Músicas Bregas Lembram Você escrita por Panda Chan


Capítulo 6
6. Mentira


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal, tudo bem?

Como vocês devem ter percebido, a história tem uma nova capa que mostra o Eric todo apaixonadinho ouvindo suas músicas bregas ♥ O desenho foi feito com muito amor e carinho pela Luna May ( o insta dela é Rainydaysies).
Boa leitura!



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Ok, eu assumo: talvez eu seja um pouquinho enxerido.

Numa hora ela estava me consolando sobre a ausência da minha melhor amiga e no outro eu estava colocando-a na parede (de maneira figurativa) para entender porque estava mentindo para mim. Tudo bem, nós nos conhecemos há apenas… Uma semana? Bem, o tempo é relativo e já compartilhei muito com ela nesse tempo!

Então, por que ela não confia em mim da mesma forma?

Michele olha para Júlia e depois para mim como se estivesse assistindo a uma partida de pingue-pongue enquanto trocamos olhares de julgamento (meus) e de quem quer enfiar a cabeça em um buraco no chão como uma ema (dela).

— Tenho a leve impressão de que algo de errado não está certo aqui – ela direciona um olhar desconfiado para nós e apoia o queixo em uma das mãos – Mas, o que será que está errado?

Antes que eu possa dar alguma resposta, Júlia suspira alto e sai de trás da amiga.

— Mi, por favor, espera no apartamento que eu já vou subir.

A mulher encara Júlia como se estivesse analisando o rosto da amiga para entender se era seguro deixá-la sozinha. Então a ruiva sorri de maneira maliciosa.

— Ah, entendi – ela pisca para Júlia e ergue o polegar como se estivesse dando joinha para algo – Esse é o seu novo denguinho, né? Uma boa escolha, ele parece ser legal e cheira bem. Acho que você nem precisa fingir que é uma boa moça controlada pelo pai pra ele – ao processar essas frases, Júlia fica mais vermelha que um pimentão e sinto meu rosto esquentando – E você… – Michele olha em meus olhos – Espero que tenha preservativos porque essa menina já passou por muita coisa na vida e uma gravidez agora não será bem-vinda.

Se o calor em meu rosto é sinal do quão corado ele está, podem substituir o vermelho nas cores primárias por uma foto minha agora e nomear de “Eric envergonhado”.

Para a nossa sorte (porque fui arrastado na sessão de constrangimento), Michele nos deixa a sós e caminha em direção a entrada do prédio. Ficamos ali em silêncio por alguns segundos que parecem mais longos do que deveriam, até Júlia falar:

— Sabe, ela não é assim sempre – as palavras saem rápidas e ela parece insegura com o que diz – Quer dizer, muitas vezes ela é assim mesmo, mas não é todo dia, só umas… Três vezes na semana? – ela balança a cabeça como se estivesse tentando se livrar desse lado atrapalhado – Mesmo sendo essa pessoa sem filtros, ela é boa. É isso que eu quero dizer.

O rápido e confuso discurso dela sobre a melhor amiga dá tempo suficiente para me recompor.

— Então agora você vai me explicar sobre a mentira que contou?

A cor some do rosto dela e sinto que no fundo, bem lá no fundo, Júlia estava torcendo para que eu esquecesse dessa história. Mas, por quê? O que aconteceu para que ela não confiasse em mim e mentisse sem hesitar?

Estou quase desistindo de insistir na minha busca por respostas quando ela se recompõe e me encara de maneira confiante.

— Vamos lá, Eric – ela cruza os braços – Somos colegas de trabalho e só. Eu não tenho que te dar satisfações sobre o que faço ou falo e, até onde me consta, você não pode perguntar coisas pessoais da minha vida.

— Mas…

— Mas nada, saiba separar o profissional do pessoal – ela descruza os braços e bate o pé – Boa noite.

Simples assim, Júlia me dá as costas e entra no prédio.

Pelo menos ela deu um “boa noite”.

 

Marco: Grupo dos caras que gostam de ser maltratados por mulher bonita: 1 membro

Sabe quem é esse membro?

Henri: Eu não faço nem ideia.

Eric: Tá’, eu já entendi, pode parar de me zoar!

Henri: Conta, quem é esse membro?

Marco: Eu vou dar uma dica: o nome começa com “E” de “ediota”.

Eric: Essa palavra nem existe!

