Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 23
Capítulo XXII


Notas iniciais do capítulo

Oie amores! como estão nesse feriado? Tudo bem?
Pois bem, mais um capítulo fresco e com mais momentos entre Alana e Kam.
Boa leitura!



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CAPÍTULO XXII 

Alana não sabia o que fazer ao colocar Kambriel no sofá, via a estranha adaga fincada em seu peito e sabia que teria de tirá-la dali, mas ela simplesmente não conseguia pensar em nada naquele momento. Nunca viu um arcanjo com dor, tão pouco ferido e a visão que estava tendo do rapaz em agonia em seu sofá era no mínimo paralisante. Kambriel rangia os dentes sempre que tentava segurar a arma por seu cabo, fazia menção de tentar tirá-la sozinho, mas logo desistia.  

Seus braços ainda doíam devido ao peso de seu corpo, havia o ajudado a caminhar de volta para dentro de sua casa e ele acabou jogando todo o seu peso sobre ela, no momento ela não reclamou e tentou não transparecer a dor que sentiu quando o carregou, mas quando seus braços se viram livre do rapaz pesado, era como finalmente ter a noção do que tinha carregado até sua casa. Os braços estavam formigando levemente, ela ainda conseguia sentir o corpo molhado de Kambriel sobre eles, era como se ainda o estivesse carregando.  

Apressada ela então correu até a cozinha, viu os dois pratos de comida na mesa e lembrou-se de que iriam jantar antes de toda aquela confusão, sacudiu a cabeça tirando aquele pensamento sem sentido de sua mente e começou a procurar pelo kit de primeiros socorros que tinha escondido em um dos armários. Da cozinha ela conseguia ouvir os vários resmungos de Kambriel e até mesmo conseguia sentir a dor que o dominava, o ranger de dentes sempre que tentava retirar a arma de seu peito.  

Encontrou o kit dentro de uma bolsa pequena e correu de volta para a sala. Olhou para Kambriel repensando no que faria a seguir, analisando de maneira apressada todos os passos que deveria fazer. Sua mente a fez recordar-se da vez em que Charlie cortou um dos dedos enquanto cozinhava, como estavam sozinhos e com o celular fora de área, ela precisou fazer um curativo simples para impedir que houvesse alguma infecção. Era isso o que precisava fazer no momento. Tirar aquela adaga e fazer um curativo simples. Fácil.  

Alana puxou a blusa molhada a retirando do corpo do arcanjo tomando máximo de cuidado para não causar mais dor a ele, logo em seguida olhou para a camiseta escura que ele usava, esta também encharcada por causa da chuva. Pôde ver que ela estava um pouco suja de sangue, uma surpresa que anotou em sua mente; arcanjos transfigurados em humanos podiam sangrar também quando feridos.  

— Eu vou ter que tirar sua camiseta. — O avisou incerta, fazendo uma careta ao falar as palavras. Estava sim um tanto envergonhada por precisar deixá-lo sem camisa, mas isso nem pareceu ser problema para o arcanjo. que, sentia dor e parecia pouco se importar com isso. Apenas para ela.  

— Tudo bem! — Ele responde num grunhido forte ao sentir outra pontada de dor. Ele também fazendo uma careta ao mover o tronco para frente afim de ajudá-la a retirar sua camiseta.  

Com cuidado ela começou a puxar a peça, pensou em rasgá-la, mas sequer tinha força o suficiente para conseguir tal façanha. Tomou cuidado ao chegar ao local aonde a adaga estava fincada, a puxou com mais lentidão, evitando que o pedaço de pano tocasse aquela região e causasse um novo espasmo de dor nele. West colocou a peça molhada no chão, próximo de seus pés e olhou para o peito exposto de Kambriel, assustando-se quando viu como estava o local aonde a lâmina da adaga estava. A ferida não era grande e não estava saindo muito sangue dela, na verdade, não havia sangue algum saindo do ferimento, mas ao seu redor ela viu veias escuras saltadas, elas pareciam se mover, como se alongassem conforme a lâmina demorava ali em sua pele. 

Era como olhar para um tipo de infecção, conforme a lâmina se demorava em sua pele as veias escuras e saltadas se esticam mais, tornando toda aquela região ao redor escura também. Como se estivesse contaminando a pele perfeita e sem qualquer tipo de imperfeição de Kambriel.  

