Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 24
Capítulo XXIII


Notas iniciais do capítulo

Alou vocês! Capítulo novo e confesso que eu nem ia postar hoje, mas eu fiquei tão ansiosa por causa do próximo capítulo que pensei: Por que não postar um capítulo hoje e outro na sexta-feira!???? Pois é, postagem dupla nessa semana!!

Boa Leitura amore!



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CAPÍTULO XXIII

Alana sentia o corpo pensado, seus olhos vez e outra se fechavam e a luta para que ela não dormisse dentro do carro mostrou-se mais difícil do que ela imaginou. Eva realmente dirigia como se estivesse sozinha dentro do veículo, vez e outra ela se pegava agarrando no banco aonde estava sentada quando sentia que a mulher causaria algum acidente devido à alta velocidade. Mesmo que confiasse que ela não iria simplesmente matá-los, não conseguia deixar de sentir-se tensa conforme continuava dentro daquele carro.

Estava no banco traseiro juntamente a Kambriel que, parecia concentrado demais em algo particular, o rosto estava abaixado e as mãos unidas, os lábios se moviam rapidamente, mas não se ouvia as palavras que saiam de seus lábios. Era como uma conversa silenciosa.

West notou que a cada duas horas ele iniciava aquela ação, silencioso e muito, muito concentrado. Se isolando de tudo à sua volta.

— Ele está rezando, provavelmente pedindo proteção a Grória enquanto está fora. — Eva responde a pergunta mental de Alana num sussurro baixo, olhando para a jovem através do retrovisor de seu carro. Ela assentiu, acomodando-se melhor no banco e voltando a sua luta interna para manter-se acordada.

A viagem realmente era longa e mesmo que tivessem feito apenas três paradas para não perder tempo desde que deixaram Grória, o caminho parecia não ter fim. Logo, Alana compreendera o motivo do sumiço de Eva e nem queria imaginar como estava sendo para a mulher repetir aquele trajeto novamente.

Do lado de fora a paisagem já era outra, mas por já ser noite, Alana não conseguia ver exatamente o que rodeava a estrada que seguiam; mas o cheiro característico de mato era muito familiar. O céu encontrava-se vazio, apenas a lua grande e redonda brilhava, não se via estrelas. O clima estava bem diferente de Grória, enquanto a cidade se afundava numa tempestade sem fim, além das montanhas altas que rodeavam a cidade, era como entrar em um novo mundo.

Fazia calor e em certo momento, Alana tirou a blusa do corpo e levantou as magas da blusa fina que vestia, apesar de não sentir muita diferença assim.

Mentalmente ela se perguntava constantemente se demorariam para chegar, estava cansada e tudo o que mais queria naquele momento era esticar as pernas e dormir. Seu corpo implorava por um lugar mais confortável e também menos apertado, uma cama seria ideal. A moça olhou para o celular e verificou o horário, quase onze e quinze da noite; se a conta mental que fizera antes estivesse certa, não demorariam para chegar. Também aproveitou para deixar uma nova mensagem para Kelory afim de não deixá-la preocupada com seu sumiço. Afinal, a cidade estava um caos, além dos ataques, a chuva também não dava trégua e bem, era aconselhável que ninguém saísse de suas casas até que ao menos a chuva cessasse.

West guardou o celular e apoiou a cabeça no vidro da janela, fechando os olhos e tentando não pensar muito na viagem tão demorada e interminável que aceitou fazer. Tentou imaginar em seus problemas humanos como o trabalho e claro, no que faria com as coisas de seu pai. Ela sabia o que iria manter em sua casa, suas anotações, livros e estudos não seriam doados; já as roupas e seus outros pertencem com toda certeza seriam levados para instituições de caridade.

Ela precisava apenas marcar um dia para fazer isso.

— E finalmente chegamos! — Anunciou Eva com falso entusiasmo, despertando os dois passageiros no banco traseiro. — E antes que eu me esqueça, há muitos demônios pela cidade, por isso não estranhem o cheiro de enxofre.

— Demônios? — Alana questionou, olhando para a mulher através do retrovisor do carro.

