Poeta anônimo escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 10
O tal poeta anônimo




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Atrasei uma semana, perdoem essa desorganizada alma! Não me vou demorar muito, então boa leitura.

 

—_____

 

A festa já tinha acabado há algum tempo, e o silêncio reinava nos corredores escuros e vazios dos dormitórios enquanto Shoto mancava por eles, o pé esquerdo reclamando por ter sido violentado no caminho, tendo seu mindinho atacado por aquele sofá estúpido. 

 

Talvez tivesse sido a percepção repentina de suas emoções que o deixara abobalhado daquele jeito, tropeçando nas coisas, cambaleando pelo caminho e resmungando feito um velho - se bem que essa última era uma mania recorrente, não tinha exatamente a ver com sua paixonite. Quando alcançou seu quarto, Todoroki fechou a porta com um pontapé e se jogou na cama - tradicional, para que ele nunca mais corresse o risco de rachar seu crânio caindo dela. 

 

Embora estivesse cansado pelo dia de mudanças e de socialização, Shoto não conseguiu fechar seus olhos para dormir. Seu corpo ainda experimentava aquela adrenalina estranha que ocorrera quando seu olhar encontrou a tempestade brilhante de Midoriya. Em algum lugar da sua mente, uma alteração nas suas informações antigas ocorria: as estrelas não existiam somente no céu, elas existiam também no rosto de Midoriya, nos olhos e nas sardas que lembravam poeira estelar. Ochako realmente estava certa sobre as respostas que um olhar poderia conter, o jovem precisava dar crédito para ela. 

 

Todoroki pensou em como queria traçar aquelas manchas com seu dedo, sentir a energia mágica que elas provavelmente exalavam. Era como uma bela pintura, e de repente Shoto entendeu o que era desejar ser um detalhe em tão bela obra de arte. Será que Midoriya sentia algo parecido com relação a sua queimadura? Isso o fez lembrar dos poemas, daquelas palavras tão doces e provavelmente dedicadas a si com muito amor e carinho e...

 

Shoto levantou-se da cama num salto, assustado. Não tinha parado para pensar nos poemas até aquele momento, tão imerso estava em sua fantástica descoberta. Quem quer que fosse a pessoa que enviava aqueles post-its para si devia estar cultivando os mesmo sentimentos que ele descobriu cultivar por Midoriya, talvez estivesse até criando esperanças de que seria retribuída - afinal, ele ficava andando com as poesias para cima e para baixo no bolso, como um tolo. 

 

Pensar na pessoa que lhe escrevia e que provavelmente ficaria decepcionada com a descoberta de que ele já era apaixonado por alguém o fez pensar em outra questão preocupante: Midoriya poderia muito bem se sentir assim com relação a ele, incapaz de corresponder seus sentimentos. Como Shoto lidaria com algo assim? Para começo de conversa, como ele exporia sua situação se mal podia manter um diálogo devido aos seus problemas de socialização e principalmente dificuldade em expressar sentimentos? 

 

Balançando a cabeça em negativa, Todoroki expirou fortemente, decidindo que iria resolver um coisa de cada vez. Primeiro, daria um jeito de descobrir quem mandava as poesias e o porquê delas, então agradeceria, mas deixaria claro a impossibilidade de retribuir qualquer sentimento romântico que estivesse sendo cultivado. E somente após dar esse passo ele pensaria em como abordar Midoriya, se é que ele realmente ia conseguir fazer isso. 

 

Decidido, voltou-se para sua cama e deitou, cobrindo-se até o queixo. Tateando o bolso, ele agarrou o poema e sorriu com carinho, agradecendo silenciosamente enquanto se esticava uma última vez para depositar o papel na gaveta do criado mudo, guardando-o. Não precisava mais dele abaixo de seu travesseiro como um amuleto, pois já tinha o melhor deles na mente: a lembrança daquelas estrelas brilhantes que ele podia contemplar sem precisar levantar o olhar para o céu. 

 

—_________

 

Izuku estava surtando, literalmente. Rodando como uma barata tonta envenenada em seus últimos momentos de vida, ele andava em círculos pelo quarto, os passos ecoando furiosamente enquanto seus neurônios eram queimados ao tentar formular um plano eficaz para não atacar Shoto e beijá-lo do nada em horário de aula ou durante o café da manhã ou qualquer hora que eles dividissem o mesmo espaço juntos. 

