Sangria Wine escrita por Nunah, Mandy-Jam


Capítulo 4
400 a.C.


Notas iniciais do capítulo

Galera, vocês não fazem ideia de como nós SURTAMOS escrevendo esse capítulo! Aproveitem muito!



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POSEIDON

    Em um instante meus pés descalços estavam sobre o mármore gelado que era o chão do Salão dos Tronos olimpiano, em outro afundavam na areia branca e quente de uma praia paradisíaca. Foi nesse momento que eu soube. Muita coisa ainda estava por vir e nós nem fazíamos ideia da extensão do que Afrodite tinha planejado.

Foi preciso alguns momentos para que todos percebessem onde estavam. Não que soubéssemos, mas ser abduzido no meio da noite pela deusa do amor não era algo de que se recuperasse com rapidez. 

Olhei ao redor, tentando reconhecer o terreno, mas nem eu conseguia sentir familiaridade com aquele pedaço de terra esquecido no meio do oceano. Por causa da hora, a maré estava um pouco elevada e soprava uma brisa fria até nós.

    Afrodite abriu os braços, como se quisesse abraçar sua ilha inteira de uma só vez, e começou todo o seu monólogo sobre o espaço em que supostamente comemoraríamos seu aniversário, mas meus ouvidos pareciam estar debaixo d’água. 

A cada palavra que ela proferia, menos eu parecia conseguir entender. Meus olhos se fixaram nas três mulheres paradas mais adiante tão logo as encontraram. Elas pareciam aguardar pacientemente  até que estivéssemos prontos para nos juntar à sua companhia.

— Poseidon, você está sendo rude. Estou falando e quero a atenção de todos – declarou Afrodite, entrando em meu campo de visão. Ela parecia mais uma miragem do que uma imagem real.

    — Afrodite, aquela é a minha esposa? – questionei, exasperado. Algo naquelas mulheres me era muito familiar, principalmente em uma delas. Não sei o que seria pior, encontrar Anfitrite depois de tudo aquilo ou tê-la ali como testemunha de meus atos.

A deusa do amor ergueu um pouco as sobrancelhas, como se não esperasse ouvir aquela pergunta. Girando-se nos tornozelos, as mãos na cintura, olhou na mesma direção e depois me encarou, divertida.

— Claro que é a sua esposa. Não consegue reconhecê-la? – os cantos de seus lábios lutavam contra um sorriso travesso.

— Por que caralhos você traria a minha esposa para cá? – retruquei, irritado e impaciente. Aquilo estava se tornando a receita perfeita para o caos e eu tenho certeza de que ela estava adorando.

— Dá para você cortar essa conversinha e deixar ela terminar de falar? – reclamou Dionísio enquanto andava em nossa direção, suas pantufas de tigre batendo pateticamente contra a areia e o fazendo cambalear sem muito equilíbrio. – Quanto mais cedo a meliante nos contar sobre a ilha, mais cedo voltamos todos para casa e acabamos com essa palhaçada.

— Cale essa boca, sou eu quem está falando agora! – respondi, sem muita paciência para aguentar a constante irritação de meu sobrinho dessa vez. Eu tinha certeza de que meu olhar não era dos melhores, claramente expressando o quanto eu gostaria de arrancar a bela cabeça da deusa do amor. – Você e Anfitrite se odeiam. Por que ela está aqui?

Minha esposa detestava a presença de Afrodite desde que ficara sabendo do caso que tivemos durante um verão em Santorini. Foi curto, infelizmente, mas intenso o suficiente para causar um impacto no meu casamento e me fazer dormir no sofá da ala mais fria do palácio por meses. Eu não poderia culpar Anfitrite por sua reação, mas fui perdoado, como sempre, depois de encher minha esposa de presentes caros e jurar que nunca a faria passar por uma situação vergonhosa envolvendo a deusa do amor novamente.

E aqui estamos, na situação mais horrenda e embaraçosa que nos aconteceu em milênios, pensei. Pelos deuses, estou com uma samba-canção de golfinhos!

— Eu não odeio a sua mulher – respondeu, a expressão horrorizada. – Por que acha isso?

Afrodite era a atriz perfeita. Com os olhos esbugalhados, a mão sobre o peito, a boca levemente aberta. Eu poderia esganá-la.

Ainda tentando conter minha fúria, agarrei seu braço com força e a arrastei alguns metros para o lado, buscando uma sensação de falsa privacidade, mesmo que todos ainda pudessem nos ouvir.

