É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 16
Capítulo 16 – Em algum lugar nas estrelas




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Capítulo 16 – Em algum lugar nas estrelas

                - Desde quando ela apresenta sintomas? – Gamora ouviu Ayesha perguntar do lado de fora do quarto.

                - Desde ontem à noite – Adam respondeu.

                - E com que autorização você a transferiu para um quarto sem trancas?

                - O quarto onde colocamos tudo que ela disse ser necessário para o bebê nunca teve trancas. E apesar de jamais termos presenciado um parto, se os dois estão fisicamente conectados, o emocional da mãe deve influenciar bastante, deixá-la mais tensa pode fazer mal aos dois. E você foi bem clara sobre as condições da permanência dela aqui desde o início.

                - Suponho que você já saiba como ajudá-la então – Ayesha falou novamente.

                - Não tenho certeza, e não acho que minha presença a deixaria confortável.

                - Prisioneiros nunca tiveram privilégios aqui, fossem quem fossem. Essa é uma exceção raríssima. Espero que você esteja certo de que realmente não seremos surpreendidos com uma fuga ou um ataque.

                - Ela não é uma prisioneira qualquer, é por isso que está aqui – Adam falou.

                - Podemos solicitar alguém no planeta mais próximo. Alguém que saiba sobre o que fazer – um dos guardas sugeriu – Depois tomar as precauções necessárias para que mantenha o silêncio.

                Gamora ficou atenta ao que ouviu, entendendo muito bem que solicitar queria dizer sequestrar, e que se quem quer que fosse tivesse que manter a visita forçada aos soberanos em segredo, provavelmente seria para sempre, e de maneiras nada boas.

                - As cápsulas embrionárias foram decididamente a melhor coisa que já criamos. Não compreendo como uma criança que sequer nasceu pode gerar tantas questões problemáticas.

                - Meu filho não é um problema – Gamora falou em alto e bom som, sabendo que havia sido ouvida através da porta entreaberta pelo silêncio que se seguiu – Eu não quero seus privilégios se lhe fazem falta. Mas não abro mão de que meu filho nasça em condições seguras.

                O som dos saltos de Ayesha ecoaram quando a rainha entrou no quarto, seguida por Adam e pela soberana mais jovem. A mulher parou ao lado de Gamora, deitada contra as almofadas da cama.

                - Nós trouxemos você aqui. E a prendemos. Sua criança nascerá da melhor forma que pudermos oferecer. Desde que nos diga como isso vai ocorrer, então saberemos como ajudar.

                - Quando falaram que seus descendentes não chegam a esse mundo da maneira convencional... Tive uma vaga esperança de que, apesar de não conhecerem o processo, ao menos soubessem como acontece depois. Meu filho não virá aos custos da liberdade ou da vida de outra pessoa inocente. E a única pessoa em todo o universo que eu queria agora não está aqui. Apenas me deixem, eu farei isso sozinha.

                - Espero que esteja certa do que diz. Não vamos tolerar arrependimentos jogados em nossas costas após oferecermos ajuda.

                - Eu sei. Eu tenho consciência das possíveis consequências. Mas eu já suportei coisas incrivelmente mais difíceis sozinha. Algumas horas não vão me derrubar.

                - Horas?! – Alia perguntou espantada – Nossas cápsulas levam bem menos tempo quando o momento é chegado.

                - Eu sou um ser vivo convencional.

                Gamora pensou em falar do quanto as malditas cápsulas não traduziam significado algum da vida, e por isso os soberanos nunca teriam ideia do quanto uma vida vale, mas seu corpo dolorido, tudo que acontecera nos últimos meses, e os mil sentimentos que se chocavam dentro dela, a fizeram optar pelo silêncio. Gamora olhou para Ayesha com uma profundidade que poderia perfurar sua alma, se ela tivesse mesmo uma.

