Coisas que Amo escrita por Laura Fernandes


Capítulo 7
Capítulo 6 - Festival de Verdades


Notas iniciais do capítulo

"Amar é um ato de coragem."

Paulo Freire



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Simon se arrumou com as melhores roupas que tinha no guarda roupa.

Desceu as escadas decidido: iria ao festival que Catarina o convidou. Talvez se arrependesse assim que chegasse lá, mas por ora, estava decidido que iria.

Passou por uma noite conturbada, especialmente ainda por se sentir mal ao desprezar todas as iniciativas de Catarina.

Ele tinha dentro de si, uma necessidade urgente de vê-la, e ao mesmo tempo pedir desculpas por suas grosserias.

— Onde está indo tão arrumado? – seu avô perguntou, assim que Simon cruzou a sala em direção a porta.

Simon parou para respondê-lo:

— Ao festival que fui convidado.

O velho homem sorriu, assistindo Simon seguir para fora de casa.

Simon pegou o primeiro ônibus que passou para o centro da cidade. Durante o percurso, refletia sobre o que falaria:

“Resolvi vir”, “Pensei que seria legal”, “Gosto deste tipo de música, por isso vim”.

Embora formulasse algumas frases em sua mente, nenhuma lhe parecia boa o bastante. Queria, além de tudo, pedir desculpas. Tem sido um péssimo aluno, e apesar de seus traumas, ele não é uma pessoa ruim.

Depois de uma viagem de vinte minutos, o ônibus o deixou próximo da praça onde ocorria o festival.

Assim que se aproximou da entrada do festival, notou que o lugar estava cheio, mais cheio do que de fato esperava. Aquela aglomeração de pessoas o incomodava, mas faria um esforço para sobreviver algumas horas enquanto procurava por Catarina.

Entrou em meio à multidão, e tratou de procurá-la, que provavelmente, estaria junto da aglomeração.

A banda tocava Where Is My Mind, ao menos, era uma música que apreciava. Não seria um festival tão decepcionante...

Assim que se aproximou do palco, pode ver o cabelo de Catarina se realçar em meio aquelas pessoas. Parecia impossível, mas Simon conseguia visualizar o cacho loiro de longe. Ele seguiu até ela, empurrando as pessoas, e ignorando os protestos daqueles que se incomodaram com sua pouca sutileza.

Simon alcançou Catarina, e pode reparar que naquele dia em especial, havia algo diferente nela. Não soube dizer se foi o penteado, ou o vestido florido solto, mas assim que a viu, ele se encantou.

Catarina estava perdida em meio à multidão. Apollo e Maria sumiram, logo após chegarem ao festival, a deixando sozinha, soterrada pelo número de pessoas que só aumentava conforme o show acontecia.

— Catarina! – ela ouviu uma voz familiar a chamar.

Assim que se virou em direção da voz, pode visualizar o rosto de Simon, se espremendo entre as pessoas numa tentativa de alcançá-la.

Seu coração por um momento, palpitou de felicidade. Não foi só aliviador ver um rosto amigo em meio ao desconhecido, mas foi gratificante vê-lo ali.

— Simon! – ela disse se aproximando dele.

A multidão os obrigou a ficaram colados um ao outro. Para não se perderem, Simon resolveu passar os braços pelos ombros de Catarina, a abraçando. Ela se encaixava perfeitamente em volta de seu peito, onde apoiou a cabeça e se segurou na cintura dele.

— Melhor sairmos desta muvuca... – ele gritou, devido ao som alto que os cercava.

Catarina assentiu, permitindo que ele a guiasse para fora dali.

Simon decidiu que os dois precisavam seguir para as laterais, onde havia barracas de food truck. Quase pegando Catarina no colo, ele empurrou o corpo dela para longe da multidão, a levando próxima de uma barraca de bebidas.

— Nossa... Agora podemos respirar. – ela disse, assim que se soltou de Simon.

— Que aventura você foi se meter. – ele comentou.

Catarina o observou. Ele estava tão arrumado, e tão disposto a estar ali, que até mesmo tinha vestido uma jaqueta de couro. Ela sorriu:

— Por que veio?

— Porque fui convidado.

— Simon, eu te convidei sabendo que se negaria a vir.

— Se quiser eu vou embora. – ele apontou para a entrada da praça.

— Claro que não quero. Mas fiquei surpresa. O que acha de irmos próximo ao porto? Podemos comer algo lá, e com certeza, terá menos pessoas do que aqui...

O porto era um lugar agradável no calor, mas no inverno, havia uma tradição especial, onde era preparados pratos diferentes com peixe e pão. Simon gostava de ir quando saia do colégio. Seus pais sempre o levaram. Mas desde que eles morreram, ele nunca mais voltou a ir.

Essa era a oportunidade perfeita para voltar a frequentar o lugar.

— Vamos. Podemos alugar uma bicicleta... Não tenho dinheiro para táxi, e os ônibus até lá são demorados. – ele propôs.

Catarina suspirou. Não sabia andar de bicicleta, também não tinha dinheiro para táxi.

— Eu não sei andar de bicicleta.  – ela murmurou envergonhada.

Simon riu.

— Não se preocupa, alugo uma que tenha garupa. – ele a tranquilizou.

Ambos seguiram para fora do festival. Simon seguiu para gôndola onde ficavam as bicicletas públicas. Pagou com algumas moedas a bicicleta, e seguiu até Catarina, que o esperava em frente à entrada do festival.

— Apollo e Maria não irão à sua procura? – Simon perguntou, assim que subiu na bicicleta.

