Quando vou dormir escrita por Rodrigo Salter


Capítulo 6
Quinta carta




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Escrito em 09/11/2018

Eu estava confuso.

Eu ainda  estou confuso.

Mas o que quero me referir é que eu não entendo você, garota, e toda vez que tento, me confundo mais.

Quando eu fiz as minhas cagadas com você, pensei que você viria correndo para me insultar e me chamar de filho da puta pra baixo. Eu realmente pensei que você me daria alguns tapas merecidos, que iria me empurrar, que iria me atolar de palavras que eu fingiria não escutar, mas...

Nada.

Você fez nada.

E quando você sumiu por um mês inteiro da minha casa e não respondeu às minhas ligações, eu me tornei descarado o suficiente para ir atrás de você. Eu bati na porta da sua casa, lembra? Seu pai atendeu à porta, o que foi um alívio para mim, pois sempre nos demos bem, e ele me convidou para entrar. Eu não entrei, vi você me observando do sofá da sala e pela sua cara eu sabia que não queria me ver nem pintado em ouro.

Só que eu acabei descobrindo que sou muito egoísta.

E eu a chamei para conversar, não sei porque diabos você aceitou o convite, mas nós fomos para o seu quarto e você ficou próxima de mim, mesmo que parecesse estar a quilômetros de distância.

E hoje percebo que aquela foi uma noite repleta de primeiras vezes.

Aquela foi a primeira vez que entrei no seu quarto e a primeira vez que alguém ordenou que eu removesse os sapatos. Seu quarto era azul claro — designers de interiores diriam que era azul maya — e o carpete era claro o suficiente para eu pensar que aquele era o motivo para você proibir a entrada de sapatos imundos.

Eu tentei comprar tempo, lembra? Caminhei descalço até a sua estante, comentei nossos livros em comum, brinquei em puxar o cabo do computador e fiz graça com o único urso de pelúcia que você mantinha sobre a cama.

Mas você mandou eu parar e algo em sua voz me fez congelar. Acho que era a sua frieza.

A frieza que eu causei.

A frieza que eu primeiramente lhe demonstrei.

E a frieza que eu agia próximo de você.

Aquela noite foi a primeira vez que eu pedi desculpas e palavra alguma proferida por mim nunca havia soado tão real e, ainda assim, tão babaca.

Eu não merecia as suas desculpas, garota.

Confesso que ainda não as mereço.

Mas como já disse, eu descobri ser extremamente egoísta e, na época, eu não me importava se isso iria machucar outras pessoas.

Aquela noite também foi a primeira vez que chorei por causa de mulher, por causa de você, e a risada incrédula que você deu na minha cara foi um baque forte o suficiente para eu notar o quanto eu fodi você.

Agora, enquanto escrevo meio torto por causa do conhaque, confesso que quase escrevi "fodi seu coração", mas acho que não estou bêbado o suficiente para isso.

Mas talvez eu esteja bêbado o suficiente para confessar um pouco mais:

Aquela foi a primeira vez que justifiquei meus atos, que quase perdi a cabeça por perder você, que eu chorei mais um pouco e que você, bondosa demais com quem não merecia, acabou chorando também. 

E foi a primeira vez que eu proferi palavras sem sentido, mas que você as organizou para alcançar a única conclusão daquela situação toda: eu gostava de você, mas eu era um babaca.

Eu ainda sou um babaca. A diferença, agora, é que eu não gosto mais de você, mas a amo.

Não sou íntegro o suficiente para confessar esse amor, então por hora vou jogar a culpa no conhaque.

No entanto, eu nunca entendi por que as mulheres sentem-se atraídas por babacas. E você infelizmente não foi diferente.

E você me acalmou em seus braços porque, de repente não ter você, como não havia tido durante um mês inteiro, era quase desesperador. Você buscou suco na cozinha e deu alguma desculpa esfarrapada para os seus pais do porquê o irmão da sua amiga estava no seu quarto. Nós sentamos na sua cama, eu lembro que ela era de canto, e nos apoiamos as costas na parede enquanto conversávamos amenidades e dividíamos a caixa de suco.

E toda vez que você acariciava a minha mão, eu tinha cada vez mais certeza de que eu não a merecia.

E ainda não mereço, acredite.

Aquela foi a primeira vez que eu me declarei, ou ao menos tentei porque, na minha cabeça, eu não me apaixonava.

Aquela foi a primeira vez que você me contou seus sentimentos por mim.

Aquela foi a primeira vez que eu a enxerguei além dos seus olhos castanhos.

Aquela foi a primeira vez que você revelou... Meu Deus, eu não posso escrever isso aqui, mas... a masturbação feminina não deve ser vista como um tabu.

Puta merda, falei.

E, merda, aquela foi a primeira vez que eu tomei a dianteira e a beijei.

Eu já sabia o quanto você não gostava do seu corpo, eu algumas vezes acabava ouvindo as suas conversas lá em casa — não era minha culpa se vocês gritavam —, e você sempre dizia que não estava satisfeita com seu corpo, falava que ele era fora do padrão, que algumas pessoas olhavam torto, mas, garota... 

Se você ao menos soubesse que o que realmente torna algo belo, não é o exterior, mas sim a natureza de onde ele provém...

Agora, neste exato instante, finalmente encontro uma conclusão: eu sempre fui apaixonado por você.

Aquela foi a primeira vez que beijei alguém de forma intensa.

Porque não era apenas um beijo. Você sentiu, eu senti. Não era apenas um beijo, não era algo carnal, aquilo era... nós. 

Por mais que eu tenha tentado nos conter aos beijos, você sempre quis mais de mim, garota, e eu não vou negar: eu sempre quis mais de você também.

Eu achava que era errado. Sabe, eu tinha vinte e você dezessete. Merda, garota, você era menor de idade, seus pais estavam na sala, você é a melhor amiga da minha irmã e eu já poderia imaginar a polícia arrombando a porta da minha casa... 

Pela primeira vez, quem recuou fui eu.

Eu lembro perfeitamente das suas bochechas coradas, do seu queixo avermelhado por causa da minha barba, das suas pupilas dilatadas que quase escondiam o castanho das suas irises.

Merda, garota.

Merda.

A sua expressão nada inocente puxou o meu tapete. Quando eu deslizei o meu dedo pela maçã do seu rosto... merda, aquilo era uma despedida, um "nos vemos amanhã", ou algo parecido. Mas quando eu deslizei meu carinho pelo seu rosto e você arfou com o meu toque...

Ah, garota.

Eu tentei me conter, juro que tentei. Os meus pensamentos insistiam em gritar que você tinha apenas dezessete anos, porém essa mesma garota de apenas dezessete anos subiu no meu colo, me lambuzou a boca porque mal sabia beijar e declarou, com todas as palavras, que idealizou aquilo por muito tempo.

Comigo.

Você idealizou aquilo por muito tempo comigo.

E, por fim, naquela noite repleta de primeiras vezes, aquela foi a nossa primeira vez.

Eu fui o seu primeiro homem e, por mais que você não tenha sido a minha primeira mulher, eu gostaria que tivesse sido a última.


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