Girl Crush escrita por suenacomoyo


Capítulo 1
Trying Not To Love You




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Enquanto eu arrumava meu quarto e revirava gavetas, baús e meu armário, encontrei coisas que me trouxeram uma profunda saudade e me fizeram viajar no tempo. Encontrei brinquedos. Encontrei um desenho feito por uma amiga que nunca mais tive notícias. Desenhos feitos por mim mesma quando era criança. Cartinhas que a Francesca me escrevia nos meus aniversários. Encontrei livros infantis. E também trabalhos antigos de escola, muito bonitinhos por sinal porque eu era bem caprichosa. Entre tantas coisas o que me fez gastar mais tempo olhando foi um pequeno caderno com espiral e capa mole bem amassadinha com o desenho de uma paisagem cheia de árvores. Era uma capa bonita. Eu abri esse caderninho e fiquei folheando durante um bom tempo, lendo o que tinha escrito e vendo alguns desenhos. Nele tinham coisas desde a época do fim do ensino fundamental até um certo período do ensino médio. O que mais tinha nesse velho caderno eram letras e traduções de músicas. E muitas delas ainda se encaixavam perfeitamente em mim.

 

"Você me chama e eu caio aos seus pés

Como alguém poderia pedir mais?

(...)

Mas se tem uma pílula que me ajude a esquecer

Deus sabe que eu não encontrei ainda

Mas eu estou morrendo, Deus eu estou tentando

Tentar não te amar só é possível até certo ponto

Tentar não precisar de você está me destruindo

Não consigo ver o lado bom aqui do chão

E eu só continuo tentando mas eu não sei pra que

Porque tentar não te amar

Apenas me faz te amar mais"

Trying Not To Love You da banda Nickelback. Eu escuto essa música até hoje e até hoje me faz pensar na mesma pessoa. León Vargas. Foi ele que me mostrou essa música. Na época ele estava começando a ser fã de Nickelback e me fez gostar muito deles também. León costumava me indicar muitas músicas boas e nós tínhamos um gosto muito parecido. Ele muitas vezes escrevia num pedaço de papel as músicas que queria que eu ouvisse, eu ouvia todas e depois ia dar meu feedback e dizer quais eram minhas favoritas. Eu guardo essas listas de músicas até hoje. Não apenas pra poder ver o nome de alguma música que eu tenha esquecido, mas também porque é uma recordação de uma fase tão boa da nossa amizade. A época em que ele era simplesmente ele mesmo. A época em que ele parecia gostar bem mais de ter minha amizade. Que nós não brigávamos. Que eu ainda não tinha feridas. A época em que eu me apaixonei.

Com o tempo o León mudou. Principalmente perto de outras pessoas. Por algum motivo ele pareceu se cansar de ser apenas inteligente e queria ser popular também. Queria ser convidado pras festas e encher a cara de álcool até passar mal. Ele queria ser como todas aquelas pessoas que eu, particularmente, nunca me dei bem. Ele começou a babar ovo da galera rolezeira o tempo todo e só queria gastar seu tempo com eles. Começou a agir como um deles. Começou a deixar nossa amizade em segundo plano. E o pior de tudo, muitas vezes fazia piadas ofensivas a meu respeito com os amiguinhos dele que eu não tinha um mínimo de intimidade. Na cabeça dele era só brincadeira. Mas em mim doía. Todas as vezes que ele me machucou eu tentava dar um basta. Tentava me afastar. Mas em algum momento ele sempre reaparecia, me dava um abraço surpresa e eu ficava sem reação. Vinha falar comigo como se nada tivesse acontecido. Com aquele sorrisinho no rosto. As vezes cantava algo pra mim. Como a boa idiota apaixonada que sempre fui, acabava sedendo e aguentando todas as vezes em que ele me esnobou. Até hoje. Nada mudou.

