É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 5
Capítulo 5 - Dor




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Capítulo 5 - Dor

Gamora estava recostada na parede da prisão usando o travesseiro para amaciar o contato, e ignorando completamente o alimento deixado para ela através das barras da cela. Uma xícara de chá e um tipo de pão de ervas, não querendo testar para saber se havia veneno ou qualquer outra coisa ali. Não sentia vontade de comer de qualquer forma. Tudo que ela queria era encontrar uma forma de burlar a segurança e rastrear os Guardiões ou Xandar. Havia procurado falhas até mesmo no banheiro, cuja porta ficava no fundo da cela, quase despercebida, sem também encontrar nada. Fechou os olhos e quase dormiu de novo por alguns instantes, mas o som distante de uma porta sendo aberta e passos familiares a alertaram.

Afastou-se das barras e esperou, pronta a lutar corpo a corpo se necessário. Mas era apenas Adam. Não que isso a deixasse menos alerta, apesar dele parecer inofensivo até agora. O soberano se agachou para ficar na altura que ela estava e a olhou com os mesmos olhos gentis de antes.

— Você deveria se alimentar. Acho que seu filho precisa.

Gamora o olhou sem dizer nada, só então percebendo que ele carregava alguma coisa.

— Entendo sua desconfiança – ele lhe disse, e sentou-se no chão a sua frente, pegando o chá e olhando o conteúdo da xícara – Isso já está frio. Acho que você pode se sentir melhor com isso – falou lhe estendendo uma garrafa de água perfeitamente lacrada e bebendo ele mesmo o chá que haviam lhe trazido.

— Minha resistência a substâncias tóxicas é maior, mas ainda sou afetado como qualquer outro ser vivo.

‘Não como Mantis’, Gamora pensou. Sabiam que a amiga era imune a venenos. E pensar nisso quase trouxe lágrimas a seus olhos. Mantis, tão doce e inocente, por mais que tivesse aprendido a lidar com o mundo real e se tornado mais firme quando se juntou a eles. Gamora não conseguia imaginar o quão afetada se sentiria se descobrisse que sua família não existia mais, doeria de uma forma diferente por cada um deles, mas era simplesmente cruel e tenebroso imaginar um ser tão gentil e amoroso como Mantis perder a vida tão cedo. Fechou os olhos novamente, quase esquecendo que Adam estava ali.

— Você está bem?

Gamora piscou algumas vezes enquanto voltava à realidade, que parecia tão dolorosa quanto seus pensamentos. Só então parou para pensar no que Adam estava fazendo para lhe provar que era seguro aceitar o alimento. Olhou para a mão dele ainda estendida com a garrafa de água e finalmente a pegou.

— Obrigada – murmurou.

Fingiu continuar perdida em pensamentos enquanto analisava o rótulo preso na garrafa, e reconheceu a embalagem como igual a que costumavam comprar em mercados comuns da galáxia de vez em quando. Visualmente também não parecia haver nada de errado, então Gamora a abriu e arriscou um gole. Parecia perfeitamente normal, então ela bebeu mais.

— Coma um pouco, isso não vai fazer mal – Adam insistiu, e vendo que ele também estava comendo um pouco do pão, aceitou e comeu sem lhe dizer mais nada.

Os dois não trocaram mais nenhuma palavra até acabarem, então Adam voltou a olhá-la com preocupação. Como um soberano podia ser tão empático? Até parecia que ele tinha DNA humano. Mas conhecendo Ayesha, ela sabia que não.

— Você está bem? – Perguntou novamente – Isso dói?

— Não – mentiu, decidindo não revelar detalhes, e ignorando a dor causada algumas vezes em seus seios devido à preparação do corpo para o bebê – Não ainda.

— Eu vou falar com nossa superior. Temos celas melhores. Ela prometeu que você e a criança ficarão bem.

— Não preciso da sua piedade.

Adam continuou a olhá-la em silêncio antes de se levantar e sair levando o que haviam usado para comer.

******

Peter caminhou sozinho pelo centro de Xandar. Hoje não havia missão alguma para eles, então decidiram se dividir para abastecer a nave com combustível, comprar novos suprimentos e peças de reposição. Rocket e Groot estavam em algum lugar comprando peças. Drax e Mantis estavam comprando suprimentos, e ele e Nebulosa já haviam abastecido a nave. Peter estaria com ela na Benatar agora, mas vinha passando o menor tempo possível dentro da nave ultimamente. Tudo lá o fazia lembrar de Gamora. Já era difícil o suficiente dormir todas as noites sem chorar por não tê-la ao seu lado, e suportar todos os pesadelos trazidos por isso.

