Copenhague escrita por Julie Morgan


Capítulo 4
Fantasmas do passado


Notas iniciais do capítulo

Olá meus lindos! Sentiram minha falta?
Nesse capítulo usei como inspiração essas duas músicas que aparecem com as letras na fanfic, e espero que escutem também durante as cenas para entrar no clima rsrs
https://www.youtube.com/watch?v=ARt9HV9T0w8
https://youtu.be/HFgKNWRC8dE
Boa leitura a todos :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789050/chapter/4

Qualquer um que observasse aquela cena perceberia a tensão pairando no ar. O Professor suava de nervosismo, e até mesmo suas mãos começaram a ficar trêmulas. Alicia, apesar de sua postura ríspida, sentia-se desgastada por dentro. Ambos precisavam de uma boa noite de sono para recuperar as energias e manter os pensamentos no lugar, mas essa realidade parecia quase inalcançável. Assim que terminaram de recolher todos os componentes eletrônicos, documentos e armas para defenderem-se, o Professor e Marselha começaram a carregar as caixas com a maior agilidade possível, pois qualquer minuto perdido poderia transformar-se em um estrago total.

Marselha foi o primeiro a retirar-se do esconderijo do Professor. Pegou a chave do carro de seu bolso e abriu o porta-malas, afastando-se para que Sérgio pudesse passar e colocar as caixas que carregava. Enquanto revezavam para voltar e buscar o restante dos objetos, Alicia entrou no veículo sem que percebessem e começou a carregar sua arma e a dos demais, que estavam ao seu lado no banco de trás em uma larga bolsa de couro preto.

Assim que os dois homens terminaram, fecharam o porta-malas e seguiram pelo trajeto indicado em um pequeno mapa que o Professor guardava consigo. Não poderiam arriscar serem identificados pelo sinal de GPS movimentando-se ao longo da estrada, então precisavam recorrer aos velhos métodos de orientação. 

Devido ao silêncio incessante e agoniante instaurado no ambiente, Marselha ligou o aparelho de som do carro e posicionou melhor o pendrive que nele estava solto.

— O que acham de uma música? Já que vamos permanecer juntos durante um bom tempo, talvez seja melhor nos distrairmos com algo, não acham?

Os outros apenas assentiram calados, permanecendo centralizados em seus próprios devaneios. Porém, quando Marselha apertou o pequeno botão vermelho escrito "Tocar faixa atual", era quase impossível conter o riso após seus olhos ficarem arregalados ao escutar aquela música.

At first, I was afraid, I was petrified

Kept thinkin' I could never live

Without you by my side

But then I spent so many nights

Thinkin' how you did me wrong

And I grew strong

And I learned how to get along

And so you're back (...)

— Professor, me desculpe! Você mesmo sabe que este carro é roubado, então… eu… sei que você não gosta deste tipo de música e... - era visível o constrangimento de Marselha ao escutar aquela canção, e quanto mais ele gaguejava, mais os outros dois riam de seu comportamento desajeitado.

— Não se preocupe, loirinho! Que atire a primeira pedra quem, em toda a sua vida, nunca fugiu da polícia espanhola ao som de "I Will Survive". - falou Alicia com ironia, deixando Marselha ainda mais envergonhado enquanto ela continuava os versos da música.

— Haha! Muito engraçado! Olhe como estou rindo, haha! - disse ele de modo sarcástico. - Não irá dizer nada, Professor? Quer que eu troque a música ou desligue o som?

— Não, não. Deixe como está. Acho que você só está piorando as coisas, Marselha. Além disso, acho que consigo sobreviver a isto. Entenderam o trocadilho?

Marselha revirou os olhos e continuou dirigindo, tentando manter-se focado em seu trajeto apesar das brincadeiras. Depois de quase uma hora percorrendo longos trechos de rodovias ao som de músicas dos anos 70, o asfalto e a paisagem urbana deram lugar a uma estreita passagem com arbustos floridos, árvores de porte mediano e grama muito verde, com cercas de madeira levemente desgastadas ao redor. Ao fundo do jardim havia uma grande casa em tons de cinza, com detalhes esculpidos em madeira ao entorno das janelas e uma grande varanda no andar de cima.