 

Hoje somos jovens adultos. Temos uma banda chamada On Beat. Estudamos juntos na escola de artes Studio 21. Eu nunca confessei meus sentimentos por ele. Mas as vezes parece que ele sabe. Parece que ele me mantém por perto só pra amaciar seu ego. De qualquer forma quando ele quer desabafar sobre algum problema, ele me procura. Quando ele precisa de ajuda, ele me procura. Quando ele montou a banda, eu imagino que eu não tenha sido a primeira opção. Mas estar numa banda com a cara que eu gosto parecia um sonho. E ele sabe que eu não o negaria nada. Ele sabe o jeitinho de falar comigo pra me convencer de algo. Eu faço absolutamente tudo que estiver ao meu alcance pra ajuda-lo. Ele estala os dedos e eu vou.

Eu ainda vejo no fundo, bem lá no fundo, um pouco do antigo León. Eu lembro dos nossos bons momentos e não consigo deixa-lo ir. Quando estamos sozinhos, as vezes ainda temos alguns daqueles momentos, em que ele sentava do meu lado pra falar sobre os novos lançamentos dos nossos artistas favoritos.

Apesar de passarmos um bom tempo juntos por causa da banda e por causa do Studio, em programas que não envolvem isso, eu não estou inclusa. Nosso baterista André, que León conheceu no dia das audições pra entrar no Studio, é atualmente seu melhor amigo e eles saem juntos o tempo todo. E por incrível que pareça, apesar de ser o padrão rolezeiro, pegador e cachaceiro que o pobre coitado sempre corria atrás, André realmente gostava de sua amizade, um dos poucos de todos que Vargas tentou se enturmar que não era falso com o mesmo. E falo disso com propriedade pois na época do colégio vi muita gente que ele gostava falar mal dele PRA MIM. E eu concordava com tudo pois não era mentira. O garoto tinha se tornado insuportável pra conseguir atenção desses que ele considerava superior. Pelo menos no Studio, León era exaltado por sua linda voz. Com o tempo aprendeu a se comportar melhor e a má fama da época do colégio ficou pra trás. Apesar de comigo tudo continuar o mesmo inferno, eu nunca desisti dele. Eu o amava de verdade. Ainda amo. Mas não deveria. Eu sei que sou uma idiota. E ele mais ainda.

Depois de terminar a arrumação do quarto e colocar tudo em seu devido lugar. Separei esse caderninho e o deixei guardado numa pasta dentro do baú ao lado de minha cama. Por cima das outras coisas pra ser mais acessível e eu poder olhar quando quiser. Fui tomar um banho e enquanto a água corria ralo a baixo eu mentalizava que meu sentimento por León estava correndo ralo a baixo também. Não deu muito certo. Mas de certa forma a água quente me desestressava. Quando saí do chuveiro percebi que havia esquecido de trazer minha roupa. Me enxuguei e me enrolei na toalha e voltei pro meu quarto. Antes de me vestir não pude evitar dar uma olhada no celular e advinha só. Uma mensagem do meu amado. "Lembrei de você" dizia a mensagem acompanhada de um link. Meu coração acelerou e eu abri um sorriso bem abobalhado. Ele havia me mandado um artigo sobre os vocais femininos mais potentes do rock, onde a capa era uma foto de Lzzy Hale, minha deusa, vocalista da banda Halestorm. Após ler a matéria fui responde-lo.

 

Naty: 

eu amo quando tu lembra de mim pelos meus ídolos ♡ Lzzy DEUSA 

León: 

hahaha ela é foda mesmo! imaginei que ia gostar desse post, não tem como não lembrar de você 

Naty:

obrigada por me mandar!

Internamente eu estava surtando. Mas tentei não mostrar isso nas mensagens. Havia me esquecido até que ainda estava enrolada na toalha deitada na cama. Larguei o celular e fui vestir meu pijama.

xXx

Três meses desde o dia que nossa banda postou no youtube nossa primeira música original: Dile Que Si. Não foi um grande sucesso, mas teve uma boa repercussão entre os alunos do Studio 21 e na nossa cidade em geral. Nós, além de postarmos covers no youtube, também tocavamos em bares e eventos. A banda é formada por mim, León, André e Napo. Eu no baixo, León no violão/guitarra, André na bateria e Napo no teclado. Todos os meninos cantavam, menos eu.

