É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 6
Capítulo 6 - Tormento




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Capítulo 6 - Tormento

Peter tremeu de frio e se encolheu contra o tronco da árvore. As gotas de chuva continuavam caindo, mas bem menos intensas agora. Ele tinha adormecido e não fazia ideia de por quanto tempo, mas ainda estava claro. Secou o rosto com as mãos o quanto era possível, mesmo debaixo de uma das grandes árvores do local a intensidade da chuva o fizera se molhar.

— Ei... Você está bem?                                                              

Peter olhou na direção que sentiu uma mão gentil tocar em seu ombro, vendo Dey o encarando abaixado ao seu lado. Ele usava uma capa de chuva transparente por cima do uniforme da Tropa Nova, e segurava um guarda-chuva sobre a cabeça.

— Dey... – sua voz não saiu mais alta que um sussurro.

— Peter, o que faz aqui? Sua equipe está preocupada. Não conseguem localizar você há horas.

— Quanto tempo?

— Umas duas horas. Saíram pra procurar você, mas você se escondeu bem, a chuva ficou forte demais e voltaram pra nave.

Peter permaneceu em silêncio por um momento, e Dey apenas o observou.

— Não posso voltar pra lá nesse estado.

— Eles são sua família. Estão sofrendo também, por tudo – Dey falou, evitando mencionar Gamora.

— Eu sei...

— Vamos pra minha casa. Minha esposa e filhos não estão lá agora, podemos conversar. Você pode se secar e se recompor antes de falarmos com os outros se você quiser.

— Você não devia voltar à sede?

— Você é meu serviço por hora. Nova Prime me disse pra ajudá-lo da melhor maneira que eu pudesse. E essa é a melhor que vejo agora.

Peter pensou mais um pouco. Dey estava certo, mas já havia confiado seus lamentos aos outros Guardiões tantas vezes, como ouvira tudo que qualquer um deles tinha a lamentar por Gamora também. Mas não estava a fim de arriscar levar um sermão de Rocket ou Nebulosa agora.

— Tudo bem.

Dey se levantou e estendeu a mão para ajudá-lo. Peter sentiu o corpo doer no mesmo instante que se mexeu. Mesmo tendo-se passado apenas duas horas, não fora uma boa ideia dormir sentado contra uma árvore debaixo da chuva. Seu estado emocional também em nada ajudava seu corpo a ficar melhor.

— Você está bem? – Dey repetiu.

Peter assentiu e o seguiu até o transporte que Dey estacionara ao lado do mini bosque onde estavam. Era um veículo da Tropa Nova pelo símbolo gravado na frente, mas bem diferente dos que normalmente eram usados para vistoriar a cidade e prender mau feitores. Ao invés da nave triangular, esse quase parecia um carro comum como os da Terra, mas sem rodas, planava suspenso no ar a alguns centímetros do chão. Já tinha visto os agentes usarem esse veículo algumas vezes antes, mas era raro.

Os dois entraram e Dey lhe ofereceu uma toalha. Peter a usou para se secar tanto quanto possível e se manteve em silêncio olhando pela janela, embora sem realmente ver o que tinha lá fora. Seus pensamentos estavam confusos, o que o deixava ainda mais perturbado e triste. Se Dey falou com ele, não percebeu. E sequer se deu conta do trajeto feito até adentrarem a garagem do edifício onde o denarian morava.

Dey o guiou por corredores e o elevador os levou apenas um andar acima antes de pararem em uma das portas do imenso corredor. Peter o seguiu para dentro e se viu num apartamento aconchegante, com cores suaves e toques femininos e infantis que pareciam trazer paz e alegria ao lugar. A filha de Dey era uma adolescente agora, mas havia ganhado um irmãozinho há alguns anos. Os Guardiões haviam visitado a família após o nascimento, e Peter não conseguiu não se lembrar de como Gamora sorriu e pareceu feliz segurando o recém-nascido. Ao contrário da irmã, o menino parecia com Dey, mas tinha olhos mais claros por causa da mãe.

— Você pode tomar banho e secar suas roupas se quiser. Você já sabe que temos uma secadora no banheiro – Dey lhe disse gentilmente, lhe estendendo uma toalha.

— Obrigado, Dey.