Alana pegou o kit de socorros que encontrara em sua casa, separou tudo o que julgou ser necessário para a ferida, desde o básico como a gaze esterilizada e o spray antisséptico, até um par de luvas, lenços descartáveis e o álcool para limpar a ferida. Ela não tinha muita experiência com isso, mas tentaria dar o melhor de si naquele momento. Novamente olhou para a adaga, hesitando quando fez menção de tocá-la, afinal temeu o que aconteceria quando tocasse o objeto que o demônio usou para feri-lo. Viu quando Kambriel tentou arrancar com as próprias mãos e gritou de dor, se ele sendo um arcanjo agiu daquela maneira, quem dirá ela como humana.  

— É só puxar! — Ele diz entredente soltando as palavras com pressa ao perceber sua hesitação, rangendo os dentes outra vez quando sentiu dor.  

West assentiu e devagar aproximou a mão do cabo da adaga. Seus dedos tremeram quando ela quase tocou sua estrutura e após respirar fundo, a segurou; esperando por algo que a fizesse sentir dor, mas isso não aconteceu. Foi o bastante para que ela se sentisse motivada o suficiente para puxá-la de uma só vez. A lâmina longa estava suja de sangue, mas o arcanjo não estava sangrando tanto assim, não chegava a ser uma imagem muito perturbadora, mas tensa.  

O rapaz soltou o que seria um resmungo alto e doloroso quando a lâmina foi puxada de sua pele e quando viu-se livre dela, jogou a cabeça sobre o apoio estofado do sofá, Alana não deu atenção ao fato de ele estar molhando o móvel, até porque ajudá-lo era bem mais importante. Após retirar a lâmina e a colocá-la longe o suficiente dele, — porque temia que algo de ruim acontecesse — Alana começou a limpar toda aquela região, evitando pensar demais em seu constrangimento ao tocar a pele nua de Kambriel em cada ação. Passou o spray antisséptico sobre a ferida ouvindo quando ele soltou um grunhido mais baixo quando sentiu a ferida arder e começou a fazer o curativo, reparando que as veias escuras que estavam saltadas e visíveis em sua pele, aos poucos começaram a sumir de sua pele.  

— Eu não sabia que arcanjos poderiam ser feridos dessa maneira. — Ela comenta depois de um longo tempo em silêncio, quando já estava quase finalizando o curativo que fazia. Era óbvio que tinha perguntas sobre o que acabara de acontecer, desde a conversa nada amigável dele com o demônio em outra língua, até a briga que acontecera e que o deixou ferido. 

— Não somos feridos com objetos comuns como facas de cozinha ou qualquer outro tipo de objeto humano, mas armas dos nossos mundos podem sim nos ferir. Seja ela do inferno ou do céu. — Responde, seus olhos voltando sua atenção para a humana. Alana o olhou de volta durante alguns segundos, percebendo a mudança em seu humor, Kambriel já estava bem mais calmo e aquele estranho que fez-se presentes antes do demônio aparecer em sua casa, não mais dera as caras. — Não é como se fôssemos morrer ou algo assim, mas somos feridos o suficiente para ficarmos mobilizados até que a arma que nos feriu seja retirada de nós.  

— E o que acontece se ela não ser tirada? Vocês morrem ou... Sei lá, desaparecem como se fossem feitos de pó? — Pergunta voltando sua atenção para o curativo que fazia. Logo de cara ela se arrepende da pergunta que fizera porque percebeu como a mesma soou estupida e sem sentido.  

— É difícil de explicar, mas em um linguajar mais simples, nossa glória é retirada de nossos corpos e o que resta é apenas nossa imagem. Como se fôssemos apenas bonecos, sem vida, sem consciência... Você veria apenas essa imagem que tem de mim agora e nada mais do que isso. — Explica e sua fala a assusta, pensar nessa possibilidade e que se por acaso não estivesse por perto para ajudá-lo com a adaga a fez estremecer.  

— E por que você não estava conseguindo tocá-la e eu consegui?  

— Porque essa adaga não pertence ao meu mundo, aconteceria o mesmo se eu tivesse ferido Zarael com algo que vem do meu lado também. — Explica. — Você conseguiu tocá-la e tirá-la de mim porque é humana, são armas que ferem apenas seres celestiais. Isso ajuda e muito quando estamos em batalha, ferido e sem conseguir retirar a arma que o está machucando é um meio para ganhar alguma briga ou batalha.  

