É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 10
Capítulo 10 – Crueldade




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Capítulo 10 – Crueldade

                Peter caminhava sozinho pelo shopping próximo ao posto de combustível onde pararam para abastecer a Benatar. Os demais estavam fazendo outras coisas e se encontrariam em uma hora para partir do planeta onde haviam acabado de realizar uma missão. Normalmente ele e Gamora passeariam juntos nessas ocasiões, às vezes Nebulosa os acompanhava. Mas ultimamente, sem sequer perceber, ele sempre procurava um jeito de ficar sozinho, sem paciência de ouvir sobre o que os outros estavam falando, e principalmente, sem vontade alguma de responder ou entrar na conversa. Vinha conseguindo se manter firme quando era necessário, para o trabalho, mas tudo voltava ao fim de cada missão.

                Ver cartazes de desaparecida com a foto de Gamora espalhados em alguns lugares não ajudava. E Peter estava de frente para um agora, em um dos pilares do hall de entrada do shopping. As letras vermelhas e maiúsculas anunciavam a condição dela no topo da folha, o símbolo da Tropa Nova estava num canto ao lado da palavra, sua foto conseguia deixar Peter quase tão hipnotizado quanto a própria Gamora, mas agora esse sentimento também vinha carregado de angústia e ansiedade. O rosto dela estava sério, mas em paz, havia felicidade em seus olhos. Era uma das fotos que haviam tirado anos atrás justamente para identificação na base de dados da Tropa Nova, logo que derrotaram Ego. Costumavam renovar as fotos às vezes. Abaixo da foto havia dados de contato, informações sobre a última vez que Gamora fora vista e a promessa de uma gratificação por informações verdadeiras ou indicação do local onde ela poderia estar, além da ameaça de prisão e outras penas piores se algum mal lhe fosse feito. Peter ficou satisfeito por Dey ter acrescentado esse último tópico.

                Os olhos verdes voltaram a encarar os dela na imagem, e ela estava tão linda! Tão linda quanto sua Gamora sempre fora, Peter sempre amou todas as fotos dela, mas essa sempre fora uma de suas favoritas, embora ele amasse ainda mais as fotos em que ela estava sorrindo. Teria estendido a mão para tocar a imagem se não houvesse outras pessoas em volta. Algumas o olhavam, provavelmente o reconhecendo, mas nenhuma o incomodou ou o olhou com julgamento, reforçando o que haviam concluído desde a chegada que os habitantes desse planeta eram bastante gentis.

                Soltou a respiração que estava segurando, e obrigando seus olhos a não lacrimejarem, mais uma vez decidiu tentar se distrair no tempo livre.

                - Obrigado, Dey – murmurou para si mesmo.

Olhou o cartaz uma última vez e seguiu em outra direção, vendo uma série de lojas de todos os tipos ao longo do caminho. Um senhor estava parado observando uma delas, e Peter parou de andar tentando recordar porque ele era familiar, mas com a bagunça que estava sua cabeça no momento, isso foi impossível. De repente o homem o olhou e sorriu.

— Bom dia, jovem. Gostaria de conhecer nossa nova filial?

Peter fitou o estabelecimento que ele estava encarando. Era uma loja de roupas e artigos infantis, aparentemente para bebês e crianças pequenas. Incontáveis cores podiam ser vistas ali, tanto nas roupas expostas quanto nas paredes coloridas da loja, tanto dentro quanto fora, oferecendo um ar de alegria ao lugar.

                - Nós não temos crianças, mas parece uma ótima loja – Peter sorriu tentando ser educado e gentil.

                Instantaneamente imagens de seus recentes pesadelos voltaram a sua mente, e a sensação de como o bebê que ele viu parecia real, e o conhecimento de saber que era dele. Dele e de Gamora! Da possibilidade de que sua Gamora havia morrido grávida, descobrindo isso da pior forma possível e ainda tendo tempo de sofrer antes de partir.

                - Ei... Estou falando com você – o homem mais velho disse, porém sem repreendê-lo.

                - Desculpe... Eu me lembrei de algo importante.

                O velhinho sorriu.

                - Sabe... Crianças costumam nos libertar dessas coisas. Desses pensamentos intrusivos de coisas que nos perturbam, da agonia da preocupação que as coisas do dia a dia geram. Mas ainda que não tenha crianças, saiba que em algum momento... Tudo vai ficar bem, rapaz.

                - Como sabe que minha lembrança era algo ruim?

