É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 9
Capítulo 9 – Consolo




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Capítulo 9 – Consolo

                - O que está me pedindo é a coisa mais ridícula que já ouvi em toda a minha existência – Ayesha falou, claramente ofendida.

                - Mas ela não está bem.

                - É só uma prisioneira. Ela não tem que estar bem.

                - Mas agora ela só chora ou não fala nada. E temo que não esteja se alimentando bem. Isso pode afetar a criança. Se é do seu interesse que essa criança nasça pra que possamos coletar dados, acho que devia considerar – Adam tentou argumentar, fazendo o possível para parecer calmo e neutro.

                Ayesha ficou quase um minuto em silêncio, refletindo, como ele e Alia já sabiam.

                - Já ouvimos de outros povos que chorar faz bem.

                - Não nesse sentindo, suma sacerdotisa – Alia disse com cautela de onde estava ao lado do trono de Ayesha – Povos humanos costumam falar isso como uma expressão. É algo sobre emoções, algo que está além do nosso entendimento, não tem a ver com o corpo.

                - Muitos prisioneiros choraram aqui, e nunca soltamos nenhum deles para que passeassem livremente pelo reino. Isso seria praticamente um crime. Mesmo porque nunca se sabe quando estão usando isso para tentar despertar pena.

                - Se ela fosse esse tipo de pessoa, estaria usando o filho pra isso desde o primeiro dia.

                Ayesha ficou em silêncio, seu olhar indicando que disso ela não podia discordar.

                - Ela parece cansada – Adam voltou a falar – Nós sabemos como exaustão mental afeta o corpo. Se o corpo dela estiver em condições precárias, o bebê pode ter problemas. E se ela perdê-lo, pode morrer junto. Então não teremos mais nada, nem dela e nem dos Guardiões que tanto quer encontrar.

                - Como você pode saber disso?

                - É apenas a lógica. Se estão funcionando como um único corpo, qualquer coisa que acontecer com um afetará o outro. Se a criança precisa de tempo pra nascer, mas morrer antes... Se o corpo tentar expulsar antes do momento certo não temos ideia do que pode acontecer. E se ficar dentro dela, pode logicamente matá-la. E não temos ideia alguma sobre como isso funciona além das suposições mais óbvias. Se não quer que toda a galáxia saiba que ela está aqui, não podemos simplesmente levá-la a um hospital comum.

                - Isso é verdade. Eu ouvi relatos sobre um caso como esse em uma das viagens que me mandou – Alia falou.

                - Você também vai insistir nisso? – A mais velha perguntou.

                - Estou apenas lhe fornecendo dados, senhora. É uma de minhas funções.

                - Fale-me sobre isso.

                - Era uma kryloriana. Estava muito doente e fraca. O nascimento tomou todas as forças que lhe restavam e ela não resistiu. O bebê também não. Os médicos disseram que seu estado de tristeza e preocupação contribuíram para acelerar a doença e isso prejudicou a formação da criança. Embora fosse aparentemente perfeito por fora, alguma coisa que não se formou bem por dentro o deixou tão frágil quanto a mãe.

                - Achei que apenas seres humanos comuns tivessem esse tipo de fraqueza.

                - Aparentemente qualquer espécie que viva sem todo o controle que mantemos está suscetível a isso – Alia falou – Embora humanos comuns estejam mais.

                - Como podem saber o gênero da criança? Há alguma espécie de intuição?

                - Não, senhora. É aleatório. Hospitais comuns possuem aparelhos capazes de dar essa indicação quando a gestação avança um pouco. Mas alguns preferem descobrir apenas no momento do nascimento.

                A forma como Ayesha suspirou em decepção deixou claro o quanto considerava a reprodução não controlada das demais espécies decepcionante.

                - Lhes dou a tarde de hoje para resolverem o que foi designado. Vão logo.

                Adam continuou parado encarando a rainha.

                - O que está olhando? O que me pediu ainda está fora de questão. Pensarei no que fazer enquanto estiverem fora.

                Adam decidiu ir. Não conseguiriam nada melhor do que isso pressionando Ayesha. Uma palavra errada e ela poderia perder a cabeça.

                - Eu agradeço.