Dey respondeu com um sorriso triste, e quando Peter voltou e se juntou a ele na mesa da cozinha, o denarian lhe deu uma xícara de chá, que Peter aceitou com gratidão, enquanto Dey também bebia um pouco.

— Quero falar com você como seu amigo, não só como um agente Nova.

— Eu sei o que você vai dizer.

— Não... Eu sei de tudo que já devem ter dito a você, e eu não vou repetir. Eu conheço a dor de perder pessoas importantes. Nem todos nós sobrevivemos quando Thanos passou aqui. Mas eu sei que a sua é muito maior. Gamora era um ser extraordinário, muito mais do que ela sempre pensou como você mesmo me disse. E sei que ninguém acredita nisso mais do que você, e que ninguém deve sofrer por ela como você está sofrendo, talvez nem Nebulosa. Mas faça-me o favor de jamais dizer a ela que falei isso!

Peter assentiu, e conseguiu rir por um instante.

— Nós continuamos a rastreá-la depois que vocês nos pediram quando recuperamos o sistema. Muitas vezes. Não a achamos, mas isso não quer dizer que o pior tenha acontecido. Ela pode só estar muito longe, ou fora da área conhecida de rastreamento. Se ela não aparecer em algumas semanas podemos lançar um anúncio pra procurá-la.

— Isso daria certo?

— Não sabemos. Mas tenho certeza que será mais fácil achá-la com a galáxia inteira procurando.

— A galáxia inteira não é boa, Dey.

— Deixaremos claro que a queremos bem, e que qualquer coisa diferente disso vai gerar uma punição severa ao responsável. As pessoas amam vocês, muitas amam Gamora. Vocês sabem o quanto meus filhos são loucos por ela. Não imagina como eles choraram quando descobriram que ela desapareceu. As pessoas vão querer ajudar.

Peter ficou em silêncio.

— Você parece mais atormentado do que da última vez que nos vimos. E me dói não saber como ajudar você.

— Você já está ajudando, e bastante.

— Tem certeza que não quer falar sobre isso?

Dey esperou pacientemente que Peter refletisse.

— Pesadelos – ele finalmente disse.

— Os outros sabem?

Peter assentiu.

— Pesadelos que se repetem. Com a morte dela. Com fatos estranhos.

Dey o olhou com tristeza e compreensão.

— Você foi o mais afetado por tudo isso. Eu sinto muito não poder pará-los pra você.

Peter bateu duas vezes de leve na mão do amigo num agradecimento silencioso, e os dois continuaram bebendo.

— Quando se sentir melhor contarei os outros e levarei você até a nave.

Peter assentiu em silêncio mais uma vez.

******

— Bem vindo de volta.

Peter parou de andar e olhou chocado na direção de Rocket, sentado na mesa da sala de reuniões junto com Groot e Drax, não conseguindo acreditar que Rocket não estava sendo irônico. Estava tão visível o quanto ele não estava bem que até Rocket decidira pegar leve com ele?

— Desculpem o atraso – respondeu simplesmente.

Drax assentiu, olhando-o com gentileza.

— Eu sou Groot.

— Estou bem, Groot – sorriu para o jovem, mas o olhar de Groot deixou claro que ele não tinha acreditado.

— Apareceu algum trabalho hoje? – Perguntou aos três.

— Não – Rock respondeu – Estamos livres por hoje.

Peter assentiu e voltou a andar na direção do quarto, não vendo quando os outros três se entreolharam preocupados como vinham fazendo tantas vezes nos últimos meses. Se deparou com Mantis no caminho, não impedindo quando ela o abraçou.

— Mantis... – começou a dizer, não querendo que ela também fosse afetada pela tristeza que sentia.

Mas a irmã balançou a cabeça negativamente e prosseguiu. Peter a abraçou de volta, sentindo-se mal quando a viu apertar os olhos absorvendo suas emoções. Ficou grato ao perceber que ela não estava tentando fazê-lo se sentir melhor com seus poderes, apenas tentando realmente confortá-lo, e a olhou com gratidão quando ela o soltou e o deixou seguir em frente.

Nebulosa estava encostada com o ombro na parede ao lado da porta de seu quarto quando Peter chegou. Ele não estava com vontade agora de ouvir um sermão ou de desvendar as emoções que ela escondia em seu olhar aparentemente severo. Pretendia ignorá-la e entrar no quarto, mas Nebulosa segurou seu braço, e esperou que Peter a olhasse.