                - Eu só vou deixar bem claro que não vão gostar nada de ver o que vai acontecer. Se não possuem conhecimento sobre isso, apenas saiam – falou, desviando o olhar para a mais jovem – Não garanto que ainda dormirá em paz se permanecer aqui.

                As duas mulheres arregalaram os olhos com medo e espanto. Gamora teria rido de suas expressões se a situação não fosse tão complicada.

                - V-você... Vai sobreviver? – A mais jovem perguntou, e Gamora se questionou se ela já ouvira falar sobre mães que perderam suas vidas dando à luz.

                - Eu nunca deixaria meu filho sozinho – falou lentamente e num tom quase ameaçador.

                Ayesha provavelmente não a ameaçou de volta por já estar convencida do quanto o humor da zehoberi estava instável nos últimos meses.

                - Que assim seja – a rainha falou séria – Tenha certeza de que tudo que será necessário está nesse quarto.

                Gamora sabia que sim, mas olhou em volta ainda assim, verificando o pequeno berço anexado à cama, a bandeja com utensílios médicos na mesa do lado oposto, água aquecida em recipientes térmicos, uma banheira de bebê em cima da mesa maior, toalhas esterilizadas, um baú com itens aleatórios para o recém-nascido, suas roupas e as do bebê estavam nas gavetas da cômoda como já havia verificado, e bolsas impermeáveis para descarte de material.

                - Está tudo aqui.

                - Haverá alguém do lado de fora se você sofrer alguma emergência impossível de se solucionar sozinha.

                Gamora a olhou com raiva disfarçada, sabendo que era apenas para evitar fugas, e cogitando se a rainha não estaria interessada apenas em coletar informações sobre o nascimento do bebê.

                - Boa sorte – a mulher dourada falou antes de sair com a mais jovem, que olhou para Gamora ainda apreensiva antes de seguir sua líder.

                Adam se abaixou ao seu lado. Ele era aparentemente mais confiável de qualquer outra pessoa no planeta, ou apenas o mais sensato, talvez as próximas horas lhe respondessem isso.

                - Tem certeza? – Ele perguntou.

                - Eu poderia dizer muitas coisas agora, mas apenas quero que saia porque essa é primeira certeza que tive desde que você me trouxe de volta.

                Os olhos dourados não a fitaram com raiva ou decepção, como tantas vezes Gamora esperou que acontecesse, parecia haver compreensão e compaixão neles.

                - Se alguém entrar nesse quarto, eu não prometo que vá sair dele – ela completou.

                - Eu trouxe você de volta, eu guardarei você e a criança com minha vida. Estarei lá fora.

                A zehoberi procurou sinais de mentira nele, e não sabia se não encontrar nenhum a deixava ainda mais desconfiada ou um pouco menos desconfortável. Ela confiara a vida de seu filho a ele se algo lhe acontecesse, por pura falta de opção. E tudo que desejava era não ter cometido o maior e último erro de sua vida.

Adam se levantou e trocou um último olhar com ela antes de sair. Gamora encarou a porta quando esta se fechou, esperando que no mínimo mantivessem a promessa de deixá-la sozinha.

******

                As próximas horas a deixaram um pouco impaciente. Suportar repetidos rituais de dor, espera, controlar sua respiração e verificar suas condições estando completamente sozinha era entediante e desgastante. Sua bolsa finalmente rompeu enquanto estava no banheiro, o que felizmente evitou molhar o colchão. Livrou-se de sua roupa íntima ao sentir o bebê ser empurrado para o canal de parto, mais um privilégio de suas modificações, após uma contração particularmente dolorosa. Respirou fundo e tentou relaxar o melhor possível, sabendo que logo precisaria empurrar, e que era melhor e mais fácil seguir o ritmo de seu corpo do que entrar em pânico. Ao menos ela pode se divertir ouvindo os comentários e passos aterrorizados dos soberanos do lado de fora do quarto a cada grito ou choro que ela não conseguia conter.

