Copenhague escrita por Julie Morgan


Capítulo 8
Falsas esperanças


Notas iniciais do capítulo

Oi meus docinhos! Como estão? Preparados para mais um capítulo?
Espero que eu não tenha demorado muito a postar rsrs
Boa leitura a todos vocês :D



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Marselha começou a frear o veículo próximo de um local cercado por pinheiros altos, grama um pouco seca e rochas gastas pela ação do tempo. Os galhos quebrados e folhas que estavam caídas ao chão atribuíam um aspecto inóspito e melancólico à paisagem, e não parecia haver qualquer sinal de presença humana ali dentro das últimas semanas. 

Ele então saiu, levando consigo a chave para abrir o porta-malas enquanto Alicia ainda estava dentro do carro.

— Então é isto? Não irá me deixar sair? - disse ela abaixando o vidro e olhando para o lado de fora tentando reconhecer onde estavam. Porém, mesmo morando em Madrid há muito tempo, não conseguiu identificar de forma alguma aquela área da cidade.

— Não. - respondeu Marselha colocando seu par de luvas. - E nem mesmo pense em abrir essa porta quando eu não estiver olhando.

Ela então bufou e revirou os olhos, acomodando-se melhor no banco e retirando seus sapatos.

— Pelo visto iremos demorar um pouco aqui, então é melhor nos contentarmos com a presença um do outro. - disse ela olhando para o Professor através do retrovisor do carro.

— Acho que, não estando o Marselha aqui, essa é uma ótima oportunidade para eu lhe questionar algumas coisas.

— E que coisas seriam estas? 

— Primeiro de tudo: esse homem que lhe procurou. O que ele pretendia com você, quem era… vamos, não poupe nenhum detalhe importante.

— Bem, aquele era Raúl. Um de meus antigos colegas na Academia de Polícia. Éramos do mesmo grupo que realizava rondas pela cidade, e acabamos ficando bem próximos. Mas de alguns tempos até então, mantivemos apenas contato para trocas de serviços que eu e ele tínhamos em pendência, caso esteja pensando em uma possível traição minha. 

— Não, não se preocupe. Não costumo julgar sem antes escutar os dois lados da história. Prossiga, por favor.

— Como eu ia dizendo, nos conhecemos na Academia. Porém, alguns meses mais tarde, ele começou a agir diferente. Faltava constantemente aos dias de patrulha e ficava irritado com facilidade. Até que um dia, quando bati à porta da casa dele depois de uma semana sem nos vermos, eu o vi na garagem com vários pacotes de drogas dos mais variados tipos. E junto dele estava Giovano, o primo dele que sempre fazia questão de tentar flertar comigo, mesmo depois que eu estava comprometida. Depois disso ele desapareceu da cidade, e continuamos nos comunicando apenas virtualmente.

— Então ele abandonou a carreira?

— Sim. A polícia começou a desconfiar depois de certo tempo pois ele começou a entrar em dívidas, e pedia dinheiro emprestado a todos os colegas. Porém, como ele sabia que eu não iria ajudá-lo financeiramente, queria minha ajuda para sair do país.

— Pensei que não tivesse amigos tão corruptos assim.

— Todos nós somos corruptos em algum aspecto de nossa vida Professor, apesar de negarmos isso até para nós mesmos.

— E qual é a sua maior corrupção pessoal? - indagou Sérgio, repousando seus óculos em seu colo para limpá-los com a camisa.

— Difícil escolha. - ela pronunciou mexendo em seu cabelo. - Mas, creio que é não pensar antes de agir. Acho que tudo o que já me ocorreu até hoje seria totalmente diferente caso eu agisse com mais prudência. E quanto à você?

— Justamente o contrário. - ele afirmou com uma risada contida. - Pensar demais para então agir. Um perfeccionismo que muitas vezes nem eu mesmo agrado.

— Mas, se não fosse por esse seu jeito detalhista, creio que nunca teria conseguido montar um plano tão minucioso. E lhe dou meus sinceros parabéns. Não é qualquer pessoa que tem um raciocínio tão brilhante.

— E se não fosse pelo seu impulso, você não teria conseguido se isentar da culpa pelo que Tamayo lhe queria causar. Você também agiu bem, Copenhague. E a sorte também está começando a jogar ao seu favor.

— E por que acha isso?

— Porque você pode ter outra perspectiva de vida quando isto tudo terminar, agora que estamos afastando os holofotes de você. Não deixe essa oportunidade escapar. Não estrague tudo por puro interesse individual. Faça isso por você mesma, seu bebê, e por quem se preocupa por você.

— Há alguém no mundo que se preocuparia por alguém como eu, que já agiu diversas vezes como uma filha da puta em diversos níveis? - ela disse e riu com ironia. - Ora, não é à toa que os seus comparsas dentro daquele Banco não me suportam.

— Copenhague, estou falando sério. Não sou um especialista em conselhos e não costumo dá-los, mas acredite em mim. Reconheço muito bem uma afinidade quando vejo uma. Ou irá me dizer que não percebeu a maneira como Marselha lhe dirige o olhar?