Alana arqueia uma sobrancelha e assente, era estranho descobrir mais coisas sobre o mundo de Kambriel e perceber como o mesmo parecia confuso, se antes tinha apenas a ciência de que ele era um arcanjo, as novas informações que acabara de saber fizeram com que sua mente parecesse pensada. Ela precisou evitar nas centenas de perguntas que vieram.  

— E o que foi tudo aquilo? Quer dizer, você destruiu a minha janela... — Ela perguntou com leve humor presente em sua voz, usando o queixo para acenar na direção da janela quebrada, a chuva forte estava molhando uma parte do chão. Não que ela estivesse se importando com isso, a preocupação quando viu a cena acontecer simplesmente a fez esquecer-se momentaneamente da questão da janela.  

Kambriel suspirou, culpado. 

— Eu sinto muito por isso. — Lamenta, desviando seus olhos brevemente de West para a janela e voltando a encará-la. — Perdi o controle quando Zarael começou a falar, isso nunca aconteceu antes. Na verdade, eu não estava em meus melhores momentos, sinto muito por isso também.  

— Está tudo bem, não entendo totalmente como é tudo isso para você, mas confesso que fiquei preocupada e um pouco assustada também. — Respondeu dando com os ombros, a verdade era que Alana não queria uma explicação para as atitudes frustradas dele, afinal, diante dos últimos dois meses era apenas uma questão de tempo até que ele começasse a extravasar a raiva, culpa e a frustração que sentia e, ele parecia mais calmo naquele momento. Era o verdadeiro Kambriel que conhecera. — Acho que estamos todos com os nervos à flor da pele nesses últimos dias, eu entendo. 

Fez-se um momento breve de silêncio, eles se encararam por poucos segundos antes de Alana voltar a falar.  

— Mas sobre o que eu falei antes, foi sério, Kambriel. Tudo. — Ela começou a falar, muito calma. — Não pode deixar isso te consumir porque o culpado nessa história não é você e sabe disso. 

Alana já havia terminado de fazer o curativo e afastou as mãos de seu corpo, momentaneamente ela olhou para o peito exposto do arcanjo, toda aquela região com exceção à ferida feita, não existia um mínimo sinal de imperfeição ou marca. Se antes ela imaginava olhar para uma estátua de gesso somente de olhá-lo no rosto, ao ter um vislumbre breve de mais uma parte de seu corpo, o pensamento veio como uma certeza. Kambriel era um tipo de anjo de gesso, sem imperfeições.  

— Eu percebi aos poucos que essas mortes causam um impacto completamente diferente em você, mas não se esqueça de que está em um corpo humano, então essas coisas básicas como comer, dormir e se cuidar são essenciais para que continue de pé nessa sua missão.  — O lembrou, ao mesmo tempo em que estava dando-lhe uma boa bronca por não estar se cuidando. — Sei que sente essas mortes, você como anjo... Arcanjo — Ela se corrigiu rapidamente. — Não consegue evitar de sentir todo esse caos que acontece, mas precisa se acalmar, Eva está lá fora procurando por Baltazar e vai encontrá-lo, quando isso acontecer você vai saber o que tem que fazer e vai finalmente acabar com tudo isso e voltar para o céu.  

A jovem parou de falar quando percebera como reagiu ao dizer a última frase, sobre Kambriel retornar para céu e como se percebeu um tanto entristecida com o fato. Ignorou o sentimento, achando que era apenas por ter se acostumado com a presença dele em sua vida.  

— É exatamente isso que está me preocupando, Eva até agora não ter dado nenhuma notícia ou algum sinal de vida — Conta. — Eu confio nela e sei que ela muito provavelmente está fazendo o que pode para encontrá-lo, mas me preocupo que algo tenha acontecido. Zarael me disse que estão de olho em nós e que não posso me envolver nesses assuntos... Depois do que houve hoje, essa preocupação que sinto apenas cresceu. Com tudo.  

A preocupação de Kambriel era algo que ela sentia que poderia tocar, conseguia perceber isso correr por cada músculo de seu corpo o deixando com uma aparência tensa, até mesmo em sua face, sempre tão perfeita e tranquila, existia apenas aquele ar preocupado. Isso também era perceptível em seus olhos.  

