Sangria Wine escrita por Nunah, Mandy-Jam


Capítulo 5
Gentileza


Notas iniciais do capítulo

Sim, mais um capítulo, porque nós não temos disciplina nenhuma e a criatividade tá rolando solta rs



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ATENA

    O medo socava meu peito com força, enquanto eu tentava lutar contra meus instintos. A vontade que me acometia era a de me transformar em uma coruja e sair voando o mais rápido possível daquela ilha maldita e daquela situação absurda, mas sabia lá no fundo que não chegaria tão longe antes que Afrodite me trouxesse de volta. 

    Talvez ela nem mesmo precisasse, talvez a magia de sua bebida especial me impedisse de fazer uma transformação envolvendo meus poderes.

    Eu não tenho mais poderes, pensei em pânico. Não aqui, não por três dias.

    — Pare com essa loucura imediatamente! – urrou Zeus para Dionísio, que continuava gargalhando e fazendo videiras crescerem. O deus do vinho olhou para o pai com grande satisfação, exibindo um sorriso que ele provavelmente não esboçava fazia séculos.

— Você não manda mais em ninguém agora! – exclamou, apontando com um de seus dedos gordinhos para Zeus, que retorcia o rosto em desgosto. – Não ouviu o que ela disse? Você não é mais rei de porra nenhuma! Agora cale essa boca, seu escroto!

Todos arregalaram os olhos, ainda sem saber lidar com a ideia de que alguém podia abertamente xingar o senhor do Olimpo daquela forma. Em uma situação normal, Dionísio não seria mais do que um monte de poeira agora, destinado a vagar pelo ar por séculos até ter força o suficiente para voltar à uma forma física.

— Como você ousa? – sibilou o antigo senhor dos céus, o ódio fervilhando em sua pele. O silêncio onde deveriam estar os estalos de raios de eletricidade era gritante. – Eu deveria--

— Você deveria realmente calar essa boca! – exclamou Poseidon. O deus dos mares fitava Afrodite, completamente atordoado e à beira de um colapso nervoso, embora sua fala fosse dirigida a seu irmão. – Eu juro, se eu escutar a sua maldita voz mais uma vez--

— Com quem pensa que está falando? – Zeus avançou contra o irmão. Hera deu um passo junto dele, seu rosto pálido e urgente, sem saber o que aconteceria.

— Estou falando com você! – Poseidon se virou rapidamente e encarou Zeus. – Você, que não está ajudando em nada! Nenhum de nós tem poderes e estamos todos fodidos, mas você insiste em fazer essa cena! Cale essa boca antes que eu afunde meu punho na sua cara! 

Ares sorriu de orelha a orelha, feliz como um tubarão ao sentir cheiro de sangue. Lancei um olhar repreendedor para ele, mas não serviu de nada. O deus da guerra entoou um alto “Uuuuuh!”, animado por incentivar a briga iminente. 

— Sou eu quem vai afundar meu punho na sua cara! – Zeus avançou mais uma vez, mas Hera lhe agarrou o braço e começou a puxá-lo para trás. Poseidon também fez menção de ir contra ele, mas Anfitrite lhe segurou, gritando para que o marido se acalmasse. 

Hades, revirando os olhos ao ver os irmãos brigando, deu um passo para trás, acompanhado de Perséfone. De todos os deuses aqui condenados, os dois deveriam ser os mais calmos da situação. Eram o casal com menos problemas e estavam juntos, então nada os atingiria. Porém, Afrodite adorava um bom desafio, e ninguém estava seguro.

— Ah, vai?! Pode vir, então! Tente acertar um soco! – exclamou Poseidon, contorcendo-se nos braços na esposa. – Me solta, eu vou quebrar esse babaca ao meio!

 — Pare com isso! – ao contrário de Hera, claramente desesperada e preocupada, a expressão de Anfitrite exibia mais irritação com Poseidon do que qualquer outra coisa.

— Isso não é a solução para nada! – falei, intervindo. Entrei no meio dos dois, o que fez meu pai instantaneamente parar de avançar, mas não varreu sua raiva para longe. Ele ainda fitava Poseidon com ódio, e era retribuído da mesma forma pelo deus dos mares.

