Poeta anônimo escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 6
Inesperado




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06 - INESPERADO

 

Shoto acordou com o barulho do despertador tocando perto de sua cabeça. Resmungando baixo, ergueu o braço e congelou o aparelho, instaurando o silêncio total no quarto. 

 

Rolou na cama e voltou a dormir, ignorando completamente o fato de que precisava se arrumar para a escola. "Só mais cinco minutinhos" — disse para si mesmo. Mas nunca são só cinco minutos, de modo que meia hora mais tarde ele foi acordado pelo escancarar da porta de correr do seu quarto, que fez um barulho alto ao atingir o limite, assustando Shoto de tal modo que o garoto se embolou nos cobertores e caiu de cara no chão, levando os lençóis e travesseiros consigo. 

 

— Oh, desculpe por te assustar, Shoto, mas é que você vai se atrasar para a aula — disse a voz de Fuyumi, parecendo se segurar para não rir. 

 

— Tudo bem, não foi nada — mentiu o garoto, levantando-se e quase caindo de novo ao tropeçar nos lençóis. — Pode ir, eu já acordei — acrescentou ao ver a irmã parada ali na porta, com cara de tacho. 

 

— Ah, sim, desculpe — dito isso, ela se afastou, tapando a boca para não gargalhar.  

 

Com uma careta de desgosto, Todoroki olhou para sua cama alta e totalmente ocidental. Maldita hora que insistira para obter uma daquela, tudo porque queria contrariar o pai. Já tinha perdido a conta de quantas vezes acordara caindo daquela merda — talvez devesse queimá-la, deixando só o colchão. 

 

Ainda meio irritado e esfregando o nariz dolorido, Shoto correu para se arrumar, saindo de casa sem tomar café. A manhã parecia linda e preguiçosa como sempre. 

 

Apesar do estresse das primeiras horas do dia, ele não pôde deixar de se sentir um pouco mais feliz no caminho para o colégio. Por algum motivo que não entendia, Todoroki se sentia mais leve, mais livre. E pela primeira vez, Shoto se contentou em não entender, apenas se deixando sentir. 

—______

 

Izuku estava resmungando de novo, e sequer se dava conta disso. Ochako já tinha desistido de trazer o amigo à razão, então manteve-se quieta ouvindo-o divagar.

 

— E se eu fui inconveniente, se ele ficou irritado ao invés de felizeagoratemraivaeachaqueospoemassãoapiorcoisaqueelejárecebeu…. 

 

Suas divagações foram interrompidas por um tapa na nuca tão forte que o fez morder a língua e xingar alto, enquanto encarava Ochako de forma muito ofendida — ela aparentemente havia desistido da quietitude, optando pela abordagem mais violenta. 

 

— Que porra, Deku, dá pra parar com essas paranóias? Isso não tá te fazendo bem, e você não vai descobrir nada desse jeito, então só para! — ralhou ela, parecendo realmente aborrecida. 

 

— Você não entende, não é? — indagou ele, ranzinza. — Eu posso ter estragado tudo!

 

— Ah, não, eu não entendo mesmo! — exclamou ela, irritada, começando a pisar duro no chão. — Você só seguiu seus instintos, escreveu e deixou lá, então não entendo como você pode ficar tendo esses ataques paranóicos quando deu tudo de si. Não entendo como você sequer pode achar que estragou tudo quando apenas fez aquilo que faz de melhor: escreveu! 

 

Izuku não teve argumentos dessa vez, não teve nem palavras para agradecer, tamanho o choque de receber um elogio assim, tão inesperadamente. Ochako apenas agradeceu pelo silêncio, pois não aguentava mais a tagarelice do amigo. 

 

Eles continuaram a caminhada rumo ao colégio, e logo estavam em frente ao enorme portal de entrada da UA. Antes que pudesse entrar, Uraraka sorriu suavemente e pegou a mão de Izuku, entrelaçando seus dedos antes de olhar nos olhos verdes e grandes que se arregalavam para ela, surpresos pela atitude repentina. 

