Coisas que Amo escrita por Laura Fernandes


Capítulo 5
Capítulo 4 - Traumas Passados


Notas iniciais do capítulo

“É uma experiência eterna de que todos os homens com poder são tentados a abusar.”


MONTESQUIEU



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Quando Simon tinha apenas sete anos de idade, ele passou por um trauma que o perturbou por muito tempo em sua vida. Na verdade, fez questão de anular todas as lembranças que o levassem direto ao trauma, não contando aos seus pais e para nenhum adulto.

Aos sete anos de idade, sofreu abusos de jovens mais velhos que ele. Enquanto caminhava nos corredores do colégio, alguns jovens o cercaram e o fizeram beber água da privada, bateram nele, e por fim, o molestaram.

Ele ficou um ano retraído. Entrou atrasado no colégio de Santa Brígida, e até repetiu o oitavo ano.

Simon retraiu tudo o que havia passado naquela época da sua infância. Aos 16 anos, estava bem e curado de suas angústias. Era um bom aluno, e tinha o amor suficiente de seus pais. Até que ao encontrar o seu agressor no transporte público, as lembranças do fádico dia o invadiram, trazendo à tona uma sensação de vergonha e pavor ao toque.

A única coisa que aliviava toda a sua tensão, era a bebida.

Se tornou viciado em álcool aos 16 anos de idade, e desde então nunca mais parou.

Simon acredita que o trauma passado e o acidente de carro, colaboraram com sua transgressão. Os dois incidentes colaboraram para o tipo de pessoa que ele é. Um jovem bêbado, angustiado, que reza todos os dias para que a dor passe.

Mas a dor não o deixava em paz, não permitia que o seguisse em frente.

Depois de se embebedar tanto e ser carregado para casa pela garota do biscoito, ele não queria mais ser um peso na vida de ninguém.

Assim que curou a ressaca com o chá que seu avô havia preparado, ele caminhou até o fundo da casa. Pulou o cercado que o separava da areia da praia, e seguiu até o mar, cambaleando. Sua perna direita ainda não estava totalmente recuperada do acidente, e sempre que ele pisava firme, a sentia latejar.

Quando pulou o muro, a sentiu ferver, mas ignorou a dor e prosseguiu até a água.

Entrou com roupa e tudo no mar, ainda sentindo a água gelada do mar penetrar sua pele e o fazer tremer. Os lábios estavam cortados e roxos, e Simon sabia que poderia ficar doente, especialmente por entrar no mar aquela hora da noite e no inverno.

Como já suspeitava, Simon pegou uma forte gripe, o deixando de cama. Ele passou a manhã inteira se martirizando por existir, e ficou deitado na cama, ouvindo os pássaros cantar, e o som do mar agitado bater próximo da areia.

— Garoto, fiz sopa para você... – seu avô disse, entrando dentro do quarto.

Ele notou que Simon tinha ótimo tato para desenhos, ao reparar alguns rascunhos pendurados na parede.

— Por que voltou a falar vô? – Simon perguntou, pegando a bandeja com sopa e frutas.

O velho homem o olhou e sorriu.

— Alguma coisa me fez querer voltar a viver... – ele sussurrou.

— Queria isto... – ele bebericou a sopa. – Que algo pudesse me fazer voltar a viver.

O velho balançou a cabeça e seguiu para fora do quarto. Sabia que Simon precisava de um tempo. Primeiro para se curar da gripe, depois, para se curar de seus males e traumas.

Simon sorriu ao notar o quão aquele velho homem estava melhor. Mais vivo, ainda que fosse conhecido por sua enfermidade. Seria uma surpresa e tanto para os familiares que lhe disseram que ele não duraria um mês.

Ele terminou sua sopa e voltou a se deitar. Admirou a janela do quarto, que dava vista direta ao mar e sorriu. Finalmente se sentia um pouco decente, não totalmente curado, mas bem, melhor do que antes.

Catarina caminhou um pouco perdida entre os corredores do colégio, logo após ensinar gramática e técnicas de redação para Maria e Apollo. Sua cabeça continuava indo e vindo. Não parava de pensar em Simon, e no quanto sentiu uma dor em seu peito ao vê-lo tão frágil. Tão despido de sua armadura arrogante. Ela jurava de pés juntos que nunca o havia visto daquela maneira.

Estava triste por ele não ter comparecido na aula, e nem no reforço pós aula. Provavelmente, a bebedeira de ontem havia provocado algum mal estar, ela ponderou enquanto cruzava a rua até o ponto de ônibus.

— Catarina! – ouviu alguém a chamar.

Ela se virou e encontrou Cássia, sua colega de classe, que caminhava em sua direção.

— Oi Cássia! – disse assim que a menina a alcançou.

— Catarina, você não tem mais tempo para as amigas? – Cássia a questionou. –Enfim, ficou sabendo do projeto de inverno?

Projeto de Inverno? Ela não se empenhava em projetos do colégio tanto assim.

— Não fiquei sabendo.