— Vou derrubar você também se não sair da frente – Poseidon grunhiu, com ainda mais raiva. Olhei para meu rival com desprezo e repreensão.

— Nós temos outra inimiga em comum por ora, guarde sua raiva para ela.

Ele finalmente conseguiu se soltar dos braços de Anfitrite, parando a centímetros de mim. Perto o suficiente para que sua respiração se misturasse com a minha. Mantive-me parada, com compostura e firmeza, sabendo de todos os golpes que eu poderia aplicar para derrubá-lo caso me atacasse. Poseidon me encarou de modo estranho, como se debatesse internamente suas opções.

 — Está mais calmo?

O deus dos mares abriu a boca, mas, ao invés de ouvirmos sua voz, escutamos Afrodite batendo suas malditas palminhas, como se aplaudisse a cena toda com entusiasmo.

— Isso mesmo! Finalmente estão entendendo o espírito da coisa! – disse com animação. – Vocês dois finalmente podem colocar o ódio de lado e ficar bem mais próximos um do outro! 

Pisquei os olhos, atônita ao perceber o que ela estava tentando implicar. 

— O quê? Depois desse tumulto todo, é nisso que está pensando? Quer que nós… Que nós… 

Poseidon se afastou abruptamente, exasperado, negando freneticamente com sua cabeça. 

— Você é tão doente da cabeça quanto é bonita, Afrodite. Meus parabéns – declarou ele, uma careta de nojo no rosto. Em seguida, ergueu as mãos como se estivesse desistindo, virou as costas para nós e saiu em passos largos da sacada, sumindo por entre as videiras. 

Acompanhei-o se afastar com os olhos e depois me voltei para Afrodite.

— Você perdeu completamente a cabeça – disse, séria, e ela sorriu para mim como uma criança travessa. – Não somos mortais, não seremos sujeitados a esse tipo de humilhação só para que você se entretenha. Liberte-nos agora mesmo, é uma ordem.

— Oh, mas é exatamente isso que estou fazendo! Estou libertando vocês! Pare de ser dramática, Atena – Afrodite moveu a mão do ar como se descartasse tudo aquilo. – Agora, vocês têm três dias inteirinhos para fazer o que sempre quiseram fazer, mas nunca puderam antes. Deveriam estar me agradecendo de joelhos!

Naquele momento, Dionísio gritou, apontando para algo a nossas costas. Novamente em pânico, todos nos viramos e acabamos dando de cara com Hermes em pé sobre a beirada da sacada, em posição para decolar com seus sapatos alados. 

O deus congelou no lugar quando se viu o centro das atenções, os olhos arregalados. Fechando a cara, ele desceu de onde estava e apontou de volta para Dionísio.

— Você é tão culpado quanto ela! Estamos em uma prisão e, como todos sabemos, X9 morre cedo!

Hermes se virou e rapidamente saiu dali, emburrado como Poseidon.

Como se acordasse de algum transe, depois de ver a tentativa de fuga de seu amigo e irmão sendo frustrada, Apolo exclamou: 

— Agradecendo? De joelhos? – a voz do deus da música desafinou, e ele limpou a garganta para se controlar. Tentou forçar uma expressão simpática em seu belo rosto, mas era outro que estava à beira de um colapso. – Bem, acho que devemos levar em consideração que existem alguns problemas nesse seu maravilhoso plano. Não deve ter pensado nisso, mas estou aqui pronto para pontuar que alguns dos seus convidados têm tarefas muito importantes e que não podem ser interrompidas.

Apolo puxou Ártemis para perto de si pelo ombro e sorriu de modo triunfante para Afrodite.

— Como, por exemplo, guiar o Sol e a Lua. Imagine só a confusão que seria se ficássemos longe por três dias? Impossível. O mundo mortal certamente ruiria – ele riu com nervosismo. Ártemis assentiu em concordância, o semblante frio e sério.

— Ele tem toda a razão. 

— Pelo que eu me lembre, existe uma programação de navegação automática no carro de ambos – Afrodite respondeu, fingindo pensar no assunto. – Ou estou errada?

O sorriso de Apolo passou a ser mais forçado do que amistoso e, entredentes, ele foi forçado a admitir:

— Bem, sim, mas-- 

— Perfeito! – sorriu ela, feliz com a resposta.

