10 segredos que eu preciso compartilhar com você escrita por Line


Capítulo 3
Eu não consigo não amar você... Mas eu jamais irei me declarar


Notas iniciais do capítulo

Eu voltei...



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“Acontece Olívia, nem tudo é como planejamos”. Foi esta resposta que Augusto deus para os meus questionamentos. Depois, entramos para a sala de aula e ele voltou a me ignorar solenemente.

O meu amigo sempre foi o rei das respostas secas, e, isto nunca me incomodou antes, pelo contrário, eu sempre admirei esse seu jeito “sincerão” de ser. Mas, confesso que agora fiquei bastante chateada com esse comportamento. Poxa, são anos de amizades e planos idealizados juntos, eu merecia uma explicação mais coerente!

No sexto ano, quando Augusto e eu entramos para o Instituto Weber, as coisas em nossas vidas não andavam lá muito bem. Enquanto os meus pais estavam num processo de separação complicado, que acabara não se concretizando, a família dele passava por alguns problemas pesados, os quais tiveram um desfecho trágico. Então, no meio de toda essa turbulência, nós acabamos por fazer um pacto; prometemos que ficaríamos sempre unidos, e que os nossos caminhos, dali em diante, seriam iguais.

Fazer a mesma faculdade estava incluso neste pacto, uma vez que nós simpatizávamos com a carreira de medicina. Bom, pelo menos, era isso que eu acreditava. 

(...)

Às onze e meia da manhã o sinal toca libertando-nos das aulas obrigatórias do dia. O colégio normalmente tem uma programação de aulas extras na parte da tarde, são as classes de monitoria e reforço escolar, para os alunos que tem dificuldade de aprendizagem, e as aulas de educação física para o ensino médio; que são realizadas no contra turno por questão de espaço.

As atividades de educação física para a minha turma normalmente acontecem na quarta-feira, ou sexta-feira, o que significa que hoje eu terei o resto do dia livre.

Na saída da escola “marco ponto” em frente ao portão. Quero pegar Augusto no pulo, ele não vai escapar de me dar respostas!

— Ei Oli, Maya vai almoçar em casa hoje, você não quer ir junto? A gente pode fazer alguma coisa na parte da tarde, meus pais ainda estão viajando, a casa será só nossa... Que tal? — Jasmim sugere.

— Ah... deixa para a próxima vez, meninas.  Eu estou esperando Augusto sair da biblioteca, nós já havíamos combinado de almoçar juntos.

Hum... Tá bom então, você que sabe... — ela diz num tom ligeiramente reprovador. — Até amanhã. Vamos Maya.

— Vamos. Tchau Olívia.

— Tchau, Maya. — Me despeço enquanto as duas entram no UBER que veio buscá-las.

— Uai... Que milagre é esse que você não foi com elas? — Augusto surge de repente em meu campo de visão.

— Guto! Você me assustou.

— Culpa sua que ficou aí parada feito um poste...

— Eu estava a sua espera...

— Por quê? A gente marcou alguma coisa?

— Marcamos sim... Marcamos um encontro com a verdade, agora você vai me contar tudo seu Augusto!— afirmo de maneira imperativa. 

— Olívia...

— Olívia nada! Guto, por favor... — Assumo a face mais inocente que eu já consegui fazer alguma vez, na vida.

Uff!— Augusto bufa em resposta, mas, em seguida assente: — Ai, Olívia... Eu nunca consigo dizer não para essa sua cara de gato do Shrek! Está bem. Você vem comigo, então? — digo  que sim com a cabeça e juntos atravessamos a rua. 

Feito isso, Guto segue até uma moto preta que está estacionada próxima a uma padaria. Ele abre o bagageiro e retira um capacete azul de dentro, oferecendo-o a mim:

— Toma — diz. — A sua sorte é que eu sempre carrego um capacete extra.

— Essa era a moto do...

— Sim. É a moto que pertencia ao meu irmão. Vim com ela porque estava muito atrasado, se eu fosse vir de bicicleta demoraria mais a chegar. — justifica.