                Respirou ofegante mais uma vez até conseguir se controlar novamente e se apoiou melhor nas almofadas em suas costas. A dor estava lancinante, e Gamora sabia que não diminuiria tão rápido, estava provavelmente no momento mais difícil e demorado do processo. A pressão que a dor causava em seu corpo era a única coisa que a estava impedindo de gritar em alguns momentos. Ela sempre se perguntara se a imensa resistência e força dos zehoberi a pouparia de um trabalho de parto doloroso, mas parecia que nesse setor sua espécie não era tão diferente das demais.

A determinado ponto estendeu a mão e notou que já podia sentir boa parte da cabeça de seu bebê, ficando tranquila ao saber que ele estava na posição certa e ela não teria que se preocupar com o risco do bebê nascer na posição contrária. A velocidade com que o nascimento estava progredindo a preocupou um pouco, parecia mais rápido do que esperava. Talvez fosse apenas um sinal de que o bebê não era grande o suficiente para dificultar a tarefa e colocar ambos em risco, ainda que isso não significasse que seria uma criança pequena. Uma menina talvez...? Gamora nunca pensara sobre isso, estava apenas intuindo. Meninos quase sempre tendiam a ser maiores, talvez isso se aplicasse ao parto também. Ou talvez bebês terráqueos ou zehoberis realmente nascessem menores... Ela não tinha como saber. O processo ainda doía e era tortuosamente lento, mas Gamora imaginou que poderia demorar ainda mais.

Deslizou cuidadosamente os dedos pelo cabelo macio, ainda úmido, de seu filho, e isso a fez chorar, dessa vez não pela dor. Ainda não conseguia ver, mas se perguntou com qual dos dois o bebê se pareceria mais, se a faria se lembrar dele, se seria um menino que traria Peter em seus pensamentos toda vez que o olhasse, se cantaria e dançaria como ele, se teria aquele sorriso que a fazia desmoronar toda vez que o via, não importando quantas vezes fossem.

— Tudo que eu queria agora era você – murmurou para si mesma permitindo que as lágrimas caíssem.

Ela gritou mais uma vez quando sentiu outra contração violenta e empurrou novamente. Dessa vez não se importou em prestar atenção aos soberanos desesperados do lado de fora, riria deles depois que tudo isso acabasse. Acariciou novamente a cabeça do filho quando a onda de dor diminuiu, percebendo que o bebê havia sido empurrado um pouco mais para fora.

— Nós vamos passar por isso, querido. Nós vamos – falou baixinho – Seu pai amaria tanto você, tanto... Ele estaria em pânico agora – ela riu baixinho – Ou parecendo um idiota de tanta alegria que estaria sentindo. Ele seguraria você com todo o amor do mundo e cantaria pra você. Ele te chamaria de bebê das estrelas, e protegeria você mais do que qualquer coisa no universo – disse para si mesma sem nenhuma preocupação em conter o choro.

Parte dela queria morrer agora, ou adormecer e jamais despertar outra vez nesse mundo. O pequeno ser que ela estava trazendo para o universo agora era a única coisa que a fazia resistir, o único motivo que a mantinha viva no inferno no qual havia acordado e que o fazia se parecer um pouco com o paraíso. A única lembrança restante de tudo que ela teve de importante e valioso em sua vida após perder seus pais. O último resquício da pessoa que ela mais amou.

— Eu te amo mais do que tudo – sussurrou para o filho.

******

— Tem certeza de que não devemos procurar um médico? Ou uma enfermeira? – Alia perguntou, sua expressão ainda angustiada de medo com os gritos ocasionais de Gamora.

— Ela escolheu ficar sozinha. Não estava brincando quando disse que mataria quem entrasse aqui dentro – Adam falou, recusando-se a sair da frente da porta, ele havia conseguido até mesmo dispensar os guardas, que não ousaram discutir com alguém tão maior e mais forte que eles, especialmente sendo uma criação de Ayesha.