— O que meu irmão não tem coragem de dizer é que odiamos esse evento e nem mesmo queríamos vir – disse Ártemis, revirando os olhos, sem paciência para a falsa cordialidade de Apolo.

— Ártemis, não fale assim! – os olhos de Apolo estavam esbugalhados e cheios de medo.

— Ah, corta essa! Você estava tentando inventar uma desculpa para não vir, e eu te disse que preferiria enfiar minha mão coberta de mel em um formigueiro do que passar por um segundo dessa comemoração ridícula. Veja só, eu estava certa – a deusa sorriu sem mostrar os dentes. Afrodite levou a mão ao peito, ofendida. – O que queremos dizer é bem simples: nos solte ou vou cortar você em mil pedaços com meu facão de caça.

— Você não pode ameaçar um sequestrador! – exclamou Apolo, desesperado. – Nunca viu um filme de ação sequer? Temos que tentar gentileza primeiro!

— Desculpe – cedeu Ártemis. Seu sorriso para Afrodite se tornou radiante. – Nos solte ou vou cortar você em mil pedaços com meu facão de caça com gentileza. Por favor. 

Apolo gemeu de frustração.

— Por que eu estou sendo punido dessa forma? Por quê? – questionou, olhando para Afrodite. – É porque eu sou bonito? É isso? Se queria ter a chance de dar uns amassos, era só pedir, sabe? Eu sou bem acessível, e sempre tenho uma brecha na agenda para um encontro romântico.

— Você sabe que não é o único convidado da festa, não é? – pontuou Afrodite, arqueando as sobrancelhas. Apolo, como sempre, achava que o mundo girava em torno dele desde que Galileu provou que o Sol era o centro do Universo.

O deus olhou em volta, como se finalmente tivesse se lembrado da nossa presença, e se voltou para Afrodite assentindo com a cabeça.

— Certo, tudo bem. Eu vou me sacrificar pelo grupo aqui, ok? Podem me agradecer depois – falou como se fosse um herói, e tirou a camisa, exibindo seu peitoral definido e seu abdômen trincado. – Nós transamos e depois você nos deixa ir, não é?

— Não se negocia com terroristas, Apolo – repreendeu Ártemis.

— Ah, agora você vê filmes de ação? – resmungou para a irmã.

Antes que Ares tivesse a chance de arrancar metade dos dentes de Apolo com um soco, Afrodite começou a gargalhar como se fosse a piada mais engraçada que ela ouvira em milênios. A deusa do amor se curvou de tanto rir, e Apolo ficou chocado. A pele clara de seu rosto foi se tornando rosada, até atingir uma cor vermelha arroxeada. Eu não sabia identificar se era por raiva ou por vergonha.

— Ah, céus! – ria ela, tentando se recompor. Limpou lágrimas dos olhos e chegou perto de Apolo, ainda rindo. – Ora, se isso não é um bom presente de aniversário. Muito obrigada, mas vou recusar sua oferta, querido.

Enquanto falava com ele, Afrodite passava um dedo pelos músculos de Apolo, parando em seu mamilo, brincando com ele, ainda achando graça. O rosto de Ares se contorceu e ele cerrou os punhos. Não tão feliz com as brigas agora, não é?

Ao perceber que tinha sido rejeitado, o deus do Sol afastou a mão dela de si com uma expressão de rancor e bateu o pé no chão como uma diva.

— Deixe-nos ir, ou minha irmã vai cortá-la em mil pedaços com um facão de caça e ela não vai ser gentil! – exclamou irritado. 

— Ah, pelo amor de todos os deuses, chega dessa discussão ridícula! – abrindo caminho por entre os outros, Hefesto veio até nós em seu pouco mais de um metro e meio. – É rei, não é rei, vai socar, não vai socar, vai transar, não vai transar, vai ser gentil, não vai ser gentil… Chega! Quantos anos vocês pensam que têm? Sejam razoáveis!

Enquanto falava, o deus olhava para todos nós com repreensão, como se fosse um professor que tivesse retornado à sala de aula apenas para encontrar todos os alunos se pendurando no teto de ponta-cabeça.

— Afrodite, você não pode nos prender aqui – Hefesto suspirou, unindo as mãos. – Porém, todos sabemos que você é louca e fará de nossas vidas um inferno se não colaborarmos. Além do mais, são apenas três dias e não a eternidade. Foram tomadas precauções para que o mundo não caia aos pedaços, estou certo?