Em seguida, ele sobe na moto e me ajuda a fazer o mesmo. Eu normalmente não ando de moto, meus pais têm muitas restrições com relação a este meio de transporte, e, eu acabei por herdar esse receio deles. Porém, eu confio tanto no Augusto que este ato transforma-se em uma ação natural da minha parte. Mesmo assim, quando ele dá a partida, abraço-o de forma vigorosa, grudando nele tal qual uma cola.

— Você deu uma emagrecida, Guto. — comento. Ele me oferece uma breve risada suave e depois passa a se concentrar apenas no caminho.

Augusto guia a moto em velocidade relativamente baixa. Alguns quilômetros mais tarde, percebo que estamos saindo da cidade e intuo o local onde ele pretende levar-nos.  A cidade onde moramos chama-se “Weber Martins”, e possui este nome em homenagem ao seu fundador, o conde Luís Weber Martins. É um município relativamente pequeno, possuindo menos de cem mil habitantes, de acordo com o último censo. Mas, é famoso por sua riqueza em minérios diversos, que são vastamente explorados pela empresa mineradora de mesmo nome.

Como qualquer cidadezinha mineira, o lugar possui um rio de água límpida e cachoeiras de quedas abundantes, perfeitas para se banhar. E é exatamente para uma dessas cachoeiras que Guto pretende me levar.

A “queda da sereia” é o nosso local secreto de encontros desde que nós adquirimos idade suficiente para passear por aqui sem a supervisão de adultos. Este nome peculiar dá-se pela lenda folclórica da Iara, a sereia de água doce. Segundo os habitantes mais antigos, essa criatura reside nas águas do riacho que circunda a cidade e, por isso, no interior da cachoeira há uma formação rochosa que lembra a sua imagem.

O meu amigo estaciona a moto embaixo de uma árvore frondosa para aproveitar a sombras dos galhos espessos. Desembarcamos do veículo e nos sentamos em cima de uma rocha grande de onde podemos colocar os pés na água, sem molhá-los completamente. Assim, retiro o All Star cor-de-rosa depositando-o delicadamente na pedra ao lado, e a seguir, mergulho a ponta dos meus pés na água, sentindo todo o acalento que é proporcionado pelo contato da minha pele, com este elemento da natureza.

Augusto faz o mesmo que eu, e então, ficamos em silêncio durante alguns minutos, apenas contemplando o ambiente em nossa volta.

— Eu vou para o Japão, Olívia. — Ele joga a bomba de repente.

—Como?— indago em descrença. —Guto, se isso for alguma pegadinha pode parar...

— Não é... Eu vou ao final do ano. Vou morar com o meu irmão.

— Mas... Você nunca quis ir para lá... Você sempre disse que o seu futuro era aqui mesmo... Augusto, eu não entendo!

Augusto não me olha e, durante alguns segundos ele parece estar longe, em outro lugar, ou dimensão... Por fim, ele se vira em minha direção, respira fundo, e diz:

— Olívia, nessas últimas férias aconteceu algumas coisas que me fizeram repensar certos aspectos da minha vida, entre outras coisas, eu cheguei à conclusão de que ser médico não é mais o que eu quero para o futuro.

— Tudo bem, eu te entendo... Eu juro que entendo (mentira), mas, você ainda pode fazer outra coisa aqui no Brasil. Por que ir para o Japão?

— Mas é esta a questão, Olívia: eu ainda não sei o que vou fazer! Por isso que eu vou para o Japão, vou ficar algum tempo lá com o meu irmão ajudando-o no negócio dele, até ter certeza do que eu quero. Talvez eu até faça como ele, e fique por lá mesmo...

— Não, Augusto! Ficar lá, em definitivo?! Nem pensar, eu posso suportar alguns meses sem sua presença, agora, uma vida inteira sem ti? Isso não! Eu sei que isso soa como algo egoísta de minha parte, mas, foda-se — a minha cólera é tanta que me faz falar até palavrão, coisa que não é de meu feitio —; você me conhece, e sabe que eu sou assim mesmo: uma menina mimada, e totalmente egoica! Eu te quero aqui comigo Guto, como a gente sempre planejou. Só você me compreende... Só você entende os meus defeitos, e consegue lidar com a confusão que eu sou por dentro.

