Poeta anônimo escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 11
O outro poeta




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Deitado na própria cama, Izuku encarava o teto, divagando sobre seu último feito. Não podia classificar aquilo como parte de um plano perfeito de afastamento, mas Todoroki não sabia que  era ele quem escrevia, então não via problema em continuar com as poesias, além de que Izuku precisava se expressar de alguma forma. Contudo, era inevitável perguntar-se Shoto iria gostar do que escrevera, se iria entender a admiração por trás das suas palavras, se tinha se expressado corretamente… Embora amasse escrever, o garoto ainda se sentia muito inseguro com sua escrita, sempre se perguntando se as pessoas conseguiriam entender a mensagem por trás de suas palavras. 

 

Fora a preocupação com o conteúdo dos poemas, Izuku ainda se preocupava com as palavras de Ochako, indagando-se a todo momento se seria possível alguém se afeiçoar a si apenas pelas poesias. Ainda que desejasse muito algo do tipo, achava que era improvável. 

 

— Por que você sempre tem que ser tão paranoico? — Izuku indagou para si mesmo num sussurro baixo, agarrando o travesseiro com fronha do All Might para abraçá-lo.

 

Toda vez que parava para pensar no assunto, o rapaz se sentia surpreso com o rumo que sua vida tinha tomado. Sempre sonhara em ser herói acima de tudo, nunca sequer almejara ou imaginara nada relacionado a romances, uma vez que tinha foco total em manter o caminho reto e firme até seu sonho —  mesmo depois de constatar que não possuía uma individualidade, mesmo depois de ouvir tantas vezes que não conseguiria. Ainda assim, ali estava ele, tendo quase tudo o mais varrido da mente graças a sua nova paixão que talvez nunca fosse correspondida.

 

Izuku deveria conversar com Shoto, ou devia simplesmente manter seus sentimentos sufocados na esperança que esmorecessem com o tempo? Eles esmoreceriam com o tempo, aliás? Eram tantas perguntas para nenhuma resposta… Resmungando para o vácuo, Midoriya se virou de ladinho na cama, adotando uma posição fetal — a posição oficial dos apaixonados sofredores — enquanto fechava os olhos para dormir. Afinal, na falta de soluções melhores, um bom sono era sempre a melhor resposta, não importava qual fosse a pergunta. 

 

***

 

Deitado na cama e com braços erguidos contra a luz do quarto, Shoto encarava os post-its que segurava, ainda sem poder acreditar em sua nova descoberta. A princípio, o cérebro tinha negado o que vira, mas agora, analisando suas memórias, o jovem via que só podia ter sido Izuku com aqueles belos cachos verdes entrando em seu próprio quarto. 

 

Eram raras às vezes que se sentia assim, mas naquele momento ele estava gritando internamente, finalmente entendendo qual era o significado daqueles memes do Facebook que continham essa legenda — que ele nunca entendera muito bem antes. 

 

Como podia ser possível? Como ele demorara tanto para perceber? E como Izuku podia ser tão perfeito, a ponto de conquistá-lo duas vezes sem que ele sequer tivesse percebido o que estava acontecendo? Balançando a cabeça, Todoroki grunhiu, percebendo que eram muitas perguntas sem resposta. Achando melhor concentrar-se em algo concreto, se voltou para os papéis e finalmente focou nas letras escritas, começando a lê-las com uma nova adoração e avidez. 

 

Tenho que fazer uma confissão:

Sua genialidade me surpreende 

Principalmente com aquelas questões que ninguém entende

Seu potencial é muitas vezes invejável 

Mas para mim, é especialmente admirável. 

 

Franzindo o cenho para essa primeira poesia escrita num alegre post-it amarelo, Shoto tentou entender o que tinha de tão genial em si. Francamente, Midoriya possuía um dom especial para encontrar coisas boas nele, coisas que talvez só o grande Deku pudesse enxergar. Incrédulo, porém brilhando de felicidade, Shoto se voltou para o post-it verde, que continha outro pequeno poema. 

 

Quem sou eu é o que deve perguntar-se

Mas na verdade, não faz diferença

Meu objetivo não é ser visto 

Mas sim trazer-te alegria 

Com minha singela poesia

 

Aquilo era uma grande mentira: fazia toda diferença do mundo para Shoto, cujo coração mal cabia no peito ante a nova descoberta. Era incrível demais, surreal demais, bom demais, simplesmente demais para ser verdade. E, no entanto, dessa vez ele tinha certeza que era verdadeiro, pois vira com os próprios olhos, e agora que prestava atenção, se atentava para as pequenas marcas de Izuku em cada poesia: o jeito que faziam-no se sentir melhor como só as palavras dele conseguiam, a escolha certa das rimas, das analogias, das cores, do tipo de papel… tudo aquilo era tão Izuku que Shoto se indignou consigo mesmo por não ter percebido antes. 