Alana então não soube mais o que dizer, poderia consolá-lo como ele fazia às vezes com ela, mas aquela era uma situação bem diferente; como o tranquilizaria quando tantas pessoas estavam sendo mortas por demônios? Quando ele era um arcanjo e ela era apenas uma humana? Ela não tinha nenhum dom como ele, não sabia fazer aquele truque ele usou com ela quando estava atormentada com pesadelos ou quando retornou do inferno. Tudo o que ela poderia fazer era conversar com ele, mas sabia que isso não bastaria.  

Kambriel precisava de uma resposta, uma direção até. Precisava que Eva retornasse e finalmente dissesse a ele aonde encontrar Baltazar.  

— Eu vim até aqui para fazer algo muito simples e acabei envolvendo você e Eva nessa história, o que acontecer com ela e com você será minha responsabilidade! — As palavras simplesmente saem de seus lábios, Kambriel estava desabafando o que claramente vinha guardando nesses últimos dois meses. — Eva é um demônio e mesmo que seja um dos que caíram ainda existe um certo tipo de proteção que a acompanha, mas e você? Precisou ir ao inferno para ter respostas de uma missão que não tem nada a ver com você... Sabe o quanto ter feito isso a deixou exposta?! 

— Já falamos sobre isso, Kam... — Ela começou a falar, iria mesmo precisar lembrá-lo de que ir ao inferno fora uma decisão que ela tomou por conta própria? — Mesmo que eu não estivesse envolvida nisso, nenhum de vocês dois poderiam ter ido ao inferno e também, foi minha decisão. Vocês não me obrigaram a isso, muito pelo contrário. Você estava quase me levando embora, só pra que eu não fosse até lá. E outra, eu estou bem, não estou? Fui e voltei assim como Eva disse que iria acontecer, ninguém me tocou, ninguém me feriu... Eu estou bem.  

O arcanjo balançou a cabeça.  

— Sim, eu sei, mas eles sabem que você esteve lá. — Conta, seus olhos levemente arregalados, mostrando um certo medo naquele momento. — Zarael ameaçou levá-la de volta... Sabe o que isso significa? Se ele conseguir fazer isso eu não vou poder tirá-la de lá sem começar uma guerra ou algo pior! 

Um silêncio estranhou formou-se entre eles e isso deixou claro que, a resposta que ele queria naquele momento não era algo humano e tão pouco algo que Alana poderia oferecer a ele. Tinha a intenção de conversar com ele sobre tudo o que vinha acontecendo com ele, fazê-lo desabafar sobre seus temores e tudo aquilo que tanto o atormentava — apesar de saber o que era —, mas saber da ameaça de ser levada para o inferno a calou por completo e percebeu como sua intenção naquele momento soava infantil e até bobo em sua mente. 

— Eu vou buscar roupas secas para você. — Ela disse de repente, levantando-se do sofá e vendo a área molhada aonde sentou-se; evitou pensar demais em como o lugar aonde Kambriel estava. Mudar de assunto foi o único meio que encontrou para pensar no assunto, em tantas possibilidades futuras, no que iria acontecer dali em diante.  

Alana foi até a garagem e remexeu nas caixas com os pertences de seu pai. Não tinha roupas masculinas em seu quarto ou em nenhum outro cômodo da casa, todas as peças de roupas que tinham pertenciam a seu pai e estavam guardadas nas caixas. Ela foi rápida em procurar por algumas mudas de roupas, pegou três camisas e três calças, torcendo para que elas servissem no rapaz. A blusa era uma de lã simples, que o homem costumava usar quando ia para eventos mais simples da igreja, não tinha nenhum detalhe nem nada que desse um ar sofisticado a peça, mas era bonita à sua maneira. Saiu da garagem rápido, apagando a luz e fechando a porta com um chute leve, não mais voltaria para aquela área.  

Retornar para a garagem a fez lembrar do que soubera sobre seus pais e novamente estava se perguntando se deveria ou não contar para Kambriel sobre o que Eligus lhe dissera quando esteve no inferno; continuou a descartar a ideia e tentaria lidar com isso sozinha. 

Ao retornar para a sala entregou as peças de roupas para o arcanjo que a olhou um tanto hesitante em aceitá-las, pois bem sabia que eram de seu pai. West mostrou que não tinha importância em vê-lo usá-las, afinal, ela quem as ofereceu, mas não pôde deixar de sentir-se estranha ao fazer aquilo. Sentia como se estivesse se livrando de uma parte de seu pai.  