— Bom, nós iremos bolar uma apresentação de inverno para as classes dos anos abaixo ao nosso. – Cássia respirou fundo antes de concluir. – O tema será amor, iremos fazer uma apresentação vestidos de vermelho, lendo poemas, transitando no colégio com mensagens de namorados apaixonados...

Aonde Cássia queria chegar com aquilo, Catarina não sabia.

— Parece legal Cássia...

— Sim e é legal! Mas... precisamos que todos os alunos da sala participem.

Catarina franziu o cenho.

— Tudo bem, eu participo.

Cássia sorriu.

— Não, você não entendeu. – ela suspirou um pouco incomodada. – A professora Olga foi clara, só faremos o projeto se todos participarem. Vulgo, os seus alunos desajustados.

Catarina sabia sobre a futilidade que Cássia tinha, só não imaginava que seria tanto, a ponto de querer que Maria, Apollo e Simon, participasse da ideia mais idiota que já havia escutado em sua vida. Que projeto de inverno mais mesquinho seria aquele? E por que o tema era amor? Sem pé e nem cabeça, ela concluiu.

— Eles são conhecidos por alunos desajustados agora? – Catarina perguntou.

— Sempre foram. Além disso, as pessoas no colégio estão te evitando por andar com eles. Todos em Santa Brígida são inteligentes, menos os três, quer dizer, Simon é um caso perdido...

As bochechas de Catarina queimaram, mas não por vergonha ou coisa parecida. Estava com raiva. Que espécie de pessoas ela convivia todos os dias em sala de aula? Pessoas tão preconceituosas, a ponto de excluir quem tem dificuldade em aprender?

— Sinto muito Cássia, a merda do seu projeto não vai rolar. – ela disse, seguindo para o ponto de ônibus e deixando Cássia para trás.

Que tipo de conversa foi aquela? Se perguntava a cada passo que dava.

— Só não se esqueça Catarina, ninguém mais irá falar com você! Sua vida social acabou agora! – Cássia gritava.

Catarina olhou para trás uma última vez e levantou o dedo do meio. Não se importava em ficar de fora das futilidades de Cássia.

Ela seguiu para o ponto, e em dez minutos já estava sentada no ônibus.

— Simon? – seu avô bateu na porta. – A garota do biscoito está aqui.

Simon se levantou assustado. Não fazia ideia de quanto tempo passou dormindo. Olhou para o relógio ao lado de sua cama, reparando que já era seis da tarde. Se levantou um pouco tonto e olhou para o seu avô, parado na porta do quarto.

— Onde ela está? – ele perguntou ainda zonzo.

— Aqui. – seu avô abriu passagem, permitindo que Catarina entrasse no quarto.

O velho homem arrastou as pernas para fora do cômodo, e seguiu para o andar debaixo, deixando os dois a sós.

— Desculpa se vim sem avisar..., Mas você não apareceu no colégio hoje. – ela sussurrou.

— Fiquei resfriado. – ele disse. – Pode se sentar.

Ela se sentou na beirada da cama, e ele se sentou ao lado dela, um pouco incomodado pela invasão tão repentina de privacidade.

— Trouxe minhas anotações das aulas... – Catarina pegou seu bloco de notas na bolsa, e o entregou.

Simon ponderou que o melhor era aceitar, sem pestanejar.

— Não tinha que se preocupar.

— Tenho sim, sou sua tutora.

— Não é responsável por mim.

Ela o olhou triste.

— Simon... eu realmente espero que leia as anotações, é importante. Semana que vem teremos uma prova.

Ele assentiu, guardando o bloco de notas embaixo da cama.

— Farei um esforço para ler.

— Ótimo. Maria e Apollo estão mais empenhados, acho que eles irão se sobressair na prova...

— Ok... Era isso que tinha para me falar Catarina?

Era a primeira vez que ele a chamava por Catarina, e não por garota do biscoito, ou pelo seu sobrenome.

— Sim, acho que sim.

— Então pode ir embora. – ele exigiu, apontando para a porta.

Catarina ficou um pouco chocada por ser expulsa assim, principalmente por ter o ajudado ontem quando estava bêbado. Mas logo superou, ao se lembrar do quanto ele havia sido grosso com ela dias atrás.

Por mais que odiasse a ideia, estava ainda apaixonada por Simon, e ao menos queria vê-lo bem, mesmo que ele não fique com ela.

Quando foi mesmo que se apaixonou por Simon? Talvez quando ele chegou a Santa Brígida, transferido de um outro colégio, onde somente meninos frequentavam. Ele chegou na sala de aula, e foi amor à primeira vista, somente para ela.

Ela se levantou da cama e seguiu para porta, abandonando aquele a quem amava e sentia ao mesmo tempo muita pena. Ele estava perdido, e ela só queria ajudá-lo a se encontrar.

— Obrigado... – o ouviu dizer, antes de fechar a porta e seguir para fora do cômodo.

Desceu as escadas triste, sentindo algumas lágrimas invadirem seus olhos. Mas logo ignorou aquela sensação, seguindo para fora. Tinha que se preocupar com coisas maiores.


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Notas finais do capítulo

E aí, que acharam? Um trauma um pouco pesado, mas real para Simon.

Vejo vocês nos comentários, abraços.



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