 

Aquilo era muito mais difícil do que entender leis de física, controle sobre seu poder ou mesmo sobre sua própria paixão, porque era um impulso acarretado por uma emoção cujo estímulo externo era Shoto. De acordo com seus estudos, emoções não podiam ser controladas, elas eram reações automáticas à maldita boca de Sho... às malditas situações externas, que tinham como função impelir comportamentos urgentes de afastamento ou aproximação. O mecanismo do cérebro de Izuku tinha sido programado para agir assim, e por isso ele estava surtando: como diabos ele ia impedir-se de atacar a boca de Todoroki se seus instintos primordiais exigiam isso? 

 

Erguendo suas mãos para repuxar o rosto para baixo em desespero, Izuku grunhiu. Ele daria um jeito, precisava dar. Iria se afastar de Shoto e daqueles lábios lindos e maravilhosos dele, aparentemente tão macios e...

 

Izuku pegou uma almofada e usou para abafar um grito. Definitivamente ele acabava de perceber que uma parte da solução para evitar atacar a boca de Todoroki era não pensar nela, outra tarefa que parecia impossível. 

 

Resmungando de forma inconformada, ele se enfiou em suas cobertas enquanto choramingava as pitangas, prometendo para si mesmo que daria um jeito de se afastar daquele campo eletromagnético tão atraente que era Shoto Todoroki. 

 

—___________

 

Shoto rolou na cama, resmungando alto. Ao seu lado, um som irritante e estridente que ele conhecia bem demais tocava, porém não compreendia porque estava tocando naquele dia. Abrindo um olho, ele espiou o alarme e seu lado psicopata agressor de despertadores pulsou, principalmente quando ele se lembrou do sonho que estava tendo. 

 

Ele e Izuku estavam novamente no jardim, próximos o suficiente para se tocarem, para se beijarem. Desde que vira a cena de Bakugou e Kirishima e se dera conta que não seria estranho desejar fazer o mesmo com um garoto, seu inconsciente desejava reproduzir o ato. E ele estava prestes a consumar isso - em sonho, mas era melhor que nada! - quando o treco dos infernos o tirou dos seus doces devaneios. 

 

Shoto xingou alto e esticou a mão, tacando fogo no aparelho, até que ele começasse a derreter levemente. Antes que um incêndio tivesse início, ele lançou uma rajada gélida congelante que acalmou o fogo até que ele se apagasse vagarosamente. O silêncio reinou novamente no quarto, e um cheiro estranho de queimado congelado tomou conta, trazendo um conforto estranho - Todoroki passaria a associar aquele cheiro a paz dali em diante. 

 

Ainda frustrado pela interrupção de seus belos devaneios - mesmo que fosse sua culpa ter esquecido de desabilitar o despertador para que não o perturbasse na manhã de sábado, exatamente como tinha ocorrido -, Shoto virou-se e remexeu-se debaixo das cobertas, torcendo para que aquele par de estrelas voltassem a brilhar no céu dos seus sonhos. 

 

—___________

 

— Você o quê? - indagou Izuku, quase gritando de forma desesperada. - Ochako, eu confiei em você! 

 

— Pode parar de drama, eu não fiz nada demais, nem falei nada! - ela ergueu as mãos no ar, irritada. 

 

— Você falou sim, deu uma dica! Ai meu deus, ele tava me encarando ontem, ele deve ter descoberto, como eu vou olhar para cara de...

 

— Eu só dei uma dica, Deku - Uraraka argumentou novamente, revirando os olhos. - E caso não tenha percebido, Shoto é ainda mais lerdo que você, ele provavelmente nem entendeu o que eu quis dizer.

 

— E se entendeu? - insistiu ele, parado no centro do dormitório da amiga, as mãos pousadas no quadris. 

 

— Se ele entender vocês dois finalmente se resolvem, que complicação! Não é o fim do mundo, Midoriya, e eu não estou disposta a aguentar seus surtos como se eu tivesse destruído tudo! Não é justo com ele deixar tudo tão às cegas, se você quer saber minha opinião, aliás. Tipo, e se ele estiver gostando, se apaixonando pela pessoa que escreve essas palavras? 

