Coisas que Amo escrita por Laura Fernandes


Capítulo 4
Capítulo 3 - Casa ao Lado


Notas iniciais do capítulo

Não importa se somos fortes, traumas sempre deixam uma cicatriz. Seguem-nos até nossas casas, mudam nossas vidas. Traumas derrubam a todos, mas talvez essa seja a razão. Toda a dor, o medo, as idiotices. Talvez viver isso é que nos faz seguir adiante, é o que nos impulsiona. Talvez precisemos cair um pouco para levantar novamente.

Grey's Anatomy



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Catarina chegou em casa exausta. Jamais esperava receber tantas ofensas de uma só vez. Foi chamada de falsa moralista na cara dura, e se sentia mal por transmitir tal imagem, mesmo sabendo que não era verdade. Ao mesmo tempo que queria ganhar créditos para a universidade, queria ajudar Maria, Apollo e Simon. Sempre foi o tipo de garota com o coração aberto, e não fazia as coisas para se sentir melhor, isso ela não faria, jamais.

— Querida, está sem fome? – sua mãe perguntou, ao notar que Catarina apenas mexia na comida.

— Sim mãe, sem fome. – ela respondeu.

— Meu anjo, como foi o projeto para a faculdade? – dessa vez, quem perguntou foi o seu pai.

Catarina suspirou.

— Meu aluno é o Simon Reis... Ele é tão difícil de lidar... – ela desabafou incomodada. – Os demais estão dispostos, menos ele, caso ele não aprenda nada, meu projeto não será aprovado.

— Oh querida, não desista tão fácil. – seu pai a animou. – Ele deve estar em conflito interno, especialmente por ter perdido os pais tão cedo. Sabia que o avô dele não está enfermo? Fiquei surpreso quando ele trouxe rosas para você, uma forma de agradecer pelos biscoitos que tem deixado na porta dele.

Catarina se alegrou, ao menos alguém havia reconhecido o gesto dela como uma boa ação.

— Sim, mas Simon não acredita que este gesto é de coração...

— Não precisa ser para ele os biscoitos, aquele pobre velho não tem culpa dos traumas de Simon. – sua mãe reparou, olhando furtivamente pela janela. Conseguia visualizar a casa toda apagada, apenas a luz da TV perambulava pela casa vizinha. – Continue sendo você mesma, um dia ele irá perceber que é real. Você é maravilhosa Cat, um pouco animada demais, mas ainda assim, maravilhosa. Não deixe que te digam que não é.

Ela olhou pela janela e assentiu. Não precisava provar para ninguém suas intenções, mesmo que quisesse mostrar para Simon o quanto era sincera. Afinal, ela nutre um amor platônico por ele, e infelizmente jamais foi notada. Não por sua aparência, mas temia que seu próprio eu assustasse o pobre e traumatizado garoto da casa ao lado.

Assim que terminou o seu jantar, seguiu para o seu quarto, e tratou de planejar os próximos passos que daria. Ensinaria com gosto todos os três, mesmo que permaneçam reclusos a aprender.

Catarina preparou os biscoitos e os colocou em um pote plástico. Terminou de amarrar um laço em seu cabelo, e seguiu para fora de casa, com a mochila nas costas e o pote de biscoito nas mãos. Andou vagarosamente até a casa ao lado, e deixou rente ao tapete da porta de entrada o pote. Antes mesmo que pudesse se aprumar e ir embora, Simon abriu a porta com tudo.

— Você prometeu que não deixaria mais potes... – ele sussurrou incomodado.

Catarina se levantou e o observou.

— Não são para você, é para o seu avô. Uma forma de agradecê-lo pelas rosas.

— Então o velho plantou rosas para você...

Simon coçou o queixo e parou de relutar. Pegou o pote de biscoitos e observou os olhos castanhos de Catarina o estudá-lo.

— Simon, espero que vá hoje na biblioteca. – ela disse, antes de seguir para o ponto de ônibus.

Simon permaneceu parado na porta, a observando seguir pela rua. Riu quando notou as roupas perfeitas de Catarina. Ela insistia em vestir o uniforme do modo mais impecável possível. A saia batia perfeitamente nos joelhos, o cabelo sempre preso em um coque alto, e a camisa, abotoada até o último botão.

Ele, ao contrário dela, mal conseguia vestir a gravata, a camisa ficava para fora da calça, sem contar seus sapatos sociais que estavam absurdamente riscados.

Ele deixou o pote de biscoitos em cima do tapete e trancou a porta. Correu mancando em direção de Catarina, que já alcançava o ponto de ônibus.

— Catarina... – ele a chamou.

Ela se virou para trás e o encarou.

— Se fui grosso, sinto muito. Pode trazer os biscoitos, o velho gosta.

Ela assentiu e deu sinal ao ônibus que já se aproximava.

Ambos entraram e seguiram calados ao colégio. Simon ainda desconfiava sobre uma possível falsa moralidade da garota, enquanto ela, ainda se ressentia pelas palavras que ele havia dito ontem.

Por sorte, a viagem de condução durou apenas 30 minutos, e finalmente ambos puderam se distanciar quando perambularam pelos corredores.

Catarina seguiu para a aula, e Simon, seguiu para o estacionamento, onde passaria boa parte da manhã se embebedando.

— Simon está atrasado... – Apollo reparou.

Catarina olhou para seu relógio de pulso, notou que fazia ao menos uns trinta minutos que eles discutiam sobre matemática, e nada de Simon aparecer. Ele havia prometido que levaria a sério para a coordenadora Olga, mas aparentemente, estava enganada quando acreditou que Simon pudesse cumprir com sua palavra.