 

Mas… e o que significavam aquelas singelas poesias? Que Izuku gostava dele? Que ele tinha mesmo uma chance com o colega? Ou era apenas um ato amigável por parte do outro? E droga!, por que diabos mais perguntas surgiam conforme ele pensava, ao passo que as respostas continuavam totalmente obscuras?

 

Shoto ficou ali por um bom tempo, deitado na cama enquanto encarava os post-its, como se eles fossem oferecer alguma resposta além das poesias. E foi assim, após minutos naquela posição contemplativa, que ele finalmente teve uma luz a lhe iluminar a mente: se Izuku fazia poesias para ele, ele próprio poderia escrever poesias para Izuku! 

 

Sim, era uma ótima ideia, e Todoroki não parou para pensar duas vezes, saltando da cama para se dirigir até sua escrivaninha, jogando-se na cadeira rotatória enquanto começava a procurar algum papel pequeno. Não encontrando nada, resolveu optar pela folha de fichário, decidindo que poderia dobrar depois em um formato de origami qualquer — devia essa a irmã Fuyumi, que lhe ensinara tal arte nas tardes frias e gélidas de inverno, quando qualquer coisa era bem vinda para fugir da presença de Enji.

 

Shoto agarrou uma caneta preta e encarou o papel, indeciso. Como é que se começava aquelas coisas, afinal? Quais palavras escolher, quais rimas fazer? Precisava mesmo de rimas? E como colocaria seus sentimentos numa folha de papel? Aliás, quais sentimentos ele poderia ou não expressar? Grunhindo em frustração, ele mordeu a ponta da caneta enquanto tentava pensar em algo, pelo menos uma primeira palavra que fosse. Depois do que pareceu uma eternidade, ele conseguiu escrever uma única coisa: Você

 

Aquilo era muito mais difícil do que parecia, foi o que Shoto concluiu após uma hora sentado encarando a parede e rabiscando a folha aleatoriamente, pintando corações, estrelas, espirais, tudo, menos uma poesia decente. Demorou muito tempo até que ele completasse uma frase inteira, e apesar da dificuldade que tivera, ele sorriu para a folha com os dizeres: Você não vai conseguir me fazer sorrir… Não que estivesse completamente satisfeito, mas é que experimentar escrever ele mesmo lhe dava uma sensação boa de finalmente estar fazendo algo a respeito dos seus sentimentos, além de lhe fazer entender melhor a dedicação que Izuku lhe oferecia a cada poema escrito especialmente para si, pois estava experimentando ele mesmo o cuidado e a dificuldade que aquela arte exigia. Era bom saber que alguém além de Fuyumi se importava consigo, principalmente se esse alguém fosse a pessoa por quem estava apaixonado. 

 

Balançando a cabeça em negação,  Shoto voltou a se concentrar na folha, encarando-a com intensidade, como se esta pudesse oferecer-lhe todas as respostas de que precisava. E foi assim, madrugada adentro, completando uma frase inteira a cada uma hora, entre suspiros, espiadas nas poesias que recebera e rabiscos, que o jovem produziu seu primeiro poema, cujo combustível fora a junção da  inspiração causada por Midoriya e do sentimento que Shoto nutria por ele. O sol já despontava no horizonte, indicando um novo dia com um período de aulas próximo. Apesar do cansaço, Todoroki reprimiu um bocejo e sorriu, alegre pela sua pequena obra de arte e nova conquista.  

 

Levantando-se, o garoto se espreguiçou e alongou os músculos doloridos devido a tanto tempo na mesma posição, encarando a folha escrita na escrivaninha. Agora só faltava passar a limpo e pensar num bom origami para formar, pois com certeza faria questão de garantir a perfeição que Izuku merecia. Sorrindo mais uma vez, Shoto se dirigiu até o banheiro a fim de se aprontar para escola, totalmente satisfeito com seu  feito.

 

Afinal, seria bom ser o poeta, para variar. 

 

***

 

— Ele não para de te encarar! — sussurrou Ochako, se esticando na cadeira para poder cochichar no ouvido de Izuku com propriedade. 