 

— Relaxa, Deku — começou a amiga, num tom calmo e claro dessa vez. — Você fez o seu melhor e escreveu sinceramente, tenho certeza que seus sentimentos chegarão até Shoto como você quer que cheguem. 

 

Dito isso, ela sorriu novamente para ele, e Izuku sorriu de volta, apertando a mão ainda entrelaçada na sua. Ochako tinha razão: ele escrevera com toda sua alma, portanto não tinha nada com o que se preocupar. Afinal, toda mensagem escrita com amor chega certeira em seu destino — o coração do leitor.  

 

—_________

 

A manhã se passou lenta e tediosamente entre uma aula e outra, e Shoto se viu contando as horas para o horário de almoço chegar. Não só porque tinha fome, mas porque queria fazer algo importante também. 

 

Quando o sinal tocou anunciando o intervalo, ele foi o primeiro a pular da cadeira e sair da sala, indo direto para o refeitório a fim de se servir. Depois, se apoiou em pé numa parede e ficou observando como um gavião, esperando os colegas da sala se arranjarem nas mesas retangulares do refeitório. 

 

Contra todas as possibilidades, escolheu se dirigir para aquela que estava mais cheia e marchou até lá, decidido. Ali estavam Bakugou, Kirishima, Midoriya, Tenya, Ashido, Uraraka e Yaoyorozu. 

 

— Posso me sentar aqui? — perguntou ele repentinamente assim que se aproximou. 

 

Boquiabertos, os colegas apenas o encararam sem saber o que responder. Katsuki foi o primeiro a tomar uma atitude, apontando o espaço vazio no banco entre Momo e Uraraka. 

 

— É só sentar, meio-a-meio estúpido. Precisa que o ensinem como faz isso? — debochou com a boca cheia de comida. 

 

Ao seu lado, vários sons de repulsa e reprovação puderam ser ouvidos, mas foram todos ignorados. Todoroki se limitou a sentar-se entre as garotas, concentrando-se na sua comida. Midoriya estava sentado bem de frente para ele, no outro lado da mesa, e Shoto tentou se convencer de que não estava fugindo daquele olhar.

 

Alguns minutos se passaram num silêncio constrangedor, no qual todos olhavam para Todoroki como se ele fosse um alien. Inquieto com aquela situação, Kirishima resolveu se pronunciar. 

 

— Ei, cara, que bom que decidiu sentar com a gente, você fica tão isolado sempre — começou, sorrindo cordial enquanto encarava o bicolor. 

 

— É verdade, Todoroki-kun — concordou Momo, sorrindo de forma tímida. 

 

— Não decidiu isso do nada, não é? — intrometeu-se Ochako, também com a boca cheia. — Aconteceu algo? 

 

Shoto finalmente tirou seus olhos do prato e encarou os colegas, um a um. Estava ali por um motivo específico, sim, e precisava tomar coragem para se pronunciar de uma vez. Respirou fundo e largou os hashis, se concentrando nas pessoas ao redor. 

 

— Eu queria saber o que vocês acham da minha cicatriz — disse num fôlego só, como se fosse a coisa mais normal do mundo sair perguntando esse tipo de coisa por aí. 

 

Num primeiro momento, a única resposta foi o silêncio, exceto por Izuku, que se engasgou com seu arroz e teve um acesso de tosse terrível, cuspindo no prato de Tenya ao seu lado. Este último mal reparou, preocupado demais em salvar o amigo de uma morte traiçoeira por engasgo. 

 

Mina foi a primeira a falar, num tom cauteloso e sincero ao mesmo tempo. 

 

— Eu achei chocante quando vi pela primeira vez, mas agora só acho ela um charme a mais, e combina com seu cabelo.

 

— Verdade — concordou Momo. — Sem contar que dá a impressão de que você é forte por ter passado por muitas coisas, como esses personagens de filme. 