Eva assentiu.

— Las Vegas é o centro de moradia de muitos demônios que saem do inferno, — Disse olhando-a também. — Chamar Las Vegas de a cidade do pecado nunca fez tanto sentido.

Alana ergueu o rosto e sua visão ficou levemente confusa quando uma luminosidade exagerada dominou tudo ao redor. Seus olhos se fecharam por breves segundos até que ela estivesse melhor acostumada com as luzes fortes e chamativas e também com o odor leve que sentiu de enxofre.

Welcome to the Fabulous Las Vegas. Era o que dizia o letreiro que adornava a entrada da Strip, a principal rua da cidade, nele haviam luzes que permitiam que com que as letras fossem lidas com facilidade e até torna-se o letreiro mais atrativo aos olhares; seria impossível ignorá-lo. O que viu em seguida foi uma junção de luzes e lugares com letreiros luminosos e gigantes, atrativos para qualquer pessoa que estivesse por lá. As ruas estavam cheias, não apenas de carros, mas de pessoas que, caminhavam despreocupadas com o que tinha a sua volta.

Demônios. Ela pensou um tanto chocada, pois em meio a tantos rostos era impossível distinguir quem era humano e quem era demônio.

Alana tinha uma breve e pobre ideia de como era Las Vegas, mas vê-la pessoalmente era bem diferente e com toda certeza superou todas as suas expectativas criadas durante a longa viagem. Tanto Alana quanto Kambriel se olharam confusos, talvez até um pouco maravilhados com o cenário incrível da cidade. Mas na verdade, estavam perdidos em meio a tantas luzes e sons confusos, claramente deslocados de suas zonas de conforto. Já Eva, parecia saber exatamente para onde seguir e guiar o carro sem que acabasse atropelando as pessoas que insistiam em se aglomerarem nas ruas.

Os dois nada disseram, apenas acompanham a pequena mudança de ambiente quando chegaram a uma entrada de um hotel cinco estrelas, o prédio era alto; provavelmente de vinte andares e muito luxuoso. As cinco estrelas estampadas em sua placa além de algo pretensioso para mostrar a qualidade do lugar, também deixava claro que seus hóspedes teriam do bom e do melhor se acabassem hospedado ali.

— É aqui onde ficaremos hospedamos.  — A mulher declara assim que o carro para diante da pequena estrada que levava para a entrada, do lado de fora um manobrista se aproximava.

Os dois novamente se surpreenderam.

— O quê?! — Foi a vez de Kambriel falar, ele se mostrava surpreso e desconfiado ao mesmo tempo. Olhava para o exterior do hotel com receio, como se, ao aceitar aquela estranha cortesia, estaria fazendo algum tipo de acordo. E se Alana pudesse ler sua mente, era quase certo de que ela encontraria esse pensamento dominando sua mente.

— Não perguntem, o bastardo já deixou tudo pronto para nós. — Eva revirou os olhos, sendo a primeira a sair do carro. Esperando por Alana e Kambriel do lado de fora.

Os dois trocaram um olhar breve, West deu com os ombros como se dissesse para o arcanjo que não tinham muito o que fazer ali além de aceitar o que lhes era oferecido. Eles deixaram o carro ao mesmo tempo, West mantendo-se em silêncio por se sentir cansada demais para conversar ou fazer alguma reclamação sobre o hotel. Afinal, o que tinha para reclamar? Estariam num hotel luxuoso durante esses poucos dias que passariam em Las Vegas, mesmo que a conversa com Baltazar poderia acabar não resultando em nada vantajoso, ao menos não se estressariam com uma hospedagem ruim.

— Demônios. — Ela assustou-se quando ouviu Kambriel sussurrar para ela, gesticulou para um grupo jovem de pessoas que estavam mais adiante. A moça seguiu a direção e pôde vê-los, fora fácil distingui-los dos demais, pois além de suas aparências mais atrativas e exageradas em uma beleza incomum, suas roupas deixavam claro que não pertenciam ao mundo humano.