— O que você está fazendo? – Alia perguntou a outra soberana que pesquisava algo num datapad junto com um grupo de outras mulheres, todas com idades próximas, igualmente ignorantes sobre o nascimento de outras espécies, e aterrorizadas com as possibilidades.

Os gritos de Gamora e a movimentação nos corredores haviam atraído alguns soberanos curiosos. Felizmente a maioria deles tinha trabalho a fazer no momento, e seguiram para suas determinadas funções.

— Tentando descobrir o que está acontecendo – uma delas respondeu.

— E saber se ela vai sobreviver a isso – outra falou.

— É assim que é um bebê? É esquisito.

— Mas é tão bonitinho. Olha esses olhinhos puxados.

— Parece uma miniatura do soberano mais jovem que já foi criado.

— Podiam fazer mais de nós assim.

— Crianças dão trabalho e consomem muito tempo e recursos. Não é à toa que criamos poucos como crianças.

Alia trocou um olhar com Adam e os dois voltaram a encarar o grupo que conversava. Ela sabia muito bem como bebês eram gerados, mas também não tinha muita ideia de como nasciam. De repente os dois tiveram um susto quando as demais gritaram juntas e murmuraram coisas sem sentido, o que resultou em uma das cinco garotas desmaiando e as outras quatro em pânico. Uma delas derrubou o datapad, que parou de funcionar quando o projetor colidiu com o chão.

— Não, não pode ser...

— Ela não vai sobreviver...

— Como as mulheres lá fora suportam isso?!

— Como uma criatura tão pequenininha pode causar tanto dano?!

Elas conversavam em desespero enquanto tentavam acordar a companheira.

— Deixem-me ajudar – Adam ofereceu, pegando a garota no colo e a levando para um quarto vazio em uma porta à frente do quarto de Gamora – Cuidem dela, não posso deixar minha função agora. Mas possa chamar...

— Nós... Nós cuidaremos... De tudo... – uma delas respondeu – Obrigada.

Adam assentiu e saiu do quarto, voltando à porta de Gamora junto com a mais jovem, que parecia ainda mais aterrorizada diante do que tinham acabado de ver. Ela pegou o datapad quebrado, tentando ligá-lo sem sucesso e então o guardando num dos bolsos da roupa.

— Se ela morrer, nós é que vamos criar a criança?

— Não sei dizer. Não podemos decidir nada sem ordens superiores – respondeu, decidindo não falar nada sobre o pedido de Gamora.

— O que acha que as aterrorizou tanto?

— Pela forma como ela está sofrendo, certamente não é algo agradável ou fácil. Mas se um bebê é bonito e adorável como disseram, talvez seja satisfatório no final das contas.

Ela olhou com terror para a porta fechada do quarto onde as demais estavam, enquanto hipóteses nada agradáveis se formulavam em sua mente.

******

Gamora apurou os ouvidos quando ouviu a conversa do lado de fora e percebeu o que estava acontecendo. Mesmo se encontrando na fase mais dolorosa do trabalho de parto ela conseguiu se concentrar o bastante para entender. Revirou os olhos quando ouviu uma das soberanas desmaiando e as demais entrarem em pânico. Não sabia se podia ficar feliz ou se estava de fato segura, mas ficou satisfeita por notar que Adam estava cumprindo sua promessa.

Conteve um gemido de dor e se posicionou mais para cima na cama, a qual ela teve o cuidado de forrar também com toalhas enquanto ainda podia levantar, para evitar que tivesse que dormir num colchão molhado depois, e para amaciar o local. Olhou para o bebê e estendeu as mãos para apoiar a cabeça do filho, sentindo outra onda de emoção ao finalmente poder sentir todo o rostinho dele ou dela.