Tinham deixado a Terra há quase dois meses, e nenhum mecanismo da Benatar ou da Tropa Nova fora capaz de localizar Gamora. A Gamora que eles tinham agora. ‘Ela está completamente confusa e desnorteada. Talvez queira ficar sozinha por enquanto’, Nebulosa já tinha lhe dito mais de uma vez, sempre o lembrando que ninguém queria encontrar Gamora mais do que ela, e que seria a primeira a tentar contato se a encontrassem, mesmo porque até onde sabiam era a única da equipe que essa Gamora não agrediria. E a falta de uma conclusão para isso preocupada Peter.

Gamora podia ter seguido seu plano original de fugir e viver em paz em algum lugar distante da galáxia. Mas nem mesmo os contatos da Tropa Nova com os planetas e sistemas mais distantes e isolados haviam resultado em alguma coisa. A essa altura Peter não se importava se essa Gamora não se lembrava dele, precisava saber se ela estava bem, saber que seus pesadelos não eram reais.

Teria se entregado a uma depressão se a equipe e a galáxia não precisassem dele. Os Guardiões não tiveram tempo para férias ao saírem da Terra. Havia uma quantidade imensa de outros atingidos pela guerra de Thanos que precisavam de ajuda. Especialmente em Xandar que ainda estava sendo reconstruída. Thor ficou com eles no início, mas decidiu deixá-los para cuidar de seus próprios assuntos por enquanto. O deus do trovão estava tão ferido quanto eles pelos acontecimentos na Terra, e antes que partisse isso fez com que ele e Peter se entendessem melhor.

O Senhor das Estrelas parou instintivamente quando se viu na frente de uma loja que ele e Gamora frequentavam de vez em quando, não havia sido destruída pela chegada de Thanos cinco anos atrás. Era uma loja com artigos para cabelo. Quase pode ouvir Gamora rindo quando ele sugeria alguma cor de ligas para prender o cabelo que ela jamais usaria. Quando ele passou a trançar os cabelos dela se tornou comum que viessem juntos a esse lugar. As vendedoras estavam ocupadas com seus afazeres de sempre, organizando a loja e atendendo alguns clientes. Peter baixou a cabeça quando as lágrimas queimaram em seus olhos e caminhou para longe antes que chamasse a atenção de alguém.

Ele andou sem um rumo certo até uma das áreas arborizadas intactas e mais vazias que havia por perto. Tendo certeza de que estava sozinho e não seria incomodado por pedestres ocasionais, se permitiu apoiar as costas numa árvore e chorar. Se permitiu sentar no chão e escondeu o rosto entre as mãos, sentindo toda a dor que vinha reprimindo a cada dia rasgá-lo por dentro, e a raiva e a mágoa da injustiça de perder a mulher mais forte e amorosa que ele já conheceu depois de sua mãe o apunhalarem com uma força enorme. Então os pesadelos e o cenário de morte mais solitário e triste que ele imaginou para sua amada voltaram a seus pensamentos e ele podia muito bem ter desmaiado de dor agora.

Começou a chover, e com os minutos a chuva se intensificou, aos poucos conseguindo atravessar até mesmo as folhas da árvore que protegia Peter, mas ele não se importou com o incomodo das roupas molhadas. Ele não queria mais viver, ele não queria mais sentir essa dor cruel, o mundo sem Gamora não tinha sentido para existir em sua cabeça, especialmente pela forma terrível como ela foi tirada deles. Se a chuva o levasse agora, Peter ficaria grato. Talvez ele pudesse descansar. Talvez um milagre o levasse para ela, e onde quer que fosse, ao lado dela ele estaria bem.

Permitiu que suas lágrimas continuassem a se misturar com a chuva, e não pensou em se mexer ou levantar, não tinha forças para isso. A dor de saber que ele não morreria naquele momento quase rivalizava com a que já vinha sentindo. Todos os sentimentos ruins se misturavam agora em sua cabeça e a faziam doer. Sabia que as lágrimas não levariam a dor embora, já havia cansado de esperar por isso. Peter se perguntou se essa era a sensação de enlouquecer. Como alguns dos vilões das histórias em quadrinhos que ele lia quando criança. A dor era tão grande que os fizera perder a sanidade. Na época pareciam apenas maus para ele, mas agora conhecia a sensação e as razões do que poderia tê-los deixado daquele jeito.