A deusa apenas deu de ombros, assentindo. 

— Bem, então aí está. Todos faremos um pequeno esforço para passar por isso.

Os outros deuses começaram a murmurar entre si, debatendo o que Hefesto havia dito. Se realmente não havia maneira de sair dali, não fazia sentido em piorar a situação.

— Ela mesma disse que somos convidados. Além disso, somos imortais. O que de pior pode acontecer?

Oh, Hefesto, eu gostaria que você não tivesse dito isso.

A deusa do amor soltou um risinho e bateu palmas, mais uma vez.

— Isso mesmo, meu querido! Se quiserem passar três dias com a cabeça enfiada na areia, tudo bem. Mas duvido de que não irão aproveitar – ela deu uma piscadinha, sorrindo de lado. – Agora, vamos todos escolher nossos quartos e explorarmos a ilha. Vocês já devem ter percebido que não trouxeram bagagem, então eu vou providenciar todas as roupas de vocês, não é maravilhoso?

Encarei Afrodite horrorizada. Ela não poderia realmente esperar que eu fosse usar qualquer trapo que ela escolhesse.

— Afrodite, se dependesse de você, todos andaríamos nus nessa ilha por três dias completos! – foi Hades quem exclamou, subitamente irritado.

A deusa do amor deu risada. 

— Ah, querido, não pense que eu não cogitei essa ideia. Resolvi não ir em frente porque sei que seria demais para vocês, assim de cara, mas podem ficar nus se sentirem vontade! Longe de mim dizer o contrário!

Engoli em seco. Repensando as opções, talvez vestir o que Afrodite escolhesse não seria tão ruim.

— Bem, o que estão esperando? Os quartos não são muitos! Xô! – ela moveu as mãos como se estivesse nos expulsando.

— Como é? Teremos que dividir? – exclamou Ártemis, sobressaltada.

— Ora, mas é claro! O objetivo de tudo isso é nos deixar mais unidos, se é que me entende. Sinto que muitos novos deusinhos irão sair dessa aventura.

Mais uma vez, o horror tomou conta de mim. Contorci o rosto com repulsa. Afrodite claramente estava querendo recriar as festas feitas antigamente em homenagem a Dionísio, os famosos bacanais. Regados a muito vinho e loucura, eram festivais em que centenas de pessoas se encontravam para colocar em prática as mais vis de suas vontades.

Em silêncio, fomos guiados pela deusa e por seus servos através de portas de vidro e por um extenso e arejado corredor. Eu precisava dar meu braço a torcer e admitir, apenas intimamente, que aquela era uma bela construção. Em outras ocasiões, poderia ser o local que eu escolheria para passar um tempo longe do Olimpo e de meus afazeres e colocar minhas leituras em dia.

— Isso tudo é tão… Fora do comum – sussurrou Héstia ao meu lado. – Não sei o que pensar. 

— É mais uma loucura de Afrodite, você sabe – suspirei. — Temo que não estejamos vivos daqui três dias. Se o que aconteceu até agora já foi um absurdo, não consigo nem imaginar o que ela planejou para o restante.

A deusa interrompeu sua caminhada e se virou para nós, sorrindo.

— Bem, aqui estamos. 

Não demorou muito para os protestos surgirem enquanto olhávamos ao redor.

— Isso é ridículo, não tem como nos acomodarmos nesses poucos quartos.

— E Poseidon e Hermes? Onde estão? 

— Eles ficarão sem quartos?

— Tanto lugar nessa ilha, não poderia ter mais quartos?

— Ela fez de propósito – murmurei, revirando os olhos. – Onde é o mais afastado?

Ainda sorrindo, Afrodite indicou o caminho. Prontamente comecei a seguir até ele, ansiosa por um pouco de paz e silêncio, enquanto as reclamações continuavam com mais intensidade. O Conselho Olimpiano mal sobrevivia às reuniões e à convivência comum. Ali, estávamos desprovidos de títulos e poderes, impedidos de fugir e em maior número. Se houvesse um deus para quem eu pudesse rezar, eu começaria agora.


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Notas finais do capítulo

Entãoooooo?



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