                - Está na sua cara. Eu tenho muitos anos nas minhas costas, sei reconhecer um rosto aflito.

                Os dois ficaram em silêncio por algum tempo, observando os pequenos manequins e bebês de brinquedo, alguns humanos, outros não, vestindo algumas das roupinhas.

                - Está é uma de minhas favoritas – o senhor falou apontando um bebê de brinquedo do tamanho de um recém nascido, trajando macacão com pezinhos fechados, touca e luvas de tom marrom claro, com um sapinho desenhado no peito – Sapos são animais divertidos – disse com uma risada simpática – E as crianças também os adoram.

                Peter sorriu ao se lembrar do sapo que salvara de garotos agressivos na escola, ainda que essa lembrança o recordasse de que perdera sua mãe poucas horas depois no mesmo dia. Gamora amava essa história, ainda que se sentisse tão triste quanto ele ao saber do que aconteceu depois.

                - Nossa primeira loja não tem manequins, apenas as roupas. Estamos expandindo agora para outros planetas. Se um dia você tiver filhos, ou quiser dar um presente, estaremos disponíveis. Atendemos crianças de qualquer idade. Você pode ler sobre nós no site do shopping na holonet.

                - Obrigado – Peter sorriu já se movendo para seguir em frente – Eu vou lembrar disso.

                - E não se preocupe. Tudo vai ficar bem, Senhor das Estrelas.

                Peter se virou para encará-lo uma última vez, vendo-o com um sorriso gentil e uma estranha certeza nos olhos, com se pudesse ler sua mente. Convencendo-se de que estava imaginando coisas, ainda mais com seu futuro tão incerto, ofereceu um aceno de cabeça para partir, mas não antes de ver o velhinho se encaminhar para dentro da loja e poder ler o nome nas costas de seu colete, Excelxior. Esse nome também era familiar... Mas decidindo que não estava disposto a entrar em conflito com suas memórias desordenadas, virou-se na direção oposta e continuou sua exploração do shopping.

                Seus pés acabaram o levando até a área aberta do lado de fora da grande praça de alimentação no segundo andar, que felizmente estava vazia no momento. Peter ignorou os bancos próximos a algumas árvores plantadas ali, e se apoiou na parede de proteção que dava vista para a cidade. O céu estava azul e ensolarado, uma brisa agradável soprava em seu rosto. Gamora gostaria tanto de estar aqui agora...

                - O que significa tudo isso?

******

                Nebulosa rosnou baixinho, irritada com a criança desastrada que esbarrou nela enquanto seguiam para o estacionamento.

                - Olhe por onde anda – falou contendo sua irritação e apenas advertindo a criança.

                O grupo parou e olhou na mesma direção de Nebulosa. A criança estava usando uma casaco longo com capuz. Se virou brevemente para olhá-los, exibindo cabelos azuis escuros e penetrantes olhos vermelhos. Sem dizer nada, lhes deu as costas e foi embora.

                - Era uma menina? – Mantis perguntou.

                - Não dá pra saber – Drax respondeu.

                - Cores estranhas – Rocket falou – De que espécie essa coisinha é?

                - Eu sou Groot.

                - Nem eu.

                - Ela é familiar... – Nebulosa forçou a mente – Muito familiar.

                - Eu não lembro de tê-la visto antes – Peter falou – Mas podemos pensar nisso depois ou vamos pagar taxa extra de estacionamento se ficarmos mais dez minutos aqui.

                Nebulosa concordou e o seguiu para dentro da nave.

******

                Gamora fez seu melhor para esconder sua surpresa e raiva quando Ayesha entrou em sua cela após as duas soberanas responsáveis pela limpeza do local saírem. A mulher a encarou com o olhar vazio e frio de sempre por vários segundos antes de alguma delas decidir falar. Gamora tinha acabado de completar seis meses de gravidez e tudo que não queria era uma aparição repentina de Ayesha.

                - A prisão não parece um local adequado a alguém da realeza – a zehoberi alfinetou, permanecendo onde estava sentada na cama, e instintivamente levando as mãos à barriga e mantendo os joelhos dobrados em frente.

                - Eu sou a responsável por todo este reino. Cuido de cada centímetro dele, isso inclui a ala prisional – falou sem nenhuma emoção aparente na voz – Deve saber que Xandar foi dizimada anos atrás.

                Gamora não respondeu, mas sentiu uma pontada no coração ao ser lembrada que sequer teve a chance de verificar o estado em que Thanos deixara o planeta, se Dey e Nova Prime estavam vivos, qual fora o nível da destruição.