— Bem-vindos à Nenúfar. - disse o Professor quando Marselha parou o carro. Retirou seu cinto de segurança e apressou-se em sair para pegar seu equipamento, pois temia haver ocorrido algo no assalto enquanto estavam deslocando-se.

— Uma casa de campo? Não sabia que gostava de contato com a natureza, Professor. - falou Alicia, enquanto caminhava para o interior da construção admirando os cravos-vermelhos plantados no gramado da frente. Quando ela abriu a porta, não pode deixar de escapar um suspiro ao ver a sofisticação na decoração do imóvel. As luzes em tons amarelados contrastavam com as paredes e o porcelanato branco, assim como os detalhes escuros dos móveis. Um doce, porém sutil, aroma de lavanda emanava daquele local devido às plantas em pequenos vasos de flor, e isso deixou Alicia com uma certa sensação de nostalgia. Recordava-se de seus tempos de adolescente em que se encontrava com seus familiares distantes em uma casa de campo na cidade de Roncesvalles para comemorar seu aniversário com eles. 

— Utilizaremos a sala de jantar como nosso centro de operações, então me acompanhem por favor. Não podemos perder tempo. Preciso falar com Tóquio o mais rápido possível, pois o assalto não pode ser interrompido. - explicou o Professor carregando algumas caixas e com um ar apressado para continuar a operação. 

Começaram então a retirar os objetos de cima dos móveis para dar espaço para os dispositivos, e certificaram-se que o sinal de telefonia e internet estavam devidamente criptografados para comunicarem-se com o interior do Banco.

— Marselha, verifique para mim se todos os nossos celulares estão desligados. Não podemos ter interferências no sinal desta vez. - pediu o Professor enquanto sentava em uma cadeira e terminava de ligar seu computador e os comunicadores nos cabos indicados. Estando tudo pronto, ele entregou um headset para Alicia, e fez sinal para que sentasse próximo a ele. - Bem, é hora de tentar. Tóquio? Palermo? - perguntou ele ao iniciar a chamada. - Algum de vocês está na escuta?

—  Professor, sou eu. Tóquio. Lisboa está indo para fundição com Denver e Helsinki, ela vai coordenar a extração das pepitas de ouro a partir de agora. - informou a assaltante.

— Muito bem. E os reféns? 

— Palermo e Bogotá desceram para controlar a situação. Parece que tínhamos algum engraçadinho tentando realizar um motim. Mas não iremos deixar acontecer de novo. E como estão as coisas aí do lado de fora? Aconteceu algo?

Sérgio então suspirou e olhou para Alicia, que tentava acessar os códigos do sistema da Polícia com seu cadastro para encontrar os registros de alguma das ligações de Tamayo. Precisava informar Tóquio sobre a presença da inspetora ali, pois mais cedo ou mais tarde acabariam descobrindo. E, segundo os princípios de seu plano, nada deveria ser ocultado de nenhum outro participante.

— Bem… não sei como explicar isso exatamente, mas a partir de agora teremos outro participante da operação, e achei importante comunicá-la.

— Se ele estiver disposto a colaborar, por mim não há problema algum. E quem seria, Professor? Estou curiosa.

Alicia então ligou seu microfone e sorriu, apesar de saber que Tóquio não poderia vê-la.

— Olá, docinho. Reconhece a minha voz? - disse ela. 

Por um instante, Tóquio queria estar frente à frente com Sierra para dar-lhe um belo tapa na cara, ou quem sabe um soco, pois não conseguia suportar sua voz.

— O que essa filha da puta está fazendo escutando nossa conversa, Professor?! Você foi sequestrado? Está bem?

— Sim, sim. - respondeu ele. - Estou bem, e não. Não fui sequestrado. Alicia é nossa nova integrante, e espero que possa aguardar até amanhã para que eu seja capaz de explicar melhor o que está acontecendo. Apenas preciso que informe ao Palermo a seguinte frase: Da Vinci está vivo. Ele saberá o que fazer até eu entrar em contato novamente. Entendido?

