Quando vou dormir escrita por Rodrigo Salter


Capítulo 5
Quarta carta




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Escrito em 31/10/2018

Quando você e a minha irmã aprovaram na faculdade, vocês duas inventaram uma festa aqui em casa e eu sei que você convidou aquele cara apenas para me causar ciúmes, por mais que eu não entenda porque eu sentiria ciúmes de você.

Nessa mesma festa, o cara pegou uma amiga sua, não é? E eu ainda não compreendo a sua reação: você foi direto ao meu quarto, desconectou o computador da tomada durante uma partida e me contou detalhe por detalhe, como se eu me importasse.

Mas eu me importei, lembra?

Nós apagamos as luzes, deixamos acessa a mesma luminária que está clareando este papel que escrevo, e nós conversamos noite adentro no chão do meu quarto, encostados contra a cama, enquanto os convidados enchiam a cara na área da piscina. Juro que agora posso ouvir a sua risada e, se eu olhar por sobre o ombro, verei nós dois sentados lado a lado com nada mais que um copo de água na mão. Você me confessou algumas coisas, muitas delas eu não ousaria expor, outras eu até gostaria, mas me sinto sortudo demais por ser o único a saber.

Pelo menos acredito que eu ainda seja o único a saber.

Naquela noite, você deu o nosso primeiro beijo e, se eu fechar os olhos, serei capaz de revivê-lo em minha memória. Com sorte, minha memória será tão clara que eu poderei sentir seus lábios sobre os meus.

Lembra que eu recuei? Espero que entenda, mas o meu primeiro pensamento foi "eu não quero ir preso!".

Você tinha apenas dezessete anos na época, eu já tinha meus vinte. Sei que três anos não é uma grande diferença, mas a idade deixa de importar quando o mais novo tem, sei lá, vinte ou vinte e um? Depois disso ninguém se importa com a diferença de idade, mas... dezessete e vinte? Você era um pedido atraente para a polícia bater na porta da minha casa.

Mas de alguma forma você foi capaz de se embrenhar em mim, tão silenciosa, tão paciente, você teceu seu amor em minhas entranhas e eu mal pude perceber.

Quando o notei, já era tarde demais.

E você, uma menina de dezessete anos, subiu no meu colo e me conquistou com seus beijos desjeitosos e apressados.

Minha boca não era um cinzeiro, você degustou cada canto dela e ainda gemeu em satisfação. Eu me comportei naquela noite. Agora, enquanto o cigarro pende entre meus dedos, posso começar a acreditar que talvez eu já estivesse me apaixonando por você. Nunca conheci um homem com tanto autocontrole quanto eu porque, por mais que você quisesse aprofundar nossos toques, eu apenas a beijei e juro que tentei amparar todo o seu descontrole sobre mim.

Eu gostei dos nossos beijos, mas confesso que gostei ainda mais das nossas conversas.

E isso me assustou, garota.

Quem em sã consciência gostaria de recusar uma transa para apenas conversar? Espero que, na manhã seguinte quando esbarramos na cozinha da minha casa, você tenha compreendido o porquê eu nem cumprimentei você. Eu estava assustado e algo em seu olhar me comprovava que, sim, você estava surtindo efeito em mim. Isso definitivamente não poderia acontecer.

Não comigo, não comigo.

Eu não me apaixono, garota.

O pessoal gosta de emendar as festas aqui em casa, meus pais nunca se importaram mesmo, e naquele domingo fizeram almoço para a mulherada que dormiu na sala. Vocês riram, algumas beberam, outras pularam sem a parte de cima do biquíni na piscina.

Você não gostou nem um pouco quando me pegou admirando uma das suas amigas, não é?

Eu vi o modo que você engoliu em seco, o modo que você precisou se segurar para não chorar.

E o que eu fiz, garota?

O que um babaca de carteira assinada faria?

Eu novamente sorri na maior cara dura e fiz questão que você me visse beijando uma daquelas meninas. Fiz exatamente aquilo que o seu "acompanhante" da noite anterior fez. Agora não posso me dar o conforto de repensar minhas ações, repensar o quanto isso deve ter fodido você. É difícil lidar com um babaca, mal posso imaginar como é lidar com dois em um único final de semana.

Eu devo um pedido de desculpas a você, mas não sou descarado o suficiente para isso.

Acho que preciso aprender a conviver com esse remorso e, por isso, você está fadada a veemente acreditar que nunca me importei com você. 

Eu não lembro o nome dela, mas lembro que ela era meio pirada. Eu a levei para o meu quarto, você sabe disso, você viu isso, mas o que você não sabe, garota, é que eu não consegui admirar aquela mulher quando ela parou em frente aos meus livros na estante e me chamou de nerd.

Não sei, mas esse adjetivo soou muito mais hipnotizante quando saiu pela sua boca.

Pela boca dela? Pela boca dela eu apenas senti desprezo.

Mas eu sempre fui um babaca, nunca neguei, aliás sempre fiz questão de deixar claro que eu não presto.

Mas é interessante como isso atrai algumas mulheres, não acha?

Por quê?

Por que você se atrairia por mim?

Não é um clichê dizer que havia homens melhores para você. Havia, garota, e eles estavam ao seu redor o tempo todo.

Por que você tinha olhares apenas para mim?

Eu sempre fui um babaca.

E eu comprovei isso quando fiz aquela mulher gemer alto o suficiente para você ouvir.

Neste exato instante, sinto raiva de mim.

Talvez eu tenha escrito demais, talvez eu tenha confessado demais, talvez tenha me exposto demais.

Ou talvez eu apenas esteja bêbado demais.

Eu não sei.

E se um dia você ler essas cartas? Meu Deus, você nunca poderia ler uma confissão dessas.

Porque é isso que essas cartas são: eu sento nesta cadeira, puxo este papel e agarro esta caneta preta para confessar os meus pecados.

Pelo menos, aqueles que roubam o meu sono.

Agora estou sozinho em meu quarto, não consigo dormir, estou com dor no pulso por apertar com força a caneta no papel, e os erros que cometi com você não permitem que eu descanse.

Você já perdeu o sono por minha causa? Eu realmente espero que não. É uma merda.


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