 

— Não tem como, Ochako - Izuku negou, meneando a cabeça de forma negativa, voltando a andar em círculos. - Quem se apaixona por alguém sem rosto? 

 

— Ué, a gente se apaixona por algo a mais que um rosto, a gente se apaixona por uma essência também - retorquiu ela, sentando-se no chão, sendo rodeada pelo amigo. 

 

— Mas você precisa conhecer a pessoa pra saber da essência dela! - insistiu ele, ainda mais confuso.

 

— Nem sempre, Izuku. Você escreve com o quê? Gosto de acreditar que você faz isso com sua essência, com aquilo mais bonito e profundo que há dentro de você, parte do seu eu interior. Então parte sua vai com aqueles poemas, mas o Shoto não reconhece sua assinatura metafísica porque não te conhece tão bem, então ele pode simplesmente estar se apaixonando por sua essência sem saber, e isso é injusto. 

 

— Você foi bem poeta nessa frase - avaliou ele repentinamente, perdendo o foco da conversa, tão surpreso e tocado se sentiu graças à fala da amiga. 

 

Contudo, Izuku não teve muito tempo para pensar sobre o lado poético de Ochako, porque logo o lado demoníaco da garota falou mais alto. Ela agarrou seu tornozelo com força e o puxou, e por um momento ele achou que iria cair com tudo no chão, mas então seu corpo ficou leve e ele começou a flutuar. 

 

— Relaxa um pouco, seu faniquito tá me irritando e eu tô ficando tonta só de te olhar. O negócio é o seguinte: só deixa rolar, okay? - Ela disse, deitando-se no chão onde Izuku estivera andando momentos antes, a barriga para cima e seus olhos fixos nos do amigo. - Para de surtar, porque tipo, se o Shoto entender, melhor ainda; senão, as coisas só vão fluir. E não me olha com essa cara, flutuar é uma delícia! Se você aprendesse a deixar as coisas flutuarem, ia ser tudo mais leve e fácil. 

 

E embora mantivesse o cenho franzido para Ochako devido ao golpe baixo que ela utilizava, Izuku não pôde negar que talvez as coisas fossem mais fáceis se ele só deixasse que fluíssem levemente. 

 

—_________

 

O sol sorria no céu alegre de domingo, e a plateia ao lado de fora da área delimitada como ringue estava dividida entre torcer e chiar em desaprovação. Bakugou gritava a plenos pulmões: "Deixa de ser bunda mole, Deku de merda!" - não que ele estivesse preocupado com o amigo, só queria ver mais sangue e menos hesitação por parte dos lutadores. Afinal, tinha proposto aquela brincadeira para sair do tédio, e isso incluía ver o sangue de alguém sendo derramado. 

 

— Tá tudo bem, Midoriya? - Shoto indagou, parecendo preocupado. 

 

— Tudo ótimo, mas sabe como é, tô treinando defensivas agora - mentiu Izuku, sorrindo de forma sem graça. 

 

A verdade era bem menos digna: Midoriya e Todoroki estavam treinando combate corpo a corpo na brincadeira idiota de vale tudo que Katsuki propora, e as duplas haviam sido sorteadas. Como o universo é uma vadia sádica, Izuku acabou lutando contra o campo magnético que ele tentava desesperadamente evitar. 

 

Dada as circunstâncias, ao pobre herói só restava fugir de qualquer contato possível entre ambos os corpos. Resumindo: ele não estava nada bem, porque sua luta era contra si próprio - uma resistência firme contra a vontade de beijar Shoto. Aos meros mortais, só resta imaginar a dificuldade que é lutar contra seus próprios instintos e ainda ter que lutar contra o seu crush. Para Izuku, essa era uma luta mais difícil do que a de Percy contra os Titans no último exemplar da série "Percy Jackson e os Olimpianos" - luta essa que o jovem achava uma das mais agonizantes que já lera em sagas adolescentes. 