— Você sabe que estamos aqui a qualquer momento. Como você sempre esteve pra nós. Não se afunde nisso. Você e eu sabemos que minha irmã não gostaria de ver nenhum de nós assim, especialmente você – ela disse suavemente.

Ela não esperou que Peter respondesse ou reagisse. O soltou gentilmente e se afastou. Ele precisava de tempo sozinho agora, ela sabia disso, e deixaria que ele descansasse.

Peter trancou o quarto apenas para trocar de roupa. Depois seguiu para o convés, feliz por estar vazio, sentando-se em sua cadeira para observar o céu. Viu as horas passarem e decidiu verificar a oferta de trabalhos, isso poderia ajudar a ocupar sua mente, e ainda não estava louco ao ponto de cometer erros em missões por causa do turbilhão em sua alma.

******

Peter olhou em volta. Estava naquele lugar escuro e frio de novo. O lugar que só conhecera em seus sonhos, mas que era um dos que menos queria lembrar. Sua respiração estava ofegante. O choro de uma criança chegou a seus ouvidos quando se concentrou e tentou se acalmar. Seguiu o som até onde tinha certeza que não queria ir, onde seu pesadelo se repetia.

O cenário estava diferente das outras vezes, mas seus pés correram para ela na mesma velocidade, seu coração acelerou da mesma forma. Um raio de alívio e esperança o percorreu quando viu Gamora respirar fundo, deixando-o saber que estava viva, apesar da enorme quantidade de sangue em volta dela, e do filete escorrendo de seus lábios. Mas o que mais o chocou foi o que ela segurava contra o peito.

O recém nascido chorava como se tivesse acabado de conhecer este mundo, estava ainda despido e coberto de sangue. A escuridão não permitia que Peter soubesse com certeza qual era a cor de sua pele ou cabelo. A mão de Gamora, apesar de fraca, acariciava a cabeça do pequeno, e ela tentava sussurrar algo. Lágrimas escorriam de seus olhos também, e o coração de Peter se estilhaçou ao vê-la tão triste. Inspirou fundo quando as lágrimas também surgiram em seus olhos verdes e decidiu mandar para o espaço o que quer que fosse que estava acontecendo. Ajoelhou-se ao lado dela, afagando com cuidado o topo de sua cabeça e reposando a outra mão sobre a dela nas costas do bebê, que parou de chorar nesse instante. E era tão real, a textura macia da pele da criança, o sangue por toda a parte, a pele suave de Gamora, ainda que estivesse tão machucada. Ela finalmente abriu os olhos para olhá-lo. Alívio, dor, tristeza e felicidade se misturaram em seus olhos castanhos. Um leve sorriso surgiu nos lábios dela.

— Peter... – a voz dela era tão baixa que ele poderia não ter ouvido.

— Não fale muito. Descanse – Respondeu tentando não chorar, e falhando miseravelmente.

— Não chore...

Ele tentou, mas isso só o fez chorar mais.

— Eu...

— Você não tem que me explicar nada, querida – falou com a voz alterada – Depois...

— Segure... – ela murmurou, não conseguindo terminar a frase.

Peter entendeu e assentiu, cuidadosamente tirando o bebê de cima dela e o acomodando em seu colo. O pequeno abriu os olhos por um instante, mas no escuro Peter não soube distinguir de que cor eram, embora parecessem castanhos como os de Gamora. Teve a impressão de que a criança não era verde, mas sua pele, com a cor ainda alterada devido ao nascimento muito recente, não permitia que tivesse certeza.

Gamora chorou de dor quando se virou para repousar a mão na cabeça da criança, e mais sangue escorreu de seus lábios e por suas pernas. Peter sentiu seu coração rasgar novamente, e com a mão livre segurou a mão de Gamora repousada em seu joelho, fazendo a zehoberi olhá-lo. A tristeza nos olhos dela aumentou ao perceber o estado dele.

— Eu vou matar aquele monstro!

A única resposta dela foi apertar os olhos e chorar junto com ele.