— Pode tomar um banho se quiser, tem toalhas lá no armário. — Ela disse, gesticulando para o outro andar. — Eu vou esquentar a comida e realmente espero que se alimente dessa vez e que tente dormir um pouco.  

O tom sério rapidamente desapareceu quando ela mostrou um sorriso levemente divertido, sendo imitado por Kambriel que, mostrou-se um tanto tenso ao vê-la falar daquela maneira e logo em seguida aliviado quando percebeu que ela estava apenas brincando. Mas então seu rosto tornou-se sério novamente. 

— Alana, sobre o que falei... 

Ela balançou a cabeça em um sinal negativo.  

— Está tudo bem. — O respondeu facilmente, mentindo. Não estava tudo bem, estava sendo ameaçada de ser levada ao inferno, diante de tudo o que aconteceu e iria acontecer, ouvir aquela ameaça e saber que seria uma verdade, a assustou. Mudou muito em sua própria percepção do que estava fazendo. De que isso também poderia ter acontecido com sua mãe, já que seu pai pediu que Eligus a tirasse do inferno.  

O rapaz então apenas assentiu, percebendo que insistir naquele assunto não resultaria em nada. Calado colocou-se de pé e seguiu em direção a escada, no momento em que Alana o viu de costas quase saltou para trás com a visão que teve. Kambriel ainda estava sem camisa e isso permitia que ela tivesse uma visão privilegiada do corpo do arcanjo, mas não foi nada disso que chamou sua atenção.  

Ela olhou com atenção para o contorno de suas costas, seus ombros eram largos e bem definidos, sendo possível perceber a existência de seus músculos ali; ele era forte, isso estava claro. Mas não foi isso o que atraiu seus olhos e sim as duas marcas que viu ali. A pele era lisa e sem nenhuma mancha, nenhum tipo de imperfeição — como ela já sabia —, mas as duas aparentes cicatrizes era como se um corte tivesse sido feito ali e jamais tivessem sido cicatrizadas, cortado por algum tipo de lâmina afiada e fina o suficiente para que dar aquela aparência. As duas linhas formavam um tipo de visto longo e fino, ocupando uma boa parte de suas costas, eram linhas longas, pegando da altura de seus ombros até abaixo de seu quadril.  

West piscou boquiaberta e um tanto assustada com a visão. Não conseguia desviar os olhos do que via sem que imaginasse o que aquelas duas marcas finas e tão chamativas significavam. Suas asas? Pensou incerta, questionando sua existência e no porque, do seu ponto de vista, aquilo parecia tanto ser imperfeito. Kambriel não parecia incomodado com aquilo, nunca o viu tocá-las e nem mencionar nada sobre as duas cicatrizes, então porque sentia-se incomodada com algo que sequer pertencia a ela?  

Alana pareceu sair de seu transe quando a figura de Kambriel parou, provavelmente percebendo que estava sendo encarado por ela durante longos segundos.  

— O que foi Alana? — Questionou ele, unindo as sobrancelhas com dúvida quando a viu praticamente de boca aberta diante a visão que teve.  

A jovem sacudiu a cabeça, saindo por conta própria de seu transe momentâneo.  

— Nada. — Mentiu com um sorriso simples no rosto, engolindo seco quando o viu dar as costas novamente e sumir no andar de cima, ela piscou várias vezes retornando para seus pensamentos coerentes e lógicos.  

 ●●●

Dois dias depois Alana percebia que Kambriel parecia mais calmo, mesmo que ainda houvessem novos casos de ataques na cidade, o arcanjo parecia mais controlado em recebê-las, Alana não discutiu quando ele avisou que sairia pela cidade a fim de procurar uma nova pista sobre quem poderia estar por trás desses ataques e chegou a mencionar que encontrara com Zarael novamente. West sentiu o corpo tenso ao saber disso, afinal, o demônio deixou claro o interesse que tinha em levá-la para o inferno se eles continuassem com aquela missão.  

Kambriel estava mais aberto a cuidar de seu corpo humano, se alimentou como deveria e descansava quando era hora, o que para ela já um ótimo avanço.  

O temporal prosseguia, mais forte e com ventos mais violentos também. A jovem imaginava que tudo aquilo era apenas um vislumbre de uma fúria sobrenatural que recaiu sobre Grória. A cidade não alagou como muitos imaginaram, porém foi necessário parar a cidade até que a chuva cessasse por completo. Ou seja, todos os estabelecimentos estavam fechados faziam dois dias, apenas hospitais e os mercados estavam abertos; este último, porém, até certo horário.  