 

Pela primeira vez na vida, Izuku agradeceu por Kachan ser daquele jeito irritadiço e explosivo, porque o amigo entrou no ringue e o nocauteou ele mesmo - tão concentrado estava em fugir de Shoto que não pôde desviar do golpe na nuca seguido de uma rasteira traiçoeira. 

 

— E ainda diz que vai ser o número um, tsc... - zombou Katsuki, encarando a figura deitada. 

 

— Você não podia ter feito isso - reclamou uma voz atrás dele, soando muito irritada. 

 

— Não gostou, meio a meio estúpido? - indagou Katsuki, parecendo excitado ante a perspectiva de arrancar sangue de alguém. - Então vem resolver. 

 

— Eu vou - retrucou Todoroki, avançando de forma decidida. 

 

Izuku ouvia os gritos da plateia vagamente, admirando a cena de Shoto se esforçando para dar uma surra em Katsuki como se estivesse defendendo-o. Midoriya nunca gostara muito da ideia de precisar de alguém lhe protegendo, mas só daquela vez ele se deixou levar por esse devaneio. 

 

Afinal, a ideia de ser protegido por Shoto não era tão ruim, e era também mínimo que Todoroki podia oferecer por ser o causador de toda aquela situação, para começo de conversa. Sendo assim, Izuku permaneceu deitado observando seus colegas lutando. 

 

Que vencesse o melhor - e Midoriya esperava que este fosse Shoto. 

 

—_______

 

Ochako ria, animada ante ao momento épico que presenciava: Todoroki praticamente brigando por Izuku. Aquilo era lindo demais, ela mal podia conter seus pulinhos e gritinhos empolgados - sem contar que ver Bakugou apanhar era sempre uma grande satisfação pessoal. 

 

— Isso, quebra ele, Todoroki-kun, defende seu amor! - ela exclamou, embora a última parte da frase tenha sido um murmúrio baixo.

 

— Sua traíra! E, como assim, defende seu amor? - rezingou Eijirou ao seu lado, alternando o olhar entre o ringue e a amiga. 

 

— É só uma brincadeira, porque o Shoto parece estar defendendo a esposa indefesa ou algo assim - ela explicou, sem conter a gargalhada. 

 

— É verdade... acha que ele gosta do Deku? - tornou a questionar Eijirou, observando atentamente o dito cujo com uma postura pensativa. 

 

— Acho - respondeu Ochako sem hesitar, surpreendendo a si própria. - Só falta esses dois perceberem, mas eles são tão lerdos... Parecem até dois idiotas que conheço - acrescentou, de forma zombeteira. 

 

— Se for o caso, uma hora eles percebem. A gente sempre percebe, cedo ou tarde - replicou o outro, sorrindo de forma calma e sábia. - Enquanto isso, nós torcemos por eles, né? 

 

— Isso aí, a gente torce por eles - ela concordou. 

 

E era a mais pura verdade: ela estava torcendo por eles, sempre estivera.

 

—__________

 

Shoto estava preparado para dobrar o nível de seu poder, as chamas brilhavam mais fortes do que nunca. Era a primeira vez que as usava em um combate aberto em frente aos colegas, portanto a surpresa era inteligível. Bakugou parecia ainda mais animado - se é que isso era possível. 

 

Todoroki não sabia bem porquê estava fazendo tudo aquilo, já que Izuku não sofrera dano algum e provavelmente só fora pego de surpresa por Bakugou. Aquela cena toda não era necessária, e mesmo assim ele estava ali, protagonizando-a. 

 

Talvez fosse uma reação automática ao observar de perto Izuku sofrendo um ataque, ou uma vontade íntima de exibir seu poder e mostrar como ele também podia salvá-lo, ou mesmo o desejo de prender a atenção de Midoriya, que parecera tão disperso durante a luta. É, provavelmente era de tudo um pouco, mas principalmente da última opção - Shoto queria que Izuku o visse, que ficasse hipnotizado como ele próprio havia ficado ao encarar aquelas perfeitas orbes verdes. 

 

Infelizmente, sua belíssima exibição de macho alfa - a qual nós vemos frequentemente na natureza em rituais de pré acasalamento - acabou sendo interrompida por uma voz conhecida. Shoto sentiu a espinha dorsal estremecer ao perceber o exato momento em que sua individualidade foi literalmente apagada. 