Gritou mais uma vez quando uma nova contração a fez empurrar mais algumas vezes, e cuidadosamente apoiou o corpinho do filho quando os ombros deslizaram para fora. Gamora fechou os olhos tentando não se concentrar na dor enquanto continuava empurrando, e logo sentiu uma onda de alívio correr por seu corpo. O choro começou baixinho e depois ficou mais alto. A guerreira abriu os olhos e permitiu que as lágrimas continuassem quando suavemente posicionou o bebê em suas mãos para puxá-lo para o peito e beijar sua cabeça. Instantaneamente o pequeno parou de chorar, e as lágrimas de Gamora eram as únicas ouvidas enquanto ela envolvia o bebê com uma das toalhas e secava seu cabelo. Não teve certeza no momento, mas os fios eram claros e tinham um leve tom cor de rosa igual ao seu, e desconfiava que a pele do recém nascido não ficaria verde quando ambos se recuperassem do parto. Se ela estivesse certa, seu bebê era igualzinho a Peter, isso deu uma pontada de alegria e de dor em seu coração. Continuando a secar o bebê, aos poucos percebeu que havia acertado seu palpite sobre a cor do cabelo, que brilhava num tom de dourado.

Quando conseguiu se acalmar, se permitiu respirar fundo e afundar nas almofadas com os olhos fechados por alguns instantes, apenas sentindo o peso de seu bebê e permitindo que os dedinhos envolvessem um de seus polegares. Minutos depois abriu os olhos e fitou os instrumentos cirúrgicos ao lado da cama. Ela teria que prender bem o cordão e cortá-lo. E ainda teria que lidar com a expulsão da placenta. Ainda estava sangrando e sentindo contrações mais leves, provavelmente isso era um bom sinal. Caso não estivesse, certamente seu corpo estaria com problemas para a expulsão, e isso a colocaria em apuros, tornando impossível finalizar o processo sem ajuda médica.

— Eu posso fazer isso – murmurou para si mesma – Já chegamos até aqui – falou baixinho com um sorriso, beijando os cabelos louros e macios novamente.

Seu sorriso desapareceu quando ele veio em sua mente outra vez. Ele deveria estar aqui, enlouquecendo ou deixando-a louca por estar tão feliz enquanto ela morria de dor. Apertou os olhos para conter as lágrimas e olhou para o bebê novamente. O pequeno se movia, embora agora em silêncio, abrindo e fechando a boca e estirando a língua. Gamora conseguiu rir, era a coisa mais fofa que já tinha visto. Ainda não tinha ideia sobre muitas coisas para essa situação, então decidiu seguir seus instintos.

— Acho que podemos esperar um pouco. Você quer mamar agora? – Perguntou baixinho não resistindo a beijar os cabelos do pequeno novamente.

De repente se lembrou de ter ouvido em algum momento num hospital em Xandar o quanto era importante o bebê mamar logo nos primeiros trinta minutos de vida. Gamora nem sabia qual enfermeira ou médica ou para qual paciente aquilo fora dito, ela ouvira por acaso enquanto eles eram tratados de machucados leves após uma missão difícil. Também não sabia porque gravara a informação, mas sentia-se feliz por ter essa informação agora.

— Vamos descobrir juntos como é isso – falou afagando os cabelos da criança, que murmurou baixinho em resposta.

Abriu alguns botões da camisola e afastou o tecido, posicionando melhor o filho em seus braços e ajudando-o a agarrar o local que deveria sugar, o que ele fez imediatamente. Gamora gemeu baixinho quando sentiu uma leve dor ali e posicionou melhor o seio na boca do bebê. Ela não sabia como conseguia fazer isso tão naturalmente uma vez que durante sua vida nunca tivera proximidade com outras mães ou fora ensinada sobre isso, mas não era importante pensar nisso agora.