— Não estou lhe reconhecendo mais. - afirmou ela com um notável rancor em sua voz. - Como você simplesmente liga e, sem mais nem menos, diz que a vadia que matou Nairóbi é a nova integrante do grupo?! Está me fazendo de palhaça, Professor? 

— Pode pensar que sou uma vadia, querida. - interferiu Alicia com seu tom de voz cínico. - Mas sou uma vadia excepcionalmente talentosa no que faço. Como dito pelo Professor, ele irá retornar amanhã com mais informações. Ah, e lembre-se… - completou ela. - A partir de agora me chame apenas de Copenhague.

— Filha de uma… — antes que Tóquio terminasse sua frase, Alicia encerrou a ligação e murmurou outro palavrão em voz baixa, o qual o Professor não conseguiu identificar. Ele sabia que a aceitação de Alicia dentro do grupo a partir dali seria bastante complicada, contudo era de vital importância que eles tentassem manter uma relação de profissionalismo.

— Espero que consiga convencê-los da minha importância aqui. Porque, como bem sabe, vocês precisam de mim. E eu de vocês. Se me der licença, preciso descansar.

— Mas Alicia, e as ligações de Tamayo…

— Convença-os primeiro. Não irei negociar com alguém sem confiança mútua. - antes que Sérgio continuasse falando, Alicia mostrou seu dedo do meio para ele e decidiu sair do cômodo. Não queria exceder seu nível de estresse pois estava cansada demais para isso. Ao retornar para a antessala anterior, subiu as largas escadas de granito com passos leves para que ninguém a notasse e entrou no primeiro quarto com o qual se deparou, trancando a porta assim que retirou seus sapatos. Jogou-se sobre a cama no centro do espaço e, logo após, em meio aos lençóis, encarou o teto pensativa.

Parabéns Alicia. Você agora está envolvida com pessoas que, por muito pouco, podem entregar sua cabeça em uma bandeja para aqueles cretinos da Polícia. Meus sinceros parabéns. ” - pensou ela antes de ser dominada totalmente pelo sono.

Horas mais tarde…

Alicia não havia comentado com ninguém, porém a poucos dias havia entrado em seu nono mês de gestação e sentia, mais do que nunca, fortes incômodos em seu corpo devido ao crescimento do bebê. Isso fez com que ela acordasse contra a sua vontade e fosse rapidamente procurar um banheiro, pois tamanha era sua sensação de náusea. Desceu as escadas com pressa e depois de abrir algumas portas erradas, por fim o encontrou. Ajoelhou-se em frente ao vaso sanitário e vomitou duas vezes, levantando-se assim que terminou.

A qualquer momento uma pequena criatura iria insistir em sair de seu corpo para explorar o mundo exterior, mas naquele momento ela sentia medo por isso. Medo da jornada que teria que enfrentar sozinha agora que era considerada uma foragida da polícia. E, sem qualquer tipo de apoio, pois sentia que no fundo nenhum dos membros do assalto iria ajudá-la. Não depois do que havia feito contra eles.

Ela foi então até a área da cozinha e abriu a geladeira, pegando uma garrafa de cerveja e indo sentar-se no banco de madeira do jardim para observar o céu e concentrar-se um pouco em si mesma. Estava tão cansada que havia perdido a noção de tempo e de quanto havia dormido, mas tampouco se importava com isso.

Sippin' on straight chlorine

Let the vibe slide over me (...)

Lovin' what I'm tasting

Venom on my tongue

Dependent at times

Poisonous vibrations

Help my body run

Talvez em outra época iria agir com certa indiferença, no entanto agora sentia seu lado emocional mais próximo de atingir a superfície. Era inevitável tentar conter as lembranças de sua vida naquele momento, apesar de não saber como lidar perfeitamente com seus fantasmas do passado. Pensava em como tudo teria sido diferente se, por um milésimo de segundo, pudesse voltar no tempo e ter escutado que aquela fatídica notícia era falsa.

I'm runnin' for my life (...)

