Sangria Wine escrita por Nunah, Mandy-Jam


Capítulo 3
Dor no saco


Notas iniciais do capítulo

Mais um! Agora as coisas vão começar a andar e mal posso esperar para escrever os próximos hohohoho
Eu, Nunah, irei deixar aqui o meu profundo agradecimento à querida Mandy, que aceitou fazer parte dessa loucura comigo! Deuses, essa menina é um >furacão< escrevendo, vocês não tem noção! E que mente criativa! Hahahaha ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789049/chapter/3

ATENA

Os risinhos inconfundíveis ecoaram pelas paredes de mármore, confirmando minha teoria, infelizmente. Se fosse para escolher, acho que todos votaríamos pela guerra à aguentar mais uma das armações intermináveis de Afrodite.

Todos os olimpianos olharam em volta, à procura do demônio em forma de deusa do amor, mas ninguém a enxergou de primeira. Ela apareceu alguns instantes depois, porém, em meio ao clima de suspense que tanto gostava.

Afrodite se materializou lentamente e, caminhando com o charme de um felino, contornou seu trono, mantendo seus olhos fixos em mim; foi o suficiente para um arrepio subir por minha espinha.

— Eu sabia que você não iria desapontar, Atena – seu sorriso era travesso, como se estivesse se deliciando com o momento, e seus olhos brilhavam.

    — O que você está aprontando dessa vez? – perguntou Ares, colocando a espada de lado. Seu olhar era um misto de curiosidade e preocupação, assim como o de todos os outros. Também havia aqueles que estavam claramente se segurando para não pegar Afrodite pelo pescoço, como Poseidon e Dionísio.

No entanto, em resposta, Afrodite sorriu e devolveu o olhar de forma intensa; um olhar que prometia muitas coisas, nem todas boas para o nosso lado.

    — Não se preocupe, querido. Você vai gostar.

As palavras não foram o suficiente para fazê-lo baixar a guarda, mas o deus lhe cedeu um sorriso hesitante, demonstrando sua cumplicidade e adoração. Senti vontade de socar meu meio-irmão por ser sempre tão burro e facilmente manipulável, mas a Afrodite era perita na arte da persuasão e Ares nunca resistia à uma certa deusa de quadris largos e seios volumosos.

    Não posso esperar muito de você, de qualquer forma. Nunca foi inteligente.

    — Afrodite, você acionou os alarmes de defesa, nos despertou no meio da madrugada, nos arrastou até aqui e ainda se diverte? Hades está aqui! Ele nunca está aqui! – os olhos de Zeus estavam maiores do que o normal e ele emanava um tipo novo de exasperação, sua voz carregada com aborrecimento. Se havia uma coisa que meu pai realmente abominava, essa coisa era ser feito de idiota. – Eu esperaria esse tipo de brincadeira ridícula vindo de Hermes, mas você? Espero que tenha uma boa justificativa, e aconselho que comece a falar logo!

    Em suas mãos, o raio mestre brilhou, inabalável pela discussão, ansioso para cumprir sua função. Afrodite não se incomodou, no entanto, como se a situação estivesse completamente sob controle e tudo corresse conforme o plano. A deusa coçou a ponta do queixo, fazendo uma expressão de uma criança frustrada, enquanto se sentava em seu próprio trono.

    — É claro que eu tenho uma justificativa para isso, senão não acordaria vocês a essa hora. Eu entendo a importância que uma boa noite de sono tem para a beleza. E, sim, posso admitir que talvez os alarmes tenham sido um toque desnecessário – respondeu, calmamente. –, mas que jeito mais fácil e rápido de reunir todos vocês?

    — Ela tem razão quanto ao sono – pude ouvir Apolo sussurrar para Ártemis, enquanto passava a mão por seu próprio rosto; a deusa revirou os olhos, em um cansaço tão profundo e milenar que nenhuma boa noite de sono recuperaria.

Suspirei, tentando conter a irritação. Se dependesse de Afrodite, aquele espetáculo duraria até o amanhecer.

    — O que me deixa profundamente magoada é vocês não entenderem o porquê de eu tê-los chamado aqui. Todos deveriam saber – disse ela, correndo os olhos pelo salão, mas só encontrando rostos confusos, emburrados e sonolentos. – Ah, pelos seios de Gaia! Todos vocês receberam, eu tenho certeza disso.