                Alia se juntou a ele e os dois fizeram uma breve reverência antes de saírem do salão de entrada do palácio. Seguiram em silêncio até o hangar, onde uma nave os esperava para levá-los até um planeta próximo onde podiam encontrar um comércio mais adequado para o que precisavam.

                - Você enlouqueceu? – Alia perguntou quanto estavam sozinhos, com a nave já se afastando do planeta dos soberanos, num local distante do piloto e co-piloto – Achei que ela fosse perder a cabeça e atirar até você numa cela.

                - Eu não consigo ignorar o que tenho visto.

                - Realmente há algo de errado com você – Alia falou, mas não em tom de repreensão, era mais curiosidade – Fomos todos ensinados a nunca ser assim. Você também. No entanto você é. Ela criou você com a missão de destruir, mas você está protegendo. Se importa mesmo com ela? Ou se compadece apenas da criança?

                - Eu sinto isso por qualquer criatura viva.

                - Por que?

                - Eu não sei.

******

                - De que tamanho será um bebê? – Alia perguntou de repente, quando já tinham tudo que precisavam para Gamora – Provavelmente também precisará de roupas quando nascer. Já ouvi histórias, e vi gestantes, mas nunca vi um bebê. Você devia tentar perguntar isso a ela quando conseguir fazer com que ela fale de novo. Do que ela vai precisar.

                - Eu já pensei sobre isso, mas faz dias que não ouço a voz dela. Não disse uma palavra em nenhuma das vezes que fui vê-la. A sacerdotisa me manda coletar informações sobre qualquer coisa, mas ela não fala.

                Os dois continuaram caminhando em silêncio pelas lojas, até que uma chamou a atenção de Alia, e os dois pararam.

                - Nunca prestei atenção nessa. Tudo aqui é tão... Fofo – a soberana sorriu – E pequeno.

                - Bom dia – uma vendedora de meia idade sorriu para eles – Com todo o respeito, eu sei que seu povo não tem crianças desse tamanho. Mas ainda podem dar presentes a amigos ou a visitantes que cheguem a conhecer seu planeta e tenham.

                Os dois trocaram um rápido olhar, imediatamente curiosos e interessados na ideia da vendedora. E se Ayesha se irritasse com isso, o bebê precisaria de roupas de qualquer forma. Teriam que vir aqui outras vezes de qualquer jeito.

                - Fiquem à vontade e olhem o que quiserem. Me chamem se desejarem algo.

                - Obrigada – Alia devolveu o sorriso da mulher e entrou no local seguida por Adam.

                Os dois viram uma quantidade enorme de conjuntos de pijamas, camisas, calças, macacões, sapatos, luvas e toucas de incontáveis cores. Algumas peças eram maiores que outras, mas todas ainda muito pequenas.

                - Eu não tenho a menor ideia sobre cores ou tamanho – Adam lhe disse.

                - Não sabemos sequer qual será a cor do bebê. Vamos levar algo neutro e simples. Quando conseguir falar com ela de novo, pergunte sobre isso. Se servir, levaremos mais depois.

                Depois de meia hora, os dois pousaram os olhos num macacão marrom claro com o desenho de algum animal pequeno e verde no peito. A roupinha era fechada nos pés, onde o tecido era mais expeço e macio, e de um tom mais claro, parecendo um par de meias preso à calça. Vários botões permitiam que o macacão fosse aberto ou fechado no centro. Um par de luvinhas e uma touquinha da mesma cor, porém de um tecido mais elástico, completavam o conjunto.

                - É uma boa escolha quando ainda não se sabe o sexo da criança – a mesma vendedora simpática falou ao se aproximar – Posso embalar se tiverem gostado. Nossos preços também são bons, garanto que será uma compra satisfatória.

                - Vamos levar esse – Alia lhe disse.

                - Vou embalar agora mesmo – a mulher respondeu enquanto buscava uma das sacolas coloridas da loja.

                - Nunca vimos esse animal em nosso planeta – Adam disse.

                - É um sapo. Um pequeno sapinho verde. São animais geralmente bem pequenos, que saltam e se alimentam de insetos. Bem comuns em alguns planetas. Algumas pessoas morrem de medo deles porque às vezes pulam de repente e assustam, mas as crianças os adoram – a vendedora riu com simpatia.