Seu comunicador emitiu um sinal e pode ouvir a voz de Rocket chamando por ele, depois de Nebulosa. Os dois haviam se tornado meio paranoicos após passarem cinco anos sozinhos sem o restante da equipe, ainda que tivessem os Vingadores, e eram sempre os primeiros a procurar por qualquer um deles que demorasse mais que o esperado para voltar. Mas Peter os ignorou, não tinha forças para respondê-los também. E agradeceu por o som alto da chuva ser capaz de esconder o som de seu lamento.

******

— Nunca vou entender porque você, um de nós, é desse jeito. Espero que saiba usar essa gentileza para atrair os inimigos e não para ajudá-los quando for necessário.

Adam permaneceu em silêncio, esperando alguma decisão de Ayesha.

— Se você está insistindo nisso há dois meses deve ser mesmo importante.

— Sim. A partir de agora principalmente, eu acho... Ela está sentindo dores. Disse que é normal, mas dormir num lugar frio e rígido não vai ajudar.

Ayesha ficou longos segundos em reflexão silenciosa e era quase assustador observá-la como uma estátua sentada em sua cadeira, com Alia em pé ao seu lado, também em expectativa.

— Tudo bem. Alia, ajude-o com o que for necessário. Podem transferi-la para uma das celas melhores, e certifique-se de verificar a segurança.

— Sim, senhora.

Os dois seguiram para a ala da prisão, e Alia parou em frente a uma porta. A tranca parecia comum, mas era visivelmente mais forte que trancas normais. Quando a jovem a abriu, os dois se viram num quarto de paredes cinzentas, um pouco maior que a cela onde Gamora estava, mas nessa havia uma cama de verdade com uma roupa de cama branca e macia, e um banheiro um pouco maior. O da cela atual de Gamora ficava em uma porta num canto da cela. Uma janela estreita na horizontal iluminava o quarto do topo da parede, sendo o único ponto de conexão com o exterior do palácio.

— Acha que ela vai ficar bem aqui?

— Certamente melhor do que onde está.

— Acha que ela vai tentar fugir quando fomos buscá-la? E se ficar agressiva? Já ouvi dizer que algumas gestantes ficam.

— Você pode ir se isso acontecer. Eu tentarei trazê-la em paz.

Os dois caminharam até a área mais distante da prisão, onde ficavam as celas menores e mais desconfortáveis. Alia continuou apreensiva por todo o caminho, mas ambos ficaram surpresos ao não encontrarem uma Gamora incrivelmente desconfiada pronta para agredir qualquer um que ousasse entrar.

A mulher estava sentada no chão, apoiada no banco da cela. Seus olhos ainda tinham a fúria de sempre, mas não a força. Sua respiração parecia pesada, e ela fechou os olhos, se encolhendo e apoiando a cabeça nos braços cruzados em cima do banco.

Os dois soberanos se entreolharam sem ter certeza do que fazer e Alia abriu a cela, permitindo que Adam entrasse com cautela. Se Ayesha estivesse aqui certamente acusaria Gamora de estar preparando uma armadilha, mas pelo que sabiam Gamora não reagia tão mal a Adam quanto ao resto deles, então Alia não achou necessário se preocupar.

— O que está acontecendo? – Ele perguntou suavemente quando se abaixou ao lado dela – As dores pioraram?

— Não... – sua voz não passou de um sussurro, e apenas Adam pode ouvir – Estou enjoada. Isso também é normal.

A zehoberi estava com três meses de gravidez, e já havia conseguido roupas novas trazidas por Alia e Adam, surpreendentemente do tamanho certo para o que ela precisava agora, e não tão diferentes das que ela costumava usar, eram preto e cinza inclusive. Certamente haviam decidido por eles mesmos. Ayesha jamais a deixaria ter esse conforto.

— Viemos para levá-la a acomodações melhores. Há uma cama lá, você poderá descansar – Adam lhe disse.