— Você não se lembra que dormimos juntos e ela descobriu? – atirei de volta, a voz baixa e beirando a urgência. Para mim, era tudo muito óbvio e Afrodite estava se fazendo de desentendida para a própria diversão, mas a deusa franziu o cenho e me encarou como se eu estivesse falando alguma língua dos cavalos-marinhos.

— Você e eu? Juntos? – repetiu, balançando a cabeça. — Não, não me lembro.

Ouvi alguns deuses prendendo o riso diante daquela resposta e trinquei os dentes, sentindo uma imensa vontade de enterrar Afrodite embaixo da areia da praia, de ponta-cabeça. Respirei fundo, sentindo o mar se agitar atrás de mim, respondendo à minha raiva. Larguei seu braço e ela prontamente alisou suas vestes, sorrindo novamente.

— Ah, mas ela se lembra. E muito bem – respondi com desgosto. – E pode apostar que não vai gostar de estar aqui para comemorar o aniversário de uma das minhas amantes.

— Querido, só porque nós talvez tenhamos transado uma vez, isso não me faz sua amante. – riu com graça, ajeitando os cabelos, como se estivesse corrigindo a fala de uma criança. – Anfitrite é sua esposa, logo, é família. Além do mais, ela não é a única rainha que eu chamei.

— O que quer dizer com isso? – perguntou Hades, acotovelando-me para o lado, que até então tinha se mantido longe de toda a discussão. O deus dos mortos estreitou os olhos para a direção onde as mulheres estavam. – Perséfone?

— Anfitrite, Perséfone e Héstia também foram convidadas – confirmou Afrodite, repentinamente empolgada mais uma vez. – Sinceramente, vocês precisam aprender a reconhecer as próprias esposas! Agora, digam-me, essa não vai ser a festa do século? Quero que todos sejam muito bem-vindos à minha ilha particular. Aqui, vamos celebrar o Carnival Escarlate e nos divertir como nunca visto em nenhum outro momento da história! Mas, antes que eu possa entrar em detalhes, vamos nos juntar às nossas outras convidadas para um brinde. Está quase na hora do meu nascimento!

As palminhas que eram sua marca registrada se fizeram presente. Fiz uma careta, assim como a maioria dos outros. Hades ainda estava em choque por ter sido arrastado até ali e dar de cara com a própria esposa, assim como eu. No entanto, ao contrário de mim, ele não passava muito tempo ao ar livre. Será que o ar puro havia se tornado tóxico para ele? Não deveria ser muito bom viver sempre sob a terra, naquele lugar abafado e com cheiro de mofo. Eu deveria manter um olho em Hades, só por garantia. O que aconteceria se o deus dos mortos virasse, de fato, um morto? Ele seria um zumbi imortal? Isso faria com que ele virasse um vampiro?

Foi só quando Hermes me beliscou que comecei a andar. Havia ficado para trás, preocupando-me com o bem-estar de meu irmão. Fiz questão de me manter em último. Pela primeira vez na minha vida, senti o mais próximo que um prisioneiro andando pelo corredor da morte em direção a cadeira elétrica deve sentir. À medida que nos aproximávamos das últimas horas da noite, a ilha foi se tornando levemente mais nítida. Altas montanhas no horizonte, vegetação densa em algumas partes e algumas construções de cores claras em pontos mais elevados.

O perfume de Anfitrite viajou até mim com a brisa, doce como uma piña colada. Minha esposa esperava de braços cruzados, semblante sério e cabelos soltos por cima dos ombros, caindo como ondas.

— Amor – tentei sorrir, mas minha voz tremeu, entregando meu nervosismo. Limpei a garganta. – O que está fazendo aqui?

Anfitrite olhou para a deusa do amor, que cochichava algo no ouvido de Ares, alheia à nossa conversa. O icor em minhas veias gelou.

— Eu fui convidada — respondeu, lentamente voltando-se para mim, nem um pouco feliz.

— Não precisava vir – disse, ficando ainda mais nervoso. Anfitrite apontou uma de suas longas unhas na direção dos outros deuses.

— Hera está aqui com Zeus, Perséfone está aqui com Hades, mas eu não precisava vir? – neguei prontamente, mas estremeci quando minha esposa ergueu uma sobrancelha. – Ela disse que você viria de qualquer forma, então eu pensei, por que não? A não ser que você não me queira aqui.

Cada uma de minhas palavras, dali para frente, deveriam ser muito bem pensadas. Eu estava preso, como diziam os mortais, entre a cruz e a espada. Gostaria de poder dizer que os deuses me protejam, mas eles estavam mais ocupados protegendo a si próprios no momento.