— Vamos continuar com a aula, depois eu me acerto com ele. – ela disse.

Enquanto transitava sobre polinômio e monômios, sua mente ia de um vai e vem: a cena do pote de biscoito, a conversa que tiveram no dia anterior. Tudo a perturbava. Jamais imaginou que alguém como Simon pudesse mexer com todas as suas estruturas.

— Essa matéria é mais difícil do que imaginava... – Maria comentou, suspirando pela dor de cabeça ocasionada pelos polinômios.

— Com o tempo vai ficando mais fácil. Só falta dois exercícios. Vamos terminar.

— Cat, eu e Apollo iremos a um show no fim de semana, pensamos em te convidar. – ela pegou o cartaz do show. – É um festival de música, vai gostar. Talvez a gente chame o Simon, se ele aparecer amanhã...

Catarina pegou o cartaz e encarou Maria. É uma forma de diversão, já que seus finais de semana era observar a casa ao lado.

— Certo, posso ir sim. Vai ser legal.

— Não disse Maria, ela aceitou. – Apollo comentou.

— Sim! Vamos acabar com essa de polinômios!

Após ajudá-los com os exercícios, Catarina seguiu apreensiva pelos corredores do colégio. Sabia que Simon podia ter se metido em alguma encrenca, ou pior, ter bebido além da conta e estar em puro coma alcoólico. Ela só conseguia pensar no pior, já que com Simon, não tinha coisas boas para celebrar.

Andou pelos corredores vazios, e notou que todos os alunos já haviam ido para casa. Só restava ela sozinha ali. Seguiu para o portão e caminhou até o ponto de ônibus. Assim que seguiu pela Avenida, observou uma figura alta e magra formular encostada próximo de uma árvore. Caminhou até a árvore, e se chocou por encontrar Simon totalmente fora de si, se escorando na árvore para não cair no chão.

— Simon! – ela gritou, segurando nos ombros dele.

Simon estava fora de si, completamente embriagado pela bebida.

— Olha só quem apareceu, a garota do biscoito... – ele murmurou.

— Oh Simon... Você está completamente bêbado.

— Pois é...

— Vamos, se apoia em mim, vou te levar para casa.

Catarina não soube onde recolheu forças para carregar Simon, pois apesar de ele ser magro, ainda pesava. Passou os braços dele para seus ombros, e apoiou o seu braço na cintura dele, com o intuito de deixá-lo firme. Arrastando o corpo pendente ao seu lado esquerdo, ambos cambalearam até o ponto de ônibus.

Quando o ônibus enfim chegou, Catarina deu o sinal e empurrou o corpo quase morto de Simon pelas escadas. O motorista a encarou confuso. Que situação estranha para dois estudantes de ensino médio... O homem pensou enquanto recebia o valor das passagens e seguia viagem.

Eles se sentaram no fundo, onde Simon ficou próximo da janela, e ela na ponta.

— Não percebe que bebendo até cair está destruindo a si mesmo? – ela perguntou, sabendo que mal haveria resposta.

— Não me importo com a minha vida... – obteve a resposta mais triste que já ouviu.

— Pois eu me importo.

— Com a minha vida?

— Sim... – ela sussurrou. Encarou Simon e observou os olhos caídos fixarem na paisagem.

— Não devia se importar, eu sou um lixo de ser humano.

Ela se engasgou ao ouvir tais palavras.

— Por que acha isso Simon?

— É segredo.

Ele levantou a mão e com o dedo indicador, colocou rente aos lábios, indicando um sinal de silêncio.

Que segredo ele escondia? Catarina se questionava, observando a paisagem passar ao lado da janela.

A viagem durou cerca de 40 minutos. Arrastando Simon pelos ombros, ela desceu do ônibus e seguiu até a casa dele. Bateu na porta três vezes, até o velho homem que morava lá abri-la.

— Oh nossa! Não são nem seis da tarde ainda para ele estar assim! – foi a primeira vez que o avô de Simon dizia mais de três palavras em anos.

Ele ajudou Catarina arrastar Simon até o sofá, onde ambos o jogaram e o deixaram desmaiar.

— Sinto muito por trazê-lo assim. – ela sussurrou.

O velho balançou a cabeça.

— O trauma o deixou assim...

— É, foi um terrível acidente.

— Não, antes do acidente.

Catarina o olhou curiosa. O que houve antes do acidente para deixar alguém naquele estado?

O velho se arrastou até a cozinha. Colocou água na chaleira, e aguardou a água ferver. Já Catarina, permaneceu na sala, observando a velha casa, que já tinha rastros de desgaste. Precisava de uma boa pintura, e uma boa manutenção. Casas beira a mar podiam sofrer muito à medida que os anos passassem.

Ela se sentou ao chão, próximo de Simon e o observou dormir.

— Tão bonito...Você merece viver. – ela sussurrou. Passou os dedos pelo cabelo dele, o deixando confortável com o sutil toque, que o fez remeter a infância.

Simon abriu por alguns segundos os olhos e encarou Catarina. Não a reconheceu a princípio. Acreditou que ela fosse um ser celestial que veio acalmá-lo em meio de tanta angústia. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, desmaiou mais uma vez.

— Eu cuido dele, você pode ir para casa. – o velho disse, pousando a xícara do chá em cima da mesa de centro.

— Tudo bem. Obrigada, eu vou indo então. – ela se despediu, e seguiu para sua casa.

Havia algo de errado com Simon, e estava disposta a descobrir todos os seus traumas, e se possível, impedir que ele se embebedasse novamente. Mesmo que ele relute, ela não iria desistir tão fácil assim.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?



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