 

Do lado de fora do espaço que denominaram como ringue, estava o professor Aizawa, que os encarava com uma expressão nem um pouco feliz. 

 

Infelizmente, não seria naquele dia que Shoto conquistaria Izuku com seu lindo poder de fogo. 

 

—___________

 

— Um mês? É muita coisa! - choramingou Ochako, com um bico enorme tomando seus lábios. 

 

— É tudo culpa sua, Kachan! - acusou Izuku, sua voz soando rancorosa enquanto se deitava de costas no chão, os olhos vidrados no teto por um momento. 

 

— Cala a boca, nerd de merda, você ficou todo empolgado até descobrir que ia lutar contra o meio a meio estúpido - retorquiu Katsuki, sentado do seu lado e com o dedo em riste. - Você mesmo faz palestra motivacional pro rival ficar mais forte e depois fica com medo, seu idiota!

 

— Ele não é idiota, é só uma pessoa gentil, ao contrário de você, bombinha raivosa - cantarolou Ochako, encarando suas próprias unhas, entrando na discussão só para irritar Katsuki. 

 

— A única coisa que eu posso dizer é: eu avisei - declarou Iida, de forma triunfante, as mãos nos quadris e o queixo empinado. 

 

A turma toda soltou um muxoxo, as cabeças baixas em submissão. Sentados numa roda no tapete da sala de estar, eles lamentavam a punição: um mês sem direito às saídas do fim de semana. Os pais seriam alertados sobre o castigo devido ao mal comportamento e seriam convidados a virem eles mesmos visitar os filhos durante às tardes de sábado. Além disso, teriam dever extra por todo aquele período, bem como treinos - já que Aizawa declarara que daria um jeito de gastar aquela energia e raiva acumuladas em seus alunos problemáticos. 

 

Todoroki era o único sentado no sofá, o mais afastado da rodinha até então. Mantinha-se emburrado, com os braços cruzados e um pequeno bico em seus lábios - ele não era tão inexpressivo, afinal. E obviamente seus amigos não deixaram de notar esse pequeno detalhe.

 

— Tá putinha, é, Fire-Frozen Queen? - caçoou Katsuki, encarando-o com desdém. 

 

— Desde quando você é bom em apelidos em inglês? - intrometeu-se Ochako, surpresa. - Achei que você odiasse inglês! 

 

— E desde quando você sabe tanto sobre o Katsuki, Ochako? - retrucou Mina, num tom sugestivo. 

 

— Calem a boca! - exigiu Jirou, que estava sentada entre Kirishima e Ashido, revirando os olhos. - Katsuki, esse apelido é idiota; Ochako, ele não é bom nisso e Mina, para de cuidar da vida alheia, você parece as velhas fuxiqueiras da vizinhança. 

 

— Jirou, não seja tão rude! - reclamou Iida, surpreso com o comportamento da moça normalmente tão tímida. 

 

— Alguém aqui escreve poesia? - Shoto indagou de supetão, fazendo todos o encararem pela aleatoriedade. 

 

Ninguém notou a troca de olhares entre Ochako e Izuku, ou o quanto ele começou a tremer e desviar o olhar furiosamente. Ninguém notou também o olhar de Katsuki na direção do nerd de merda. 

 

— Hm, eu acho legal mas não consigo escrever - comentou Momo, levantando a cabeça para olhá-lo. - Por que essa pergunta do nada, você escreve? 

 

— Não, é só uma curiosidade - mentiu Shoto. 

 

— Quem liga pra poesia? É estúpido, sem graça - rezingou Katsuki. 

 

— O que os ignorantes não entendem, criticam - retorquiu Shoto, se empertigando no sofá. 

 

— Isso foi muito poético e sábio, Todoroki! - elogiou Iida, animado. - Por falar nisso, Midoriya, você não...

 

Uma almofada voou até acertar o rosto de lida, arremessada por Ochako. Com um grito de guerra, a garota iniciou uma confusão de almofadas, tapas, xingamentos e gritos no meio da sala e do nada, tudo para manter o segredo do amigo bem guardado - desejava que ele se revelasse, sim, mas por conta própria.