Gamora virou o rosto para olhar para ele, e mesmo com seu olhar nublado pelo mal estar ele a percebeu os analisando em busca de falsidade. Ela tentou levantar sozinha, e Adam levantou ao mesmo tempo, temendo que ela não pudesse se sustentar por muito tempo, e estava certo. Seus movimentos indicaram que ela também estava tonta, e teria encontrado o chão se ele não a segurasse. Ela respirou fundo, sua expressão se contraiu e ela gemeu em agonia quando o homem dourado a ergueu no colo.

— Não deveríamos levá-la aos nossos médicos?

— Não temos conhecimento sobre isso, não acho que poderiam ajudar. E não podemos tirá-la daqui – Alia respondeu.

— Isso vai acabar em breve... Me deixem sozinha e vão embora – Gamora murmurou novamente, mal encontrando energia para falar diante do enjoo.

— O que devemos fazer?

— Por hora esperar parece o melhor. Movê-la nesse estado a fará sofrer mais. Adam falou sentando-se no banco ainda com Gamora no colo.

Nesse momento a zehoberi chorou.

— O que mais há de errado? – Ele perguntou, e pode perceber na expressão de Gamora os sinais que ele aprendera a detectar como raiva e como um forte indício de que ela queria bater em alguém.

Felizmente para os dois ela não tinha forças para isso agora. Novas lágrimas escaparam de seus olhos por alguns instantes.

— Diga-nos como podemos ajudar – Alia falou.

— Não são vocês que deviam estar aqui agora – a guerreira falou tão baixo quanto antes – Não devia... – a voz dela enfraqueceu e se perdeu quando continuou chorando e fez um esforço em vão para empurrar Adam para longe.

Alia sentou ao lado do amigo, pela primeira vez conseguindo sentir um pouco da empatia que ele tinha por Gamora. Fora criada para um dia suceder Ayesha, mas nunca fora tão fria quanto ela. A sensação de sentir-se triste por uma prisioneira com a qual não tinha nenhuma conexão era estranha, e inexplicável, algo que para Adam parecia normal e fácil desde seu nascimento. Ele era assim com todos, e Ayesha não parava de falar e tentar entender o que havia saído errado. Essa era a única coisa que ela desaprovava em sua criação.

Quando voltou de seus pensamentos Alia percebeu que Gamora havia dormido e estava completamente imóvel nos braços de Adam.

— Vamos levá-la agora.

A mais velha assentiu, e os dois saíram do local, fechando a cela e seguindo para a nova. Gamora recuperou a consciência no início do trajeto, mas se manteve em silêncio e quieta, querendo coletar qualquer informação possível sobre os caminhos dentro da prisão com o que pode ouvir e ver ao entreabrir os olhos apenas o suficiente para que não percebessem. Ainda se sentia fraca e atordoada pela tristeza e o mal estar. Tentar uma fuga agora seria suicídio. Então nada fez para impedir que a levassem.

Ouviu uma tranca ser aberta e percebeu a mudança de iluminação quando entraram na nova cela. Adam a colocou gentilmente na cama, e Gamora fingiu despertar nesse momento, mas apenas tornou a fechar os olhos e se encolheu, não conseguindo evitar acariciar a barriga, agora um pouco maior, isso sempre a ajudava a atravessar o mal estar.

Sentiu um cobertor ser colocado sobre ela, e percebeu que Adam e Alia continuavam ali a observando, provavelmente tentando descobrir se ainda precisavam se preocupar com seu mal estar.

— Gamora? – Alia a chamou, surpreendentemente com a mesma suavidade de Adam.

A zehoberi não quis responder, tudo que queria e precisava agora era dormir.

— Veremos você mais tarde – ouvi Adam dizer antes dos dois irem embora.

Felizmente ela conseguiu dormir. E felizmente seus sonhos foram doces, por mais que ela fosse sentir raiva de ser enganada por sua mente ao acordar. Ela viu Peter, e eles estavam em seu quarto na Benatar. Ele a segurou no colo na cama deles, beijou sua testa e falou as palavras doces que ele sempre dizia para mimá-la. Sorriu quando ele disse o quanto a amava e lhe mostrou seu mais lindo sorriso também. Gamora respirou fundo ao sentir a mão forte e quente acariciar o filho deles. Peter riu e a abraçou mais forte.

— Nós ficaremos bem, querida – ele lhe disse suavemente.


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