— Me desculpe, querida! Eu sinto muito! Nenhum de nós percebeu antes... – Peter continuou a chorar, conseguindo se abaixar para beijar a testa dela, abraçando o bebê com todo o amor de que era capaz.

As mãozinhas e pés do pequeno se mexeram, acomodando-se confortavelmente contra o pai. A mão de Gamora apertou a sua da melhor maneira que podia, e o polegar dela acariciou sua pele.

— Não é culpa sua... Não é culpa nossa... Meu Senhor das Estrelas.

Peter soluçou quando ela o chamou assim e sentiu o ar faltar quando a mão dela se enredou em seus cabelos, acariciando e puxando levemente os fios como ela sabia que sempre o fazia relaxar. Peter não conseguiu falar mais nada, apenas chorar pelos próximos minutos, mesmo quando o movimento da mão dela em seus cabelos diminuiu e ela apenas a manteve repousada lá.

— Eu vou nos tirar daqui. Eu vou encontrar um jeito, você vai ficar bem, nós três vamos ficar. Nunca mais ninguém vai tocar um dedo em você, Gam!

O olhar dela brilhou e entristeceu ao mesmo tempo, refletindo o amor e o conhecimento de que ambos sabiam que ela não sairia dali da forma que Peter esperava.

— Peter... Por favor...

— Não!

— Peter... Meu amor...

Ele silenciou, e nada além de seu choro foi ouvido por alguns momentos.

— Eu te amo mais do que tudo. Os dois...

— Eu sei, eu sei... Você não tem ideia do quanto eu te amo de volta.

— Cuide...

Ele esperou. O fim da frase nunca veio, mas ele entendeu e assentiu dolorosamente. Isso não era certo! Eles deveriam fazer isso juntos!

— Venha aqui... – ela pediu.

O terráqueo se aproximou mais do chão, acomodando melhor o bebê em seu braço para mantê-lo seguro. Gamora fechou os olhos por um segundo, chorou e suspirou antes de beijar demoradamente a cabeça do filho. Então olhou para Peter, e ele não precisava que ela dissesse nada. Uma vida inteira de palavras estava nessa troca de olhares. Seus olhos se apertaram e derramaram mais lágrimas antes de unir seus lábios aos dela. A zehoberi mal tinha forças para correspondê-lo, mas o fez. Os dedos dela roçaram seu rosto, numa última tentativa de lhe transmitir carinho e conforto.

— Eu te amo muito... – ela falou baixo como um sussurro quando segurou sua mão, não voltando a abrir os olhos.

— Eu também te amo. Te amo tanto, Gam...

O bebê emitiu um murmúrio incomodado, e os dedos dela perderam a força nos seus. Peter sentiu uma dor aguda no peito e tudo ficou escuro e silencioso.

******

Peter acordou com a respiração ofegante, e uma dor no peito muito semelhante a de seu pesadelo. Encolheu-se na cama e tentou se acalmar, aos poucos sentindo a dor ir embora e a tristeza se estabelecer. O quarto aquecido o ajudou a se distanciar do ar gelado de Vormir. Sentou-se na cama e olhou em volta lembrando-se do bebê. Suas emoções confusas oscilavam entre sentir falta do peso e da doçura da criança em seus braços e tentar entender porque estava sentindo falta de uma criança que só existia em seus sonhos.

Respirou fundo para se impedir de entrar em pânico. Era em momentos como esse que Gamora acordaria junto com ele, o faria se deitar em seu colo para afagar seus cabelos e conversar com ele, ou se sentaria contra a cabeceira da cama para puxá-lo para seu peito e pedir que ele fechasse os olhos e se concentrasse nas batidas de seu coração enquanto ela o abraçava, acariciava seu cabelo e lhe contava alguma história ou falava sobre alguma coisa interessante que o distanciasse de seus sonhos. Não tê-la com ele para fazer isso agora era como ser jogado ao mar agitado na pior das tempestades sem nada para se segurar.

— Por que...?

O último pesadelo devia ter ficado em sua cabeça. Fora tão real... A possibilidade de ser verdade não o tinha deixado em paz desde então. Secou as lágrimas que só agora percebeu que corriam pelo seu rosto e encolheu-se num canto da cama, escondendo a cabeça entre os joelhos. Estava doendo, e nada que fizesse ou que fizessem por ele faria a dor ir embora agora.


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