— Eu jamais dispensaria a sua companhia, minha querida! Eu só não quero que você se sinta obrigada a estar aqui – assim como eu, quase acrescentei, mas resolvi relevar esse detalhe por enquanto. Anfitrite deu de ombros, pois era a vez dela de fingir casualidade, como se o fato de Afrodite ser o centro das atenções de todos os olimpianos não a incomodasse. Bem. Dois podem jogar esse jogo.

— Não se preocupe com isso. Foi bom eu ter vindo – respondeu, descruzando os braços. – Assim, se a deusa do amor resolver sair nua de dentro de um bolo gigante de aniversário, eu vou poder socar seu queixo de volta para cima para a sua boca não ficar aberta por muito tempo.

Anfitrite sorriu um sorriso que beirava à perversidade, mas que para todos os outros poderia parecer carinhoso. Forcei um sorriso em resposta, sentindo calafrios descerem pela minha espinha.

Nesse momento, Afrodite bateu palmas mais uma vez.

— Agora que estamos todos reunidos, por favor, atenção. Temos alguns minutos para o nascer do Sol, então me acompanhem. 

A deusa do amor estalou os dedos e, uma a uma, tochas foram se acendendo, delineando uma trilha que se perdia na vegetação. O fogo dançava no ritmo ditado pela brisa marinha, convidativo, e a deusa do amor foi em sua direção. A areia quente se transformou em cascalho e folhas secas e, aos poucos, alguns sinais de civilização foram surgindo. A iluminação aumentou e apareceram colunas imponentes e bem desenhadas em mármore branco perfeitamente esculpido.

O terreno se abriu e nos vimos parados em um pátio que parecia ter sido transportado diretamente de nossa existência na antiga Grécia. As colunas eram mais altas e numerosas, a vegetação rebelde se misturava à decoração com harmonia, o chão era feito de diversos mosaicos rachados pela ação do tempo e, no centro, uma grande fonte, com uma estátua de uma mulher nua saindo de dentro de uma concha. É claro. A água da fonte caía ao seu redor em abundância, seguindo o caminho da escultura que imitava as ondas do mar.

A deusa do amor nos guiou até uma escadaria do outro lado do pátio e, com ela, a uma longa sacada esculpida. Pelo trilha, não pudemos perceber o quanto estávamos subindo, mas agora víamos uma extensa paisagem sob nossos pés. Enquanto contemplávamos o local que fora belamente orquestrado para aquilo tudo, misturando elementos da natureza e resgatando nossas memórias com aquelas lindas estruturas antigas, diversos servos de Afrodite apareceram em fileiras, todos homens e mulheres jovens e de aparência agradável, vestidos de modo provocante e revelador.

Eles seguravam bandejas estupidamente caras, atulhadas com taças de ouro cheias de alguma bebida.

A deusa do amor foi até a beirada, seus passos ecoando pelas paredes até o teto alto. Dali, tínhamos uma ampla vista do horizonte e uma visão privilegiada do nascer do Sol. Afrodite, quase em êxtase, estendeu a mão e uma das servas correu para lhe entregar uma das taças de ouro.

— Convidados – começou ela, de forma solene. Afrodite ergueu a taça para nós com um sorriso largo. A deusa agora estava perfeitamente de costas para a vista e de frente para nós. – Proponho um brinde. Em meu nome, é claro.

Revirando os olhos, peguei uma das taças de ouro da bandeja mais próxima e senti seu peso em minha mão, voltando meus olhos para Afrodite, que aguardava para ter certeza de que todos os seus convidados seriam servidos.

— O que seria do mundo sem amor, já se perguntaram isso? Como seria triste uma existência privada de prazer, da capacidade de amar e ser amado, e de poder admirar o belo! – declarou com uma voz doce e envolvente, fazendo com que cada um de nós prestasse absoluta atenção – Hoje, o amor e a beleza completam quatro mil anos de existência, e eu proponho um brinde! Um brinde aos novos amores, às novas paixões e ao poder de se permitir ter prazer! Um brinde a Afrodite!

O amanhecer chegou lento e dramático, disparando os primeiros raios de sol do dia em nossa direção, por trás de Afrodite. A deusa do amor se iluminou de forma quase celestial, tirando o fôlego de seus convidados, envolta em beleza e harmonia. Sua imagem era tão hipnotizante, mesmo vestida, que nenhum de nós se lembrou por um segundo sequer o quanto estávamos com raiva dela.

Esse foi o nosso erro.

Erguemos nossas taças, ecoamos sua última frase e levamos a bebida aos lábios. Afrodite bebeu um gole, um gole grande e lento, como se saboreasse o momento de uma forma particular e distante.