Fall out of formation

I plan my escape

From walls they confined

Rebel red carnation

Grows while I decay

Mesmo seus anos de preparação na Academia Policial exigindo que ao final de tudo ela dispusesse de imparcialidade e insensibilidade para com certos aspectos, a ideia de perder aquele que mais amava para uma doença tão agressiva era arrasadora. Recordava-se de cada lágrima sua daquela noite em que estava no hospital, quando uma enfermeira repousou as mãos em seu ombro com um olhar de compaixão e consolo.

"Os resultados do exame estão sendo encaminhados para o doutor Santiago, mas sinto em dizer que eles são positivos. Meus sinceros pêsames." Enquanto ela engolia a bebida com anseio, não teve capacidade de evitar que escorressem algumas lágrimas teimosas ao longo de seu rosto. Era como se aquelas palavras ainda estivessem sido ditas para elas todas as noites, pois jamais conseguia esquecê-las. Não sabia ao certo, mas acreditava ter adquirido sua rigidez para com as pessoas a partir daquele fato. Talvez ela houvesse adquirido um certo mecanismo de defesa que a impedia de acreditar em outras pessoas de novo a partir dali, pois todos ao seu lado poderiam abandoná-la na menor das circunstâncias.

When I leave don't save my seat

I'll be back when it's all complete

The moment is medical (…)

I'm runnin' for my life (…)

Sippin' on straight chlorine

Marselha, que dormia em um dos quartos do andar de baixo, acabou acordando ao perceber pela janela que havia uma luz acesa em alguma parte da casa. Ao ir até a cozinha e não encontrar ninguém, dirigiu-se para a entrada da casa e viu Alicia mais à frente no jardim sentada de costas para ele, dando goles e mais goles de cerveja sem parar.

— Você não deveria estar bebendo isso não acha? - disse ele aproximando-se dela, vestido com um roupão preto por cima de seu pijama.      

— E quem é você agora? Meu pai para ficar me dando ordens? – disse de forma grosseira. - Me deixe sozinha.

Ele então tomou a garrafa de suas mãos e a afastou dela, sentando-se ao seu lado antes que ela o impedisse disso.

— Não vou deixar que se machuque. - afirmou ele.

— Claro. Você precisa de mim para que o Professor termine a merda do plano dele, não é?        

— Não, não é por isso. Não sou um desalmado. O que está acontecendo? Qual o problema?

Alicia relutou em responder algumas vezes, porém ele continuava a perguntar, insistindo que ela não ficasse calada.       

— Ok, quer mesmo saber? A verdade é que eu estou absolutamente fodida. Sou a porra de uma grávida solitária que matou uma mulher. Uma mulher que também tinha um filho... e eu fui a responsável por tirá-la dele. E eu não faço a mínima ideia de como olhar para mim mesma no espelho depois disso, por puro asco.

— Bom, não sou uma pessoa de muitas palavras, mas acho que você deveria… perdoar-se um pouco. O que é passado, é passado.

— Muito fácil dizer isso assim. Aposto que está se perguntando quanto eu recebi para vigiar vocês ou algo do tipo.

— Acho que se você realmente tivesse essas intenções, pediria outra pessoa para sujar as mãos por você, não acha? - Marselha então a fitou com um olhar tenro e tirou do bolso de seu roupão uma pequena barra de chocolate. – Vamos, nada de álcool por enquanto. Pode ser perigoso. Doces já são o suficiente.

Ela esboçou um sorriso meio desajeitado e aceitou, abrindo o chocolate e pegando um pedaço.

— Obrigada, loirinho.

— Pode me chamar de Diego. Diego Montoya. Mas não conte ao Professor que lhe disse meu nome.

— Alicia Sierra. - ela então estendeu sua mão para cumprimentá-lo. - Mas creio que já tenha escutado meu nome nos noticiários. Eles não falam em outra coisa.

— Nisso você tem razão. - Diego esboçou um sorriso amigável e continuou conversando com a inspetora por mais longos minutos antes que voltassem para seus respectivos quartos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Quero saber as opiniões de vocês!
Nos vemos no próximo capítulo
Beijinhos :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Copenhague" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.