 

Mesmo incomodado por ter tido sua investigação interrompida, Shoto resolveu entrar na briga, aproveitando a oportunidade para massacrar Katsuki com almofadas maldosamente congeladas ou fumegantes - ele era o melhor naquela guerra, ninguém podia negar. 

 

E ali, entre almofadadas e berros, Shoto se sentiu acolhido por uma família. 

 

—_________

 

— O que acha? - Izuku indagou, ansioso, rolando no tatame do dormitório da amiga, o qual ele frequentava tanto que já rendia piadinhas sem graça entre a turma. 

 

— Pera, deixa eu ler - resmungou Ochako, esticando-se na cama para pegar a agenda de rascunhos da mão dele. 

 

Ela passou os olhos pela página rapidamente e sorriu, devolvendo o caderno. Depois, rolou na cama até chegar na ponta, deixando a cabeça pender para fora enquanto suas mãos acariciavam sua própria barriga num ato distraído. 

 

— Duas dessa vez, é? - indagou, encarando o amigo de ponta cabeça. - Tá inspirado? 

 

— É, tipo isso... - ele murmurou, distraído. - Você viu aquilo que ele falou pro Kachan? Achei muito profundo. 

 

— Se o Shoto falar "poço", você vai achar profundo, Deku - retrucou a jovem, revirando os olhos. - Mas ele realmente falou algo bem certo. Quem sabe ele é seu complemento na arte de poetizar.

 

— Quem sabe... - concordou Izuku, pensativo. 

 

— Então esse primeiro aí, tu fez por causa da filosofia do Todoroki?

 

— Ah, é... e também porque ele é tão bom em matérias como exatas! O trabalho de física dele foi o melhor, e ele tirou a maior nota na prova! - exclamou Izuku, como uma esposa apaixonada. 

 

— Mas a gente ficou de reforço por culpa dele - recordou Ochako.

 

— Aquilo é porque ele ficou distraído com o bilhete que eu mandei, foi culpa minha... - murmurou Izuku, coçando a nuca de forma envergonhada. 

 

— Pessoas apaixonadas são um fenômeno interessante: elas sabem os mínimos detalhes da vida do objeto de sua paixão. Acho assustador, não sei se um dia quero alguém se apaixonando por mim - observou a jovem, levantando da cama para se jogar no tatame ao lado de Izuku, deitando de barriga para baixo com o queixo apoiado nas mãos e as pernas curvadas balançando distraidamente. 

 

— Eu não sou assustador, sou muito fofo! - retrucou Izuku, parecendo indignado. 

 

— Achei que odiasse quando eu te chamava de fofo... Mas provavelmente você descobriu que o Shoto adora fofura e agora reivindicou a sua própria! 

 

— Ah, cala a boca! - resmungou o amigo, corando violentamente. - Enfim, você acha que ele vai gostar desses poemas? 

 

Ochako lhe encarou com um daqueles sorrisos gentis e encorajadores que só ela sabia dar, a mão direita levantando para acariciar os cachos revoltos do amigo e apertar sua bochecha em seguida. 

 

— É claro que vai, Deku. Ele sempre gosta!

 

—_________

 

Caminhando pelo quarto, Shoto refletia sobre a vida. Não chegara nem perto de descobrir sobre as poesias, e atribuía tudo isso a Katsuki, que provavelmente assustou qualquer poeta na sala com suas palavras rudes. Por que aquele cara tinha que ser tão irritante? Além disso, o jovem Todoroki remoía-se com a sensação que Izuku parecia evitá-lo a todo custo, sempre fora de seu alcance. 

 

Teria ele descoberto sobre os sentimentos de Shoto e agora fugia por que estava enojado? "Não, ele não é assim!" - pensou Todoroki com seus botões, meneando a cabeça de forma negativa. Talvez ele só não pudesse corresponder, e então se mantinha longe para evitar dar falsas esperanças. 