 

— Mas ele é mesmo forte! — interviu Ochako, sorrindo ternamente para aquele que ela já intitulava de cunhado. — Não é, Shoto? Eu acho que é uma marca com muitos significados que eu não posso entender, mas que realmente te faz mais forte. 

 

— Sim, cara, os heróis sempre tem cicatrizes — emendou Eijirou.

 

— Eu acho que parece merda — Katsuki disse simplesmente. 

 

Shoto ergueu as sobrancelhas para ele, indignado. Todo mundo estava o elogiando e aquela bombinha mal encarada tinha que estragar o clima? Todoroki já estava pensando em qual nome usar para xingá-lo, mas Uraraka tocou seu ombro levemente num aviso rápido para que não dissesse nada. Ela tirou a mão assim que os olhos heterocromáticos a fuzilaram — ele não gostava de contato físico —, aproveitando a atenção para se pronunciar. 

 

— O Suki chama de merda tudo aquilo que ele acha legal. Não é à toa que chama o Deku de "Deku de merda", assim como chama o Eiji de "Cabelo de merda", e todo mundo sabe o quanto ele gosta dos dois e só anda com eles e comigo, e adivinha? — ela sorriu triunfante, ignorando os xingamentos de Katsuki. — Ele diz que eu só falo merda. 

 

— Ochako, você é mesmo boa em desvendar as pessoas! — Eijirou comentou animado. 

 

Tenya e Midoriya eram os únicos que não tinham dado uma resposta, e logo viraram alvo de atenção de todos na mesa. 

 

— Bom, eu acho que é indelicado falar sobre essas coisas — começou lida, burocrático como sempre. — Mas se você quer saber, Todoroki, eu compartilho das opiniões dos meus colegas: sua cicatriz é um símbolo de força e coragem por ter passado por seja lá o que for, e isso é uma característica de herói. Não é à toa que você é tão forte! — completou, sorrindo. 

 

Shoto piscou, surpreso. Jurara que iria ouvir milhares de mentiras cordiais, mas tudo que recebeu foram opiniões verdadeiras, ele podia ver nos olhos dos colegas a sinceridade. Todos o achavam forte, corajoso. Enji dizia totalmente o contrário, mas quem Enji era senão um herói fracassado pelo próprio orgulho, um herói que não se contentava com sua profissão, que buscava consolo em status e números de rankings? 

 

Todoroki sentiu aqueles olhos em si e os encarou pela primeira vez desde que sentara ali. Os olhares de ambos se cruzaram e se fixaram um no outro, e de repente tudo deixou de parecer importante. Os elogios, os amigos, a resposta de Midoriya, os poemas, a admiradora secreta… nada daquilo importava quando ele se deparava com aquele olhar mais brilhante que as estrelas e mais verde que esmeraldas. 

 

Infelizmente, a conexão visual foi interrompida pelo sinal que indicava o fim do intervalo, impedindo que Izuku desse sua resposta à pergunta de Shoto. Aos poucos, os integrantes da turma 1°A foram se levantando, alheios ao que acabara de ocorrer entre Todoroki e Midoriya.

 

Izuku olhou ao redor, observando todos os alunos se dispersarem antes de voltar sua atenção para Shoto, que ainda estava ali parado o encarando. 

 

— Bem, eu não dei minha resposta ainda, né? — começou ele, coçando a nuca de forma envergonhada. 

 

— Não, não deu — confirmou Shoto, esperando. 

 

— Eu concordo com o pessoal — começou. — Mas não é só isso, eu… acho que… ãhn…

 

Ficaram num silêncio constrangedor por mais um tempo, até Izuku se recompor. Antes que sua coragem se fosse, ele contornou a mesa retangular do refeitório e parou em frente a Shoto, novamente capturando aqueles olhos coloridos com os seus, congelando todo o mundo ao redor e os envolvendo numa bolha. 