Henri: Hum, deixa eu ver… É o Emílio?

Marco: Não.

Henri: O Eduardo?

Marco: Não, mas ele bem que podia entrar…

Henri: É o…

Eric: Tá’ bom, tá’ bom. Sou eu!

Agora parem de ser idiotas.

Marco: Obrigado por assumir.

Henri: Meu melhor amigo gosta de sofrer por mulher bonita.

 

E depois dessa mensagem, jogo o celular na ponta da cama e afundo meu rosto no travesseiro.

— A idiotice do Marco contagia – murmuro sozinho.

Esse é o apoio que meus amigos oferecem depois de compartilhar o episódio em frente ao prédio da Júlia.

Vim planejando um belo pedido de desculpas durante todo o trajeto até minha casa e só quando cheguei aqui, percebi que eu não tinha o número dela salvo ou qualquer contato em rede social e eu tomei cuidado para stalkear todo mundo buscando pelo perfil dela. Júlia é praticamente um fantasma no mundo virtual e provavelmente isso atraiu mais atenção para ela.

Já estava quase apelando para a força superior, vulgo Naomi, quando os meninos me lembraram que estarei com Júlia amanhã e poderei pedir desculpas. Só depois disso eles começaram a me zoar como os bons amigos que são.

Conselho primeiro, zoeira depois.

Uma parte de mim acha que pedir desculpas pessoalmente pela minha intromissão é uma boa, assim ela vai me humilhar menos quando disser “não”. Enquanto isso, existe um pequeno Eric que continua se perguntando o motivo por trás da mentira.

Mas, se tem uma coisa que aprendi hoje é que não posso pressionar a Júlia. Tenho que esperar até que ela se sinta confortável para me falar a verdade.

— Tudo no seu tempo Eric. Tudo no seu tempo – repito para mim mesmo.

Então a voz de Naomi invade o quarto.

— Se isso for sobre dar uns beijos na sua nova paquera, eu apoio que seja o mais rápido possível.

Tiro meu rosto do travesseiro.

— Eu preciso de privacidade – digo bem sério.

— Pra sofrer por amor? – ela encosta o corpo no batente da porta aberta.

— Naomi…

— Você parece protagonista de romance clichê e fica no quarto chorando por um amor não correspondido que…

Jogo o travesseiro em sua direção antes que ela termine a frase. Naomi se esquiva, mostra a língua e sai em direção ao seu quarto.

Passo a mão em meus cabelos e suspiro.

— É por isso que eu queria um coelho e não uma irmã.

 

A sexta-feira já começa errada quando acordo atrasado e quase não consigo preparar o almoço para dividir com as meninas. Depois de correr bastante para chegar a tempo e não ouvir as reclamações da minha doce irmã, descubro que Júlia foi almoçar fora com algumas amigas e que voltaria depois. Pelo menos Naomi gostou tanto do que preparei que comeu a parte dela e da Júlia sem reclamar.

O movimento estava intenso, então comemos rápido para atender a demanda de clientes chegando. Não demorou muito para que Júlia voltasse, vestisse seu avental e fosse limpar as mesas do salão. Pensei que teria a oportunidade de falar com ela durante a tarde, mas as coisas não melhoraram.

Corremos tanto com os sorvetes que não fiquei surpreso quando Naomi anunciou que o estoque de casquinhas tinha acabado e precisaria buscar mais na unidade do centro.

— Não tem problema, eu posso ir – Júlia se ofereceu e obviamente a minha irmã preguiçosa aceitou a proposta.

Logo chega o final do expediente dela e Naomi se despede rapidamente, alegando que uma chuva digna do fim do mundo está chegando.

— Aham, e em qual jornal saiu que hoje teremos essa chuva?

— Eric, você me conhece há quase 16 anos e não deveria questionar mais – ela revira os olhos – Espero que esteja com seu guarda-chuva aí – ela olha para o céu e balança a cabeça – Ou um bote. É, acho que um bote inflável será mais útil.

Olho para o céu azul e sem nuvens e suspiro. Não sei de onde ela tira essas coisas.

 

Quando Júlia finalmente chega com as casquinhas, a sorveteria está vazia e ela encharcada.

— Catapimbas, deixa eu te ajudar – corro em sua direção e pego a caixa coberta de plástico de suas mãos.