Era nosso último final de semana de férias do Studio. Decidimos reunir a banda pra comemorar no Restó Bar, restaurante do irmão mais velho de Francesca, minha melhor amiga. O Restó é como nosso point. A comida é deliciosa e é um lugar bem aconchegante. Somos sempre muito bem recebidos e o Luca, responsável pelo negócio, nos chama pra tocar lá em algumas das noites de música ao vivo.

Estávamos sentados numa mesa próxima ao palco. Era de dia então não tinha música. Mas Luca sempre deixava um violão e um microfone a disposição caso um de nós resolvesse arriscar alguma coisa. Pra iniciar pedimos pastéis e refrigerante. Francesca estava trabalhando no Restó mas sempre que conseguia uma pausa vinha até nossa mesa tentar se enturmar na conversa. Ela era como uma faz tudo. André era um dos entregadores do Restó mas esse não era seu dia de trabalho.

 

— Poxa Fran, e você nada de fazer audições pro Studio né? - perguntou León antes de dar uma mordida no pastel de carne.

 

— Pois é! Eu já tentei convence-la tantas vezes. - falei enquanto encarava Francesca.

 

— Ai gente de novo isso? - minha amiga respondeu rindo aparentemente de nervoso. — Eu realmente não tenho vontade de me dedicar tanto as aulas do Studio igual a vocês. Exige muita dedicação mesmo. Eu amo cantar. Mas eu amo cuidar do Restó. Eu amo ajudar com as receitas, poder trabalhar nas decorações, atender as pessoas e vê-las satisfeitas. - ela falava enquanto olhava em volta seguido de um sorrisinho de canto de boca. — O Luca trabalhou duro por esse lugar. E eu acompanhei todo o processo. A gente ama isso daqui. Eu realmente estou satisfeita com a vida que tenho agora. - os olhinhos da italiana brilhavam ao falar do restaurante com tanto carinho, era exatamente assim que seu irmão ficava quando falava do seu cantinho também, eles eram muito ligados. — Fora que isso não me impede de cantar de vez em quando, aqui mesmo! - falou apontando para o palco.

 

— Acho a coisa mais fofa esse teu carinho pelo Restó. - Napo falou sorrindo, com os cotovelos apoiados sobre a mesa e as mãos no rosto.

 

— Eu compreendo, Fran. Mas não deixo de me indignar um pouquinho pois sua voz é realmente muito bonita. Você ia desbancar muita gente no Studio. - León falou rindo.

 

— Não fala assim! No Studio só tem gente talentosa! - eu respondi mexendo a cabeça em negação.

 

— Ah mas a voz potente dessa menina é outro nível! - disse André.

 

— É, realmente! A minha Cesquinha é uma rainha. Você iria brilhar muito! - eu falei dando um abraço de lado na minha amiga seguido de um beijinho na bochecha.

 

— Ai como é bom ter fãs! - Francesca falou aos risos. — Ai gente, vocês ajudam muito a subir minha autoestima. Obrigada, de verdade.

 

— Francesca! Dá um pulo aqui por favor! - Luca gritou do balcão.

 

— É, meu povo. De volta ao trabalho! - Fran falou se levantando da cadeira.

 

Passamos um bom tempo conversando, rindo e comendo. Se deixasse a gente ficava de bobeira ali o dia inteiro. Depois dos pastéis pedimos lasanha. Estava sendo um sábado muito agradável. E desde que estávamos de férias da nossa escola de artes essa havia sido a primeira vez que nos reuniamos sem ser pra tocar a trabalho. Senti falta de conversar assim.

 

— Galera, ainda tá de pé aquela ideia de botar um vocal feminino na banda né? - León falou e depois tomou um gole de refrigerante. Ele botou a boca no copo de um jeito que o mesmo escondia seu rosto de uma forma engraçada.