A West mais nova foi despertada de repente pelo som estridente de um trovão, o barulho pareceu rasgar o céu durante o amanhecer a assustando. Mesmo que o forte temporal estivesse dominando a cidade, ela ainda não se acostumara por completo com todos os trovões e relâmpagos que vinham junto a chuva. Ao despertar e, por se conhecer bem demais para saber que não conseguiria voltar a dormir, Alana saiu de sua cama, guardando o diário de seu pai que passou a ler às escondidas em busca de suas próprias respostas, — não iria atormentar Kambriel com suas dúvidas sobre seus pais quando o arcanjo já estava preocupado demais com os ataques — o escondeu debaixo de seu travesseiro sabendo que mesmo que fosse um esconderijo bobo, ele estaria seguro ali.  

Trocou o pijama por uma roupa casual e confortável, uma blusa fina com manga longa para o clima levemente fresco daquele dia. Fez sua higiene matinal e deixou o quarto, por ser cedo, deixaria o café preparado para quando Kambriel despertasse. Ao passar pelo antigo quarto de seu pai e que, agora o transformara em um quarto para hospedes — este sendo o arcanjo — percebeu a porta entreaberta, conseguiu avistá-lo na cama. Debruçado sobre o colchão em um sono profundo, provavelmente o único que ela viu ter desde que passou a deixá-lo em sua casa. Lentamente ela fechou a porta, dando a ele mais sossego e privacidade para quando acordasse; sabia que ele precisava descansar e em silêncio rumou para o andar debaixo, afim de chegar à cozinha.  

O silêncio da casa era cortado pelo barulho constante e estrondoso dos trovões, o barulho mesmo que muito alto e desconfortável não mais a assustava, mas ainda causava nela uma preocupação do que poderia acontecer caso o temporal não cessasse e o motivo do mesmo não ter parado depois de dias. Distraída demais com seus pensamentos, West sequer percebeu a presença de uma terceira pessoa na casa. Alana estava na sala e ao primeiro momento não notou na figura ereta de Eva sentada no sofá quase seco e quando finalmente a percebeu pulou ao vê-la parada como se fosse uma estátua.  

— Meu Deus! — Exclamou com a voz esganiçada, tropeçando nos próprios pés e caindo de encontro com a parede, batendo as costas na mesma. Seu coração acelerou devido ao susto, ela levou uma mão até seu peito, o sentindo bater forte, os olhos estavam arregalados e por um segundo ela imaginou que viu Eva rindo de sua situação e do susto que lhe deu, mas então percebeu que era apenas uma careta por ouvi-la chamá-Lo.  

As palavras demoraram para sair e ela percebeu que precisava esperar para que o susto momentâneo passasse por completo, mentalmente riu de si mesma por ter se deixado assustar assim tão facilmente, mas então notou que fazia sentido assustar-se; afinal, estava com uma ameaça clara de ser levada para o inferno contra sua vontade. Agradeceu por ser Eva ali parada em vez de Zarael.  

— Eva! — Enfim exclamou quando se acalmou, encarando a mulher com certo espanto. Afinal, não a viu chegar e muito menos se lembrava de vê-la entrar em sua casa.  

— E quem você esperava que fosse? — Perguntou com uma de suas sobrancelhas arqueadas, encarando a humana de volta com mais leveza dessa vez. Alana notou que, pela primeira vez desde que a conhecera, a mulher não estava lançando em sua direção o olhar de repulsa ou raiva, ele ainda existia e era notável através do brilho peculiar, mas não era lançado para ela, ao menos não diretamente.  

Alana abriu a boca para fazer mais uma pergunta, contudo foi interrompida pelo som dos passos apressados de Kambriel a descer os degraus da escada. Sua reação tão imediata a fez pensar que ele poderia estar acordado, mas em seu rosto era possível perceber o ar sonolento. Ele realmente acordou por ouvi-la se assustar? 

— Alana!... — Ele teve sua fala também interrompida ao ver Eva ali parada. A mulher o encarava com estranheza, os olhos correndo por toda a sua figura da cabeça aos pés.  

Então ela bufou alto.  