— Estive no inferno, mas a sensação que estou sentindo aqui não se compara em nada com o que senti quando estive lá. — Comenta, olhando-o brevemente, com meio riso exibido em sua boca. Havia um tom leve de humor, apesar de sua clara tensão.

A moça então olhou ao redor, já havia saído de Grória algumas vezes, mas para viagens curtas e próximas da cidade como Seattle. Sentia-se estranha ali, mesmo que estivesse óbvio que metade da população que perambulava pelas redondezas eram turistas, ela não deixou de se sentir como uma peça irregular para aquele estranho quebra-cabeça. E saber que estaria sendo cercada por demônios também parecia ser uma influência para essa sensação.

Eva era quem mais parecia estar a vontade, seus olhos brilhavam e mesmo que estivesse conversando com o manobrista, a humana pôde notar um leve entusiasmo no rosto da mulher. Talvez por estar em meio a pessoas como ela. Demônios.

O mensageiro chegou e começou a cuidar da pouca bagagem que os três trouxeram; eram um total de quatro malas. Duas que pertenciam a Eva, uma de Alana e outra de Kambriel; esta última com roupas compradas pela demônio e outros objetos de uso pessoal. O rapaz os guiou para o interior do hotel, Eva já dissera que estava tudo pronto para sua hospedagem e por isso pularam a parte de serem atendidos pela recepcionista. Foram levados ao elevador e quando Alana viu o dedo indicador do moço apertar o botão que indicava a cobertura do hotel, seus olhos se arregalaram no mesmo segundo.

Ela cutucou Kambriel com o ombro mostrando a ele para onde seriam levados e ele também mostrou-se surpreso; apesar de ainda ser possível perceber a clara desconfiança do rapaz.

O elevador era preenchido por um silêncio comum entre os três visitantes e o mensageiro, apenas se ouvia a melodia clássica a tocar ao fundo em um volume baixíssimo e nada mais. O suficiente para que West sentisse quando uma nova rajada de sono lhe dominasse. Ela estava com parte de seu corpo apoiado na parede e fechou os olhos durante alguns segundos, assustando-se quando a porta do elevador se abriu.

O mensageiro gesticulou para que eles saíssem primeiro e, carregando as quatro malas ele deixou o elevador por último. Guiou os três pelo corredor extenso e vazio até parar diante da única porta existente ali; era larga com detalhes dourados. Ele entregou duas chaves para Eva e explicou os detalhes restantes sobre horários, avisou que para se alimentar bastasse que fizessem o pedido pelo interfone localizado do lado de dentro e então os deixou sozinhos.

Quando entraram no que deveria ser um quarto, Alana se deparou com uma amostra do que deveria ser uma casa. O cômodo era grande, talvez até maior do que sua casa, era uma sala, espaçosa o suficiente para que os móveis parecessem pequenos demais para o amplo lugar. Do lado esquerdo ela viu quatro portas, provavelmente os quartos.

— Nossa! — Foi tudo o que conseguiu dizer ao adentrar, inalando um odor fraco de um perfume floral.

Seus olhos correram por todo ambiente, até parar na enorme varanda mais adiante. Ela não foi além para ver o que teria do lado de fora, se contentaria em apenas imaginar que seria um espaço simples. Mesmo que já soubesse que seu pensamento estava errado.

— Não estou gostando disso. Do que isso tudo está parecendo. — Declarou Kambriel com receio notável em sua voz, ele andava pelo lugar, olhando cada detalhe com atenção.

— Não gosta de que o infeliz tenha deixado tudo pronto? — Eva o questionou, diferente do arcanjo ela não se mostrava incomodada com aquilo; somente com quem tinha organizado aquela estadia.

— A questão não é essa, sei como Baltazar gosta de tratar aqueles com quem vão falar com ele, mas me incomoda que ele tenha nos colocado na cobertura por livre espontânea vontade e com todo o luxo do hotel disponível. — Responde, parando próximo a Alana que, virou-se para olhá-los. Estava cansada, curiosa em saber como seria o quarto, mas admitia. Kambriel estava certo em desconfiar, ela também estava. — Ele não faria isso sem que não achasse que temos algo para oferecer e você sabe disso, Eva.