Em poucos segundos uma emoção indescritível a inundou quando sentiu o leite chegar à boca do pequeno. Ela riu, e chorou, permitindo-se fechar os olhos por enquanto e enterrar o nariz nos cabelos louros enquanto suas mãos o envolviam com ainda mais amor e proteção por baixo da toalha que havia acabado de usar para secá-lo. Ele parecia tão pequeno, e, ainda protegido pela toalha, Gamora não sabia se tinha um filho ou uma filha. Mas não sentia a necessidade de se apressar. Eles haviam feito isso, os dois estavam bem, e mereciam descansar um pouco e aproveitar o momento.

— Meredith... Ou Kevin... Como vou chamar você?

O bebê continuou sugando, alheio a qualquer outra coisa. Perdida em sua adorável observação silenciosa, somente vinte minutos depois Gamora percebeu que todas as dores que sentia haviam diminuído quase que completamente. Apenas as contrações continuavam perceptíveis, e ela podia sentir que a expulsão estava ocorrendo bem. Depois que cortasse e cuidasse adequadamente do cordão, banhasse e colocasse o bebê para dormir, ela teria que se ocupar em limpar todo o material utilizado. Mas preferiu não pensar nisso ainda, e aproveitou os dez minutos restantes da primeira alimentação de seu bebê.

— Eu te amo mais do que tudo – sussurrou para o pequeno quando ele acabou de mamar, beijando novamente seus cabelos, ela nunca se cansaria de fazer isso – Vamos concluir tudo isso agora, ok? Não se assuste, meu amor, estamos seguros – falou, ainda que uma voz no fundo de sua mente gritasse o contrário.

Mais alguns minutos depois, muito cuidadosamente colocou o bebê no berço anexado à cama, também forrado com uma toalha, para terminar de limpar sua pele e cuidar do cordão. Um murmúrio baixinho ameaçou iniciar um novo choro, mas silenciou quando Gamora repousou a mão em sua cabeça e falou baixinho.

— Shh... Mamãe está aqui. E tudo vai ficar bem. Isso vai ser rápido, amorzinho.

A zehoberi observou enquanto a pele da criança começou a tomar o tom natural, e Gamora finalmente estava com a mente atenta o suficiente para prestar atenção em todos os detalhes de seu bebezinho das estrelas.

******

— O que está acontecendo? – Ayesha perguntou num tom amedrontado e autoritário ao mesmo tempo quando encontrou Adam e sua assistente olhando fixamente e em silêncio para a porta do quarto de Gamora.

                A mais jovem a olhou assustada.

                - Ela emitiu um grito terrível, pior que todos os outros, e depois tudo ficou em silêncio por um tempo.

                - E então?

                - Ouvimos uma criança chorar por alguns segundos, e até agora não ouvimos mais nada.

                - Há quanto tempo?

                - Mais ou menos uma hora.

                - Abram a porta.

                - Ela ameaçou matar quem entrasse antes da criança estar aqui. E não estava brincando – Adam advertiu.

                - Ela parece confiar em você mais do que em nós. Abra você.

                Adam ficou quieto por um instante pensando na ordem que acabara de receber.

                - Eu sou sua superior, e ordeno que abra esta porta.

                O homem dourado assentiu e fez o que lhe foi pedido. A luz estava apagada e o quarto completamente silencioso. Mas ele podia ver a forma de Gamora deitada na cama.

                - Parece dormir.

                - Ou pior – Alia falou com medo em sua voz.

                Ayesha encarou todos com tensão antes de entrar, caminhando lentamente até a cama da zehoberi, que realmente parecia estar dormindo. Mesmo com a pouca luz a sacerdotisa percebeu que ela trocara de roupa, e olhou com horror para os lençóis ensanguentados, o sangue nos utensílios cirúrgicos e em parte das roupas jogadas ao lado da cama, além da tonalidade levemente vermelha da água na pequena banheira em cima da mesa e nas toalhas deixadas ali.

                - Ela não pode estar viva – Ayesha falou para Adam.

                - Ela está. Eu posso sentir.