 

— E você também não para de encarar ele! — choramingou o garoto, sentindo-se imensamente constrangido. —  Por que não tenta ser mais discreta?

 

— Porque sou recíproca demais para isso, e se alguém me encara sem vergonha nenhuma, eu vou encarar de volta. — rebateu a jovem, teimosa como sempre. 

 

— Mas ele tá me encarando, Ochako! — Izuku reclamou, sentindo as bochechas queimarem. 

 

— Dá na mesma, porque mexer com meus amigos é mexer comigo. — retorquiu, mantendo os olhos fixos em Todoroki, que parecia prestes a abrir um buraco na nuca de Midoriya, tão concentrado em sua contemplação que pareceu totalmente alheio a atenção de Ochako sobre ele. 

 

— Será que Shoto descobriu… — começou Izuku, apreensivo. 

 

— Talvez os dois queiram compartilhar as suas descobertas matemáticas pra turma toda, não? — a professora  Midnight interrompeu, parecendo muito irritada. — Já que estão conversando tanto, posso presumir que descobriram uma falha no teorema de Pitágoras, no mínimo. 

 

A sala toda se voltou para a dupla dinâmica, curiosos e tensos. Estavam trabalhando em duplas, e, por milagre, Midnight concordara em deixá-los escolher com quem fariam um par, o que automaticamente significava que caso ela tivesse problemas, tal evento nunca se repetiria novamente. Ochako e Izuku, por sua vez, estavam corados, encarando a carteira com a folha que esperava por ser preenchida, sentindo suas nucas serem fuziladas por todo o restante do 1A.  

 

—  Estou aguardando uma resposta. —  tornou a professora, encarando-os sem piedade alguma. —  Descobriram uma falha no Teorema de Pitágoras? 

 

Os amigos se entreolharam em desespero mudo, sem saber como contornar a situação, e sem fazer ideia do que poderiam responder. Felizmente, foram poupados por um deslize terrível vindo de outro aluno. 

 

— A falha do Teorema é existir, que coisa mais complicada! — e foi com essa afirmação mais corajosa do que inteligente que Kaminari, sem intenção nenhuma, acabou salvando os amigos da fúria de Midnight, tendo-a canalizado para si.

 

A sala não pôde evitar cair na gargalhada, e alguns não puderam evitar o aceno em concordância. Midnight, por sua vez, não pôde evitar o olhar assassino que lançou à toda turma, e nem o comunicado que nem ela mesma havia planejado e que saiu tão logo as risadinhas cessaram. 

 

— Ah, acho uma pena que estejam em tão péssimos termos com Pitágoras, pois teremos uma prova só disso amanhã mesmo — a voz era de uma doçura tão falsa quanto seu sorriso inocente. 

 

— Amanhã? Mas professora, a senhora não avisou! — reclamou Mina, muito indignada e aflita. 

 

— Estou avisando agora, e não quero saber de choramingos. Agradeçam por não tê-la dado hoje como prova surpresa — aquilo era um blefe sem precedentes, uma vez que nem a professora planejava passar uma prova, de modo que não a tinha pronta e precisaria prepará-la. Mas o esforço seria de valor se pudesse castigar devidamente seus alunos petulantes. 

 

A turma do 1A entrou em alvoroço mais uma vez naquela manhã, resmungando, choramingando e entrando em pânico como qualquer turma de alunos “normais” que são avisados de uma prova tão repentinamente. Os únicos sóbrios eram Shoto, Katsuki e Yaoyorozu, os gênios das exatas a quem toda sala estava suplicando auxílio. Satisfeita pelo caos que havia criado, Nemuri saiu da sala tão logo seu relógio marcou o horário de fim de aula, sem sequer se despedir. Que sofressem, aqueles pirralhos insolentes!

 

— Essa professora é uma sádica! — rezingou Ochako, indignada, guardando os materiais na bolsa com violência, como se eles tivessem alguma participação dolosa no ocorrido.

 

— Foi tudo culpa nossa… Ah, estamos ferrados… Mas se aproveitarmos a tarde para estudar sem pausas exceto para comer e usar o banheiro, podemos estudar várias questões de níveis diferentes pegas de simulados na internet, e aí estaremos preparados, jáqueTeoremadePitágorasnãoétãodifíciledependedecomoétrabalhadonasquestões… — Izuku se perdeu naqueles resmungos típicos, alheio ao fato de que a sala já se dispersava para o treinamento de heróis. Foi tirado de seus devaneios por um corpo que parou bem na sua frente, estendendo algo com um formato de… gato? Izuku amava gatos, fato que o fez perder o raciocínio e levantar os olhos para a pessoa parada, e então… — Todoroki-kun?