A mulher cruzou os braços e deu com os ombros.

— Fui clara quando falei com ele, disse que um arcanjo e uma humana queriam conversar com ele, eu não precisei nem insistir com esse encontro, no segundo seguinte ele já estava tagarelando sobre nos hospedar e cuidar da nossa estadia, que faria de tudo pra que fôssemos tratados bem e etc. — Conta, as palavras saíram com calma de seus lábios; exibindo o tom irrigado ao dizer o nome do demônio. — Ao que sei e tudo o que me contou, ele não espera nada em troca, mas quem somos nós para reclamar disso? — Eva gesticulou para o ambiente ao seu redor. — Vamos ficar aqui três ou quatro dias, no máximo, se ele fez isso por vontade própria e quer que nossa estadia seja ótima então que seja às custas dele!

Alana nada disse, apenas mordeu o lábio e fez uma careta enquanto pensava nas palavras que escutara, mentalmente ela concordava com Eva; mesmo que sentisse que poderia se arrepender disso. Contudo ao olhar novamente na direção do rapaz, foi possível perceber que ele ainda não concordara totalmente com todo aquele exagero, uma vez que sua desconfiança por Baltazar querer algo em troca poderia ser verdadeira. Ela imaginava que era de sua natureza desconfiar dos demônios, notara isso antes de ir ao inferno e viu acontecer com Zarael; Kambriel era um ser do Céu, talvez fosse normal sua desconfiança quanto ao demônio.

— Além disso, não há necessidade para se preocupar com nada. Resolvi tudo antes de virmos para cá. — Garantiu. — Eu entendo seu ponto de vista e sua preocupação, mas vamos continuar essa conversa amanhã, sim? Foi uma viagem longa demais e muito cansativa, imagino que devem estar cansados, então vamos descansar.

Eva gesticulou em direção às portas do lado esquerdo, indicando quais eram as portas dos quartos, a mulher foi a primeira a se apressar em se enfiar no quarto, fechando a porta com pressa e deixando Alana e o arcanjo sozinhos na enorme sala; ambos com suas malas em mãos olhando levemente confusos para o outro.

— Acha que estou exagerando? — Ele perguntou de repente, olhando na direção da moça, Alana compreendia a preocupação de Kambriel; mesmo que não a entendesse totalmente por apenas ele conhecer Baltazar o suficiente para tamanha desconfiança.

— Não. — Ela respondeu, balançando a cabeça em um não. — Entendo que esteja preocupado, mas acho que deve confiar em Eva, se ela disse que já cuidou de tudo antes de virmos, então deveríamos “aproveitar” essa estadia e o luxo que temos.

O rapaz piscou antes de esticar levemente o canto de sua boca e mostrar um sorriso leve, ele assentiu muito lentamente em concordância; mas ainda deixou claro que não estava totalmente convencido da boa vontade de Baltazar. Alana também não estava, mas seu julgamento era por ele ser um demônio, tivera experiências ruins com aquela espécie e via que o mesmo estava um tanto prejudicado. Não estava vendo nenhum mal na ação dele em oferecer a cobertura do hotel de luxo, mas acreditava que ele estivesse fazendo isso para conseguir algo em troca. O que seria? Ela não sabia, mas tinha certeza de que Kambriel iria tentar descobrir isso em breve.

— Eu só estou preocupado... — Kambriel admitiu, sua expressão era neutra, apesar de sua fala claramente tensa.

Alana assentiu lentamente, aproximando-se do rapaz.

— É, eu percebi. — Disse, ao passo que afastou-se um pouco dele quando se deu conta de que estava perto demais do arcanjo. — Mas precisa relaxar, Eva disse que já cuidou de tudo. Acho que você deveria dar esse voto de confiança nela, principalmente por ela ter saído por aí à procura de Baltazar.

Os lábios dele se franziram em um pensamento que ele fez questão de ocultar.

— É, você está certa. — Concordou, West pôde ver uma mudança leve em sua feição. Como se ele parecesse um pouco mais calmo sobre tudo ali. — Está ficando tarde, melhor irmos dormir e descansar.