                Ayesha chegou mais perto da cama, observando o embrulho que Gamora segurava como se sua vida dependesse disso enquanto dormia contra os travesseiros na cabeceira da cama. Olhou com atenção e viu o pequeno ser, também dormindo, dentro das toalhas nas quais a mãe o envolvera. Era parecido com os poucos soberanos que tinham sido criados como crianças ao nascerem, mas muitíssimo menor, e certamente ainda incapaz de qualquer ação inteligente. O mais curioso é que à primeira vista não se parecia com sua mãe. A pele clara e o cabelo louro o fazia se parecer um humano comum. Uma das pequenas mãozinhas que estava visível permanecia fechada junto ao queixo. Parecia tão pequeno que a sacerdotisa se perguntou se estava mesmo vivo. Estendeu a mão para tocar o rosto do bebê. Sua pele era uma das coisas mais suaves que já havia sentido.

                - Tira as mãos da minha filha – Gamora falou baixo, porém num tom ameaçador quando abriu os olhos, assustando Ayesha, que tentou disfarçar o pequeno pulo que deu para trás.

                - Parece impressionante que esteja viva. Um dos poucos dados disponíveis sobre sua espécie é a grande força e resistência física. Vejo que é verdade – a líder dos soberanos comentou em seu costumeiro tom sério e frio.

                - O bebê está bem? – Adam perguntou com gentileza.

                Gamora não respondeu imediatamente, analisando cada mínima intenção dos três soberanos na sala.

                - Ela está bem – falou por fim.

                - Deixe-nos ajudar com tudo isso – Adam ofereceu.

                - Não. Eu mesma vou arrumar tudo. É o que mães normais fazem. Eu agradeço, mas quero cuidar disso sozinha.

                Gamora sabia que isso não era verdade, mulheres normais jamais poderiam lidar com tudo que ela estava passando sem ajuda. Mas não daria tão fácil suas amostras de sangue aos soberanos. E não queria que tocassem em sequer um fio de cabelo de seu bebê. E Ayesha acreditar que mães comuns durante a gravidez, o parto e o início da vida do bebê ficavam perigosamente agressivas, mais um detalhe no qual Gamora tinha trabalhado ao longo dos últimos meses, ajudava bastante. Mesmo que de fato Gamora fosse perigosamente agressiva quando necessário.

                - Você não parece em condições – a soberana mais jovem falou.

                Gamora lhe lançou um olhar que a fez recuar e se encolher quando prontamente levantou da cama com a filha como se nada tivesse acontecido, acomodando a bebê em um braço, pegando a bandeja de utensílios cirúrgicos com a mão livre e seguindo para lavá-los no banheiro, lançando olhares aos outros três para ter certeza que de que não levariam nada do quarto.

                - A deixaremos por mais tempo então – Ayesha falou ao sair, ordenando o mesmo a Adam e Alia.

                A porta se fechou e Gamora abandonou o que estava fazendo, apurando os ouvidos até ter certeza de que os três iam longe e ninguém entraria. Voltou a sentar na cama e gemeu de dor pelos movimentos bruscos que havia feito para amedrontar os soberanos. Respirou fundo e acomodou melhor Meredith em seu colo, percebendo que a filha estava acordada. Deixou uma das mãozinhas agarrar seu polegar e sorriu. Apesar de ter seus olhos e um leve brilho cor de rosa nos cabelos, ela era igualzinha a Peter. Gamora se forçou a bloquear todas as emoções que estavam ameaçando transbordar dentro dela, não queria chorar de novo agora e nem pensar sobre como isso realmente devia ter acontecido. A filha deles estava viva, e saudável, ser grata por isso era tudo que lhe restava.

                Gamora a deixou na cama e buscou roupas no baú, desenrolando a pequena da toalha e revisando a amarração do cordão. Colocou uma fralda e um macacão marrom em Meredith.

                - Ao menos esse quarto e as roupas não são dourados – comentou irritada.