Alicia então engoliu em seco e olhou para o lado de fora, onde Marselha cravava no solo uma pá para retirar porções de terra e abrir um buraco fundo.

— Professor, estamos todos juntos aqui por meras relações profissionais, não sei o que está insinuando. O plano não pode ser deixado de lado, não agora.

— Então relembre dessas considerações após o plano, que seja. Mas se permita viver um pouco. Não se agarre às correntes sabendo que elas lhe machucam, assim como eu fiz anos atrás. Também não nego que o plano deva ser executado da melhor maneira possível, mas ele não será eterno. E quando ele acabar, você precisa tomar uma decisão sobre o rumo que irá seguir. E não estou insinuando nada, são somente observações perspicazes.

— Não sou do tipo de pessoa que gosta de questionamentos muito profundos, mas até que você sabe fazer isso muito bem. Talvez até o final de tudo nós possamos nos odiar menos. - ela declarou dando de ombros.

— Você também é suportável, se é isso o que quis dizer.

— Professor, pode vir ajudar? - perguntou Marselha se aproximando do carro e batendo no vidro. - Não quero ter que gastar um par de horas para sumir com esse sujeito sendo que juntos gastamos bem menos tempo.

— Um momento, um momento! - disse o Professor retirando seu cinto de segurança e abrindo a porta.

— E você continue bem aí onde está. - disse Marselha apontando para Alicia, que lhe respondeu com uma careta em forma de brincadeira.

Enquanto os dois se esforçavam para realizar uma abertura abaixo do nível do restante do solo que fosse suficiente para deixar o corpo de Raúl limpo e enterrado sem qualquer vestígio de quem poderia ser o autor de seu assassinato, Alicia apenas os observava do lado de dentro pensando nas palavras ditas pelo Professor.

Ele realmente estaria certo?

***

Os três seguiram calados na volta até Nenúfar, e quando chegaram Alicia foi para diretamente para a cozinha, sem nem mesmo retirar seu casaco antes.

Já o Professor e Marselha foram para a sala de jantar, onde estava instalado todo o equipamento de comunicação. Sérgio discou os números do telefone codificado e aguardou a chamada enquanto Diego rondava o cômodo analisando os objetos à sua volta para não o atrapalhar. Quando por fim foi atendido, Sérgio esboçou um sorriso ao pensar em Lisboa, pois há horas desejava ouvir sua voz. No entanto, não da maneira como ela começou o diálogo.

— Tóquio? Lisboa? Alguma de vocês está escutando?

— Perfeitamente, Professor. - respondeu Raquel com o tom de voz firme. - E quero saber se o contrário também está acontecendo.

— Sim, também lhe escuto Raquel. Mas aconteceu algo? Você parece diferente. Está sozinha?

— Sim, pedi que Tóquio se retirasse para podermos esclarecer as coisas a sós. Porque, se não estou enganada, você não me contou absolutamente nada sobre Sierra estar infiltrada em mais um dos seus planos malucos. Ou irá dizer que estou mentindo?

O Professor então respirou fundo e pegou um pedaço de papel para fazer um origami enquanto conversava, pois sabia que seria difícil se explicar.

— Raquel, primeiro eu preciso que se acalme. Pode parecer hipocrisia, mas se nos exaltarmos só iremos causar mais problemas.

— Sérgio a única coisa que eu lhe pedi foi para que não escondesse nada de mim. Apenas isso. - ela disse com indignação. - E você simplesmente começa um plano com a mesma pessoa que me deixou horas acordada durante um interrogatório e sem qualquer possibilidade de apoio com um advogado.

— Me desculpe por não ter contado antes, realmente não tive tempo para isso. Mas por favor, não desista de mim. Sierra está realmente colaborando para o suceder do plano, e talvez ela seja a única forma de vocês saírem. Me deixe ao menos tentar fazer isso acontecer, por favor?

A linha permaneceu silenciosa por alguns minutos, pois Raquel estava relutante quanto ao que responder. Depois de tanto pensar, ela fechou os olhos e cerrou o punho, porque apesar da irritação que sentia, em alguma parte de seu interior ainda restava algum traço de confiança.

— Sérgio Marquina, eu somente lhe darei esta oportunidade pois eu te amo. Mas não deixe esse sentimento acabar por uma falha sua. Porque se isso acontecer, esqueça todas as intenções que um dia tivemos sobre permanecermos juntos. - ela informou deixando uma lágrima sutil escorrer pelo canto de seu rosto.

— Raquel, mas eu…

 Não precisa continuar. - ela o interrompeu. - Apenas faça acontecer. De nada vale a teoria se as ações não forem praticadas, e eu não quero me iludir com hipóteses improcedentes. Não de novo.

Antes que Sérgio pudesse continuar falando Raquel terminou a ligação sem se despedir, deixando-o pasmo e boquiaberto. 

— Caralho, o que foi que eu fiz? - ele perguntou de maneira retórica.