A mudança brusca de assunto não a assustou, até porque era notável o cansaço de ambos ali. Esse fator parecia mais visível no rosto do arcanjo já que, ele não parecia saber ainda como escondê-lo dos outros; como Alana já conseguia fazer sem esforço. Ela assentiu muito devagar, olhando para a mala do outro lado esperando para ser levada ao quarto.

— Boa noite Kam. — A moça disse, esboçando um sorriso leve com a despedida curta. Estava prestes a se afastar quando fora surpreendida pelo rapaz. Kambriel se aproximou o suficiente dela para fazer com que ela conseguisse sentir o cheiro já tão característico que vinha dele. O rapaz inclinou a cabeça e beijou o topo de sua testa, uma ação simplória, mas que conseguiu fazer com que Alana estremecesse da cabeça aos pés.

— Boa noite, Alana. — Despediu-se dela com um sorriso amigável em seus lábios também. Alana julgou estar cansada demais para ter um raciocínio mais lógico e consciente, mas não houve dúvidas que aquele tremor sentido não era algo do puro acaso.

E isso a preocupou, pois sabia que o que quer que fosse aquela sensação, não podia deixar-se senti-la outra vez.

●●●

 Ao acordar em seu primeiro dia em Las Vegas, Alana não esperava encontrar com Eva logo de cara. Mesmo que já tivesse aceitado a real natureza dela, era sempre um diferente quando aspirava o odor característico da mulher. Sua mente parecia demorar em reconhecê-lo e aceitar que apesar de ser um demônio, Eva não lhe faria nenhum mau. O sol brilhava naquela manhã, iluminando o grande espaço com seus raios fortes de modo que o espaço parecesse que maior do que realmente era. 

Ela avançou alguns passos e logo notou que a mulher estava sentada confortavelmente em um dos sofás, as pernas esticadas sobre algumas almofadas como se realmente pertencesse àquele lugar. Estava imersa em uma revista que tinha em mãos, lendo a matéria com claro desinteresse. 

— Bom dia Alana. — A demônio a saudou sem olhá-la, antes mesmo que a jovem conseguisse pensar em dizer algo. Como se tivesse sentido sua presença. 

— Hã... Bom dia. — Respondeu com meio sorriso, apesar de Eva sequer tê-lo reparado. West então caminhou até a janela, olhou de relance para a mulher mais adiante e depois ao redor; procurando pela presença do arcanjo. — Kambriel já acordou? 

Perguntou de maneira indiferente, voltando sua atenção para além das duas portas que permitia acesso ao lado de fora. Reparando como o espaço além era ainda maior do que de dentro. 

— Sim, ele disse que precisava de um pouco de ar e aproveitaria para trazer nosso café da manhã; mesmo que bastasse ligar para o serviço de quarto. — A resposta da mulher pareceu tranquilizá-la, desde a volta de Eva, Alana queria poder conversas a sós com a mulher e encontrou a oportunidade perfeita para aquela conversa. 

A moça olhou rapidamente para a porta fechada e mentalmente passou a torcer para que o rapaz demorasse em retornar; mesmo que ela estivesse com fome. Lentamente ela se aproxima dos dois sofás e se senta no que estava livre, ficando de frente com Eva que, continuava com sua estranha concentração na revista em mãos. 

Em silêncio ela encara a figura feminina, formulando em sua mente a pergunta certa que queria fazer para que não houvessem futuros questionamentos. Agradeceu pela ausência de Kambriel, pois não queria que ele escutasse ou soubesse a respeito da conversa com Eva. E aquele momento lhe pareceu perfeito. 

— Eva, posso fazer uma pergunta? — Questiona incerta, desviando rapidamente seus olhos da figura feminina. Percebendo-se estranhamente agitada com o que estava prestes a fazer. 

— Eu não vou contar o que houve entre mim e Baltazar. — Responde em um tom levemente rude, mas que não fosse algo tão fora do comum, sequer tirou sua atenção da revista. 