— Okay, chega com essa de ficar surpresos. Eu sei que demorei bem mais do que o previsto, mas os dois estavam cientes disso e bem, foi por uma boa causa — A animação que sua voz demonstrou não condizia com sua expressão, a demônio parecia irritada por causa de algo e não tinha relação nenhuma com o que acabara de acontecer ali. — E antes que me perguntem, sim, eu trouxe novidades! 

Eva se arrumou melhor no sofá quando os dois se aproximaram, rapidamente ela exibiu um sorriso esticado e forçado nos lábios e então tornou-se séria. Para Alana o retorno de Eva parecia até ser um tipo de prece que fora atendida, estava noites atrás ouvindo Kambriel reclamar da ausência da mulher e da ausência de alguma notícia da mesma e dias depois lá estava ela; sentada em seu sofá como se não tivesse passado semanas longe.  

— Eu sei onde Baltazar está. — Contou, revirando os olhos enojada. A menção tão breve de Baltazar foi o bastante para conseguir tirar Eva do sério, mas de uma forma controlada. — O problema é que ele está em Las Vegas e bem, são dezessete horas de carro até lá e esse temporal não nos ajuda em nada.  

Alana e Kambriel assentiram ao mesmo tempo. 

— Nossa vantagem é que esse temporal fez com que a cidade parasse  totalmente, então, sair daqui será fácil, mas sim, continua sendo uma viagem muito longa. — A mulher continuou a falar, olhando em direção a janela e reparando que a mesma estava quebrada; apesar de Alana já ter cuidado da mesma no dia anterior. Eva olhou na direção do arcanjo que parecia pensar a respeito e logo olhou para Alana, a jovem apenas fez um aceno breve com sua cabeça, como se falasse para ela que aquilo não era demais.  

— Tem certeza de que ele está em Las Vegas? Não quero fazer uma viagem longa como essa só para perder tempo, Eva. — O rapaz diz, num tom mais sério. O que era compreensível em vista de sua preocupação com a cidade e a continuidade dos ataques.  

— Foi aquele bastardo quem me deu a localização, sei exatamente aonde ele está. — Respondeu de maneira orgulhosa. — Então sim, essa viagem irá valer a pena.  

West olha na direção dele, esperando por sua resposta, mas ele nada diz. Kambriel parecia pensar antes de responder e ela aproveitou para fazer o mesmo. Obviamente já concordara com a viagem, mas não deixou de pensar nas possibilidades do que poderia acontecer enquanto estivesse em Las Vegas, ele dissera que ter ido ao inferno a deixou exposta para os demônios e mesmo que não se sentisse assim, sabia que era uma verdade. Até porque, Zarael sabia sobre sua ida ao inferno e a ameaçou levá-la de voltar para lá, o demônio poderia segui-los e talvez tentar levá-la em algum momento. Mesmo que confiasse e sabia que Kambriel jamais permitiria que algo assim acontecesse, era normal que temesse que a ameaça se tornasse realidade e temia que quando acontecesse, o demônio não estivesse sozinho.  

Podia confiar no rapaz ao seu lado, ele era um enviado do Céu e já deixou claro que a protegeria, que faria de tudo para mantê-la segura. Porém, ela não tinha qualquer noção do que os demônios eram capazes de fazer para conseguir algo, enquanto Kambriel fosse alguém que jogava limpo, os demônios eram sujos e trapaceiros; soube disso quando ele contou que, Zarael era o motivo de eles terem tido a breve discussão duas noites atrás. O que poderia esperar de um ser assim?  

— Bem, o carro está com o tanque cheio e eu não estou trabalhando durante essa semana. — Ela diz, deixando claro que sua resposta era um sim. O arcanjo levou um tempo até que concordasse também, afinal, ele era quem mais queria acabar de vez com todos os ataques e precisava fazer isso.  

— Tudo bem, são seis da manhã agora, se sairmos daqui dez minutos no máximo conseguimos chegar ainda hoje em Las Vegas. — Após ouvir a fala da mulher, Alana fez as contas em sua mente, percebendo que levariam exatamente um dia todo para chegar ao lugar.  

— Vamos chegar umas onze horas lá! — Exclamou a jovem, olhando levemente assustada para a mulher em seu sofá. — Como vamos falar com... — Alana interrompeu sua fala ao perceber que por muito pouco falaria o nome de Baltazar e não queria causar aborrecimento em Eva. — Como vamos falar com ele? Vamos chegar tão tarde... 