O gole que eu dei foi curto, mas o sabor de o que quer que fosse aquilo foi tão intenso que precisei de mais um. O gosto era doce, mas cítrico, como uma safra muito específica de uva, a qual eu nunca provara, misturada com maçã verde, talvez morangos e… Várias outras coisas que meus sentidos pareciam apreciar.

— O que é isso? – foi a voz de Apolo que ouvimos primeiro. Curioso, o deus do sol olhou para a taça em sua mão e depois para Afrodite, que sorria com felicidade. Hermes não se contentou só com a sua e, com agilidade, roubou a taça do irmão, esvaziando-a também. Apolo protestou e ele riu, encolhendo os ombros. – Ei! Eu queria mais!

— Fico feliz que tenha gostado. Esse é um drinque que eu mesma criei no meu tempo livre. Batizei-o de Sangria Wine, ou apenas Sangria – respondeu, orgulhosa e travessa. – Ele vai ser o nosso pontapé inicial, meus queridos amigos. Isso marca o começo do Carnival Escarlate.

Uma taça caiu no chão sonoramente, atraindo nossa atenção. Todos abriram espaço e pudemos ver Dionísio de olhos arregalados, paralisado enquanto encarava o nada fixamente. Por um segundo, temi pelo que eu bebera. Seria Afrodite louca o suficiente para envenenar nossas bebidas? O que ela ganharia com isso?

Meu desespero só aumentou quando os joelhos gordinhos do deus se dobraram e ele caiu no chão, sentado em suas próprias pernas.

— O quê? – indagou Atena, antes de mim. Sua voz parecia controlada, mas transmitia preocupação ainda assim.

— Eu não acredito – disse ele, quase sem voz. O deus respirou fundo, seus olhos se enchendo de lágrimas. – Eu achei-- Achei que era uma piada de mau gosto. Achei que tinha me trazido aqui para que eu visse todo mundo beber essa porcaria, mas eu não. Só que--

— Só que o quê? – questionei apressadamente. – O que está acontecendo?

— Isso não é Diet Coke! – gritou, apontando para a taça com a bebida tombada no chão como uma poça de sangue. – Isso não tem gosto daquela merda de Diet Coke, isso é vinho! Vinho! E eu bebi vinho!

Afrodite começou a rir em divertimento, enquanto Zeus olhava para a cena retorcendo seu rosto em uma raiva crescente.

— Como isso é possível?! – a voz dele ecoou, potente e bruta como um trovão. Seus olhos estavam alucinados.

— Ah, eu vou explicar – Afrodite assentiu com a cabeça. – É tudo muito simples, na verdade. Acho que vocês não vão ter muita dificuldade de entender. São convidados em minha ilha e, embora eu tenha tido que insistir muito para que viessem, estão todos aqui por vontade própria.

— Vontade própria não é a palavra exata para isso – comentou Ares, revirando os olhos.

— Até porque vontade própria são duas palavras, e não uma só – corrigiu Apolo, que recebeu um rosnado agressivo em resposta. Afrodite pigarreou.

— E vocês deliberadamente aceitaram um brinde em meu nome. Serviram-se de Sangria Wine e entoaram uma pequena reverência a mim. Perséfone, você pode explicar o que acontece quando se aceita comida ou bebida no reino de alguém?

A deusa da primavera corou diante da súbita atenção. Hades segurou o braço da esposa, aninhando-a contra si, como se quisesse protegê-la das palavras de Afrodite.

— Em meu reino em específico, as sementes de romã são sagradas e qualquer um que as ingere está destinado a ficar sob meu controle para sempre – respondeu o deus em seu lugar, nada feliz com aquilo. – Mas se está comparando as situações, está muito enganada. Essa ilha pode ser sua, mas não é seu reino.

— Não, é meu – peguei o gancho e fitei Afrodite com um desafio silencioso. 

— Não é, não. Não mais, pelo menos – negou com um sorriso um tanto malicioso no rosto. – Você não lembra dessa ilha, querido Poseidon? Esta é a ilha de Kane.

— Mas a ilha de Kane sumiu há milênios, umas das várias do arquipélago das Ilhas Salomão – disse Atena, intrometendo-se na discussão. Ao ver minha expressão confusa, a deusa da sabedoria prosseguiu. – Ela foi o local onde ocorreu a batalha marítima em que Atenas derrotou Esparta. A guerra do Peloponeso, Poseidon.

— Que se foda o background histórico! – exclamei para ela, impaciente. – É uma ilha, está no oceano, e pertence a mim!