Ela ri brevemente, sim, ela queria saber o que acontecera entre a mulher e o demônio, mas se contentava em não ter nenhuma resposta quanto ao assunto. Entendia que aquilo poderia ser uma questão pessoal e jamais ousadia invadir a linha fina entre sua privacidade. 

— Não é sobre isso. — Diz com leveza, conseguindo receber um olhar breve da mulher. Os olhos sempre astutos de Eva ergueram-se rapidamente e ambas se encararam durante segundos rápidos. 

A mulher então faz um aceno curto com sua cabeça, voltando os olhos para a revista, folheou algumas páginas com lentidão enquanto Alana parecia se preparar para a pergunta de um milhão de dólares. 

— É possível que um demônio leve um humano para o inferno? — As palavras saíram rápido de seus lábios, dando a ela a impressão de estar desesperada e ela realmente estava, porém, não queria que Eva percebesse isso ou questionasse.

Queria apenas uma resposta para uma pergunta que tirava seu sono tranquilo. 

A reação da mulher a surpreendeu um pouco, Eva deixou a revista cair sobre seu colo e sua atenção se voltou para a jovem sentada no sofá afrente, seus olhos se fixaram na moça durante longos minutos até que ela finalmente dissesse algo.  

— Por que quer saber isso? 

— Curiosidade. — Mentiu dando com os ombros, torcendo para que ela acreditasse; o que não aconteceu. O olhar da mulher demônio se intensificou, uma sobrancelha se arqueou e ela parecia insistir em silêncio para que a moça dissesse a verdade sobre sua pergunta.

O tempo em que ambas ficaram a se encarar foi o suficiente para que Alana acabasse denunciando bem mais do que queria e, Eva pareceu finalmente entender o motivo da pergunta.  

— Essa pergunta tem alguma coisa a ver com a janela quebrada da sua casa? — Perguntou outra vez, mudando sua postura. West assentiu muito lentamente. — O que houve? 

Levou um tempo para que Alana conseguisse responder à pergunta, poderia mentir sobre o que acabara de perguntar para Eva e também poderia dizer a verdade. Que estava sendo ameaçada de ser levada de volta para o inferno e que odiava como isso passou a girar ao seu redor, o perigo constante que sentia desde que passou a ter conhecimento sobre os ataques. Estava cansada, queria apenas ajudar Kambriel com sua missão e não se tornar parte dela, vivendo em constante proteção do arcanjo.  

— Zarael apareceu em casa dois dias atrás e ele e Kambriel tiveram uma briga nada agradável... — Mencionar a briga a fez lembrar de ver os dois corpos dos seres atravessando sua janela, a cena no dia a assustou, mas agora apenas trazia a ela um grande desconforto. — Esse demônio, Zarael, foi bem claro quando falou sobre me levar de volta para o inferno se Kambriel continuasse a se envolver nessa história.  

A resposta de Alana veio com palavras rápidas e ela percebeu que era bem mais fácil e simples contar a verdade para Eva, talvez porque a mulher não a encarava com receio ou medo e sim com aquela fúria em seu olhar por odiar os humanos. Isso facilitou muito em simplesmente contar o que a intrigava, o medo de que a qualquer momento Zarael ou outro demônio poderia surgir e levá-la para o inferno novamente.  

A expressão de Eva não mudou quando ela respondeu, o que Alana agradeceu, pois não saberia como lidaria com olhar de pena.  

— Sim, demônios podem fazer isso, independente se essa atitude envolve a quebra de algumas regras do inferno, mas se isso te consola ou te acalma, Kambriel jamais deixaria isso acontecer. — Respondeu com sinceridade, cruzando os braços. — Sei que de nada adianta eu tentar amenizar essa ameaça, mas está segura com o arcanjo. Conheço Kambriel há tempo, ele nunca deixaria algo assim acontecer, principalmente com você.  

Mesmo com as palavras de Eva, Alana não se sentiu menos tensa ou menos preocupada; era como se isso apenas tivesse se intensificado em seu interior. Claro que, ela não queria que acontecesse uma grande comoção por causa da ameaça que carregava, mas também não queria que isso não queria que isso fosse tratado apenas como algum tipo de consequência. Ela queria saber se realmente estava correndo perigo, independente se Kambriel estaria ao seu lado pra protegê-la ou não.  