                - Nós também tivemos perdas. Felizmente todas foram recuperadas, apesar do caos instalado aqui para recolocar tudo e todos em seus lugares. Trocamos informações com outros planetas para saber em que situação se encontra a galáxia.

                 Gamora se sentiu gelar por dentro, com a sensação de que algo ruim viria disso. Ayesha nunca puxaria conversa com alguém sem uma razão, especialmente com um membro dos Guardiões da Galáxia. O bebê se mexeu sob sua mão, e Gamora acariciou o local levemente com os dedos, preocupada de que sua apreensão o estivesse afetando. E o olhar curioso de Ayesha sobre ela, ainda que a soberana tentasse disfarçar, não estava ajudando.

                - Hoje recebemos uma atualização sobre indivíduos importantes da galáxia. Achei que deveria saber... Que seus Guardiões não foram localizados, nem mesmo ajudando na reconstrução de Xandar. Sua irmã também não foi localizada.

                Gamora respirou fundo quando uma imagem de Nebulosa e uma de seu encontro com a outra Gamora vieram repentinamente a sua cabeça. A Gamora de 2014 saberia alguma coisa sobre o paradeiro de Nebulosa? Não conseguia lembrar...

— Há muitos desaparecidos sendo dados como mortos. Do nosso ponto de vista é onde se encaixam agora. Não são vistos desde o fenômeno que todos chamam de estalo. Infelizmente para mim. Intencionava sentenciá-los todos de uma vez. E é o que farei se forem encontrados em algum momento.

                Gamora respirou fundo outra vez, juntando todas as suas forças para não dar um soco em Ayesha. O bebê deu um chute mais forte, que chegou a doer, e sua mente ficou ainda mais perturbada.

                - Mas manteremos nossa palavra de que nada será decidido antes que sua criança nasça. Sugiro que esclareça quando possível em que condições isso deve acontecer para que o necessário seja providenciado.

                - Está mentindo.

                - Por que mentiria? Eles se foram, como muitos outros foram nessa guerra. É mais fácil simplesmente aceitar a verdade. Nosso povo não costuma se apegar a perdas, só contorná-las e criar algo novo e melhor. Por isso temos altos níveis de progresso e desenvolvimento. Está quase anoitecendo. Deixarei que descanse – falhou antes de sair e trancar a porta novamente.

                Gamora respirou fundo para recuperar o fôlego que estava segurando quando teve certeza que Ayesha não voltaria. Um tremor percorreu seu corpo e sentiu suas pernas fraquejarem. Sua cabeça pesou como se tivesse acabado de levar uma pancada. O enjoo que a deixara há meses pareceu voltar, e as lágrimas caíram sem permissão de seus olhos. O bebê lhe deu outro chute doloroso e se mexeu mais rápido que o comum, fazendo Gamora sentir um choque interno de medo. Acariciou a barriga para tentar acalmá-lo, mas não adiantou, e voltou a sentir em empurrão forte em sua mão. Ainda que Ayesha estivesse mentindo, era inevitável não ser afetada por tais palavras.

******

                - Mas isso é verdade? – Adam perguntou a Ayesha enquanto passavam pelo salão que daria acesso ao corredor de entrada da prisão.

                - Não interessa se é verdade. Tudo que precisa saber é que se comentar qualquer coisa a esse respeito com ela ou qualquer prisioneiro que viermos a ter, eu pessoalmente o punirei por isso, ainda que seja sua criadora.

                - E se isso afetar a criança?

                - Ainda não temos qualquer evidência de que isso seja possível.

                - Fez isso pra testar o organismo dela?!

                - Apenas fiz o que deveria ser feito. Antes que ela tenha a criança e se sinta segura o bastante para tentar fugas. Ela foi bastante agressiva com alguns dos nossos ao longo desses meses. Suponho que ficará ainda mais quando o filho nascer. Isso pode trazer problemas. E é seu dever me informar se perceber tal tipo de reação.

                Adam ficou em silêncio, não querendo acreditar que Ayesha seria capaz de tamanha maldade, e a parte racional de sua mente queria encontrar sentido na extrema ignorância e falta de noção dos demais soberanos sobre os sentimentos alheios.

                - Você está livre para levar o alimento até ela, uma vez que agora é o único além de Alia que tem coragem de fazer isso. Vá. E depois está livre pelo restante da noite.