    Oh, não. Não, não, não.

    — E não adianta dizer que não, porque isso seria um truque velho e extremamente deselegante – uma de suas longas e bem feitas unhas foi apontada para minha direção. Resisti ao impulso de revirar os olhos e me contentei em cerrar os punhos, trincando o maxilar.

Não era possível. Todos os moradores do Olimpo, sendo deuses ou não, haviam sido arrastados de sua cama no meio da noite, desesperados, pensando estar sob um ataque… E tudo por conta de um pedaço de papel cor de rosa.

    — Isso é sobre aquele convite para a – Dionísio estalou os dedos seguidas vezes perto do rosto, os olhos fechados, tentando se lembrar, ao mesmo tempo em que não fazia tanta questão assim. – Caravana Escalada ou qualquer coisa parecida? 

    — Carnival Escarlate – corrigiu Afrodite por entre os dentes, mal disfarçando o desagrado, os olhos a ponto de disparar raios laser e queimá-lo vivo. – Você, por acaso, não leu o convite?

    — Eu li um pouco, sim – admitiu Dionísio em um dar de ombros, sorrindo, vestido com seu pijama ridículo, para depois ficar completamente emburrado mais uma vez. – Antes de queimar. 

    Afrodite deixou seu queixo cair em choque e colocou uma mão sobre o peito, não conseguindo acreditar em tamanha ofensa. 

    — Eu estou sóbrio demais para lidar com uma comemoração sua. Nem todo o vinho do mundo seria o suficiente para me entorpecer a ponto de tornar possível aguentar sua voz por horas a fio, apenas para massagear o seu ego – prosseguiu, irritado. – E, como você bem sabe, eu não tenho nem mesmo uma gota de vinho, então--

— Isso é negociável – murmurou ela, averiguando suas unhas despreocupadamente. Ele se interrompeu no mesmo instante, pensando ter ouvido errado. 

— O que?

Aquela expressão era nova no rosto de Dionísio. Tantos anos acostumados a ver deboche, irritação, cólera… Mas o deus parecia ter levado um tapa no rosto.

— Eu disse que não há justificativas para que vocês faltem à minha festa – emendou Afrodite com um sorriso doce, que tão rapidamente veio, rapidamente se transformou em um semblante amargo e cheio de rancor. – Como também não há justificativas para vocês terem esquecido o meu aniversário!

Sua voz rugiu violenta, fazendo toda a sala tremer. As colunas gregas que sustentavam o céu acima de nossas cabeças sacudiram violentamente, mas mantiveram-se no lugar. Afrodite colocou-se de pé, com impaciência e exalando o poder que muitos se esqueciam que possuía.

— Ah, perdoe-me se eu não me lembrava de seu caro aniversário, ó esplêndida Afrodite – disse Poseidon, o único prepotente o suficiente para desafiar a fúria da deusa do amor, enquanto fazia uma curta reverência. – Eu estava ocupado dormindo

— Você não entende que tem de ser às exatas três horas da manhã? Essa é a hora! – exclamou, irritada, como se tudo fosse extremamente óbvio e nós fôssemos um bando de crianças que não era capaz de empilhar uma pilha de blocos sem ajuda de um adulto. Como Afrodite tinha conseguido a proeza de se tornar mãe, eu não sabia. – Há quase quatro mil anos, eu nasci. Sabe que horas foi isso? Que horas eu saí do mar para o deleite de todos os seres desse planeta?

— Ao amanhecer – respondi, a contragosto, vendo a expressão perdida de Poseidon.

— Ao amanhecer. Sim, eu ia dizer isso – resmungou, desgostoso. Tive vontade de revirar os olhos pela décima vez naquela meia hora.

— Isso quer dizer que quando o Sol se levantar hoje, vai ser o marco de quatro mil anos de existência, uma data importantíssima! Há quatro mil anos, eu fui feita em toda a minha glória do encontro da espuma do mar e--

— Quatro mil anos sendo uma dor no saco – resmungou Dionísio.

— É, nós sabemos o resto, não precisa entrar em detalhes – murmurou Hermes, pronunciando-se pela primeira vez, com cara de nojo.