Catarina deu de ombros, e subiu atrás na garupa.

— Acho que não, eles estão se divertindo...

Ele assentiu.

— Ok, se segura.

Catarina tentou se segurar na garupa, mas conforme Simon começava a pedalar, ela sentia o seu corpo escorregar. Sem ao menos pensar muito, cruzou os braços em volta da cintura dele, se sentindo mais segura, e mais privilegiada. Quando iria pensar em andar de bicicleta com o garoto que ama?

Simon deixou a bicicleta estacionada em um bicicletário, e seguiu junto com Catarina, para um dos restaurantes que ficava beira mar, próximo do porto. Os dois compraram iscas de camarão e uma lata de coca.

— Ahh, estava faminta! – Catarina comentou, enquanto mordiscava as iscas.

— Percebi. Quase me derrubou quando cheguei com as iscas.

— Ah, isso não é verdade. – ela sorriu, enquanto ele a observava comer.

Talvez o bafo de camarão depois das iscas fosse incomodar, mas nada tirava o charme daquele momento em que os dois estavam vivendo.

Simon ignorou todas as suas apreensões. Fazia um bom tempo que não tinha um momento tão calmo e bom com alguém. Fazia um bom tempo que não desperdiçava suas tardes de sábado comendo besteiras, ou andando de bicicleta, mesmo que sua perna ruim doesse.

O fato era que, desde que Catarina cruzou o seu caminho com os potes de biscoitos, e as aulas na biblioteca, sua vida mudou completamente.

Depois de comerem, ambos andaram pela beira da orla na praia, observando o sol se pôr naquela tarde ensolarada de sábado.

— Nossa, o céu está laranja e roxo. Bonito, não é? – Catarina reparou, enquanto olhava para o céu.

Simon queria muito reparar no céu, mas seus olhos estavam mais interessados em observá-la do que olhar para o céu.

— O laranja é sua cor favorita?

Ela franziu o cenho.

— Não, eu só gosto do céu laranja e roxo. – ela mordeu os lábios. – Existem coisas que amo, que não sei explicar por quê.

— Coisas que ama? Tipo o que? – Simon perguntou curioso.

— O céu laranja, camarão, coca cola, chocolate, momentos como esse... Andar sem rumo pela orla da praia, ao lado de boa companhia.

Ele sorriu ao ouvir ‘’boa companhia’’.

— Hum, você gosta de umas coisas bem clichê.

Catarina tentou ficar ofendida, mas ao contrário do que esperava riu.

— Ah é? E você senhor diferente, do que gosta?

Havia centenas de coisa que ele gostava. Porém, hoje em dia, ele preferia esquecer tudo, pois de alguma forma, todas as coisas de que gostava o levava direto ao acidente, direto aos seus pais.

E aquilo só trazia um sentimento à tona: angústia.

Mas não podia falar disso com Catarina, não podia responsabilizá-la por seus problemas. Por isso, respondeu:

— Gosto de nada em específico.

— Nem um filme? Música?

— Música? Tem uma banda que gosto. – ele olhou para o horizonte e sorriu. – Mazzy Star, já ouviu?

— Gosta das músicas melancólicas... Já ouvi sim. Simon, de agora em diante, você vai comparecer nas aulas na biblioteca?

Ele parou de andar por alguns minutos. Observou que o olhar sério e atento de Catarina, suplicava por uma resposta, mas não era qualquer tipo de resposta. Percebeu, que não se tratava de alimentar o próprio ego ou coiso do tipo. Ele sabia que ela tinha uma preocupação com ele, só não entendia por que essa ligação o afetava tanto.

Não conseguia mais ser grosso com ela, e muito menos queria desprezá-la. Não depois de andar de bicicleta com Catarina agarrando sua cintura. Não depois de comerem camarão juntos, e não depois de compartilharem um momento tão único.

Simon não queria ser o de sempre. Grosso e apático. Queria ser uma boa pessoa para Catarina, e por isso, respondeu:

— Prometo que tentarei.

— Simon, obrigada. Preciso que você vá bem nas provas... E é claro, será melhor se concentrar em algo que não seja a bebida.

— Ah não começa com esse moralismo.

Ela o encarou emburrada:

— Não é moralismo Simon! Pare de beber, seja uma pessoa decente, queira viver.

Ele estava prestes a voltar atrás com sua palavra...

— O que você ganha com isso? Qual o intuito além de ganhar a porra dos créditos na sua tão sonhada faculdade? O que você quer comigo Catarina?

As perguntas lançadas faziam Catarina tremer, de nervoso, de medo, de uma mistura de sentimentos que não sabia explicar.

— Eu quero o seu bem...

— Não, para com isso, e seja honesta. Comigo e consigo mesma.

Ela batia os pés nervosas, mas estava sendo encurralada por Simon. O sol já tinha deixado o céu, dando lugar para as primeiras raízes da noite. Enquanto se remoía por dentro, ele insistia em saber o porquê ela o ajuda tanto.

— Porque eu gosto de você! Eu estou apaixonada por você, desde que entrou em Santa Brígida. Eu sei que o acidente com os seus pais o traumatizou, mas se você me permitisse te ajudar, eu seria uma boa companheira, eu seria alguém que poderia te amar...

Simon fechou os olhos. Os sentimentos dela eram tão profundos assim? Se questionava, ao mesmo tempo que sua cabeça começava a entrar em colapso.

— Sinto muito, mas você não pode me amar. – ele disse, a deixando sozinha e correndo em direção à rua.

Catarina permaneceu no mesmo lugar, parada, sem entender o que havia acabado de ocorrer.

 


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?



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