                Os dois deixaram a loja alguns minutos depois, voltando para a nave e seguindo de volta ao planeta Soberano.

******

                Gamora tinha acabado de tomar banho e se vestir quando passos cautelosos e batidas suaves ecoaram da porta. Não era Adam. E já haviam trazido alimento poucos minutos antes. O som dos passos indicava que era uma mulher, e felizmente não Ayesha, era menor do que ela.

                - Gamora? – A voz gentil de Alia chamou.

                A zehoberi não respondeu, e nem se moveu de onde estava sentada na cama. A soberana abriu a porta devagar e olhou para dentro, finalmente entrando quando a viu. Ela carregava um pacote, com roupas provavelmente. Mas dessa vez havia uma sacola colorida junto, num to alegre de azul. Alia deixou o que carregava na mesa e a olhou.

                - Eu trouxe o mais similar possível ao que encontramos da última vez. Acredito que ficará bem em você, e nos certificamos de procurar vestes que se adaptem bem a sua condição de agora. E também... Trouxemos algo para o bebê. Não temos muita ideia sobre isso, mas ele também vai precisar de roupas logo que nascer, certo? Nos diga se for útil, então traremos mais da próxima vez. E quando for possível, poderia nos informar do que vai precisar no nascimento. Forneceremos o que for necessário.

                Diante do silêncio, Alia se despediu com um aceno de cabeça e foi embora. Gamora tinha o impulso de agradecer quando isso acontecia, mas pelo que agradeceria? Por roubarem o tempo já tão subtraído de sua vida?

                Olhou para o embrulho em cima da mesa, e quando conseguiu controlar a raiva que sentia decidiu levantar para checá-lo, sempre se certificando de que não havia armadilhas escondidas em qualquer item. Encontrou calças e camisas para gestantes e roupas íntimas num pacote separado, Alia já lhe dissera que ela cuidava disso sozinha. Também havia camisolas para grávidas, o tecido era macio e confortável. As cores variavam entre cinza, verde escuro, preto, vinho e tons de azul. Gamora continuava se perguntando porque os dois continuavam dando importância a procura de cores que poderiam agradá-la ou que parecesse com o que ela costumava usar. Certamente a própria Ayesha jamais se importaria com detalhes assim.

                Pegou a sacola azul e a analisou. Não tinha nome, mas aparentemente era de uma loja para crianças. Retirou o conteúdo e seu coração pulou, jamais esperando ver algo tão doce e bonito nas condições em que estava vivendo. A touquinha tinha um pom pom de lã num tom ainda mais claro de marrom que o tecido, e se adaptaria perfeitamente à cabeça de um recém nascido. As luvinhas não tinham separação para os dedos, mas seriam perfeitamente confortáveis para um bebê se aquecer. O macacão tinha os pezinhos fechados, com um tecido fofo que servia perfeitamente como meias. Gamora finalmente conseguiu sorrir olhando o pequeno sapo pintado no tecido. Secou os olhos e acariciou a barriga, sentindo o bebê se mexer, e tentando ignorar os pensamentos de que ela e Peter provavelmente comprariam a primeira roupinha do filho juntos.

                - Você está acordado – sorriu ao falar com o filho – Isso é ótimo. Porque eu tenho uma história nova pra você.

                Sentiu a cabeça do bebê empurrar levemente abaixo de sua mão, e teve certeza de que podia ouvi-la, mesmo se não entendesse nada do que estava dizendo. A essa altura já deveria saber se tinha um menino ou uma menina. Poderia escolher seu nome, falar mais diretamente com ele ou ela, mas tudo que poderia fazer era esperar.

                - Quando o seu pai era criança... Ele tinha problemas na escola com outros garotos, geralmente maiores que ele, e muito mal educados. Uma vez ele me contou de como voltou da escola com um olho roxo porque tentou proteger um pequeno sapinho indefeso, exatamente como esse, que outros garotos estavam tentando machucar.

                A guerreira fez uma pausa e respirou fundo.

                - E depois disso ele passou por algo tão difícil, tão triste... Naquele mesmo dia. Ele ainda era tão pequeno e teve que ser tão forte... E foi assim que uma parte da sua história começou, meu amor. E eu não vou deixar que termine aqui. Eu não sei como. Mas eu não vou.


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