— Isso ainda não justifica um ataque falso, Afrodite! Um ataque, você tem noção do que é isso ou apenas finge? – Poseidon continuava irritado e a ponto de arrastar a deusa do amor pela ruas do Olimpo, para todos verem. Para minha insatisfação, eu concordava.

Afrodite respirou fundo, fechando os olhos devagar, e soltou o ar lentamente pelos lábios. Quando abriu seus olhos de novo, eles brilhavam de forma ameaçadora. Seu cabelo volumoso começou a ondular como se tivesse vida própria. Ainda em pé, a deusa apoiou uma mão sobre o braço de seu trono e nos encarou com um rancor quase palpável.

— Não querem fazer parte da minha comemoração? Isso seria no mínimo ofensivo, em qualquer outro ano, mas nesse, em especial, é intolerável— sua voz era arrepiante, como se Afrodite estivesse pronta para nos rasgar um por um com suas longas unhas vermelhas. Talvez nosso sangue dourado se tornasse um bonito toque final.

Estrategicamente, pensei em quem eu poderia empurrar para frente como sacrifício primeiro. Dionísio, gordinho e baixinho, seria a melhor opção. Não conseguiria correr muito com suas pantufas de tigre, e era o deus que estava mais próximo dela, de qualquer forma. Talvez Apolo ficasse feliz em ser oferecido como algo de valor, mas seu porte era mais atlético e me daria mais trabalho.

— Eu escolhi meus convidados de forma extremamente crítica e seletiva e, por isso, conto com a presença de cada um de vocês. São olimpianos como eu e não podem ser obrigados a fazer nada que não queiram de verdade – sua mão esmagava o braço do trono com uma força absurda. –, mas se um de vocês, qualquer um de vocês, virar as costas para mim e estragar a minha festa de aniversário, eu irei destruir a vida de todos os mortais.

Zeus fechou a cara, sua mão também apertando o raio mestre. Ares olhava ora para seu pai e ora para Afrodite, um sorriso torto e nada discreto aparafusado no rosto, claramente ansioso para ver uma briga. 

Isso vai ser uma catástrofe, pensei. Ela não é forte o bastante para enfrentar Zeus, mas também não é fraca o suficiente para não causar danos. Faz mil anos desde uma briga assim.

— Não se atreva – a voz de meu pai saiu baixa e agressiva, sorrateira como um relâmpago que prenunciava a tempestade.

— Eu vou negar o mundo de amor e vou observar do alto do meu palácio enquanto eles se destroem em suas ruas – declarou Afrodite, em voz igualmente baixa, com uma determinação inabalável. Ares sorriu um pouco mais, com certeza imaginando o cenário de apocalipse e caos. Naquele momento, eu cheguei mais perto de entender porque se davam tão bem. – Vão se odiar, vão causar guerras, vão se dilacerar até não existir mais pedra sobre pedra e tudo o que sobrar forem ruínas.

— Faria isso tudo só por uma festa de aniversário? – indaguei, pronunciando cada palavra devagar. – Transformaria o mundo em cinzas apenas para ter um capricho tão pequeno atendido?

Afrodite ergueu o queixo de forma orgulhosa.

— Se o amor é negado a mim, então é negado a todos – sua declaração foi em um tom frio e cortante.

Zeus quase rosnou. Meu pai avançou em sua direção, e Dionísio recuou para o lado rapidamente, medo estampado em seus olhos; medo de estar no caminho do deus dos deuses, medo de ser pego no meio daquela disputa, medo do rumo que aquela noite interrompida estava tomando. Alto e imbatível, Zeus ajeitou o raio mestre em suas mãos e apontou para Afrodite.

— A sua audácia e a sua arrogância não vão passar impune, Afrodite. Você--

Toquei em seu braço, interrompendo sua sentença. Meu pai me encarou, nada contente, mas se permitiu ser aconselhado quando enxergou a preocupação tão presente em meus olhos aflitos.

Por mais infantil e egoísta que Afrodite estivesse sendo, eu sabia muito bem que, caso quisesse mesmo castigar a humanidade com mãos tão duras por um motivo tão bobo, ela o faria. Zeus podia feri-la ou puni-la naquele momento, mas isso não impediria o que estava por vir. Era como tentar impedir que a água do mar tocasse a areia apenas a empurrando de volta com um rodo.