 

— Acho que isso mostra o quão forte e diferente do seu pai você é — disse num fôlego só, surpreendendo Todoroki. — Me desculpa por tudo que eu te falei, na verdade eu não podia estar mais errado. Você nunca vai ser como seu pai, Todoroki, porque você passou por coisas que ele não precisou passar, porque você simplesmente é diferente dele. 

 

— Você não sabe, não pode saber. Nem eu sei — disparou Shoto, na defensiva. 

 

— Ah, eu sei, sei bem! Sabe por quê? Porque estou olhando nos seus olhos agora e vejo o quão diferentes eles são dos olhos daquele homem. Você nunca vai ser igual ele. Mesmo que você use esse lado — Izuku apontou para a parte esquerda, que expelia o fogo. —, é o seu poder, não o dele. E porque você tem isso — apontou para o lado direito, o do gelo. —, você sempre vai ter algo que servirá pra parar o que quer que se pareça com Endeavor. Não limite seu potencial por causa dele, use todo seu potencial para ser melhor que ele. 

 

Shoto piscou, muito surpreso. Aquelas palavras foram direto para seu coração,  afiadas, tão diretas e eficazes quanto os poemas que recebia. Midoriya estava sempre ali, observando quando ele se continha nos treinos, como se segurava para não deixar uma faísca escapar, apenas para jogar tudo em sua cara e dizer que não precisava, que não era certo fazer aquilo. E embora fosse algo que ele vinha ouvindo ano após ano, só parecia surtir efeito agora, porque Midoriya sempre sabia quais palavras usar e como usá-las. 

 

— Não deixe Enji influenciar suas atitudes ou formar seus medos, porque se você deixar, ele ganha, mesmo que seja de um jeito que ele sequer reconhece ou se agrada — Izuku finalizou com essas palavras antes de piscar um olho para o colega e sair, deixando-o sozinho com suas reflexões. 

 

De tantas dúvidas que rodopiavam em sua mente, Shoto só conseguiu dar voz a uma: como algumas pessoas podiam ser tão boas com palavras, quando ele mal sabia dar um oi sem decepcionar alguém ou alguma convenção social estúpida? 

 

E, de súbito, uma ideia, algo nublado e confuso tomou sua mente. Shoto se deu conta de uma coisa, percebeu algo, bem lá no fundo, mas… o que era mesmo? 

 

Quando Todoroki piscou, a resposta que estava na ponta da língua sumiu, e o que quer que ele tivesse compreendido se dissipou como brumas na manhã. 

 

—________

 

— O que acham que foi aquilo no intervalo? — indagou Eijirou aos dois amigos quando saíam da escola. 

 

— Eu que vou saber? — rezingou Katsuki, dando de ombros. 

 

— Eu não entendi também, mas acho que é como todos supomos: Todoroki passa por muitas coisas, principalmente considerando quem é o pai dele — opinou Ochako, sem tirar atenção do seu suquinho de caixinha. 

 

— Será que ele sofre abusos? — indagou Eijirou, horrorizado. 

 

— Com certeza — disparou Katsuki, raivoso. Os amigos o encaram de forma alarmada, ao passo que ele revirou os olhos. — Quão ingênuos vocês podem ser? É só prestar atenção, porra! Ele tá sempre com um machucado diferente no braço, principalmente no esquerdo, o lado de fogo, o lado que ele nunca usa. Além do mais, o cara não sabe socializar, é sempre direto demais e até indelicado. Uma pessoa assim não pode ter uma educação normal em casa. 

 

— Ué, mas… — começou Ochako

 

— Mas o quê? — retorquiu Katsuki, encarando-a ferozmente. 

 

— É que você também não é bom de socializar, Suki, e é indelicado às vezes — explicou Eijirou, que com certeza tinha entendido o que a amiga iria dizer. 

 

Para surpresa de ambos, Katsuki não explodiu, apenas assentiu e deu de ombros. 