— Eu não quero esse tipo de protagonismo na minha vida, Eva. O meu caminho só cruzou com o de Kambriel porque ele procurava pelo meu pai, se não fosse por isso eu estaria seguindo com a minha vida alheia a tudo o que acontece em Grória, imaginando que esses ataques estão sendo causados por um grupo de pessoas ou algo assim. Quem realmente precisa de ajuda é Grória e não eu! Entendo que isso é perigoso, mas não quero esse tipo de atenção, entende? — Ela faz uma pausa rápida, fechando os olhos durante alguns segundos. — Eu não entendo o motivo deles me querer tanto ou o que isso pode causar, não sou importante para essa trama como você ou ele... 

— Acha mesmo que se não fosse importante estaria sendo ameaçada por demônios? Acredite em mim, não temos interesse algum em vocês, mas por alguma razão você é um alvo. — A mulher deu com os ombros quando a interrompe, sua fala não era mansa ou gentil como seria se estivesse tendo aquela mesma conversa com Kambriel. Era firme e quase ríspida. Como se ela estivesse recebendo uma bronca. — E por favor, não venha com essa sua auto desvalorização. Você está ajudando nisso e bem mais do que percebe. 

O olhar de Eva mudou para algo mais repressivo.  

— Sei que não queria nada disso, mas já é tarde demais para voltar atrás ou mudar de caminho, você está envolvida nisso, seu pai também estava e bem, o que resta fazer é apenas aceitar. — Ela deu com os ombros. — Até que tudo isso acabe você vai ser ameaçada, vai ver coisas que não queria, vai ouvir o que não quer, mas e daí? Aceitou se envolver nisso, não foi? Então aceite!  

— A questão não é essa... 

— Então qual é a questão Alana? — Pergunta de maneira apressada, há um brilho impaciente em seus olhos. — Não queria que nada disso estivesse acontecendo?  

Ela fez uma imitação barata da voz de Alana que, teria achado graça se não estivesse falando sobre um assunto sério com a mulher.  

— Na verdade não. — West assume, jogando parte de seu corpo para trás, sentindo o estofado do sofá macio em suas costas. — Eu nunca fui muito religiosa ou seguidora fiel de uma crença como meu pai era, ele sempre me ensinou, mas deixou que eu trilhasse o caminho de minha escolha. — Houve uma pausa em sua fala. — Não estava em meus planos me envolver nessa história, conhecer você ou Kambriel... Nem nada disso!  

A resposta inicial de Eva foi um aceno lento com sua cabeça, os lábios da mulher se uniram formando uma linha perfeitamente reta e firme. O rosto também muito bonito e quase perfeito tinha agora uma expressão mais amigável, algo bem diferente de antes.  

— Alana, eu entendo a sua preocupação e também o medo de não querer se envolver demais nisso, mas a realidade é essa, você já está envolvida. Talvez até antes mesmo de seu caminho se cruzar com o de Kambriel. — Diz a mulher. — Você realmente acha que vai ser levada para o inferno?

Perguntou num tom baixo e muito calmo, West pensou em sua resposta, era um empate que existia dentro de si. Pensamentos contrários aos outros. 

— Eu não sei. — Foi honesta em sua resposta, desviando momentaneamente seus olhos da mulher. — Eu consigo confiar em Kambriel, mas também não consigo simplesmente viver disso, entende? De uma confiança que eu sei que não é algo dominante em mim.  

A mulher então soltou um tipo de suspiro muito baixo como se estivesse pensando em algo, seus dedos brincam entre si durante uma fração de segundos e ela então mirou um ponto qualquer na mesa de centro. 

— Eu gosto dessa sua peculiaridade, Alana. — A mulher confessa, não estava a olhando no momento. — Ao mesmo tempo em que você quer se envolver demais, você recua e segue esse seu ciclo vicioso e estranho. É interessante de se ver. 

