos? É que você... — o rapaz mais velho tentou buscar algum jeito de se explicar. Damian era baixo para a idade, além da perda de tônus muscular contribuir para que ele parecesse alguns anos mais novo, assim como aquele jeito mais “infantil” — ... É como se o “você de antes” tivesse setenta anos e o de agora tivesse... seis? Não, talvez uns oito... Droga, eu não sou bom com essas coisas.

— Isso é ruim? — O pequeno ergueu as sobrancelhas. Estava visivelmente preocupado, com os olhos marejados.

— Na verdade isso é bem legal! — Sorriu — Não nos dávamos bem antes. Você não se dava bem com ninguém além do Dick ou do Alfred... você discutia até com o B de as vezes, um verdadeiro peste! — Acabou rindo um pouco, se lembrando das discussões completamente sem nexo que Damian criava, principalmente as que envolviam a altura dele — E agora você...

— ... Me comporto mal?

— Não, você é uma criança comportada, medrosa e... Ah, para com essa cara de choro, vai! — Bagunçou os cabelos do mais novo, o que não surtiu muito efeito: já tinha uma lágrima e outra escorrendo pelas bochechas de Damian — Você é fofinho. Dá até vontade de ficar perto de você, agora... Droga, Dami! Para com essa cara de choro, já disse que você é fofinho e que está se comportando! — Como última alternativa, ele enfiou uma colherada daquele mingau estranho na boca do irmão.

— Mas Jay... — o pequeno tentou contestar.

— Sem falar com a boca cheia, pirralho! — E, para se certificar de que não continuariam com aquela conversa, Jason mal dava tempo para o irmão engolir o mingau antes de o fazer comer mais.

Quando aquela gororoba finalmente acabou – um purê de maçã cozida e canela que mais parecia um mingau -, Damian já estava calmo e Jason já tinha um novo assunto para conversar com o pequeno:

— Eu aposto que o Ace pega a bolinha mais rápido que o Titus.

— Não sei, ainda não vi o Ace hoje...

— Vou ir procurar ele para fazermos uma competição... — Jason sorriu enquanto finalmente se levantava com a taça de sobremesas vazia. Damian também sorriu, ansioso para ter mais companhia.