 

— Olá, Midoriya. Fiz isso pra você. Gosta de gatos? —  Shoto perguntou, como se estivesse fazendo algo completamente comum; falando do clima ou algo assim. 

 

— Eu… claro, eu… eu… — Izuku atrapalhou-se, aparvalhado diante da visão de Shoto bem na sua frente estendendo algo tão fofo, que ele pegou com mãos trêmulas. 

 

— Ele quer dizer que ama gatos, principalmente se esse gato for feito por alguém que ele acha gato. — Ochako interveio, sorrindo de forma muito simpática. — Nós vamos resolver umas coisas aqui antes de ir para o treino, Todoroki-kun, poderia avisar ao professor por nós? 

 

— Claro. Midoriya, acho que não ficou boa como as suas, mas eu espero que goste. —  com essas palavras enigmáticas, Shoto saiu da sala de aula tranquilamente, parecendo muito satisfeito consigo mesmo. 

 

— Ai, meu santo All Might, o que foi isso? —  Izuku deu início ao seu surto, sentindo o coração palpitar com tanta força que pensou que estivesse tendo um ataque do miocárdio. 

 

—  Isso é a consumação do casamento! Quem liga pra alianças quando tem gatinhos de origami, Deku? — empolgou-se Ochako, admirando a pequena e delicada arte.

 

— Mas o que ele quis dizer com “boa como as minhas”? Eu não faço origamis… — Izuku começou a recobrar a razão aos poucos, tentando decifrar o enigma. 

 

— Acho que se você desdobrar o gatinho, deve ter algo escrito. Não abre agora! — ralhou a garota ao observar o amigo começar a desmembrar o papel como um desesperado. — Esse é um momento seu e do Shoto, Deku, acho melhor fazer isso sozinho. Aposto que é o que ele quer.  

 

— Não sabia que você era tão nobre — alfinetou Izuku, com as sobrancelhas levantadas em incredulidade e um gatinho já sem orelhas em mãos.

 

— Não sou, e depois você vai me contar o que tá escrito aí, cada vírgula! Só não quero estar perto quando você abrir porque não saberei lidar com você enfartando. — devolveu, deixando escapar uma risadinha debochada. —   Mas agora estamos atrasados para o treinamento, então é melhor a gente se apressar. — Dito isso, Ochako agarrou sua mochila e saiu andando sala afora, sem esperar pelo amigo. 

 

Izuku revirou os olhos e guardou —  muito à contragosto —  o origami na mochila, decidindo que Ochako tinha razão naquele ponto. Fosse lá o que Shoto tivesse escrito, se é que teria algo, era melhor ver quando estivesse sozinho em seu quarto, onde poderia morrer de amores sem que ninguém o pudesse pegar no flagra. 

 

***

 

— Você está com aquele olhar de quem fez da vida dos alunos um inferno novamente… —  observou Aizawa ao ver Nemuri entrar na sala de professores e sentar ao seu lado com aquele sorriso maníaco típico dela. 

 

— Você me conhece tão bem, Zawa… Ah, a juventude, tão fácil de ser atormentada! — cantarolou a mulher, parecendo encantada. —  Mas não me tome por vilã, só dei o que eles merecem. 

 

— Como responsável pela turma de crianças problemáticas, sei bem como é preciso ser um vilão às vezes, então longe de mim julgá-la. — desabafou o professor, parecendo subitamente cansado.

 

— Ah, também não é pra tanto, Zawa… Sinto que eles melhoraram bastante no convívio, o que é incrível se considerarmos que só tiveram um final de semana no Heights — argumentou a professora, que apesar de brava com o desempenho da turma em Pitágoras, estava bem orgulhosa do entrosamento.

 

— Também é incrível imaginar que um final de semana já rendeu castigos, não é? — rezingou Aizawa, relembrando do ringue no qual flagara Todoroki e Bakugou lutando. — Sem contar que algumas pernoitadas não permitidas foram relatadas... Embora eu deva admitir que depois de passar duas noites consecutivas no quarto de Kirishima, o esquentadinho melhorou bastante o humor, nem grita mais em sala. — acrescentou, debochando. 

 

— Ora, são adolescentes morando no mesmo espaço, o que esperava? Mas achei que estivesse disposto a não permitir essas coisas… está ficando molenga, Zawa? — provocou Nemuri, empurrando-o com o ombro para implicar. 