Marselha então andou próximo a ele e lhe deu alguns leves tapas no ombro, o que tirou sua atenção antes concentrada na chamada e no origami, que por sua vez estava incompleto.

— Seja perseverante. Eu sei que é complicado em uma situação assim, porém uma hora era irá compreender. Ela precisa compreender.

— Espero que esteja certo. - o Professor respondeu ajeitando seus óculos e abrindo em seguida alguns arquivos no computador para distrair sua mente.

Marselha então deixou o Professor à sós na sala e foi procurar por Alicia, que estava sentada em um dos bancos na cozinha com os cotovelos apoiados sobre a bancada comendo um pacote de balas de goma em formato de urso.

— E quanto à você? - perguntou ele. - Está bem?

— Ah, olá de novo loirinho. - ela falou com a boca cheia. - Para falar a verdade, não estou tão bem quanto gostaria. Creio que irá demorar até eu me acostumar com a ideia de que matei um ex-colega de trabalho. Se eu estivesse sozinha provavelmente iria procurar por uma garrafa de vodca, mas como você está fazendo questão de me vigiar…

— Contente-se com o açúcar, eu já lhe disse isso antes. - ele falou como se estivesse lhe dando um sermão, e depois deixou escapar uma risada.

Ele puxou um dos bancos para próximo de si e sentou-se de frente para Alicia, tomando o pacote de suas mãos para também pegar um doce.

— Então, sobre o que veio conversar? - questionou ela.

— Queria vir me certificar que estava bem depois daquilo. Ou prefere ficar sem companhia?

— Até que não é ruim um pouco de convivência humana de vez em quando, apesar de eu gostar mais da interação com os animais. Não é toa que já tive quatro gatos até hoje. - ela disse em meio à uma risada. - Bom, já que está aqui, posso aproveitar para lhe perguntar algo?

— E o que seria?

— Por que está me ajudando, Diego? De verdade. - perguntou ela de forma direta e objetiva. - Eu nem mesmo sou uma assaltante como vocês, estou aqui apenas por puro capricho.

— Não é um capricho. Ou irá me dizer que queria estar sendo interrogada? Você fez o que o seu instinto de sobrevivência considerou melhor.

— E não acha que esse instinto possa estar errado?

— Vindo de você, eu duvido muito. E eu serei sincero: acho que se você veio aqui, é porque quer uma segunda chance. E eu estou lhe dando a minha.

— Mas nessa segunda chance não estava incluso intervir em um homicídio cuja única culpada sou eu.

— Sierra, já está feito, não há porque ficar se remoendo. - ele afirmou deixando o pacote de lado e mantendo o olhar fixo ao dela. - E o que fiz uma escolha totalmente consciente para lhe deixar livre a fim de focar no mais importante. - disse ele apontando para sua barriga.

— Então você se importa a minha situação?

— Porra, Sierra. Já não fiz questão de garantir isso várias vezes?

— Não, acho que me expressei mal. Quero dizer, eu lhe desperto algum interesse? Alguma… afinidade? E é por isso que está interferindo?

Marselha então respirou fundo, pois aquela pergunta havia sido inesperada para ele. Entretanto não hesitou em respondê-la, já que não queria agir de forma falsa perante Alicia.

— Me desculpe se passou pela sua cabeça que estou tentando tirar proveito da situação. Mas como deseja sinceridade: sim. Acho que... há algum tipo de conexão diferente em você.

Naquele instante Alicia pensou ter tido a sensação de haver várias borboletas invadindo seu estômago, ao passo que um calafrio percorria o restante do corpo. Há muito não experimentava uma sensação parecida, e em nenhum momento imaginou que ocorreria em uma circunstância como aquela.

— Diego, eu tenho muito em que pensar. Muito mesmo. Não sei o que lhe dizer quanto a isso, e tampouco…

— Eu entendo. - ele a interrompeu. - Não quero que pense que estou pressionando-a para que seja mútuo. E não se lamente caso achar que não está preparada ou não possa corresponder. Somente escolha o que lhe for e parecer mais sensato. - ele afirmou com um semblante amigável.

Marselha deixou o pacote sobre a bancada e logo deixou Alicia sozinha, caminhando para fora do cômodo até que ela o perdesse de vista. Mordendo seu lábio inferior como quem estava reflexiva, ela deu algumas leves batidas na própria testa e esfregou as mãos no rosto, tentando assimilar tudo o que havia escutado.

Havia decidido efetuar ao Professor uma oferta sobre participar do plano pois estava preocupada com o presente. Mas e quanto ao futuro? Nem sequer tivera tempo de se questionar sobre isso, porque além de tudo, não queria se agarrar a falsas esperanças.

Nem mesmo se desapontar por uma tentativa frustrada de alcançar novos horizontes.


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Notas finais do capítulo

Se puderem, deixem uma sugestão ou comentário para eu saber o que estão achando, isso me ajuda e motiva muito a continuar escrevendo ❤
Mil beijinhos virtuais para todos vocês e nos vemos no próximo capítulo! :3



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