— Gosta de uma característica humana em mim? — Perguntou sem dar muita atenção para a fala de Eva, imaginando que a mesma poderia ser algum tipo de brincadeira ou piada que ela fizera. 

Ela ouviu quando Eva soltou uma risada seca e sem ânimo. 

— Alana, quando eu falo que não gosto de você, não estou me referindo a sua pessoa em particular e sim a quem você é; uma humana. — Explica. — Vocês são confusos e inconstantes demais, um belo exemplo disso é esse seu receio em ser levada ao inferno mesmo quando tem um arcanjo e um demônio caído do lado como guarda costas. Por que esse medo todo? Você já foi ao inferno, uma ameaça assim não deveria te causar tanto medo assim. 

Ela assente. Estava concordando demais com Eva ultimamente. Entretanto sua fala a fez pensar com mais seriedade e calma também, não tinha muito tempo Alana estava se afundando em uma banheira para descer ao inferno apenas para ter respostas com um demônio, a ameaça de Zarael realmente não chegava perto de ter descido sua alma para o lugar — ou do que viu quando tocou o demônio sem querer —, ela sabia que existia uma razão para aquele medo irracional, só não o conhecia ainda. Ou talvez soubesse a razão, mas não queria admiti-la em voz alta. 

— Mesmo que isso venha a acontecer, de você por acaso acabar sendo levada ao inferno — A voz da mulher a tirou de seus pensamentos, seu rosto se moveu e ela a encarou. Ambas se entreolhando sérias, mas o tom de Eva já era mais compreensivo. — Acredite em mim, se chegar a esse ponto, Kambriel vai mover céus e terra para te trazer de volta e o fará sem nem hesitar.

Alana pisca em resposta. Ela nada disse e tão pouco se moveu no sofá, apenas continuou a observar a expressão séria na face de Eva e na forma como a última frase saiu de sua boca como se cada palavra possuísse uma verdade tão absoluta e concreta que não poderia ser desfeita ou destruída. Pareceu estranho no primeiro segundo, mas Alana sentiu-se estranhamente bem ao ouvi-la falar tais palavras. Seu peito doeu com a lembrança mais recente de Kambriel lhe dizer que se ela fosse levada, ele não poderia resgatá-la sem que começasse uma guerra entre os dois lados, seu peito também doeu com o contraste entre as duas frases, a que ouviu da boca do arcanjo e que ouviu ser dita pela mulher. 

Ela engoliu seco, Kambriel estaria realmente disposto a fazer o que Eva dissera somente para tirá-la do inferno? Ele seria mesmo capaz de algo assim? Começar uma guerra por causa de uma vida humana? 

Foi com esses pensamentos em sua mente que Alana nem mesmo notou o momento em que a mulher levantou-se de seu lugar e caminhou, passando por ela e parando ao seu lado. Alana só pareceu despertar quando sentiu o toque firme da mão da mulher apertar seu ombro. 

— Agradeça por ter alguém disposto a fazer o impossível para impedir que isso aconteça, por querer te proteger. — Seu tom era pesado e levemente raivoso, deixando-a confusa e ao mesmo tempo estranhamente aliviada, apesar de relutante em aceitar o que Kambriel estaria disposto a fazer para sua segurança.

A conversa teria se prolongado bem mais, porém assim que a porta do quarto se abriu e Kambriel finalmente retornou com o café da manhã, as feições da mulher modificaram-se com uma rapidez incomum. A mulher fez questão de afastar-se da humana e avançar em direção ao arcanjo, reclamando alto sobre a demora em trazer o dejejum enquanto Alana apenas observava a cena em silêncio absoluto até finalmente se aproximar também, pensando com muito cuidado em cada palavra dita por Eva.

Em cada uma delas e em como se sentiu.


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Notas finais do capítulo

~ Turminha chegou em Las Vegas e Kambriel já está todo desconfiado desse Baltazar... Devemos ficar também???

~ Momentinho fofo entre Kam e Alana e adianto que o próximo terá também (o surto vem).

~ E essa conversa entre a Alana e a Eva e tudo o que ela falou??! O que vocês acham disso??



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