— Na verdade, vocês só irão falar com ele daqui dois dias. — Contou, surpreendendo os dois.  

— O quê?! — Disseram em uníssono.  

— Para falar com Baltazar é necessário marcar horário e bem, eu queria que essa conversa que teriam com ele fosse a única coisa com o que ele se preocuparia, então fiz o óbvio. — Ela deu com os ombros, tentando controlar a raiva que sentiu ao dizer o nome do demônio. — Eu sabia que você — Ela olhou para Kambriel. — Não iria se contentar em ter apenas uma conversa rápida com ele, não quando ele pode realmente ajudar nisso, então eu disse que queria que ele estivesse completamente livre para receber os dois. Ou seja, o único dia em que ele estaria livre é daqui dois dias. Claro que, isso envolve passar um dia todo com... Ele e ouvi-lo falar, mas vocês tiram isso de letra. 

A mulher fez uma expressão de puro nojo. 

— E estava certa em fazer isso. — Respondeu ele em agradecimento. — Obrigado.  

Alana estranhou como falar com esses demônios era quase o mesmo do que marcar um encontro com a rainha, sempre teve em mente que falar com eles era só acender algumas velas e fazer um pentagrama no chão, mas se viu errada e com ideias até ridículas. Falar com Eligus exigiu que ela descesse ao inferno, depois de Eva conseguir marcar um encontro e para que ela e Kambriel conseguisse conversar com Baltazar, Eva precisou procurá-lo durante semanas e marcar um dia inteiro com o demônio. Ela jamais pensaria que falar com eles exigiria tanto.  

— Se achar mais seguro, eu posso dirigir. — Ofereceu-se Eva, olhando na direção de Alana. — Afinal, é uma viagem e tanto... 

Sua fala foi interrompida quando Kambriel avançou alguns passos até a mulher, parando entre as duas e formando um tipo de barreira para que elas não se olhassem no momento. 

— Ficou louca? Você não vai dirigir! — Ele ditou de prontidão, encarando a mulher com reprovação. Alana não entendeu o que aconteceu e o motivo da recusa. — Alana pode dirigir.  

Foi a vez de Eva de encará-lo com clara reprovação e até indignação.  

— Você realmente acha mais sensato deixar a humana dirigir durante dezessete horas seguidas? Enlouqueceu de vez?! — Levantou-se ao questioná-lo, cruzando os braços sem acreditar na fala do arcanjo. Estavam novamente começando uma briga, uma semelhante a que eles tiveram quando Alana dissera que desceria ao inferno, mas aquela parecia mais controlada e até mesmo mais leve do que ouviu no outro dia.  

— Qual o problema de a Eva dirigir? — Alana finalmente perguntou, avançando também para mais perto deles, alternando seu olhar entre o arcanjo e a demônio. Confusa pela quase discussão.  

A mulher revirou os olhos.  

— Digamos que eu não sigo as regras humanas para direção. O que sim, é verdade, mas eu jamais colocaria nossas vidas em perigo; não quando temos algo importante para fazer. — Explicou brevemente, seu olhar ao se voltar para Kambriel era de puro tédio e uma certa revolta. Alana riu da situação e ficou um tanto indignada também, ele preferia fazê-la dirigir durante um dia todo em vez de deixar que Eva dirigisse por medo de ela não respeitar as regras de trânsito?  

— Bem, não batendo meu carro não me importo em deixá-la dirigir. — A humana respondeu sem muita importância e então voltou seu olhar para o rapaz. — E eu entendo a sua preocupação, mas não acho que Eva irá nos matar. E além disso, ela dirigir rápido significa que vamos chegar mais cedo, quanto mais cedo chegarmos, melhor não é mesmo? 

O arcanjo voltou seu olhar para Alana, seus lábios se torceram muito levemente e pareceu que ele negaria aquilo, por um instante foi isso o que passou em sua mente. Mas então ele cedeu, assentindo muito lentamente.  

— Então é melhor os dois irem se preparando, pois vamos a Las Vegas! 

Alana percebeu Kambriel estremecer com a fala da mulher. 


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Notas finais do capítulo

~Alana viu a marca das asas do Kam...

~Kambriel contou para a Alana que ela tá sendo ameaçada e praticamente quebrou todo o clima entre eles, francamente viu.

~Eva apareceu e bem! Com novidades, eles vão para Las Vegas!

# Sim, aqui na história pra encontrar com demônios é necessário marcar horários.



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