 

Frustrado por já estar naquela agonia por meia hora, o jovem decidiu sair do quarto, só para ter algo para fazer. Abriu a porta do dormitório como um ladrão furtivo - não queria ser responsável por acordar ninguém - e andou pelo corredor, pretendendo alcançar o final dele, onde às escadas de emergência o levariam ao térreo. Sem poder se conter, Shoto lançou uma olhadela furtiva a porta do último quarto que ficava ao lado direito do corredor, antecedendo a porta corta-fogo que ficava exposta no centro da parede final, já que o lado esquerdo possuía apenas elevadores - que serviam como uma divisória que cortava o acesso direto aos dormitórios femininos. A luz ali ainda estava acesa, fazendo-o imaginar o que ele andava fazendo acordado aquelas horas. Talvez sofresse de insônia também, ou estivesse estudando alguma individualidade nova: era a cara dele.

 

Sacudindo a cabeça em negação ante a própria bisbilhotice, Shoto seguiu seu caminho, passando pela porta corta-fogo e descendo as escadas silenciosa e distraidamente. Embora não estivesse com sede, o garoto foi até a cozinha e abriu a geladeira, agarrando o suco de laranja - céus, como ele amava suco de laranja! - para tomar direto no gargalo, já que a quantidade disponível era pouca. Depois de limpar a boca, fechar a geladeira e jogar a garrafa no lixo, Todoroki voltou-se para a sala de estar, espiando a noite lá fora. 

 

O céu tinha como pano de fundo uma cor de azul escuro tão profundo que parecia negro. As estrelas eram meros pontinhos brilhantes no céu, enquanto a lua roubava a cena com todo seu esplendor. Shoto se perdeu por alguns minutos naquela visão, pensando em como gostaria de estar ali com um certo alguém, apreciando o céu e fazendo aquele elogio estranho sobre... Como era mesmo? 

 

Todoroki balançou a cabeça em negação, rindo sozinho da própria pateticidade. Sempre que assistira programas ou novelas, tivera a sensação de que pessoas apaixonadas eram idiotas. "Agora não tenho mais impressão, tenho certeza!" - exclamou ele para seus botões enquanto subia as escadas, mantendo o máximo de silêncio que podia. 

 

Ao chegar no topo e abrir silenciosamente a porta corta-fogo, ele parou subitamente, abaixando-se para se esconder enquanto deixava uma brecha mínima para espiar. Alguém estava andando pelo corredor, olhando ao redor como um rato assustado. Todoroki não se importava muito com aquilo, mas às vezes tinha um súbito instinto antissocial que o impelia a fugir de qualquer contato com pessoas em horários inapropriados - como naquele momento, no qual seu cabelo lembrava o topete de uma calopsita, suas olheiras se sobressaiam e sua cara de sono lembrava a de um zumbi, uma fraqueza que não desejava ostentar para ninguém. 

 

Agachado em seu esconderijo, Shoto observou com olhos arregalados a figura se abaixar e deslizar algo por debaixo de sua porta. Com o coração acelerado, ele esperou até que ela fosse embora, sem conseguir identificar nada além da baixa estatura - podia ser Ochako, Tsuyu ou Jirou, elas eram as mais baixinhas da turma. 

 

Ainda formulando suas hipóteses, Shoto percebeu que a figura vinha caminhando em sua direção e se assustou. Estava prestes a sair correndo pelas escadas quando percebeu que a pessoa misteriosa parou em frente a porta do último dormitório, abrindo-a e sumindo lá para dentro, dando-lhe um leve vislumbre de cachos revoltos e escuros. Só então sua ficha caiu: não era a poeta anônima, mas sim o poeta anônimo. E ele tinha entrado no único dormitório daquele corredor que Todoroki se importou em decorar de quem era - mesmo que cada quarto tivesse os nomes dos dormitandos no topo das portas -, o quarto de Izuku. 

 

Quando Shoto processou a informação, se sentiu a pessoa mais feliz do mundo, pois aquela descoberta não tinha preço: saber que seu poeta anônimo e primeira paixão eram a mesma pessoa, Izuku Midoriya.

 


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Notas finais do capítulo

E aí, a revelação veio, enfim. A cena deles brigando de almofadas é a minha nova favorita, confesso.



Rainha Ura sempre salvando, eu já to até pensando em fazer spin off dela reinando, viu.



Por hoje é só, até a próxima, não deixem de opinar ;)





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