 

— Estou ficando velho demais para impedir o ímpeto da juventude, Nemuri, isso sim… O único pernoitar que pretendo impedir caso veja é o do Mineta, porque com certeza não será consentido. — gracejou o professor, bebericando um gole de seu precioso café. A verdade é que ainda estava pensando nas regras que implantaria sobre as tais pernoitadas e como poderia se certificar de que estavam sendo seguidas. 

 

— Como você é maldoso! Enfim, suponho que tenhamos que preparar uma aula pra falar sobre sexo e afins, não? Agora que estão morando na escola, a educação sexual também é nossa responsabilidade. — comentou Nemuri, subitamente inspirada.

 

— Concordo, mas não tomarei parte nisso, a menos que seja nos bastidores. Não irei falar abertamente sobre vida sexual com aqueles pervertidos. — Aizawa foi bem categórico, embora parte de sua recusa se devesse exclusivamente à vergonha que aquele assunto suscitava em si.

 

— Aposto que o Yagi vai falar o mesmo. Vocês homens são uns molengas, isso sim! —  resmungou a professora, fazendo anotações em seu caderno de agendas. — Bom, tratarei do assunto com Nedzu e darei essa aula sozinha, se for o caso, pois ela é muito necessária, principalmente se levarmos em conta que logo teremos novos casais para nos agraciar. 

 

— Como pode ter tanta certeza disso? — inquiriu Aizawa, genuinamente curioso.

 

—  Sexto sentido, caro amigo. Apenas espere e verás. —  dito isso, Nemuri se levantou e saiu atrás do diretor, resmungando para si mesma todos os tópicos que abordaria na tal aula e se precisaria de mais de uma semana para o tema. 

 

Enquanto isso, Aizawa só pode especular quem seriam os próximos pombinhos da 1A, embora tivesse uma breve ideia ao se lembrar da aula que dera pela manhã, onde Todoroki não tirara os olhos de um certo alguém. Sorriu, imaginando o quão a localização dos quartos facilitava o aflorar do amor entre sua classe problemática. “É, essa tal aula da Nemuri vai ser mesmo importante pra eles” — pensou com seus botões, tomando outro longo gole de café. E ele? Bem, ele que lutasse para criar regras e ainda por cima monitorar todas as pernoitadas dos pirralhos prodígios.

 

***

 

Enfim sozinho, Izuku suspirou ao se jogar no tapetinho no centro do quarto e abrir a mochila, ávido. Estava suado, cansado e faminto devido ao treino de heróis, mas ainda assim, não conseguia pensar em nada que não fosse o gatinho em sua mochila. Teria algo escrito? E se não tivesse, como lidaria com a frustração? E o que Shoto quisera insinuar com “não tão boa quanto as suas”...?  Afinal, o que ele fazia tão bem a ponto de um dos melhores da sala achar que não poderia superá-lo? 

 

Todas essas dúvidas o inquietaram no curto intervalo de tempo no qual sentara, abrira a mochila e vasculhara, de modo que a resposta —  a qual ele quase chegara — , foi esquecida assim que ele finalmente agarrou o origami e o trouxe a luz. Era feito de um papel comum de fichário, mas isso não tirava sua fofura. Encantado, Izuku se permitiu um segundo ou dois para admirar a pequena arte que lhe fora dedicada, sentindo o peito inchar de alegria e emoção. Mas logo a ansiedade se sobrepujou a tais sentimentos, de modo que o garoto se viu obrigado a desmanchar o pobre gatinho, a fim de dissecar seu interior em busca de palavras. 

 

Izuku suspirou de alívio ao desdobrar o suficiente para identificar kanjis escritos, e assim que o origami estava totalmente desfeito, se pôs a ler avidamente. Mal completara a primeira frase, já tinha os olhos cheios de lágrimas, reconhecendo aquele formato de texto com o qual estava tão familiarizado. Em sua mente, ouvia a voz de Shoto recitando o poema, fato que aumentava em 100% a emoção do momento. 

 

Você não vai conseguir me fazer sorrir

Se toda vez que me ver continuar a fugir

Saiba que estou te esperando aqui

Para que possa suas promessas cumprir

Acreditei em suas palavras e não quero me decepcionar

Então te espero para que venha me encarar

E aí, quem sabe, meus olhos para você e por você possam brilhar.

