As horas já eram avançadas. Ha três horas atrás, Leopoldina se despediu do pai, depois de conversar bastante com ele e mantê-lo a par de seus estudos e sua vida no Brasil. Vendo que estava ficando tarde, despediu-se gentilmente. Para outras pessoas nem seria tão tarde assim, mas Leopoldina levava seus estudos a sério e ainda mais, o seu descanso.

Para outros, como se diz no Brasil, a noite ainda era uma criança e era assim que Pedro e Chalaça passavam sua noite. Acabou que eles se empolgaram com a festa de que tinham sido convidados, aproveitando ao máximo o que era servido e as companhias.

Mesmo sendo tarde, João não conseguia dormir. Isso acontecia quase toda vez que Pedro saía e não voltava tão cedo assim, suas preocupações empurravam seu sono para longe. Aquela noite não estava sendo diferente, João sentou-se à sala, esperando apenas pela chegada do filho. Eventualmente, Pedro chegou em casa, um pouco tonto e desequilibrado, devido à maneira exagerada que tinha bebido.

Ainda assim, tinha consciência suficiente de andar o mais lenta e silenciosamente possível, para não chamar atenção de ninguém, mas quando o rapaz se virou de uma vez, deu de cara com seu pai. Mesmo sonolento, João não parecia menos amedrontador.

—Boa noite, filho, ou devo dizer, bom dia? - disse o pai em tom sarcástico.

—Oi, pai, por via das dúvidas é melhor dizer oi - Pedro tentou escapar - pelo jeito o senhor está bem cansado então vou deixá-lo dormir, tá bem?

—Não tão rápido, eu posso estar cansado Pedro, mas você não está nem um pouco, então podemos conversar mesmo assim - declarou João e Pedro sabia que não poderia fugir.

Ele se sentou, sabendo que estava prestes a ouvir um grande sermão.

—Onde é que você tava até essa hora? - o pai interrogou.

—No mesmo lugar que disse que iria, na festa com o Chalaça - Pedro foi sincero.

—E você me assegurou que não voltaria tão tarde - o pai o fez se lembrar - por que mente desse jeito pra mim, filho? Já é a décima vez que faz isso esse mês, você nem se importa em ter aula amanhã, se continuar assim, o que vai ser do seu futuro?

—Não, pai, tá exagerando, não tá tão tarde assim e meu futuro não é amanhã! - o rapaz tentou argumentar.

—Francamente, vai mesmo desdenhar desse jeito? Eu já estou farto, Pedro - João foi mais enérgico - eu estou falando sério agora, se você não levar mais a sério seus estudos, eu juro que te mando pra Espanha pra ficar com sua mãe!

—Ah então era isso que o senhor queria esse tempo todo - Pedro ficou claramente magoado - prefere o Miguel do que a mim, está bem, papai, logo o senhor se livra de mim e o seu filho que nem quis morar com o senhor fica no meu lugar! O Miguel vai adorar sair da saia da mamãezinha!

E esbravejando, Pedro deixou o pai falando sozinho, perdendo a paciência também.

—Pedro, por favor, Pedro! - o pai tentou, mas viu que era em vão.

Restou a João e a Pedro dormirem um pouco. O rapaz passou pelo corredor, indo para o seu quarto, pisando duro até ali, o que acordou Leopoldina, que chegou a ouvir os resmungos de Pedro.

Realmente esse rapaz era imprevisível, como uma força da natureza, pensou ela. Ao menos ele estava de volta em casa, são e salvo. Depois dessa interrupção, ela se esforçou para pegar no sono outra vez, mas foi um pouco difícil. Tanto ela como Pedro sentiram o cansaço aumentar no dia seguinte devido ao seu sono desregulado.

À mesa da sala de jantar, os dois tocaram a garrafa de café ao mesmo tempo, aquele gesto fez os dois rirem, mesmo com Pedro estando de mau humor por ter que acordar cedo e pela briga com o pai.

—As damas primeiro, por favor - ele cedeu o café a Leopoldina.

—Obrigada - ela agradeceu, colocando café para si.

Ele fez o mesmo logo depois, e por um momento silencioso, ela ficou quieta tomando seu café da manhã, tentando recuperar as energias. Pedro se distraiu com seu celular, mas tentando ser discreta ao observar o rapaz, Leopoldina viu que o que ele olhava se tratava de algo sério, e realmente era. Ele viu que suas notas no geral estavam muito abaixo do esperado e, que se ele não fizesse alguma coisa rápido, ele reprovaria na maioria das matérias, praticamente perdendo o ano. Ter a confirmação disso o fez suspirar alto.

—Você está bem? - Leopoldina teve que perguntar, era o que ansiava fazer desde que começou a se preocupar com ele - há algum problema?

—Hã... Vários na verdade - ele coçou a cabeça, distraído, frustrado - mas esse aqui em particular é a faculdade, as minhas notas, enfim, eu deveria ter sido mais responsável, mas parece que eu não consigo.

—É normal ter uma dificuldade aqui e ali - ela tentou remediar.

—Não, no meu caso é preguiça mesmo, mas... - ele se cansou da conversa - eu vou dar um jeito, tenho que dar.

Um instante depois, ele terminou seu café, e se levantou com pressa.

—Tenha um bom dia, Leopoldina - ele disse antes de sair de vez, sem esquecer seus modos.

—Bom dia, Pedro - ela desejou, esperando de verdade que ele conseguisse resolver seu problema acadêmico.