— Obrigada, vou pegar a outra no carro – ela diz rapidamente antes de voltar para a traseira da van que usamos em entregas. Aceno para o motorista que reconheço da unidade do centro.

Assim como a previsão infalível da minha irmã avisou, uma tempestade com ventos fortes e até pedras de gelo começou no meio da tarde, afastando até os clientes que estavam no salão.

Júlia volta com outra caixa e entra correndo para escapar da chuva. O motorista buzina para se despedir de nós sorrindo.

— Tchau! - ela grita para que ele ouça mesmo com a chuva – Seu pai avisou que o fornecedor entregará mais amanhã bem cedo, essas são para usarmos hoje.

Assinto para ela e sinalizo para que mude a placa de “Aberto” para “Fechado”.

— Vá para o banheiro se secar, pode deixar que eu arrumo isso no estoque.

Não espero pela resposta antes de ir para os fundos e tirar as caixas de sua proteção contra a água. Guardo as casquinhas em seus devidos lugares e levo algumas para organizar no balcão.

Júlia aparece com a roupa ainda molhada, mas os braços secos e o cabelo estranhamento espetado.

— O que rolou com seu cabelo? – pergunto curioso.

— Tentei usar o secador de mãos para dar um jeito nele – ela passa a mão por uma mecha bagunçada – Não tente isso em casa.

— Pode deixar – a brincadeira dela me deixa mais feliz – Se quiser posso pegar uma camiseta e te emprestar, sempre deixo algumas aqui caso tenha um acidente com as coberturas.

Ela me olha de um jeito engraçado e desconfiado, como se estivesse buscando significados por trás da minha oferta. Por um momento senti como se estivéssemos de volta ao normal, agora o clima parece tão estranho quanto a chuva lá fora.

— Depois de tudo que te disse ontem, por que você ainda quer me ajudar?

Coloco as mãos na cintura e faço a expressão mais ofendida que consigo, totalmente inspirada nas milhares que já vi minha mãe fazer quando eu quebrava um prato.

— Achei que tínhamos uma amizade especial! – ela percebe a brincadeira e sua postura relaxa um pouco – Como você superou a gente em tão pouco tempo? Me ensina!

— Eric, você é um besta – ela bate palmas – Mas sua atuação de amigo decepcionado é ótima, parabéns!

Puxo a cadeira de uma mesa e me sento.

— Agradeço, mas não é atuação. Eu realmente sou um amigo decepcionado e o pior é que é comigo mesmo – encaro seus olhos amendoados – Desculpa por insistir em algo que você não queria falar, só fiquei chateado que você mentiu pra mim e eu confio bastante em ti.

Júlia me olha arrependida e puxa outra cadeira para se sentar.

— Desculpa ter mentido pra você e ter te tratado daquele jeito. Eu entrei na defensiva e depois de muito refletir, vi como fui injusta com você.

— Eu agi como um intrometido…

— Sim e nessa parte estava errado – ela aponta o dedo em minha direção – Mas, eu te tratei como se soubesse de tudo e fosse me julgar por isso. Esqueci que você é você.

Ouvir isso faz com que um calor bom se espalhe pelo meu corpo. Com exceção da Thalia, ninguém usa um “você é você” comigo e isso é bastante importante. Quer elogio melhor do que ouvir de alguém que você é tão único que pode ser elogiado com “você é você”?

— Então, agora você se sente confortável para me falar a verdade? – arrisco perguntar.

Ela aperta seus lábios até formarem uma linha fina, ponderando se deve ou não compartilhar a verdade comigo. Logo suspira e nesse momento sei que ela decidiu confiar em mim.

— Meus pais me expulsaram de casa no ano passado – com a voz mais baixa, ela completa – Por causa da minha sexualidade – um sorriso triste surge em seu rosto – Eles aceitaram deixar a escola paga para que eu não me torne uma sem futuro completo, mas disseram que eu não tenho mais família para a qual voltar.

A tristeza em sua voz, rosto, olhos e nas palavras, parte um pedaço do meu coração. Esse realmente não é o tipo de situação que se fala com facilidade.

— Eles não podem fazer isso – balanço a cabeça – São seus pais, eles…

Ela segura minha mão por cima da mesa e balança a cabeça.

— Já fizeram, Eric. Eles já fizeram – outro suspiro desolado escapa por seus lábios – Eles não entendem o que é a bissexualidade e acreditam eu sou uma pecadora que vive na luxúria com homens e mulheres. Uma succubus que invadiu o corpo da única filha que tiveram e a levou para o mau caminho.