— Essa, em específico, não. Veja bem, foi você quem a afundou em um acesso de raiva durante uma discussão do Conselho Olimpiano – disse Afrodite, piscando seus grandes olhos. – E me lembro muito bem de você renegá-la por completo, o que a torna minha agora. Nada mais justo, já que fui eu quem a trouxe de volta à vida. 

— Você não pode fazer isso! – rugi com raiva. 

— Está feito, mas mantenha a compostura. Esse não é nem de longe o ponto principal – riu ela com um prazer quase sexual em nos ver desesperados. – Ao ingerirem essa bebida dentro de meu reino, vocês se colocaram sob meu controle completo. Estou anunciando agora mesmo que serão meus durante toda a duração do Carnival Escarlate. Isso quer dizer que não poderão sair da ilha sem minha permissão, e com certeza não a tem.

— Presos? – concluiu Hermes, nervoso, enquanto olhava para todos os lados procurando uma escapatória. – Não, isso está errado! Eu nunca fui preso!

— Talvez devesse, seu ladrão miserável – resmungou Apolo.

Não, eu vou embora, decidi. Vou virar minhas costas e voltar nadando para casa.

— Mas isso não é uma punição, é claro. É meu aniversário, deixei isso bem explícito, e vocês continuam sendo meus convidados. Só terão que seguir algumas regras, e aqui vão elas – Afrodite começou a contar nos dedos. – Primeiro, estão desprovidos de seus poderes divinos. 

Zeus parecia ter sido atingido no rosto por um soco. O deus dos deuses, em um ímpeto de fúria, ergueu a mão pronto para conjurar um raio e fritar Afrodite viva, porém nada aconteceu. Nenhuma faísca, fagulha ou atrito foi feito.

O todo-poderoso Zeus, também conhecido como rei dos deuses, por seu poder e fúria implacável, ficou pálido. Se eu mesmo não estivesse em pânico, teria tido muito prazer em soltar uma gargalhada alta e sonora.

— O que também tira seus títulos, essa é a segunda regra. Aqui vocês são apenas convidados, ninguém é mais especial do que ninguém. Por exemplo, Apolo. Você não é mais o deus do sol e da música… Nem mesmo considerado um símbolo de beleza – explicou, acariciando seu queixo, enquanto Apolo piscava os olhos, aturdido. – Embora ainda continue muito belo.

— Obrigado? 

— Seus votos, sejam eles quais forem, também não valem nada aqui – prosseguiu a deusa do amor, passando para perto de Hera, que assoprava o marido a ponto de desmaiar. – Votos de casamento e fidelidade, por exemplo, estão expirados. 

A deusa do casamento parou de soprar imediatamente e acompanhou Afrodite com grandes olhos de choque.

— Votos de castidade também. Argh, esses estão tão desatualizados! – exclamou, olhando para Ártemis. – Eles são tão 400 a.C.!

— Fique longe da minha irmã! – Apolo alertou, superprotetor. Afrodite gargalhou, olhou para Atena e deu uma piscadinha. A deusa da sabedoria desviou o rosto, em negação.

Para quebrar um voto de castidade, você precisa que alguém queira transar com você, pensei. No caso de Atena, isso deve ser quase impossível.

Foi só então que percebi que minha esposa estava ao meu lado. Olhei para Anfitrite com curiosidade, apenas para descobrir que ela escutava tudo com um interesse que fez acender várias luzes vermelhas em minha cabeça.

— Terceira regra. Punições não se aplicam aqui, por isso, não se preocupem com o que vão fazer. Não poderão ser julgados, e também não vão carregar julgamentos de crimes antigos – Afrodite ergueu Dionísio e deu dois tapinhas de incentivo em seu rosto. – Beba o quanto quiser.

O deus do vinho abriu um sorriso largo e cheio de dentes, nitidamente transtornado. Muitas vezes, as pessoas se esqueciam de que ele também era o deus da loucura. Seus olhos brilharam com uma luz quase cegante, e ele ergueu os braços enquanto ria. Videiras começaram a crescer, descendo do telhado e se enrolando em tudo que estava ao alcance, brotando cachos de uva por todo o teto e ameaçando tomar conta dos próprios servos.

— Essa vai ser a festa do século, e eu vou me certificar disso! – Dionísio puxou o rosto de Afrodite repentinamente e beijou sua boca. – Feliz aniversário!

— Estamos condenados – murmurou Hermes enquanto negava com a cabeça, seus olhos arregalados de medo.


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Notas finais do capítulo

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P.S. Vou deixar isso aqui como quem não quer nada: https://blog.sonoma.com.br/receitas/receita-sangria-tradicional-vinho-tinto/



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