                Adam observou Ayesha se afastar, sem conseguir dizer nada sobre a conversa. Cumprimentou os guardas na entrada do corredor com um aceno de cabeça e adentrou o lugar empurrando o carrinho que tinham trazido da cozinha, com uma bandeja com mingau  e água. Caminhou perdido em pensamentos pelo labirinto de corredores formado entre os setores diferentes dos vários tipos de cela da prisão, fazendo uma pausa ao passar pelo pequeno jardim central, onde os guardas ou funcionários da limpeza vinham para descansar entre os turnos, mas estava sempre vazio à noite ou muito cedo da manhã. Se Ayesha lhe permitisse trazer Gamora ao menos aqui...

                Apurou os ouvidos ao ouvir um som que parecia um grito misturado com choro, e percebeu que já estava próximo da cela de Gamora. Continuou andando por alguns metros até entrar no setor das celas de nível 3 e alcançar a porta de Gamora, ficando parado ao ouvi-la chorando novamente. Mas havia algo diferente das vezes anteriores. Não parecia um choro de raiva e desespero. Era de dor e uma tristeza profunda.

                - Gamora – chamou batendo levemente na porta.

Ela não deu sinal algum de tê-lo ouvido, ou simplesmente não deu importância.

                - Gamora! Há algo errado com o bebê? Temos médicos. Eu vou entrar, ok?

                Adam destrancou a porta e entrou carregando apenas a bandeja, deixando-a em cima da mesa e indo até a cama onde a zehoberi chorava, de costas para ele, não aparentando ter percebido sua presença. Ela se encolheu e suas mãos envolveram a barriga como se sentisse dor, além do medo e da tristeza presente em seus olhos.

                - Meu bebê... Eu não posso... Ele é tudo que eu tenho.

                - Você pode me ouvir? – Adam perguntou da maneira mais suave que era capaz – Vou me sentar aqui.

                Sentou ao lado da guerreira e tentou avaliar seu estado. Não precisou tocá-la para ver o quanto ela estava tremendo, e não era somente pelo choro. Ela chorou mais quando Adam tocou seu braço, agora sentindo claramente os calafrios que percorriam sua pele.

                - O bebê... – ela murmurou em desespero.

                Adam olhou para o local que ela protegia, percebendo o movimento agitado sob os tecidos da roupa.

                - Ele se move... – comentou para si mesmo, surpreso e preocupado, não sabia se isso era normal.

                - Está se movendo demais. Não quero perdê-lo... – ela conseguiu sussurrar entre as lágrimas e os tremores.

                A respiração da zehoberi se tornou mais pesada, e ela se encolheu mais na cama. Adam tocou o local onde o bebê se movia, sentindo o quão agitada a criança estava. Agitada demais! Isso não podia ser normal!

                Os músculos de Gamora se contraíram brevemente quando ela emitiu um pequeno grito de dor, reforçando o aperto na barriga. Seu choro se intensificou, deixando sua respiração mais complicada, e fazendo Adam agir por instinto.

                - Respire fundo. Eu vou tentar ajudar.

                Gamora tentou obedecer, sem muito sucesso no início, fazendo o tremor ser notado até mesmo em sua respiração. Adam fechou os olhos, mantendo suas mãos sobre a barriga e o braço dela, concentrando-se em sentir a energia de Gamora, e pode sentir o tormento físico pelo qual ela estava passando, e o bebê, tão agitado e desesperado quanto ela, como se chorasse também. Adam sentiu-o chutar sua mão, e ouviu Gamora gemer, indicando que o chute estava além do normal.

                O soberano tentou conectar sua energia com a dos dois, fazendo o possível para respirar calmamente. Com o passar dos minutos, sentiu o bebê se acalmar, e os movimentos suavizarem até sumirem. A respiração de Gamora ficou menos ofegante, e seu choro se transformou em soluços mais leves.

                - Peter... – Adam a ouviu sussurrar quando ele abriu os olhos.

                A zehoberi chorou baixinho e tremeu por mais alguns minutos, puxando ar para respirar algumas vezes.

                - Peter... – ela repetiu tão baixo que ele mal ouviu.

                - Você está bem?

                Gamora não respondeu. Seus olhos castanhos se abriram, e lágrimas silenciosas rolaram para o travesseiro. A angustia continuava em sua expressão. Seu coração ainda estava disparado, e sua temperatura parecia oscilar entre gelo e um calor repentino. Ela fechou os olhos novamente enquanto mais lágrimas corriam, e não disse mais nada até ficar imóvel e seu coração começar a desacelerar.


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