 

— De pé tá né o difícil é achar alguém que se encaixe no que a gente faz. Alguém que pegue a nossa vibe, saca? - André respondeu passando a mão no queixo com resquícios de barba crescendo.

 

— A Fran a gente descartou porque ela não quer né, mas seria ótimo ter ela na banda. - eu falei fazendo beicinho.

 

— Pois é... - León deu um sorrisinho de canto de boca, não entendi porque. Ficamos em silêncio por alguns segundos e Vargas voltou a falar:

 

— Eu tenho duas novidades pra contar pra vocês. Mas só vou contar na nossa volta as aulas do Studio. - sorriu e ergueu as sobrancelhas. — Ou melhor, mostrar!

 

— Ah mas você só pode tá de sacanagem! Porque falar isso agora? Porque não fala só no dia logo então? Vai deixar a gente morrendo de curiosidade, porra! - falei dando um soco na mesa e enrugando a testa sem perceber.

 

— Calma garota, vai quebrar a mesa! Controle sua ira! - meu amado falou tentando ser sério.

 

— Mas a Naty tá certa! Você não tem dó da gente não? - falou André dando um tapa de leve no braço do amigo.

 

— Olha André... uma dessas novidades você meio que tá por dentro do assunto. - Vargas sorriu suspeitosamente para o amigo. — Mas eu ainda tenho um pronunciamento oficial pra fazer. - completou aos risos.

 

Nosso baterista ficou um tempo analisando as possibilidades. Depois fez uma cara que deu a entender que ele compreendeu do que o amigo estava falando. Ambos se olharam e León botou o dedo indicador nos lábios fazendo "shhh". Eu reclamei mais uma vez mas de nada adiantou. Ficamos mais uma vez em silêncio por alguns segundos até que Napo, que até então estranhamente só observava, sem falar uma única palavra desde o assunto da novidade, resolveu ele mesmo quebrar o silêncio:

 

— Falando em novidade. Eu também tenho uma! E posso contar agora. - sorriu amigavelmente.

 

— Obrigada por não ser um León da vida!  - joguei uma pequena bolinha de papel no garoto cheio de segredos. Que revidou tacando a mesma bolinha em mim. — Sou toda ouvidos, Napo! - completei sorrindo.

— Eu consegui alguém pra dividir o apê comigo! - Napo falou batendo palminhas rapidamente. — Na verdade foi por um acaso. Vocês sabem que eu estava procurando alguém pra isso a um tempo. E a pessoa que veio me procurar na verdade foi alguém que já foi muito próximo de mim no passado. A Naty deve lembrar que falei sobre uma prima que se mudou pra longe e por isso nos afastamos. É ela que vai morar comigo.

— Sim! Lembro sim! Ai que legal, Napo! - falei sorrindo empolgada.

— E oque fez ela querer se mudar de volta? - André perguntou interessado.

— Ela arrumou um namorado aqui e vai entrar pro Studio 21! - Napo respondeu.

— Hm... eu também conheço uma garota que vai se mudar pra cá pra estudar no Studio. - León falou enquanto mastigava gelo e fazia uma cara de desconfiado.

— Vai que as duas são a mesma pessoa. - Napo falou erguendo as sobrancelhas olhando para León e depois dando risada. Eu achei aquilo muito estranho. Mas antes que eu pudesse falar algo, Napo continuou o assunto:

— Estou muito feliz em saber que vamos poder reatar nossa amizade. Nós nos tornamos apenas meros conhecidos durante esse tempo que estivemos distantes. Na infância nós éramos unha e carne. Ela vai ter tanta coisa pra me contar! E eu pra ela! - ele sorria enquanto falava e mexia nos canudos em seu copo quase vazio.

O assunto continuou rendendo, André começou a falar sobre amizades antigas dele. Um assunto emendou no outro até mudar completamente e eu acabei não falando nada sobre aquele momento que estranhei. Simplesmente esqueci. Antes de irmos embora Luca nos pediu uma palinha de Dile Que Si e deu um violão para León. Enquanto ele tocava, todos nós cantamos juntos. Incluindo os irmãos italianos.


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