Imagino a dor que ela sentiu ao ouvir cada uma dessas palavras. Júlia é incrível, engraçada e compreensiva, ela nunca seria um demônio ou algo assim. Esses pais são loucos!

— Mas são seus pais – minha voz sai fraca e o coração acelera com raiva. Como eles podem abandonar a filha assim?

— Nem todo mundo tem pais legais como o senhor Toshiro – ela dá um sorriso fraco como se tentasse amenizar a situação – Eu sempre soube que eles não me aceitariam como sou, cresci ouvindo todo tipo de comentário preconceituoso que você possa imaginar. Para ser sincera, pretendia viver no armário pelo resto da vida, mas aí comecei a sair com a Michelle e terminamos porque eu não andava de mãos dadas com ela ou a levava em casa. Então comecei a namorar um cara e ele descobriu sobre ela, disse coisas horríveis para mim e aí…

— Ele falou para os seus pais – concluo. Júlia assente – Então você foi forçada a se assumir.

— Sim e foi assustador – seus olhos estão úmidos e percebo que os meus também – Eu cheguei em casa e meu pai estava furioso, começou a gritar que não precisava de uma filha indecisa e que eu era um demônio. Minha mãe ficou em silêncio observando tudo. Ele falou que me levaria na igreja para passar pela cura que o pastor tinha preparado, uma cura abençoada pelo cara lá de cima – uma risada sem humor escapa por seus lábios – Quando disse que ligaria para a polícia se ele tentasse algo assim, ele me bateu e eu fugi. A Mi me abrigou em seu apartamento e poucos dias depois recebi uma mensagem deles falando que pagariam meus estudos, mas que eu era quase maior de idade e deveria me virar sozinha. Esse foi meu grande presente de dezoito anos: ficar órfã.

A cena se desenha em minha mente enquanto ela descreve o que aconteceu. Sinto tanta raiva e tristeza, nunca imaginei que essas emoções pudessem acontecer de maneira tão intensa e ao mesmo tempo. Gostaria de ter estado lá para apoiá-la, para dar um teto onde pudesse dormir em segurança e um soco na cara do pai preconceituoso.

— Por isso você largou a escola? – é tudo que tenho coragem de perguntar.

— Sim, eu tive que começar a trabalhar para bancar minha parte do aluguel e a alimentação. Por sorte, a diretora entendeu a situação e permitiu que o pagamento ficasse como um crédito para meus estudos desse ano.

— Júlia, queria te dizer algo, mas…

— Eu sei, eu sei – ela passa a mão no rosto e limpa uma lágrima solitária – É algo completamente fora da sua realidade e você não sabe o que falar, tá’ tudo bem. Não te disse isso para que tenha pena de mim ou algo assim, só achei que merecia saber. Como disse, nos conhecemos há pouco tempo, mas já confio bastante em você – me olhando de maneira carinhosa, ela completa – Eu não preciso que você diga nada, Eric. Me emociono contando a história, mas já superei.

Eu não tenho palavras que possam consolar a Júlia e mesmo se tivesse, provavelmente não seria o certo a dizer. Então levanto da minha cadeira e, pela primeira vez, a abraço com força, permitindo que o cabelo ainda úmido dela faça cócegas em meu rosto.

— Desculpa te fazer reviver tudo isso, mas você não está sozinha Júlia. Além da Michelle, você tem um amigo bem aqui e eu me orgulho de quem você é.

Ouço o som baixo de uma risada.

— Mesmo me conhecendo há uma semana?

— Principalmente por ter conhecer há uma semana – me afasto – Se em uma semana já vi tantas partes incríveis da pessoa que você é, imagine o que vou descobrir com 10 anos de amizade.

Júlia ri daquela forma que deixa meu coração feliz e me abraça com força.

Nesse momento só existe ela, eu, nosso abraço e a chuva caindo do lado de fora.

Poderia ficar assim para sempre.


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Notas finais do capítulo

Carambolas! Quem imaginava algo assim no passado da Júlia?
Estamos começando o arco da dona Júlia e muitas coisinhas vão acontecer em breve, mas sem esquecer da Thalia que deu uma sumida. Por onde andas, girassol?

Compartilhem as suas opiniões e teorias da conspiração.

Obrigada por ler a história e até mais!



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