Augusto ignora completamente os meus apelos. Ele desvia os olhos de mim, e passa a observar quase que fixamente, o curso calmo das águas do rio. Novamente, ele parece ter se refugiado em alguma dimensão à parte. Assim, ficamos os dois em um silêncio retumbante; ambos perdidos na confusão de nossos próprios pensamentos.

— Desculpa, Olívia. Eu realmente queria “estar aqui para você”, porém, no momento, há coisas maiores acontecendo na minha vida; coisas, das quais eu já não sou capaz de enfrentar sozinho. E, por isso, eu necessito ir para outro lugar, porque somente me afastando daquilo que me faz mal, é que eu vou poder escolher melhor as coisas que vão me fazer bem no futuro.

— Guto, se você quer se afastar de tudo o que te faz mal... Quer dizer que você também quer se afastar de mim, é isso?

— Não, Olívia! Você nunca me faz mal. O problema não é você, entenda isso.

— Então qual é o problema? Fala-me Guto, eu sinto que estou às escuras aqui...

— É complicado Oli e, pra falar a verdade, eu quero evitar falar sobre os meus problemas. O que precisa saber é que a minha decisão é categórica, ao final do ano eu vou embora para o Japão. Vou morar em definitivo com meu irmão, e ajudá-lo com o negócio dele.

— Mas, Guto...

— Olívia, vamos encerrar o assunto por aqui, por favor? Acho melhor a gente voltar para a cidade, já está ficando tarde e nenhum de nós dois almoçou ainda.

Eu ia contestá-lo novamente, porém, o meu estômago começou a roncar confirmando o argumento do meu amigo. Então, derrotada pela barriga vazia, recolho o meu tênis, calçando-o em seguida e, acompanho Augusto até o ponto onde ele estacionou a moto.

O percurso de volta pareceu-me mais duradouro do que o da ida. A minha cabeça estava fervilhando com as informações novas trazidas por Guto. 

Era quase uma hora da tarde quando ele me deixara em casa. Insisti para que almoçasse comigo, mas ele negou o convite justificando que estava tarde, e que ainda precisava ir ao centro da cidade resolver algumas coisas para a sua mãe. Desta forma, eu acabei almoçando sozinha, uma vez que Íris – a nossa empregada –, já havia levado Amábile para a sua aula de balé.

Nas segundas e sextas-feiras, a minha mãe só volta para casa à noite, pois ela faz um turno em seu consultório particular, e outro no hospital público local. Assim, com o meu pai viajando a trabalho, e o meu irmão mais velho (sim, eu tenho um) na faculdade; restou-me apenas, o silêncio de uma casa vazia.

Em contraste à solidão do ambiente ao meu redor, a minha mente encontrava-se lotada de ideias, e suposições barulhentas.  Eu remoí de forma obstinada cada detalhe da conversa que Augusto e eu, tivemos naquela cachoeira.  Os argumentos dele ainda não se encaixavam dentro do que eu conheço de sua personalidade.  Augusto sempre rejeitou a ideia de ir morar no Japão, mesmo que o seu pai e irmão, fizessem o maior esforço para convencê-lo das inúmeras vantagens de residir naquele país. Todavia, Guto sempre dizia que, se fosse para morar fora do Brasil, seria preferível outros roteiros; tais como Estados Unidos, ou Canadá.

Veja bem, não é que o meu amigo não gostasse do país em questão, pelo contrário, Augusto sempre teve verdadeira simpatia pela terra de seus ancestrais. O problema residia nas relações familiares complicadas, que se estabeleceram entre ele, e o lado oriental da sua família. Ele o pai tinham algumas divergências de personalidade e, por isso, eles mal conseguiam conviver no mesmo espaço durante muito tempo, sem que ocorresse alguma rusga entre os dois.

O divórcio dos pais de Augusto não foi nada amigável e, uma vez finalizado, o seu pai mudou-se em definitivo para a terra do sol nascente, deixando os filhos no Brasil. Acredito que, na mente infantil que o meu amigo possuía na época, esse país representava “o vilão”, que o separara de seu progenitor.

 A verdade, é que com a fatídica morte de seu irmão do meio, a família de Augusto se despedaçou por inteira, vindo a separar-se em núcleos distintos. Então, talvez a recente viagem que ele fizera para visitar o outro irmão que atualmente também reside Japão, tenha lhe despertado o desejo de reatar os laços familiares desfeitos. Sim, esta seria uma hipótese plausível— penso eu.