 

Dizer que Izuku estava surtando seria um eufemismo. As suas torneiras oculares pareciam ter quebrado o cano de vez, tamanho era o jorrar de suas lágrimas —  e de catarro. Ele até precisou afastar o papel, temendo maculá-lo com sua choradeira. Dentro de si, os sentimentos eram tantos que pareciam prestes a sufocá-lo. Surpresa, paixão, orgulho, gratidão e medo se misturavam de forma tão confusa que ele mal conseguia compreender. Surpresa pelas habilidades poéticas de Shoto, paixão que já sentia se tornando ainda mais intensa, orgulho pelo poema incrível que o outro havia feito, gratidão imensa por ter algo tão lindo dedicado a si e, por fim, o medo, sentimento destoante naquela sinfonia que começara tão harmônica. 

 

Mas emoções e sentimentos nunca são racionais, e Izuku não podia simplesmente apagar seus receios: afinal, depois de tudo aquilo, como chegaria em Shoto? Conseguiria encará-lo? Que repercussões aquilo teria na vida de ambos? Os sentimentos eram recíprocos o suficiente para enfrentarem os desafios juntos? O casamento seria muito caro? 

 

Sabia que estava se precipitando ao pensar tão longe, mas sua vida fora baseada nisso. Limpar a praia, e logo depois se preocupar com a admissão na UA, sobreviver ao ataque da USJ, salvar All Might, então pensar em controlar seu poder e se preparar para o festival desportivo (adiado em função do sequestro de Eijirou), e depois disso já teria novas preocupações, como se preparar para trabalhar com heróis caso fosse escolhido por uma agência e afins. Era sempre assim com ele: enquanto a maioria pensava um passo à frente, Izuku se esforçava por pensar dez passos à frente, sempre nutrindo aquela ideia de que precisava se esforçar muito mais que os demais para alcançar seu sonho.

 

Controlando-se para não entrar em colapso, ele se levantou e sacudiu a poeira da calça, decidindo-se por visitar uma alma amiga, certo que só uma pessoa poderia ajudá-lo naquele momento: Ochako, sua guru de relacionamentos.   

 

***

 

Talvez sua poesia não tenha ficado tão boa quanto imaginou estar, afinal. Ou talvez tivesse entendido tudo errado e se precipitado. Ou ainda podia tê-lo feito sentir-se pressionado. Fosse o que fosse, não devia ser coisa boa se Izuku ainda o estava ignorando. Ele havia demorado o suficiente antes de aparecer na área de treinamento para sugerir que tinha lido o poema na sala de aula. Mesmo assim, mesmo após ler aquela poesia absurdamente difícil de produzir, Izuku continuava ignorando Shoto como se ele possuísse uma doença contagiosa ou algo assim. Recusara-se até mesmo a ficar perto na rodinha que Iida os obrigara a fazer para ouvir as explicações de All Might sobre o treino do dia. 

 

E o pior de tudo: não lhe fitava de jeito nenhum, sempre fugindo quando os olhares ameaçavam se encontrar, e sequer aparecera para o almoço. Shoto não sabia desse lado covarde de Izuku, de modo que se sentia muito inseguro e ressentido. Frustrado, socou a almofadinha na qual estava abraçado, como se a coitada tivesse culpa —  embora a tivesse agarrado e abraçado novamente tão logo a socou, voltando a posição oficial dos sofredores apaixonados: a posição fetal. 

 

Tudo bem não corresponder os sentimentos, pois ninguém é obrigado a gostar de nós como gostamos desse alguém, mas custava falar algo? Pensando melhor, talvez fosse castigo divino ou sei lá o que, já que Shoto negara tantas vezes a tal socialização, preferindo solidão a conversas chatas com adolescentes chatos, negando também palavras a pessoas que queriam tanto dialogar. Se fosse isso, então bem feito para ele mesmo, por menosprezar o que todos tinham para dizer. Talvez fosse uma punição justa.

 

Suspirando alto, o pobre garoto decidiu que era hora de desistir. Já tinha feito tudo que podia, ultrapassando até mesmo os limites do que imaginava conseguir fazer ao escrever aquele poema. De todo modo, não teria aquilo como uma experiência inútil, já que aprendera muito sobre si mesmo naquela pequena e poética jornada. Sem contar que agora que sabia a delícia de escrever poesias para se expressar, pretendia continuar, mesmo que não tivesse a habilidade de Izuku. 

 

Pensando nisso, Shoto se levantou bruscamente e rumou para a escrivaninha, jogando-se na cadeira enquanto procurava os materiais necessários. Curaria a angústia de uma paixão não correspondida escrevendo, porque descobrira na escrita uma ótima terapia. E se não curasse, bem… pelo menos ele teria produzido algo belo com sua dor. 




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