Zeus entendeu meu apelo silencioso, e seus ombros relaxaram um pouco, embora sua mão ainda segurasse o raio mestre com força. Seu rosto se voltou mais uma vez para Afrodite e seus olhos se estreitaram.

— Essa será a única vez em que eu vou atender seus pedidos absurdos – afirmou com autoridade. – Da próxima vez, não vou ter compaixão. Vou te reduzir a uma pilha de cinzas antes que tenha a chance de abrir a boca, e vai passar décadas tentando retomar sua forma novamente.

Afrodite não disse nada, apenas aguardou pelo resto.

Eu não acredito que isso está acontecendo, pensei em negação. 

— Nós vamos participar de sua comemoração unicamente pela importância da data, não por suas ameaças vazias – declarou, sem querer admitir que estava, de fato, ameaçado pelo que Afrodite poderia fazer com o mundo mortal.

— Não pode estar falando sério – disse Hades, no canto da sala. Ele havia se recostado à parede e colocado as mãos nos bolsos, deslocado e despreocupado com toda aquela discussão infundada, mas uma expressão de descrença estava em seu rosto.

— Eu não brinco quando estou com sono, irmão – Zeus respondeu, amargo. – Todos nós vamos nos juntar a essa celebração. 

— Com licença – começou Apolo, erguendo o braço. Zeus o encarou de sobrancelhas erguidas, e ele sorriu em nervosismo. – Oi. Hmm. Pai. Como vai? Então, temos uma pequena questão. Alguns de nós têm certas obrigações a cumprir, como levar o Sol pelo céu. Então acho que essas pessoas poderiam ser dispensadas do evento para--

Ninguém vai ser dispensado – cortou ele, sem dar abertura para os argumentos de Apolo e, provavelmente, outros deuses também. – Todos vamos participar, sem exceções. 

Seus olhos então voltaram-se para Poseidon, que o observava com os braços cruzados e uma expressão fechada. O deus dos mares teve uma briga silenciosa com Zeus, ambos lançando olhares intensos e críticos um sobre o outro.

Foi Afrodite quem quebrou o silêncio que começava a pesar novamente, batendo palmas com uma animação que não combinava com a raiva e o rancor expressados minutos atrás. A deusa do amor abriu um largo sorriso, quase sem conseguir se conter parada.

— Eu sabia que vocês iriam concordar! Vocês vão adorar! – exclamou, encantada. Ninguém nem diria que havia sido tudo por conta de uma ameaça de destruir o mundo mortal. – Eu pensei em tudo nos mínimos detalhes e vou tornar essa experiência inesquecível! Nós estamos precisando disso, tenho certeza. Vamos, queridos, por que essas caras tristes? Não é aniversário de Hades, isso não é um enterro!

— Eu estou bem aqui, Afrodite – murmurou o deus do submundo, ofendido. Eu não conseguia me recordar se algum dia havíamos comemorado o seu aniversário, afinal de contas. Talvez devêssemos.

— E vai ficar muito feliz de estar bem aqui e fazer parte disso. Vivemos muitos anos repetindo nossas tarefas, nossas rotinas, dia após dia, ano após ano... – a deusa do amor começou a tagarelar um discurso que já devia ter praticado diversas vezes em frente ao espelho. – Presos no que é esperado que nós sejamos, escravos de nossas próprias imagens. Hoje, tudo irá mudar. Iremos celebrar o novo. Celebrar as nossas novas escolhas e os prazeres e as surpresas que elas podem nos trazer.

Afrodite abriu os braços, como se quisesse abraçar a todos nós de uma única vez. 

— Eu convido todos vocês a se juntarem a mim no Carnival Escarlate – anunciou, mais uma vez.

Se eu ouvir o nome dessa festa de novo, vou atravessar você com a minha lança.

— Certo – Apolo abriu um sorriso vacilante. – E a festa será onde, mesmo?

O sorriso da deusa do amor não foi nem um pouco vacilante. Foi tudo, menos vacilante. Engoli em seco.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tô aqui quase pulando de animação!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sangria Wine" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.