Sejam quais forem os reais motivos para a súbita mudança de planos do meu amigo, o único fato que eu tenho de concreto, é que ele dificilmente voltará atrás.  Guto é capricorniano nato, de sol e ascendente, ou seja; teimoso feito uma mula empacada!

(...)

            É tarde da noite. Preciso dormir, ou, acordarei amanhã com olheiras terríveis. No entanto, a minha mente encontra-se tomada por reflexões sorumbáticas que me impedem de adentrar no mundo dos sonhos, causando-me uma insônia ansiosa. É difícil explicar todos os sentimentos que estou sentindo agora, é um misto de surpresa, e desilusão. Guto sempre foi o meu ponto de equilíbrio, e sinceramente, não sei como será a minha vida sem a sua presença física, a me reconfortar nos momentos de crise.

Eu o amo. Isto é um fato irrefutável. E, eu sei disso desde que tomei ciência do real sentido da palavra amor.

Sei também que os sentimentos dele para comigo são recíprocos, embora ele tente disfarçá-los de maneira persistente. Porém, mesmo que nossos corações pulsem num mesmo ritmo, nos dois nunca seremos mais do que apenas grandes amigos e, isto é outro fato irrefutável.

Augusto Maciel Kumode, embora seja o arquétipo do namorado perfeito, jamais será o meu par ideal. A sua estética não combina com a minha e, por isso, prefiro descartar o seu amor romântico, para assim manter vivo o nosso amor fraternal.

Quando eu digo estética, estou me referindo a suas “características físicas”. Sim, porque embora o meu amigo seja dono de um belo coração, a tua aparência passa longe do aceitável. Sei que pode parecer um motivo fútil, mas, eu preciso ser sincera; a beleza para mim é um fator fundamental e, também é algo que ele não possui!

Augusto é um garoto de estatura mediana, de pele morena, e de feições mestiças. Ele herdou os olhos mais puxados da sua ascendência oriental, no entanto, o nariz é largo e a boca é volumosa, assim como o lado brasileiro da sua família.

E, antes que me acusem de xenofobia, eu lhes digo que o meu problema com a aparência de Augusto não é nada relacionado às suas características asiáticas, pelo contrário, eu sou apaixonada pela cultura japonesa, bem como a cultura oriental de modo específico. O caso é que Guto parece ter nascido sob a maldição do patinho feio, sabe? Todos os outros membros de sua família são bonitos, exceto ele. Os seus irmãos mais velhos, aliás, eram perfeitos. A sua mãe e o seu pai são “super conservados”, nem parecem ter a idade que têm. Agora, o que dizer do meu amigo?

Seus traços não são de todo feios, diria até que ele tem um “certo” charme. Todavia, o seu físico “mais cheinho”, e o cabelo extremamente oleoso e de corte antiquado, causam-me sérios arrepios na espinha. Certa vez, eu cheguei a lhe sugerir algumas mudanças de hábitos e vestuário, que melhorariam bastante a sua aparência, mas, como eu disse anteriormente; Guto é teimoso, e nunca quis me dar ouvidos. De modo que, até desisti de voltar a tocar no assunto.

Então, eis a minha dicotomia sentimental: eu amo o meu melhor amigo enquanto pessoa, porém, tenho dificuldade para gostar da imagem que ele exibe no seu “exterior”. E, desde que eu admiti a existência desses sentimentos, eu tenho sofrido todos os dias, porque é impossível arrancá-los de dentro do meu ser. Só que, enquanto o meu coração anseia por carinhos mais íntimos, e juras de amor incondicional; a minha cabeça diz: pare, não ultrapasse essa linha!

Para curar este amor já procurei por remédios variados, desde ficar com outros caras, até tentar ignorá-lo por completo. Mas, tudo foi em vão!

           “Ai, Augusto! Eu não consigo não amar você... Mas, eu jamais irei me declarar!”— lamento em voz alta, para depois, enfim, desabar em sono profundo.


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Notas finais do capítulo

O Augusto tem uma moto e dirige, porque ele já fez dezoito anos. Certo, gente? kkk
A gente se vê no próximo...



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