                Voltou a se sentar com a filha no colo, apoiando-se mais uma vez no travesseiro, e decidindo descansar um pouco mais antes de começar a arrumar o quarto. Acariciou os cabelos claros da filha e não aguentou mais. Suas lágrimas voltaram imediatamente, e se esforçou para permanecer em silêncio a fim de não incomodar Meredith e não atrair soberanos até o quarto. Não sabia como ia fazer isso sem ele, como criaria sua filha sem a família deles. Gamora podia até ver em que estado de felicidade Peter estaria se estivesse aqui agora, podia sentir os braços dele em volta dela e todos os beijos que ele daria as duas, e a forma como ele sorriria contra sua pele depois de beijar sua bochecha.

                Secou os olhos e respirou profundamente quando Meredith começou a dar sinais de sono, e Gamora a balançou suavemente enquanto murmurava baixinho melodias aleatórios das duas fitas dos Awesome Mix e do zune. Quando a bebê estava novamente dormindo meia hora depois, Gamora a deixou no berço e começou a trabalhar no quarto lentamente, limpando todos os utensílios médicos, a banheira de bebê, suas roupas, as toalhas e os lençóis da cama, e separando para descartar tudo que não valia a pena tentar limpar. Também conferiu a data, horário e o provável peso de Meredith ao nascer, tinha anotado em um bloco de papel que encontrou no baú de roupas. Trabalhou por horas, parando várias vezes para descansar ou quando sentia dor ou quando Meredith acordava e precisava mamar, até que não restasse sequer uma mancha de sangue em qualquer lugar.

Havia um varal de metal no banheiro amplo, era pequeno, mas serviria, e deixou tudo secando lá. Puxou a mesa para a porta do banheiro e improvisou uma cama para Meredith com os cobertores, para ter certeza de vê-la enquanto estava no chuveiro. A água quente aliviou um pouco de sua tensão e lavou o sangue que ainda estava em sua pele, além dos pequenos sangramentos que ainda estava sofrendo, mas não se atreveu a ficar lá por muito tempo, e quando saiu pegou tudo que havia descartado e amarrado em uma das bolsas, levando até a pequena porta que ela descobriu que levava direto a um incinerador, onde os soberanos davam fim a tudo que não podia ser reaproveitado. Finalizou seus cuidados posicionando a mesa em frente à porta. Não era suficiente para bloqueá-la, mas ouviria se alguém tentasse entrar. Lhe doía o risco do barulho fazer Meredith chorar, mas era o necessário para a segurança de ambas.

                Por fim, exausta, ela colocou Meredith de volta no berço e deitou ao lado da filha, repousando uma mão sobre ela. Seu corpo estava pesado e parecia que levaria dias até que ela conseguisse levantar sozinha de novo. Adormecendo poucos minutos depois debaixo do cobertor, Gamora teve sonhos. Tão reais que ficaria confusa quando acordasse. Todos os Guardiões estavam vivos e felizes como nunca, todos estavam com ela e amavam Meredith. Peter e Mantis a ajudaram no parto, e Drax ficou mudo de tão emocionado ao saber que o bebê se chamava Meredith Kamaria Quill. Groot estava radiante por ter uma irmã e Mantis fascinada com a fofura do bebê. Rocket estava sorrindo e pela primeira vez não fez nenhuma piada. Nebulosa segurou Meredith no colo e Gamora sentiu seus olhos marejarem ao vê-la sorrir. Peter era o pai mais feliz, risonho e carinhoso do mundo. Parecia que ele nunca mais tiraria o sorriso do rosto, que nunca mais pararia de beijar e abraçar as duas, que nunca mais iria querer tirar a filha do colo. E quando os três ficaram sozinhos, o corpo quentinho e forte do terráqueo a abraçando pelas costas enquanto olhavam para a filha juntos era uma sensação que Gamora nunca mais queria perder.


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Notas finais do capítulo

Créditos da imagem para a artista "Ju Reborn".



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