 

— É diferente, eu não tenho um pai conhecido por ser um herói com atitudes questionáveis. Minha família é normal, tirando a velha maluca da minha mãe e…

 

— Ela nem é velha! — protestou Ochako, que gostava bastante da senhora Mitsuri. 

 

— E meu pai é até que legal, o velho — prosseguiu o loiro, ignorando a amiga. — E eu não apareço com hematomas nem nada do tipo. Então não, Shoto e eu não passamos pelas mesmas merdas. 

 

— Você parece entender bastante dele, hein — provocou Eijirou, de forma sugestiva.

 

Ochako apenas segurou o riso. Kirishima com ciúmes era sua religião, ela não podia negar. Ele sempre abordava o assunto como se fosse piada ou um comentário inocente, mas era tão óbvio que chegava a ser ridículo. Katsuki podia entender muito bem dos outros colegas, mas era um grande idiota para assuntos que envolviam ele e os seus sentimentos românticos. O idiota mal enxergava o quão caidinho por ele Eijirou estava! De fato, os dois bocós eram um ótimo fenômeno para se observar. 

 

O trio continuou seu caminho até a estação, xingando-se e brigando como de costume, embora o tom entre eles fosse muito mais amigável. Desde o episódio "Katsuki flutuante", houveram certas moderações no comportamento de Bakugou, que pareceu se tornar um pouquinho mais consciente do que dizia. Ele e Eijirou tinham se aproximado bastante, e Ochako se orgulhava bastante de seu trabalho como cupido. 

 

— Bom, vejo vocês amanhã — disse ela para os dois assim que chegaram na estação. 

 

— Até amanhã, Ochako — despediu-se Eijirou. 

 

— Até, Bochechas — resmungou Katsuki, e pareceu quase civilizado. 

 

Ambos observaram a garota sumir para além da estação, já que a casa dela era por aquelas bandas. Em seguida, entraram no local e pegaram o trem, embora logo fossem se despedir, já que Eijirou descia na primeira parada. 

 

— Bom, a gente se vê amanhã por aqui? — indagou Kirishima quando o veículo parou na sua estação.

 

— Sim, o mesmo dos últimos dias, Cabelo de Merda — confirmou Katsuki, revirando os olhos. 

 

— Então até amanhã, Suki — e num movimento rápido e inesperado, beijou a bochecha do amigo, saindo do trem em seguida. 

 

Katsuki não pôde responder, xingar, devolver o beijinho, nada. O desgraçado fugira sem dar chance de resposta. Ah, mas iria pagar na manhã seguinte, porque Bakugou o faria terminar o serviço. E só de pensar nisso, sorriu. 

 

O dia seguinte seria interessante. 

 

—___________

 

Trancado no quarto, Shoto encarava o teto. Tinha brigado com seu pai, já que o desgraçado viera exigir um treino por estar com a tarde livre e o garoto recusara. Fugiu e se trancou antes que Enji o alcançasse, selando a porta com gelo num sinal claro de que se fosse forçado a algo, as coisas não acabariam bem. 

 

Precisava de um tempo sozinho para refletir sobre tudo: as palavras de Izuku, dos amigos, os poemas… sua cabeça estava como um redemoinho, girando sem parar. Não que pensar ajudasse, mas era bom ficar encarando o teto de bobeira enquanto relembrava as últimas coisas que aconteceram em sua vida. 

 

Fora tanto para absorver em tão pouco tempo que Shoto sentia como se a semana passada pertencesse a outra vida, outra pessoa. Resmungando baixo — como era de praxe sempre que pensava demais —, ele se levantou da cama num salto e foi até o criado mudo, tirando da gaveta de meias o papel amassado com a última mensagem que recebera. 

 

Não que precisasse dele para lembrar da poesia, já tinha tudo decorado. Simplesmente gostava de contemplar aquele papel, aquele kanji desastrado, aquelas palavras bonitas… 

 

Todoroki sentia que quem quer que fosse o responsável por aquelas poesias, era alguém que sabia de suas inseguranças  e tentava lhe ajudar com elas. E se por um lado essa perspectiva — a de ser lido tão facilmente — o assustava, por outro o acalmava, por lhe trazer a sensação de que alguém cuidava dele. 

 

Sorrindo, Shoto constatou que, pela primeira vez, ele se sentia disposto a se acostumar com aquilo. 

 

—___________

 

Na manhã seguinte, o sol acariciava suas peles de forma agradável e amena. Caminhando lado a lado, Katsuki e Eijirou se provocavam, empurrando-se ou fazendo piadas um sobre o outro, alheios aos olhos que os seguiam. Nenhum deles comentara sobre o incidente do dia anterior, embora Bakugou ainda resolvesse abordar aquele assunto — de preferência colando sua boca na do amigo, já que estava cansado daquele cozinhamento todo. 

 

Havia apenas uma semana que ambos tinham se resolvido por andarem juntos da estação até a UA, e desde então, Katsuki chegava estranhamente bem humorado na sala — mas ninguém comentava sobre, por amor à própria vida. 

 

Eijirou parou de repente em seu caminho, bem na frente da entrada de um beco pelo qual passavam todos os dias. Era escuro, sem saída e fétido. 

 

— Que foi agora, Cabelo de Merda? — perguntou Bakugou, impaciente como sempre. 

 

— Olha esse gatinho, Suki, não é fofo? — apontou para o filhote abandonado bem no fundo do beco. Tinha grandes olhos azuis e pelagem totalmente preta, que  parecia reluzir na fraca luz do sol que iluminava o local. 

 

— Não — resmungou, fazendo careta para o bichano. Não era fã de gatos. 

 

— Como você é mal humorado, Katsuki. Ele é uma graça — replicou Kirishima, se aproximando do felino de forma vagarosa, para que ele não fugisse. Conseguiu chegar perto o suficiente para esticar a mão e deixar que o gato farejasse, obtendo permissão para acariciá-lo e o fazendo cautelosamente, passando a mão pela cabeça do animal de forma carinhosa.

 

De pé atrás deles, Bakugou apenas observava a cena de braços cruzados e um sorriso discreto no rosto. Kirishima já havia pego o gato no colo e o embalava como se fosse uma criança, e alguma parte dele precisava admitir que a imagem a sua frente era mesmo adorável. 

 

E então, de repente, sem nenhuma explicação, o felino miou ameaçadoramente enquanto fazia força para desvencilhar-se de Eijirou, os pelos eriçados e olhos arregalados. Soltou-se e fugiu, correndo de forma desesperada, deixando um Kirishima desolado e desnorteado para trás. 

 

— Uma graça, né? — zombou Katsuki, bem na sua frente, impedindo que ele fosse correr atrás do gato. — Não inventa, Eiji, temos que ir pra escola, ou iremos nos atrasar. 

 

O ruivo estava prestes a abrir a boca para protestar quando calou-se subitamente, os olhos arregalados num ponto fixo atrás de Bakugou. Este último estava prestes a se virar para ver qual era o problema enquanto xingava o amigo, quando foi empurrado para o lado com força por um ato brusco de Eijirou. 

 

Atrás deles estava a figura que ajudara no ataque da USJ com seu portal de névoa que podia transportá-los para outros lugares. E não tiveram tempo de fazer absolutamente nada quando Eijirou foi sugado para dentro do portal, uma expressão de terror em sua face, enquanto Katsuki tentava segurá-lo, em vão. Quando sua mão estava quase perto dos dedos de Kirishima, o portal evaporou-se, sumindo. 

 

Bakugou caiu no chão, de joelhos e com  lágrimas de raiva no olhar. Seu amigo fora capturado tentando salvá-lo, e ele não pôde fazer nada. 

 

Mas pretendia fazer, nem que morresse no processo. 


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